Linguagem e economia política em ativismos no twitter sobre o uso de ‘linguagem neutra’

Inês Signorini,
Maria Inêz Lucena

Resumo

Nas últimas décadas, os ativismos LGBTQIA+ em todo o mundo têm reivindicado uma linguagem mais inclusiva, criando termos não binários inteiramente novos ou reformulando palavras e construções gramaticais já existentes. No Brasil, tal reivindicação adquiriu recentemente papel relevante na agenda política oficial, tendo sido objeto de ações oficiais de repúdio e indignação, através de projetos de lei que têm buscado proibir o uso institucional dessa linguagem alegando falta de legitimidade linguística, moral e política. O foco deste artigo está na abordagem da questão da linguagem neutra numa rede social, o Twitter, em discussões de natureza metapragmática no desenho estratégico do chamado bolsonarismo algorítmico nas redes sociais. Conforme mostramos, a articulação de discursos contemporâneos sobre economia linguística (GAL; IRVINE, 2000) e ativismo político nas redes sociais (MALY, 2018; 2020; CESARINO, 2019a; 2019b) por brasileiros que se posicionam sobre a adequação e legitimidade do conceito de linguagem neutra se dá graças ao grafocentrismo escolar e de senso comum que legitima a divisão e ordenação de formas e sentidos linguísticos, correlacionando-os à divisão e ordenação dos atores sociais entre aqueles que falam/podem falar porque reproduzem convenções institucionais do “bom uso” da língua e os que só fazem ruído, nos termos de Rancière (1995). A base empírica é constituída de tweets produzidos em 2021-2022 e coletados através de buscas por palavras-chave incluindo a expressão “linguagem neutra”.

Introdução

A abordagem da questão da linguagem neutra no Twitter vem sendo pautada por padrões metacomunicativos e metapragmáticos de caráter sistêmico. Não restritos a uma plataforma ou mídia, esses padrões são próprios de configurações contemporâneas de lutas sociopolíticas e ideológicas em que tecnologias digitais têm papel constitutivo, como no caso específico das lutas que têm dado corpo e voz à chamada ‘nova direita’ conservadora e populista (MALY, 2018a[1], 2018b[2], 2020[3]; CESARINO, 2019[4]; 2020). Segundo Maly (2020[3]), além da agentividade dos atores humanos nessas lutas, há que ser considerada, na comunicação mediada por tecnologias digitais, a agentividade algorítmica, de que se vale, segundo ele, o ‘populismo algoritmo’ da nova direita contemporânea. Como um fenômeno construído e mediatizado por muitos seguidores, o ‘populismo algoritmo’ tem grande capacidade de retroalimentação e garante que postagens obtenham inúmeras curtidas, que sejam retuitadas e comentadas tanto por cidadãos comuns, quanto por ativistas que se tornam responsáveis por dar suporte a postagens (MALY, 2020[3]).

Especificamente no caso de mensagens pelo Twitter, conforme demonstrou Blommaert (2018) em estudo sobre tweets do ex-presidente americano Donald Trump, a infraestrutura algorítmica dessa plataforma favorece a expressão escrita de uma retórica oral de natureza performática: através do uso de recursos do discurso escrito (sobretudo recursos de ênfase, como o uso de letras maiúsculas e de sinais de pontuação, por exemplo), tanto é salientada a relevância do que está sendo dito, quanto são sugeridos os fragmentos a serem reproduzidos e como devem ser reproduzidos (tom, modulação, por exemplo). Tal dimensão performática pode ser melhor observada quando potencializada pelo ‘populismo algorítmico’ através de estratégias e táticas de retroalimentação, tanto por influenciadores formadores quanto por usuários comuns, culminando na viralização desses fragmentos, ou reprodução em looping.

Conforme pretendemos mostrar na sequência desse artigo, discussões no Twitter sobre o conceito e as implicações da questão do uso de linguagem neutra na comunicação social é um exemplo de exploração dessas potencialidades pelo bolsonarismo algorítmico, com destaque para o principal vetor mobilizado na configuração da discussão e nas táticas de retroalimentação através da rede: ao invés de uma demanda de natureza propriamente sociopolítica e específica de um grupo de falantes/cidadãos, trata-se de uma demanda de natureza linguística e metapragmática de caráter geral, ou generalizante, sobre como são/devem ser os usos das formas linguísticas na interação social, oral ou escrita. Através dessa configuração, puderam ser invocados e atualizados princípios, normas, experiências escolares e de senso comum no uso da língua para se compreender e avaliar como irrelevante, descabida, ou arbitrária e injusta, a demanda de mudança na língua em benefício de um grupo minoritário e marginal em relação ao grupo majoritário dos cidadãos comprometidos com a ‘defesa’ da ‘língua nacional’ ameaçada.

A função propriamente política dessa configuração da discussão adquiriu grande visibilidade no desenho estratégico da economia política do bolsonarismo algorítmico1 porque passou a indiciar uma luta orquestrada nacionalmente pela manutenção dos parâmetros herdados da tradição grafocêntrica de divisão e ordenação de atores sociais (os que podem falar e os que só fazem ruído, nos termos de Rancière (1995[5]) e de diferenciação e ordenação de formas e sentidos (IRVINE; GAL, 2000[6]; JOHNSTONE, 2018[7]; IRVINE, 2021[8]), notadamente as que contam (ou são legítimas) e as que não contam (ou porque são ilegítimas, ou porque não fazem sentido). Os anúncios de projetos orquestrados de proibição do uso institucional da linguagem neutra em nível municipal, estadual e federal2 alimentaram as trocas na rede em torno do tema no período focalizado.

