Um estudo dos graus de equivalência entre os termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada no Brasil e na França

Milena de Paula MOLINARI,
Beatriz CURTI-CONTESSOTO,
Maurizio BABINI

Resumo

O objetivo deste trabalho consiste em analisar a terminologia do domínio do ciclismo, mais particularmente da modalidade ciclismo de estrada, refletindo sobre os diferentes graus de equivalência mantidos entre os termos em português do Brasil e francês da França que denominam as partes principais da bicicleta de estrada. Para tanto, adotamos os princípios teóricos e metodológicos da Terminologia, sobretudo no que tange à Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) e aos critérios de delimitação da terminologia em pauta. Além disso, fundamentamo-nos na Terminologia Bilíngue, na medida em adotamos critérios que nos permitiram estabelecer os graus de equivalência entre as unidades terminológicas estudadas. Como resultados principais, verificamos que os graus de equivalência entre esses termos são, em sua maioria, totais. Há, no entanto, sete casos de equivalência parcial, uma vez que consideramos que esses termos não apresentam exatamente o mesmo uso no domínio do ciclismo de estrada no Brasil e na França. 

Introdução

Atualmente, grande parte da população busca um estilo de vida mais saudável e com mais qualidade e longevidade. Assim, é possível observar o aumento de pessoas nos parques, fazendo atividades ao ar livre, bem como um aumento de atividades indoors, realizadas em academias, por exemplo. De forma geral, essas pessoas buscam, por meio do exercício físico, prazer momentâneo e qualidade de vida a longo prazo, como melhoria do sono e das dores articulares, mais disposição para as atividades diárias, dentre outros benefícios.

O exercício físico pode ser realizado por meio de diversas atividades, tais como o ciclismo – que nos interessa particularmente em nossa investigação. O ciclismo é um esporte altamente praticado na busca por um estilo de vida mais saudável, pois há uma forte relação entre o rompimento de distâncias e a sensação de liberdade e de velocidade muito prazerosa aos seus praticantes (LESSA; MORAES E SILVA, 2017[1]). Nesse sentido, a escolha do tema envolvendo o ciclismo é devido ao crescimento considerável desse esporte no Brasil e no mundo. Esse fato pode ser observado nas ruas e nas estradas em que há grandes grupos de ciclistas em busca de qualidade de vida ou melhoria da performance nessa atividade.

Considerando o exposto, apresentamos, neste trabalho, um recorte de nossa tese de Doutorado, que propõe a criação de um glossário bilíngue português-francês dos termos fundamentais do ciclismo, nas modalidades ciclismo de estrada e Mountain Bike, partindo do português do Brasil em busca dos equivalentes em francês da França. Especificamente neste artigo, apresentamos os resultados referentes à nossa análise sobre os graus de equivalência português-francês mantidos entre os termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada.

Para tanto, fundamentamos nossa pesquisa na Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), sistematizada por Cabré (1999[2]), e, mais especificamente, na Terminologia Bilíngue (AUBERT, 1996[3]; DUBUC, 1985[4]). Este artigo está organizado da seguinte forma: primeiramente, apresentamos alguns aspectos teóricos nos quais nos baseamos para a realização deste trabalho; em seguida, expomos a metodologia que empregamos para a delimitação do conjunto terminológico estudado e para o estabelecimento dos graus de equivalência desses termos; na seção seguinte, analisamos os equivalentes em francês das unidades terminológicas em português que denominam especificamente as partes principais da bicicleta de estrada; e, por fim, encerramos com algumas considerações finais seguidas das referências utilizadas neste trabalho.

1. Fundamentação teórica

O domínio do ciclismo compreende uma vasta quantidade de modalidades ciclísticas, tais como a de ciclismo de estrada, a de Mountain Bike, a de ciclismo de pista, a de contra-relógio, a de BMX, a de ciclismo do triathlon, dentre outras. Para atuar nessas modalidades, o ciclista precisa de uma bicicleta específica em termos estruturais. Nesse sentido, a bicicleta de Mountain Bike, por exemplo, possui pneus mais grossos, próprios para pedalar em estradas de terra ou montanha. Já o ciclismo de pista, por sua vez, é praticado em um velódromo e, assim, as bicicletas são mais parecidas com as bicicletas de estrada, mas não são exatamente iguais porque as competições do ciclismodepistasãomaiscurtaseintensas, eháumacertaperseguição entre os adversários. Desse modo, cada modelo de bicicleta procura atender às necessidades da modalidade correspondente.

No ciclismo de estrada, que particularmente nos interessa neste trabalho, as bicicletas possuem pneus mais finos, que diminuem o atrito com o chão e, por isso, são mais rápidas. Além disso, elas possuem um modelo mais aerodinâmico, em que o ciclista fica mais curvado para que seu contato com o vento seja menor – o que permite que ele alcance velocidades mais altas. Um atleta profissional chega a pedalar em média 40 km/h em rodovias planas.

