Considerações terminológicas sobre a fonologia da Libras

Silvana Alves Cardoso

Resumo

Debatida por André Xavier, Thiago Steven e Elisane Alecrim, a mesa redonda intitulada Aspectos fonético-fonológicos da Libras trata da apresentação das pesquisas dos seus respectivos membros, no que diz respeito à temática fonético-fonológica da Libras. Xavier, com o foco nas Expressões Não Manuais (ENM) lexicais da Libras, objetiva saber quantos e quais são os articuladores empregados da realização das ENM lexicais e se tais ENM são estáveis ou dinâmicas na sinalização. Santos, com interesse na expressão de intensidade na Libras, visa pesquisar e analisar a expressão de intensidade em Libras. E Alecrim, com ênfase no sistema de notação da Configuração de Mão, propõe uma comparação, a partir de dados da Libras, entre três sistemas de notação: Stokoe (1960), Liddell e Johnson (1989) e Johnson e Liddell (2011).

Texto

Desde o surgimento dos primeiros estudos sobre línguas de sinais de um modo geral, historicamente iniciados com as pesquisas de William Stokoe (1960[1]), os linguistas e estudiosos vêm desempenhando um árduo trabalho na tentativa de analisar, descrever e sistematizar os mais variados fatos linguísticos presentes nessas línguas. No Brasil, a obra pioneira Por uma gramática de línguas de sinais (1995[2]), de Lucinda Ferreira Brito, é, por exemplo, um desses empreendimentos descritivos, em termos de pensar uma sistematização gramatical para a Língua de Sinais Brasileira (Libras).

As reflexões apresentadas na mesa redonda, intitulada Aspectos fonético-fonológicos da Libras[3], do evento virtual Abralin ao Vivo: Linguists Online, ocorrida no dia 24 de julho de 2020, também se configuram como um desses empenhos para explicar os fenômenos linguísticos da Libras. A mesa em questão é composta pelo professor Dr. André Nogueira Xavier, atualmente professor da Pós-Graduação em Letras e do curso de Letras Libras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que abordará as Expressões Não Manuais lexicais na Libras, e por dois dos seus orientandos de Mestrado, a saber, Thiago Steven dos Santos, com a temática A expressão de intensidade em Libras, e Elisane Conceição Alecrim, com o tema Análise da configuração de mão entre três sistemas de notação em Libras. E dispõe, ainda, da participação dos intérpretes Priscila Simões e Peterson Simões, ambos ligados à UFPR, para a tradução oral das discussões.

Em seu estudo, Expressões Não Manuais lexicais na Libras, André Xavier objetiva saber quantos e quais são os articuladores empregados da realização das ENM lexicais e se tais ENM são estáveis ou dinâmicas na sinalização. Para tanto, inicia a sua fala caracterizando a ENM como sendo o contexto em que não se tem o uso das mãos na produção dos sinais, como, por exemplo, o emprego da cabeça, da sobrancelha, da bochecha, entre outros. Nessa perspectiva, apresenta os caminhos das pesquisas para as ENM: ora são tratadas como ENM afetivas, isto é, expressam a emoção do sinalizante, ora como ENM linguísticas, ligadas à estrutura gramatical dos sinais. E em acréscimo, mostra, com base nos estudos de Brennan (1992), a classificação dos sinais, que podem ser manuais (apenas mãos), multi-modais (mãos e ENM) e não manuais (apenas ENM). Xavier utiliza-se do dicionário Capovilla e Raphael (2001), especialmente no que diz respeito à descrição das ENM, do qual faz uma reanálise dos 368 sinais multimodais encontrados. Ao término, conclui que, no geral, utiliza-se mais de um articulador na produção da ENM lexical, localizado especificamente na inferior da face, e que as ENM são mais estáveis que dinâmicas.

Em sequência, Thiago Santos apresenta o seu estudo, A expressão de intensidade em Libras, que tem como objetivo pesquisar e analisar a expressão de intensidade em Libras. Inicialmente, faz um levantamento referencial dos estudos sobre a expressão de intensidade em outras línguas de sinais, como a ASL (Língua de Sinais Americana) e ISL (Língua de Sinais Israelense), que dispõem, por exemplo, de mudanças de intensidade não manuais e manuais. Com o foco na expressão de intensidade na Libras, Santos realiza o seu estudo a partir da análise, com o uso da ferramenta de transcrição ELAN, de 7 sinais (dos 32 disponíveis no trabalho sobre descrição da intensidade em Libras desenvolvido por Xavier (2014)) – selecionados com base nos critérios sem contato com o corpo (CHUVA e EXPERIÊNCIA), com contato inicial (NÃO-SABER e FÁCIL), com contato permanente (ALÍVIO e VONTADE) e com contato final (SOFRER) – produzidos por 12 sujeitos surdos (6 homens e 6 mulheres, com idade entre 17 a 60 anos) da cidade de São Paulo. E, desse modo, conclui que a intensidade em Libras pode ser expressa por meio de aspectos manuais (alongamento do movimento) e aspectos não-manuais (sobrancelha franzida), ambos sofrendo variação em sua forma intensificada de acordo com o sujeito sinalizante.