Pretendemos mostrar, ainda, que os discursos especialistas trazidos para discussão no período focalizado, inclusive os emprestados aos estudos linguísticos, contribuíram para uma redução sistemática da questão da linguagem neutra a uma questão de variação do português a ser tolerada, ou não, conforme o grau de normatização e institucionalização adquirida, ou seja, conforme o grau de assimilação a uma norma parametrizada pela escrita.

A base empírica deste trabalho é constituída por tweets produzidos em 2021 e 2022 em torno dos projetos legislativos de proibição da linguagem neutra em todo o país e coletados através de buscas por palavras-chave que incluíam a expressão ‘linguagem neutra’. A seguir, nas figuras 1, 2 e 3 estão reproduzidos3 três exemplos de tweets de divulgação desses projetos de lei em três Estados diferentes4 .

Figure 1. FIGURA 1 - Tweet de divulgação de projeto de lei estadual (SP) prevendo pagamento de multa. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: https://twitter.com/DAVILAFREDERICO.

Figure 2. FIGURA 2 - Tweet de divulgação de projeto de lei estadual (RJ). Último acesso: 22.05.2023. Fonte: https://twitter.com/deputadomoraes/status/1554775330778488832.

Figure 3. FIGURA 3 – Divulgação de projeto de lei estadual (MS) por jornal conservador. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: https://twitter.com/msconservador.

1. Linguagem neutra e ativismo bolsonarista

No caso brasileiro, a reivindicação de uma linguagem neutra pelos ativismos de gênero (feminismo; ativismo queer) e de direitos humanos data do início dos anos 2000. A polêmica, no entanto, foi, de fato, instalada em 2015, especialmente entre políticos conservadores e acadêmicos, quando foi aprovada uma versão do Plano Nacional de Educação (PNE)5 que excluía do texto a palavra ‘gênero’. A partir desse debate, as discussões sobre o uso da linguagem neutra ganharam mais espaço e muitos/as professoras/es e ativistas ligados/as a grupos com pautas progressistas e identitárias passaram a usá-la de modo mais recorrente, demarcando uma postura política em favor de múltiplas identidades de gênero.

Mas ao ser capturada pelo ativismo bolsonarista, a discussão ganhou visibilidade transversal nas redes através dos mecanismos e infraestrutura digitais mobilizados pelo “populismo algorítmico” bolsonarista, empenhado não apenas em atrair a atenção das pessoas comuns e da mídia convencional, mas também em envolver essas pessoas na dinâmica de construção de uma voz que, como enfatiza Maly (2020[3]), se quer verdadeiramente popular e autêntica (a voz do povo), e que passa a circular em redes comunicativas híbridas, envolvendo não só políticos, influenciadores e ativistas, mas também “apoiadores voluntários”, simpatizantes de ocasião, bots e gerenciadores humanos e não humanos dos fluxos de informação e dos tipos de envolvimento dos usuários. Conforme explica Fisher:

A economia política das mídias sociais é única em permitir a integração e a conflação de processos anteriormente distintos de produção, circulação e consumo. Não só estão ocorrendo no mesmo local, mas também estão se alimentando uns aos outros. A produção de informações pelos usuários é monitorada, agregada, analisada e transformada em mercadorias de informação, que são posteriormente consumidas pelos usuários, e assim sucessivamente. (FISHER, 2015, p. 1114[9])

O tweet a seguir (Figura 4), produzido por um dos inúmeros perfis de nomes fictícios da rede ativista pró-Bolsonaro, é um convite a pessoas/cidadãos “de bem” que ainda não participam da rede:

Figure 4. FIGURA 4 -Tweet de 03 de julho, 2022. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: https://twitter.com/Damadeferroofic/status/1543624968424005632.

Em sua maioria, pessoas/cidadãos “de bem” são identificadas por esses ativistas como pessoas que defendem valores relacionados a família, pátria e religião6 Essas classificações simbólicas demarcam eixos diferenciados nos quais, segundo Irvine (2022), "feixes de características contrastam com outros feixes de acordo com um único princípio de contraste" (IRVINE, 2022, p. 231). Tais feixes servem para apontar um eixo como seguro e próximo e o outro, como perigoso e distanciado. No exemplo acima, o perigo está na “Imprensa, Pesquisas, Classe artística, Banqueiros, Metacapitalistas, Bots”, cujos interesses são controlados por Lula, o político de esquerda. Em contraste, a proximidade é estabelecida com Bolsonaro, o político de extrema-direita que, segundo o tweet, é controlado pelos interesses d”O Povo” e que precisa “contar” com o apoio do maior número.

A “topologia fractal” da dinâmica do “populismo algorítmico”, conforme enfatizado por Cesarino (2019b), é o que garante a organicidade e a capilaridade do sistema como um todo, com destaque para o trabalho voluntário de reprodução da “voz do povo” em miríades de redes pessoais em diferentes plataformas. Uma voz feita de reverberações de falas e imagens, que produzem o efeito das chamadas “câmaras de eco” (TERREN; BORGE, 2021[10]) na veiculação da informação atrelada a valores e estilos específicos, embora não necessariamente convergentes ou complementares. Segundo Cesarino, em manifestações desse tipo, estabelece-se a diferenciação sintagmática (nós-eles) e paradigmática do “líder-povo”, constituindo-se e justificando-se como um modelo eficaz da necessidade de amplificação de uma voz autêntica do povo.