O ciclismo de estrada é a modalidade praticada nas rodovias por grandes grupos de ciclistas que formam um pelotão. Segundo Gilbert (2008, p. 4[5]), os ciclistas precisam ser aptos a subir montanhas e a pedalar em rodovias rápidas. Assim, a prova dessa modalidade é um teste de habilidade e resistência. Nesse sentido, é necessário saber as técnicas de pedalar dentro de um pelotão, já que o ciclismo de estrada é um esporte perigoso por ser praticado em rodovias.

Em provas de atletas profissionais, o ciclismo de estrada é um esporte praticado em grupo, dividido por equipe, em que apenas um atleta é o vencedor. As equipes são formadas por um número grande de atletas que se revezam durante a prova para que o líder chegue bem até o final e vença a etapa. Dentre as provas mais famosas, destacamos o Tour de France, que ocorre todos os anos na França desde 1903 (LETOUR, 2017[6]). Essa é a prova mais antiga de ciclismo de estrada para atletas profissionais. Durante a execução dessa prova, os atletas pedalam por três semanas e passam por várias cidades francesas. Ao final de cada etapa do Tour de France, o líder da etapa seguinte recebe uma camiseta amarela, chamada de maillot jaune, que permite que os fãs o identifiquem.

O Tour de France foi a primeira prova de ciclismo de estrada e alguns anos depois surgiu o Giro d’Italia (GIRODITALIA, 2017[7]). Em seguida, outras provas também apareceram na Europa, tais como a Paris-Nice em 1933 (PARIS-NICE, 2017[9]) e a Volta da Espanha (LAVUELTA, 2017[8]) em 1935. Esses campeonatos influenciaram (e influenciam até hoje) os amantes desse esporte e, principalmente, o comércio de bicicletas ao redor do mundo. De acordo com Lessa e Moraes e Silva (2017[1]), foi a partir do Tour de France que essa prática esportiva deixou de ser um esporte elitizado e passou a ser mais praticado entre atletas amadores.

Assim, o Tour de France, por ter sido o primeiro campeonato de ciclismo de estrada, é também o maior e mais influente. Desde a sua primeira edição, o esporte amador dessa modalidade foi crescendo ao longo dos últimos anos de tal maneira que existem amadores que treinam e competem quase como os profissionais; a diferença é que eles não têm um financiamento para isso. Hoje em dia, por exemplo, já existem etapas do Tour de France para amadores em vários países do mundo.

Do ponto de vista econômico, há um grande crescimento não só do comércio de bicicletas, mas também de equipamentos, de vestuário e de novas profissões, como, por exemplo, a de mecânicos que trabalham exclusivamente com bicicletas e a de bike fitters, uma profissão nova que vem ganhando seu espaço no mercado de trabalho1.

Outro aspecto econômico interessante diz respeito à evolução dos modelos de bicicletas na modalidade de ciclismo de estrada. Nesse sentido, de acordo com Gilbert (2008[5]), essas bicicletas eram de aço pesado, e, atualmente, elas são feitas com materiais leves, como alumínio, titânio e fibra de carbono. Dessa maneira, o preço das bicicletas varia bastante, entre R$ 1000,00 e R$ 70.000,00, e há alguns modelos que custam até mais do que esses valores.

Além disso, houve a modernização dos equipamentos, do vestuário, da mão-de-obra, o que nos mostra o forte impacto desse esporte na economia do Brasil e do mundo. Em termos quantitativos, somente no Brasil há mais de 70 milhões de bicicletas atualmente (REVISTA BICICLETA, 2019[10]). Assim, vemos que “o mercado como um todo está crescendo, com mais pessoas interessadas em conhecimento, informação e divulgação, indo além da compra de bicicletas” (REVISTA BICICLETA, 2019[10]).

Considerando a importância desse esporte nas sociedades brasileira e francesa, propomo-nos a estudar a terminologia do domínio do ciclismo de estrada. Nesse sentido, este estudo se dá no campo da Terminologia, que está, a todo momento, em contato com outras ciências. De acordo com Barros (2004, p. 34[11]):

Os estudos terminológicos fornecem as bases teóricas e metodológicas para inúmeras pesquisas, tendo aplicações no ensino das línguas (materna e estrangeira), na tradução, na elaboração de obras terminográficas (dicionários especializados), no ensino de disciplinas técnicas e científicas, na documentação, no jornalismo científico, nas ciências sociais, na transferência do saber técnico e científico, na produção industrial e nas políticas linguísticas. (BARROS, 2004, p.34[11])

Desta maneira, nosso trabalho se propõe a realizar um estudo interdisciplinar, na medida em que reúne a Terminologia e o estudo dos esportes, mais especificamente o do ciclismo de estrada.