Por sua vez, Elisane Conceição Alecrim, no seu trabalho Análise da configuração de mão entre três sistemas de notação em Libras, propõe uma comparação, a partir de dados da Libras, entre três sistemas de notação desenvolvidos para a Configuração de Mão (CM), a saber, Stokoe (1960), que projeta uma categorização global para CM, composta por 19 símbolos; Liddell e Johnson (1989), que estuda a CM com base em três conjuntos de traços articulatórios (antebraço, polegar e dedos); e Johnson e Liddell (2011), que lança uma análise codificada mais detalhada da CM com ênfase na caracterização anatômica. Para a realização da pesquisa, Alecrim analisa, também como uso da ferramenta de transcrição ELAN, 26 sinais (dos 60 coletados pelo estudo de Barbosa e Xavier (2014)), selecionados com base no critério realizado pelo menos uma vez com a configuração ‘B’/‘E’, organizados em três categorias (monomanuais, bimanuais equilibrados e bimanuais não equilibrados) e produzidos por 12 sujeitos surdos (6 homens e 6 mulheres, com idade entre 17 a 60 anos) da cidade de São Paulo. Ao término, Alecrim conclui que o sistema de notação da CM de Stokoe (1960[1]) aproxima-se de uma perspectiva mais fonológica, por se tratar de um estudo global da CM, já o de Johnson e Liddell (2011, 2012), de uma perspectiva mais próxima da fonética, por envolver todos os detalhes da CM, e o sistema de notação de Liddell e Johnson (1989) é uma espécie de sistema intermediário entre as duas notações anteriores.

De fato, são pesquisas instigantes e representativas que contribuem, e muito, com o campo de estudo das unidades mínimas abstratas da Libras, bem como com os estudos linguísticos em línguas de sinais de uma maneira geral. E é nessa direção que questões de cunho terminológico também devem ser olhadas com atenção nessa conjuntura de pesquisas em Libras, pois, como ressalta Benveniste (1989, p. 252[4]), “a constituição de uma terminologia própria marca, em toda ciência, o advento ou o desenvolvimento de uma conceitualização nova, assinalando, assim, um momento decisivo de sua história”. Portanto, a precisão terminológica é, também, um aspecto exigido pelo fazer científico enquanto constatação linguística, uma vez que tão necessário e importante quanto a descoberta dos constituintes de uma língua é a sua devida nomeação.

Nessa perspectiva, encontram-se, na literatura especializada da área, cada uma representando, portanto, a percepção teórica/discursiva do seu proponente, algumas propostas de atualização da nomenclatura para o campo da, conhecida, Fonologia da Libras, no que diz respeito aos termos da tradição oral (e de raiz etimológica sonora) Fonologia e Fonema, como forma de levantar a reflexão sobre o emprego de termos que melhor representam a realidade linguístico-modal dos elementos da Libras. São elas: Visologia e Visema, de Mariângela Barros (2008[5]); SematosEma e SematosEmia, de Fernando Capovilla (2015[6]); Signema e Sigmanulogia, de Valdo Nóbrega1 (2016[7]); Sinema e Sinologia2, de Vicente Masip (2019).

E, embora existam tais perspectivas terminológicas, a preferência continua a ser pelos termos conservadores cunhados para os estudos das línguas orais, com a justificativa de estarem adotando as mesmas nomenclaturas para atender e não se distanciar da tradição conceitual linguística já consolidada.

Muito além da ideia da partilha de universais linguísticos e da referência a elementos mínimos abstratos presentes tanto nas línguas orais quanto nas línguas de sinais, essa preferência revela ainda, por outro lado, a força hegemônica das línguas orais, tidas como majoritárias, sobre as línguas de sinais, consideradas minoritárias, evidenciando a influência político-discursiva, de natureza social, das primeiras, que asseguram (e, por que não, impõem), por vezes, a preservação dos termos nas investigações linguísticas das últimas.

Referências

BARROS, Mariângela Estelita. ELiS – Escrita das Línguas de Sinais: proposta teórica e verificação prática. 2008. Tese (Doutorado). Uni-versidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2008.

BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri. Revisão do Prof. Isaac Nicolau Sa-lum. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976.

CAPOVILLA, Fernando César. Paradigma neuropsicolinguístico para refundação conceitual e metodológico da linguagem falada, escrita e de sinais para alfabetização de ouvintes, deficientes auditivos, surdos e surdocegos. In: CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Wal-kiria Duarte; MAURÍCIO, Aline Cristina L. (Org.). Novo Deit-Libras: Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado em Linguística e Neurociências Cognitivas. Vol. I: (sinais de A a H). 3ª edição (ver. e ampl.). São Paulo: edito-ra da Universidade de São Paulo, 2015.

FERREIRA. Lucinda. Por uma gramática de línguas de sinais. [reimpr.]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010.

ASPECTOS fonético-fonológicos da Libras. Mesa redonda debatida por André Nogueira Xavier, Thiago Steven dos Santos e Elisane Conceição Alecrim. [S.l.: s.n.], 2020. 1 vídeo (1h48min39seg). Publicado pelo canal Abralin. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5aPGHLpMBcs&t=2513s. Acesso em: 29 jul 2020.

NÓBREGA, Valdo Ribeiro Resende da. Sigmanulogia: proporcionando uma teoria linguística da língua de sinais. Revista Leitura, Alagoas, v.1, n. 57, p. 198-218, 2016.

STOKOE, William C. Sign language structure. Reedição. Silver Spring, Maryland: Linstok Press, 1960.