A troca de tweets abaixo transcrita (Figura 6) é reveladora da topologia fractal, de que fala Cesarino, na medida em que permite observar como essa dinâmica da diferenciação sintagmática (nós-eles) e paradigmática do “líder-povo” em torno de eixos contrastantes vai sendo reverberada na rede em configurações locais e específicas, ou seja, adaptadas a diferentes contextos e interlocutores, o que garante a organicidade e capilaridade do sistema. Essa troca envolveu, inicialmente, dois políticos (o prefeito de Criciúma e uma deputada federal do PSDB de Santa Catarina - Figura 5), mas na sequência de mensagens transcrita em seguida (Figura 6), os protagonistas são sobretudo um pastor evangélico e um crítico da movimentação dos políticos envolvidos com os projetos de lei para proibir o uso da linguagem neutra7 .

Figure 5. FIGURA 5 – Postagem do Prefeito de Criciúma, que aparece ao lado da deputada federal Geovania de Sá, ambos do PSDB (SC). Fonte: https://twitter.com/ClesioSalvaro. Último acesso: 22.05.2023.

Figure 6. FIGURA 6 – Tweets datados de 20 de agosto de 2021. Último acesso: 30.10.2021. Fonte: Twitter.

Na sequência acima, é interessante observar um estranhamento, expresso no primeiro tweet, pela captura da questão da linguagem neutra pelo sistema bolsonarista – não há como proibir a língua(gem) das pessoas, portanto trata-se de perda de tempo e dinheiro. É interessante também observar como, no desenvolvimento da sequência, vai se organizando a partilha das designações e (des) qualificações em torno de dois eixos contrastantes, apontados já na primeira reação do pastor ao estranhamento expresso no início: trata-se de contrapor um “pensamento esquerdista” no eixo do negativo e distante (pensamento “inútil, deletério, e destrutivo”; “elite privilegiada xexelenta e preguiçosa”; “anarquistas imorais”) a um pensamento “conservador” no eixo do positivo e próximo (cidade “top, rica, limpa, empreendedora e desesquerdizada”; “quem manda é o povo”, não o político). Como se pode verificar, não há, de fato, espaço de discussão, na medida em que o pastor se coloca na posição daquele que sabe e chama a atenção do outro, que não sabe, que não pode compreender (“Sei que para vc é difícil compreender isso”) e que, para vir a saber, para vir a compreender, deve aderir ao pensamento conservador, ou seja, mudar de posição, não apenas em relação à movimentação política em torno dos projetos de lei, mas também em relação às estruturas e redes socioculturais e políticas de referência (“toda essa bobagem de justiça social”).

2. Apelo aos discursos oficiais, escolares e de senso comum sobre o uso “correto” da língua nacional

A abordagem da questão da linguagem neutra em outros países (CARRASCOSA, 2022[11]; FALORNI; OVIEDO, 2022[12]; MUÑOZ; ARROYO, 2022[13]; BLANCO, 2022[14]) tem mobilizado esse mesmo modelo dos eixos contrastantes descrito na seção anterior, sendo que no Brasil, a partir de meados de 2019, a discussão adquiriu a dimensão de uma “luta metadiscursiva” (SILVERSTEIN; URBAN, 1996[15]) e metapragmática (SILVERSTEIN, 1993[16]; MEY, 2001[17]; SIGNORINI, 2008[18]). Essa luta se constitui em uma disputa de natureza política e ideológica sobre usos e regulamentação dos usos linguísticos por grupos e indivíduos diferentemente posicionados em estruturas e redes de poder e autoridade, chamados a exercer suas capacidades metalinguísticas e metacomunicativas no exame da questão. O julgamento, nessa disputa, não ocorre com base em critérios linguístico-discursivos estritos e sim com base nas “posições e identidades dos falantes e de sua língua numa dada ordem sociocultural e política” (SIGNORINI, 2006, p. 170[19]). E nessa luta, a linguagem neutra assumiu a função de mais um indexador do rol de inimigos a serem combatidos e eliminados pelo ativismo algorítimico: mais um indexador da chamada “ideologia de gênero” e suas relações com uma esquerda dita corrupta e “relativista”, com o comunismo e o feminismo ditos ateus, globalistas e autoritários.

Parte dessas relações estão explicitadas nos tweets abaixo transcritos (Figuras 7, 8 e 9), produzidos nos dois últimos anos em reação a postagens de políticos bolsonaristas anunciando a proibição do uso da linguagem neutra em diferentes localidades.

O primeiro (Figura 7) foi produzido por um ativista insatisfeito com as ações do governo federal no combate às ameaças da “doutrinação” e da “engenharia social feminista” nas escolas. É relevante o fato da lei mencionada em sua mensagem para justificar sua insatisfação ser a que inclui a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica e instituir a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher (alteração da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional):

Figure 7. FIGURA 7 – Tweet datado de 13 de julho de 2021. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: Twitter.

O segundo tweet (Figura 8) foi produzido por um simpatizante à causa da defesa da língua e da soberania nacionais gravemente ameaçadas, segundo ele, pela linguagem neutra:

Figure 8. FIGURA 8 – Tweet datado de 06 de julho de 2022. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: Twitter.