No que tange aos aspectos teóricos adotados em Terminologia, consideramos que o termo terminologia, grafado com t minúsculo, denomina o conjunto de termos de uma área de especialidade (exemplo: a terminologia do domínio do ciclismo de estrada). Esse termo se distingue de Terminologia grafada com T maiúsculo, que se refere ao campo de estudos, isto é, à disciplina científica que estuda as terminologias das áreas de especialidade (BARROS, 2004[11]).

O campo de estudos da Terminologia são as línguas (ou linguagens) de especialidade. Pavel e Nolet (2003[12]) as definem como “sistema de comunicação oral ou escrita usado por uma comunidade de especialistas de uma área particular do conhecimento” (PAVEL; NOLET, 2003, p. 124[12]). Nas linguagens de especialidade, podemos encontrar as unidades lexicais que são chamadas termos ou unidades terminológicas. O termo é a unidade padrão da Terminologia definida como a denominação, “por meio de uma unidade linguística, de um conceito definido em uma língua de especialidade” (ISO 1087, 1990, p. 5[13]). Dentre as vertentes teóricas da Terminologia, adotamos, em nossa pesquisa, a da Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), sistematizada por Cabré (1999[2]). Essa perspectiva científica entende o termo como uma unidade lexical que assume o estatuto de termo quando usada em um determinado contexto de especialidade. Assim sendo, “os termos não pertencem a um domínio, mas são usados em um domínio com valor singularmente específico” (CABRÉ, 1999, p. 124, tradução nossa[2]). De acordo com Cabré (1999[2]),

Em linhas gerais, a teoria que propomos pretende dar conta dos termos como unidades singulares e às vezes similares a outras unidades de comunicação, dentro de um esquema global de representação da realidade, admitindo a variação conceptual e denominativa, e levando em conta a dimensão textual e discursiva dos termos. Para atingir seus propósitos, esta teoria se fundamenta em um conjunto de princípios que se descrevem por uma série de fundamentos coerentes com os pressupostos. (CABRÉ, 1999, p. 120, tradução nossa[2])

Por entender o termo do ponto de vista comunicativo, essa corrente teórica prevê que uma mesma forma lexical pode denominar vários conceitos ou, então, que pode existir mais de uma expressão para denominar um mesmo conceito.

A terminologia denominativa das partes principais da bicicleta de estrada foi levantada com base em um corpus textual aqui entendido como um “conjunto de textos selecionados que serve de base a uma análise terminológica” (PAVEL; NOLET, 2003, p. 119[12]). Para a identificação e a delimitação dos termos simples e sintagmáticos, consideramos alguns critérios baseados no grau de lexicalização dos sintagmas. Esses critérios foram propostos por Barros (2007[14]), os quais são:

Designação de um conceito de área de especialidade: se a unidade lexical denominar um conceito particular da área de especialidade em questão, então esta pode ser um termo.

Não-separabilidade dos componentes: se ao separar os componentes, o significado original dessa unidade for assim modificado, concluímos que não pode haver essa separação.

Existência de uma definição: se já houver em um dicionário especializado uma definição da unidade terminológica, essa provavelmente será um termo.

Compatibilidade sistêmica: conjunto de termos que designam conceitos relativos a elementos de um mesmo campo conceptual. (...)

Substituição sinonímica: substituir um sintagma lexical por um termo simples ajuda na identificação dos termos.

Maneabilidade: facilidade de uso do termo em questão em textos especializados.

Imprevisibilidade semântica: neste caso o interpretante pode conhecer o sentido separadamente de cada palavra do sintagma, sem conhecer o sentindo particular do termo sintagmático ou composto. (BARROS, 2007, p. 42-50[14])

Além disso, levamos em consideração a relevância semântica, ou seja, se um determinado termo é ou não importante para o campo de estudos, independentemente da sua frequência em nosso corpus de análise.

Em Terminologia, os estudos podem se dar do ponto de vista intra- ou interlinguístico. No caso das pesquisas interlinguísticas, ou seja, que envolvem mais de uma língua, cabe à Terminologia Bilíngue fornecer os subsídios para o estabelecimento dos equivalentes dos termos de uma língua de partida (LP) em uma língua de chegada (LC).

Nesse sentido, fundamentamo-nos na Terminologia Bilíngue a fim de encontrarmos as equivalências em francês dos termos em português denominativos das partes principais da bicicleta de estrada. Com relação à busca de equivalentes2, vários autores discorrem sobre a temática, tais como Dubuc (1985[4]), Felber (1987[15]) e Alpízar-Castillo (1995[16]). Esses autores propõem esquemas que demonstram os diferentes graus de equivalência existentes entre as unidades terminológicas de duas línguas. No quadro a seguir, temos o contraste das propostas desses três autores:

Dubuc (1985) Felber (1987) Alpízar-Castillo (1995)
Equivalência (total) Equivalência exata de conceitos Total recobrimento do conteúdo
Equivalência parcial Intersecção de conceitos Recobrimento parcial do conteúdo
Superioridade de conceitos
Vazio de equivalência (total e parcial) Não equivalência de conceitos Total falta de equivalência
Table 1. Quadro 1: Tipologia dos graus de equivalência por Dubuc (1985), Felber (1987), Alpízar-Castillo (1995) e Cabré (1999) Fonte: os autores, com base em Jesus e Alves (2009, p. 302[17]).