O terceiro tweet (Figura 9) manifesta apoio à proibição, em uma escola de Porto Alegre (RS), de uma peça de teatro em linguagem neutra, considerada “uma ofensa gramatical”, e não uma linguagem inclusiva:

Figure 9. FIGURA 9 - Tweet datado de 10 de novembro de 2021. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: Twitter.

Mas para a questão da linguagem neutra funcionar como indexador capaz de mobilizar todo o sistema e fazer circular formas e sentidos (des) (re) contextualizáveis e (re) entextualizáveis - os fragmentos de dimensão performática de que fala Blommaert (2018[20]) -, em cadeias heterogêneas - a fractalização do sistema de que fala Cesarino (2019b[21]) -, fluidas e dinâmicas - a capacidade de retroalimentação do sistema, de que fala Fisher (2015[9]) -, os ativismos bolsonaristas têm se apoiado num conjunto de reduções importantes. São reduções na apreensão e compreensão não só da linguagem neutra enquanto componente de práticas performáticas minoritárias, como também da língua portuguesa enquanto língua nacional, portanto oficial da escola e demais instituições. Os tweets acima (Figuras 7, 8 e 9) aludem, justamente, a um confronto e disputa, sempre presente na rede, entre majoritário institucional, oficial e, portanto, legítimo, e uma ameaça minoritária perturbadora da ordem institucional, portanto ilegítima: “não existe linguagem neutra”. Essa é uma expressão consistentemente replicada na rede, emprestada à retórica oral performática de diferentes perfis públicos em defesa dos projetos legislativos de proibição da linguagem neutra.

3. O papel do grafocentrismo

O grafocentrismo escolar, historicamente associado às ideologias linguísticas de sustentação do nacionalismo moderno (a noção de língua nacional) e do letramento escolar (o modelo “autônomo” de letramento, confome Street (1984[22]), e a noção de correção formal parametrizada pela escrita), foi o enquadramento mais geral dado à luta metadiscursiva e metapragmática apontada na seção anterior. O grafocentrismo, como “a ideologia que privilegia formas alfabéticas de letramento”, como resume Souza (2017, p. 1[23]), tornou “esse corpo de pesquisa cúmplice da reprodução continuada da lógica da colonialidade que universaliza uma epistemologia ocidental relacionada ao letramento.”

E esse enquadramento grafocêntrico tem sido produtivo no contexto do ativismo algorítimico por dois aspectos interrelacionados. O primeiro é o fato de os discursos institucionais, sobretudo os escolares, sobre o uso “correto” da língua, no sentido gramatical ou ortográfico, serem de senso comum, mesmo que fragmentariamente, para a maior parte dos internautas que se manifestam na rede, inclusive os defensores da adoção da linguagem neutra. Assim, enunciados que vigoram em contextos escolares e em discursos oficiais, como “é preciso ensinar a norma culta na escola”, “não há dúvida de que se deve ensinar a gramática normativa nas aulas de português”, por exemplo, são facilmente reconhecidos, compartilhados e dados como premissas indiscutíveis para toda avaliação de formas e usos linguísticos. São enunciados reproduzidos e legitimados também por professores/as e especialistas, ao justificarem seu repúdio à linguagem neutra pelo contraste com o sistema linguístico descrito pela gramática ou pela linguística variacionista.

Os tweets abaixo (Figuras 10 e 11) ilustram as reverberações mais comuns no período, concernentes a esse primeiro aspecto, com destaque para o tweet postado pelo policial militar que ocupou o cargo de Secretário Especial da Cultura do governo Bolsonaro (Figura 10) e que ilustra, além do apelo à concepção grafocêntrica da língua como sistema (sintaxe), o apelo ao conceito naturalista de uma relação biunívoca entre a ordem do sistema linguístico e a ordem do mundo (realidade), de modo que uma perturbação na ordem do linguístico implicaria numa perturbação na “percepção da realidade” e a consequente instauração de uma espécie de regime do falso, da irrealidade (“não linguagem”):

Figure 10. FIGURA 10 - Tweet de ex-Secretário Especial da Cultura do governo Bolsonaro datado de 23 de  julho de 2021. Último acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

O segundo tweet (Figura 11) ilustra o mesmo apelo à concepção grafocêntrica da língua, mas desta vez para justificar a associação da discussão sobre uso da linguagem neutra na escola a uma “pauta” da direita, à qual é preciso resistir:

Figure 11. FIGURA 11 - Tweet datado de 6 de maio de 2022. Último acesso: 22.05.2023. Fonte: Twitter.

O segundo aspecto relacionado ao papel do enquadramento grafocêntrico na dinâmica do bolsonarismo algorítimico é o fato da normatização e da padronização institucionalizadas como padrões de diferenciação e avaliação dos usos linguísticos e dos falantes na cena pública e em testes institucionais não serem questionadas pela maior parte dos internautas que se manifestam na rede, inclusive os defensores da adoção da linguagem neutra. Os tweets abaixo (Figuras 12 e 13) ilustram como tais padrões de diferenciação estão relacionados com os princípios mais gerais do combate bolsonarista.

No primeiro (Figura 12), a linguagem neutra é associada a um suposto erro de pronúncia por desconhecimento da ortografia do português (“Nóbel” ao invés de Nobel) por um professor universitário, adversário político do bolsonarismo e “seguidor” de um ensino deficiente ou equivocado (“ensino ciclado”; “ensino Paulo Freire”), porque não tem como objetivo “falar ou escrever certo”. E em função isso, é um ensino que quer “impor” a linguagem neutra. O padrão de correção linguística aludido pelos internautas nesse exemplo é o dos testes institucionais de seleção de candidatos:

Figure 12. FIGURA 12 - Tweet datado de 18 de Novembro de 2022. Último acesso: 12.02.2023. Fonte: Twitter.

No caso do segundo tweet (Figura 13), a linguagem neutra deve “ser levada em conta”, mas de forma marginal, segundo o internauta. E a razão apresentada é a falta de legitimação oficial para seu uso:

Figure 13. FIGURA 13 - Tweet datado de 1 de Julho de 2021. Último acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

Essa ideia de que a linguagem neutra escapa ao âmbito da língua nacional se radicaliza com a associação a uma língua inventada por um poder centralizador e autoritário, uma “novilíngua”, designação emprestada ao livro 1984, de George Orwell, então frequente nas publicações do “canal conservador” Brasil Paralelo e reverberada exaustivamente nas redes, como no tweet de 11 de julho de 2022: “To relendo 1984 e foi impossível não fazer a associação entre a novilíngua e linguagem neutra”.

A radicalização está no argumento de que essa “novilíngua” concorreria com a língua nacional e com a “norma padrão” ou “culta”, isto é, com a língua oficial do país e com a língua de prestígio no ensino, no intuito de substituí-la. E esse intuito é também explicado em termos orwellianos por uma professora influenciadora bolsonarista num podcast divulgado no twitter em 03.11.20218: “Vem muito mais de uma militância que tem o objetivo de modificar como a gente fala, depois como a gente pensa e depois como a gente age". Verifica-se, pois, nesse movimento de radicalização, o que descrevem Gal e Irvine (2019[24]) e Irvine (2021[8]) sobre constructos ideológicos enquanto “formulações que partem de suposições, envolvem processos semióticos e mobilizam projetos sociais” (IRVINE, 2021, p. 230[8]).

4. Implicações do enquadre grafocêntrico

Em função do enquadre grafocêntrico dado à questão da linguagem neutra no período aqui focalizado, passaram, então, a compor o tratamento dado ao tema pelos ativismos bolsonaristas, os seguintes processos de redução: redução da noção de linguagem, redução das funções atribuídas à língua, redução do conhecimento especializado sobre língua/linguagem, e redução das metapragmáticas da língua em uso, conforme descrito a seguir:

1. a redução sistemática da noção de linguagem (performance corporificada; semiose) à de língua (sistema abstrato, gramática; cultura alfabética).

Os dois tweets a seguir são ilustrativos desse tipo de redução. No primeiro (Figura 14), são contrapostos dois sistemas linguísticos considerados diversos – a língua portuguesa e a linguagem neutra:

Figure 14. FIGURA 14 - Tweet datado de 20 de Julho de 2022. Último acesso: 22.05.23 Fonte: Twitter.

No segundo (Figura 15), são contrapostas duas modalidades tidas como legalmente excludentes – a norma culta da língua portuguesa e a linguagem neutra:

Figure 15. FIGURA 15 - Tweet datado de 10 de fevereiro de 2021. Último acesso: 22.05.23. Fonte: Twitter.

2. a redução da função de representação (identidades não binárias), cara aos ativismos de gênero, à função de comunicação (transferência de informação) e de avaliação institucional (padronização regulada/promulgada institucionalmente).

Os dois tweets a seguir são ilustrativos desse tipo de redução. No primeiro (Figura 16), a regulamentação institucional apontada pelo internauta, e que exclui a linguagem neutra de “dentro” do português, é o “Acordo Ortográfico de 1990”:

Figure 16. FIGURA 16 - Tweet datado de 14 de junho de 2021. Acesso: 22.12. 2022. Fonte: Twitter.

No segundo (Figura 17), são os requisitos da comunicação, vista pelos internautas como uma questão de simplicidade/simplificação, de lógica, de ortografia, de eficiência “sem bobagem e egoísmo”, que tornam a linguagem neutra uma complicação desnecessária, descabida mesmo:

Figure 17. FIGURA 17 - Tweet datado de 23 de junho de 2022. Acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

3. a redução do conhecimento especializado sobre linguagem e língua ao conhecimento escolar dos manuais de língua portuguesa, exaustivamente reproduzido em diferentes plataformas por professores de português, assumindo o papel de influenciadores experts no assunto.

É o que ilustram os dois tweets a seguir. No primeiro (Figura 18), o apelo a uma “base teórica” de sustentação para os projetos de proibição do uso da linguagem neutra por políticos bolsonaristas se traduz por um apelo à reprodução de noções e regras gramaticais articuladas à ideologia grafocêntrica de uma “língua-pátria” unificada e, com frequência, à estratégia de estabelecimento de eixos em contraste que dividem e hierarquizam os falantes de acordo com o uso de formas linguísticas (IRVINE, 2022, p. 231).

Figure 18. FIGURA 18 - Tweet datado de 8 de abril de 2022. Acesso: 12.12.2022 Fonte: Twitter.

No segundo tweet (Figura 19), a linguagem de “uma turminha sem noção” é vista como uma “aberração”, sobretudo uma ameaça à expertise que qualifica e legitima a autoridade dos professores de português:

Figure 19. FIGURA 19 - Tweet datado de 18 de novembro de 2021. Acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

4. a redução da pluralidade das metapragmáticas da língua em uso, articulada à diferenciação das formas e usos em níveis e escalas em relação à língua padrão (variação linguística) e a padrões diferenciadores de ordens sociopragmáticas de poder e autoridade (polarização diglóssica9; hierarquização dos falantes). Assim, a variação linguística (variação de formas a serem, ou não, incorporadas ao sistema linguístico) é reduzida a falar certo e falar errado. No mesmo eixo contrastivo se dá a hierarquização dos falantes: quem tem condições de falar e quem deve ficar calado.

Os dois tweets a seguir são ilustrativos desse tipo de redução. No primeiro (Figura 20), a linguagem neutra é considerada uma não linguagem, ou uma linguagem desautorizada institucionalmente, na medida em que indexa, segundo o internauta, a condição marginal, irrelevante, ou mesmo irreal do grupo que a reivindica (um “nicho queer do twitter”, os professores):

Figure 20. FIGURA 20 - Tweet datado de 4 de Maio de 2021. Último acesso: 12.05.2023. Fonte: Twitter.

No segundo tweet (Figura 21), a aprovação do projeto municipal de proibição do uso da linguagem neutra é apresentada como uma vitória sobre os que a reivindicam ou defendem e que devem ser “barrados”, silenciados: um “dialeto não binário” é uma não língua:

Figure 21. FIGURA 21 - Tweet datado de 1 de julho de 2022. Último acesso: 12.05.2023 Fonte: Twitter.

5. As contribuições dos estudos linguísticos incorporados à discussão no Twitter

No intuito de equacionar e esclarecer o que seria linguagem neutra e porque ela estava sendo criticada e até proibida pelos ditos conservadores nas redes, muitos internautas, sobretudo estudantes e professores/as de Letras e Linguística se valeram da noção de variação e mudança linguísticas associadas à de preconceito linguístico, segundo a tradição sociolinguística variacionista. O que significa compreender a linguagem neutra como uma modalidade “informal” da língua portuguesa e, portanto, sujeita à mesma dinâmica de outras modalidades da língua que, embora “vivas”, no sentido de utilizadas por falantes no país, ainda não integram a norma padrão culta da língua. Sendo assim, a linguagem neutra está sujeita ao mesmo “preconceito linguístico” que as demais modalidades de menor prestígio, e ainda não incorporadas à norma (escrita ou veicular) prestigiada pela escola e demais instituições. Mais raramente, são expandidas as referências aos estudos linguísticos, com alusões às noções de linguagem e discurso, ou seja, não restritas à de língua como sistema ou gramática.

Os dois tweets abaixo foram extraídos de discussões envolvendo tanto apoiadores quanto contrários ao uso da linguagem neutra. São representativos do equacionamento dado à questão à luz dos estudos sociolinguísticos e em resposta à afirmação reverberada no sistema bolsonarista de que “linguagem neutra não existe”.

No primeiro tweet (Figura 22), o apelo à teoria linguística visa a sustentar as seguintes afirmações: a de que a linguagem neutra existe, pois é falada; é uma variação linguística e, como tal, deve ser respeitada; e é de natureza oral e não escrita, escapando, portanto, aos parâmetros normativos parametrizados pela escrita:

Figure 22. FIGURA 22 -Tweet datado de 29 de Maio de 2022. Acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

No segundo tweet (Figura 23), a mesma noção de variação linguística mobilizada no exemplo anterior vai sustentar a afirmação de que a linguagem neutra não é uma variação linguística porque é uma linguagem artificial (não surgiu naturalmente), o que é refutado pelo segundo internauta:

Figure 23. FIGURA 23 - Tweet datado de 12 de Maio de 2021. Acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

6. Discussão e considerações finais

Conforme descrito nas seções anteriores, a questão da linguagem neutra, tal como foi discutida no Twitter no período focalizado, encena uma disputa que, na maior parte das vezes, mantém fora de foco sua razão de ser, que é a demanda de visibilidade e voz por parte de uma comunidade minoritária que tensiona a língua portuguesa em sua capacidade tanto de representá-la (políticas identitárias de gênero), quanto de criar realidades que favoreçam sua emancipação sociopolítica e econômica (políticas de inclusão). Ao concentrar seus recursos em iniciativas orquestradas de afirmação da falta de legitimidade de uma língua dita inventada para concorrer com a língua nacional, o sistema bolsonarista ao mesmo tempo em que mantém a questão em pauta (projetos de lei muito parecidos, quando não com as mesmas palavras10 que vão se sucedendo em todo o país e que alimentam as conversas na rede), impede que ela se torne, de fato, uma questão real (“linguagem neutra não existe”) e legítima (“linguagem neutra é erro de ortografia”) na cena pública. O fato de grande parte dos projetos de lei e decretos de proibição dos usos da linguagem neutra terem sido considerados inconstitucionais depois de aprovados em plenário aponta justamente para o caráter estratégico dessa movimentação envolvendo políticos da maioria dos Estados brasileiros.

E quem vai mais claramente justificar o apagamento de vozes minoritárias no debate público é a então deputada estadual Ana Campagnolo11 do Partido Liberal (PL) de Santa Catarina, numa entrevista videogravada sobre o projeto de lei de sua autoria que “estabelece medidas protetivas aos estudantes de Santa Catarina ao aprendizado da Língua Portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais”12

Ao comentar a participação de ativistas pró-linguagem neutra em uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte por um vereador do mesmo partido e autor de outro projeto de proibição dos usos da linguagem neutra no município, ela assim descreve como vê os jovens “de hoje”:

por que hoje, os nossos adolescentes eles estão tão vazios por dentro e tão enfeitados por fora! (...) o excesso de informação exterior, o excesso de performance, inclusive a própria Judith Butler fala isso: como é que nós vamos combater a heteronormatividade? Pra quê combater a heteronormatividade, cara? as pessoas nascem assim, né? Mas é uma bandeira deles (...) então você vê o jovem hoje, ele cria um monte de firula pra falar, ele cria um monte de termos novos pra se comunicar, não se comunica da forma básica (...) a mesma coisa a vestimenta: você vai conversar com o cara, por dentro, ele é extremamente vazio, é deprimido, ele se mutila, ele sofre, não tem objetivo de vida, ele não tem propósito de vida, o cara tá vazio por dentro, mas por fora o cara tá todo enfeitado. Então, assim, é uma era do espetáculo (...) E eles querem fazer isso com o idioma, cara! Isso me revolta muito. (https://youtu.be/zAy1E4Ha8QI Acesso em 20.12.22)

É interessante observar nessa descrição dos “nossos adolescentes”, dos “jovens de hoje”, uma série de reduções: da performance enquanto linguagem corporificada, enquanto semiose, ao “enfeite”, à “firula”, ao “espetáculo” vazio. Assim, a linguagem neutra torna-se mais um adereço, um “enfeite” para cobrir o “vazio”, o sofrimento, a depressão, a desorientação de quem a usa. A referência a Judith Butler e à “bandeira” de combate à heteronormatividade, assim como à Sociedade do Espetáculo (DEBORD, 2003[25]) traz para a discussão um ponto de vista de inspiração acadêmica e dá especificidade ao que havia genericamente chamado de adolescentes e jovens “de hoje”: a desqualificação é a da comunidade LGBTQIA+, apesar de não nomeada enquanto tal, como interlocutora válida numa discussão com representantes do Estado.

E essa desqualificação vai se reproduzir também por redução da não binariedade de gênero à homossexualidade (referência a sexo e não a gênero), um tema explorado em vídeos e palestras pela deputada Campagnolo e outros porta-vozes do sistema bolsonarista, e reverberada exaustivamente na rede.

Conforme apontam nossas análises, verifica-se que a ideologização do campo sociolinguístico resultou numa reconfiguração das variedades linguísticas em torno de dois eixos contrastivos (IRVINE, 2021[8]), feitos de oposições simplificadas e genéricas, e de processos de iconização, projeção recursiva e apagamento (IRVINE; GAL, 2009[6]). De um lado, o eixo da língua legítima, referendada pelas instituições e que adquire função icônica, ou seja, passa a representar a própria língua nacional e, por extensão, dá legitimidade também aos indivíduos e grupos que reproduzem o metadiscurso de sustentação dessa relação de iconicidade (IRVINE; GAL, 2009[6]), mas que não necessariamente reproduzem a variedade tida como icônica. É o que observa o internauta no tweet abaixo (Figura 24):

Figure 24. FIGURA 24 - Tweet datado de 8 de julho de 2021. Acesso: 12.12.2022. Fonte: Twitter.

A essa língua legítima se contrapõe a linguagem neutra enquanto uma língua ilegítima porque inventada por minorias marginais na cena pública. Conforme apontam Irvine e Gal (2009), através de um processo de “recursividade fractal”, as dicotomias e divisões estabelecidas em nível das formas e repertórios linguísticos são reproduzidas em outros níveis, como no caso das divisões e hierarquizações entre os cidadãos “de bem”, respeitosos da língua nacional/norma culta/língua padrão e os que criam “firula pra falar”, que não se comunicam “da forma básica”, que não têm “objetivo de vida”, nos termos da deputada Campagnolo, na citação acima. E esse é um processo importante porque, conforme enfatizam Irvine e Gal (2009[6]), cria-se um Outro imaginário, simplificado e essencializado, em oposição ao qual se firmam as identidades “genuínas”. Um outro a ser combatido, ou a ser eliminado. A nível do simbólico, é através do processo de apagamento/combate/eliminação da linguagem neutra que vão perdendo visibilidade as reivindicações do grupo minoritário julgadas ilegítimas (“aberração”), inconsistentes (“firula”), irreais (“bobagem” esquerdista, “idiotice” de internet).

Informações complementares

Avaliação e resposta dos autores

Avaliação: https://doi.org/10.25189/rabralin.v22i1.2143.R

Editora: Raquel Freitag

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4972-4320

Afiliação: Universidade Federal de Sergipe

RODADAS DE AVALIAÇÃO

RODADA 1

Avaliadora 1: Julia Lourenço

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8571-8879

Afiliação: Universidade de São Paulo

Tanto a escolha do tema "linguagem neutra", quanto o corpus analisado, extraído da rede social twitter têm relevância de uma perspectiva teórica e também social. O texto é bem redigido e atende ao gênero "relato de pesquisa", apresentando, com base nos dados coletados, uma reflexão, teoricamente embasada, sobre o"populismo algorítmico" bolsonarista e as polêmicas geradas em torno de projetos delei sobre o uso da linguagem neutra, os posicionamentos de especialistas sobre o tema e a consequente redução da visibilidade do grupo minoritário nela representada. Contudo, a apresentação dos dados é inconsistente. A começar pela fonte de algumas das figuras apresentadas, que consta apenaso site "https://twitter.com" (Figura 1) ou apenas "Fonte: Twitter" (figuras 2 a 10, porexemplo), sem indicar o link completo das publicações. A figura 1 (p. 5), ainda,apresenta cinco capturas de tela diferentes, sem especificar essa informação. Muitasdas chamadas "figuras" que compõem o corpus do relato de pesquisa são transcriçõesdo texto verbal publicado na rede social twitter, tal como a "figura 2" e as "figuras 26 e 27". Além disso não há padronização no modo de apresentar os dados, por vezes hátambém uma captura incompleta de tela (como na figura 12).

Ainda que a argumentação e análises do texto tenham certa consistência, ocorpus deve ser melhor apresentado e sistematizado, para que haja maior coesão. Há um grave problema gerado pela falta de padronização de apresentação do corpus, o que reflete a compreensão das autoras sobre a rede social twitter não como umambiente de produção de textos sincréticos, uma vez que apenas o texto verbal émuitas vezes recortado. A figura 28, na página 18, sintetiza a questão. A seguir duas imagens, umacom o modo como o trecho é recortado da rede e apresentado no texto, e o original do twitter.

Para além de uma escolha de metodologia de pesquisa, a inconsistência naapresentação dos dados prejudica a leitura, progressão e compreensão do relato depesquisa. Dessa forma, o texto deve ser revisado, padronizando e tambémsistematizando o corpus considerado, para apresentá-lo com menos redundâncias emais articulado à teoria mobilizada.

Avaliador 2: Samuel Ponsoni

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9802-3267

Afiliação: Universidade Federal de Minas Gerias

O relato de pesquisa em questão faz uma discussão bastante acertada e precisa em relação à chamada linguagem neutra. Partindo de um espaço em que esses discursos habitam e têm bom palco de observação e compreensão, ou seja, a rede social Twitter, as autoras buscam refletir diversos processos de uma pesquisa que empreenderam, sejam pelos aspectos teóricos, sejam pelos aspectos metodológicos, a fim de chamar atenção em como a língua faz-se de um espaço sobretudo político-ideológico, em que diversas disputas ganham formas e conteúdos em sentidos e efeitos de sentidos. Portanto, do ponto de vista da importância política, social, e os trabalhos científico precisam levar em conta tal dimensão, o trabalho traz grande importância.

Diante desses aspectos sociais, as autoras, então, relatam análises de algoritmos que organizam os debates e mesmo os usos de linguagem neutra, como processo discursivo de luta pelas identidades ideológicas. Não à toa, autores e autoras como Fanny Georges, Dominique Cardon, Marie-Anne Paveau, Giuliano da Empoli, entre outros, vão dar grande destaque ao "poder" dos algoritmos, pelos rastros e direcionamentos que eles criam. Isto é, produzem "identidades calculadas", por meio de "controladores que, no limite, nos constroem. "

Ainda assim, gostaria de ressaltar que, do ponto vista teórico, é difícil julgar um relato de pesquisa com a justiça e discernimento corretos. Neste gênero, sem um acompanhamento mais longo, não se tem considerações mais profundas. Ainda assim, sugeriria às autoras que desenvolvessem melhor os conceitos metadiscursivos/metapramáticos no trabalho a ser publicado, os quais, aparentemente, são conceitos que as autoras mobilizam há algum tempo, mas, como leitor leigo e sem mais acessos, senti falta de uma explicação mais densa sobre. Além disso, faria uma revisão redacional/gramatical: há períodos longos, repetidos; falta de acentuação em algumas palavras; uma revisão da organização do corpus da pesquisa, com as imagens e textos extraídos do Twitter, também seria bem-vinda.

Em suma, sugiro a publicação deste relato.

Conflito de Interesse

As autoras não têm conflitos de interesse a declarar.

Link para ,[object Object]

https://www.researchgate.net/publication/371079978_LINGUAGEM_E_ECONOMIA_POLITICA_EM_ATIVISMOS_NO_TWITTER_SOBRE_O_USO_DE_'LINGUAGEM_NEUTRA'_LANGUAGE_AND_POLITICAL_ECONOMY_ON_TWITTER_ATIVISM_ABOUT_NEUTRAL_LANGUAGE_Relatorio_de_Pesquisa

Protocolo e Pré-Registro de Pesquisa

Avaliando os roteiros propostos pela Equator Network, consideramos que nenhum deles se mostra relevante para a pesquisa em tela. Também informamos que a pesquisa desenvolvida não foi pré-registrada em repositório institucional independente.

Declaração de Disponibilidade de Dados

Os dados, códigos e materiais que suportam os resultados deste estudo estão disponíveis para consulta sob demanda em drive institucional de responsabilidade das autoras.

Agradecimentos

Agradecemos aos colegas Pedro M. Garcez (UFRGS), Margarete Schlatter (UFRGS), Neiva M. Jung (UEM) e Daniel N. Silva (UFSC) pelas contribuições a uma versão anterior deste artigo.

Fontes de financiamento

Bolsa PQ CNPq no. 303322/2022-5 e projeto Universal CNPq no. 404390/2021-8

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