Como vemos, Felber (1987[15]) estabelece “quatro graus de equivalência, considerando que os conceitos podem se dar em uma relação de equivalência exata, de intersecção, de superioridade e de não equivalência” (CURTI-CONTESSOTO, 2019, p. 46[18]). Por sua vez, Dubuc (1985[4]) e Alpízar-Castillo (1995[16]) reconhecem três graus de equivalência. Apesar de as propostas de Dubuc (1985[4]) e Alpízar- Castillo (1995[16]) abordarem as equivalências em menor número do que Felber (1987[15]), acreditamos que é provável que tenham incluído o grau de superioridade na segunda classificação de suas respectivas tipologias (JESUS; ALVES, 2009[17]).

Dentre as classificações de graus de equivalência apresentadas, adotamos a proposta de Dubuc (1985[4]) sobre os graus de equivalência por acreditarmos que é a que melhor se encaixa em nosso estudo. Esse autor considera três graus, chamados de equivalentes totais, equivalentes parciais e vazios de equivalência e ilustrados a seguir:

Figure 1. Figura 1: Graus de equivalência, segundo Dubuc (1985, p. 55) Fonte: adaptado de Jesus e Alves (2009, p. 301[17]).

No primeiro círculo, o termo da LC recobre totalmente o conceito do termo da LP e apresenta mesmo uso e mesmo nível sociolinguístico. Trata-se, portanto, de um caso de equivalência total. No segundo círculo, há alguns traços coincidentes entre os termos A e B, mas não todos. Por isso, eles são considerados equivalentes parciais. Por fim, o terceiro caso representa a situação em que esses termos não possuem nenhum traço em comum e, por isso, é chamado de vazio de equivalência.

Com base nessa proposta de Dubuc (1985[4]), entendemos que, para que o termo da LC possa ser considerado equivalente total de um termo da LP de um mesmo domínio de especialidade, três critérios devem ser observados, a saber: 1) se o termo da LC denomina o mesmo conceito do termo na LP de uma área de especialidade; 2) se esses dois termos ocorrerem no mesmo domínio nas duas línguas estudadas, isto é, se apresentam exatamente o mesmo uso; 3) se o termo da LC tem o mesmo nível de língua da LP. Caso os dois termos atendam a pelo menos um ou a no máximo dois critérios, eles serão considerados equivalentes parciais; se não atenderem a nenhum dos critérios apresentados, eles serão considerados vazios de equivalência; mas, se atenderem a todos os critérios, serão classificados como equivalentes totais.

Assim, levando em consideração os graus de equivalência propostos por Dubuc (1985[4]), fizemos as análises dos termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada a fim de verificar os graus de equivalência português/francês mantidos entre eles.

2. Metodologia

Para realizarmos este estudo constituímos quatro corpora, a saber: o CICLIBR, composto por manuais de bicicleta de estrada em português e que foi dividido em dois subcorpora, o CICLBR-Orig (com manuais de fabricantes brasileiros) e o CICLBR-Trad (com manuais franceses traduzidos para o português); o BIBLIOCorpusBR, que contém dicionários, bases terminológicas, livros, artigos, sites e revistas especializadas em ciclismo de estrada no Brasil; o CICLFR, que reúne manuais de bicicletas de estrada de fabricantes franceses; e o BIBLIOCorpusFR, que se compõe de uma bibliografia especializada em francês no domínio em pauta, bem como das bases terminológicas e dos dicionários consultados.

O corpus CICLBR serviu de base para o levantamento dos termos em português analisados neste trabalho. Assim, os manuais que o compõem foram transformados em arquivos txt com o intuito de serem armazenados no Hyperbase (2019[19]). Dentre as funcionalidades dessa plataforma, utilizamos a ferramenta Concordance, graças à qual nos foi possível adquirir duas listas (uma referente ao CICLBR-Orig e outra, ao CICLBR-Trad) com as concordâncias de todos os itens lexicais presentes nos documentos do CICLBR. A título de ilustração, expomos, a seguir, um recorte da lista de concordâncias do CICLBR:

Figure 2. Figura 2: Lista de concordâncias de pedivela

Como podemos observar na Figura 2, essa lista de concordâncias apresenta os co-textos (texto ao redor) de um dos itens lexicais de nosso corpus de estudo: pedivela.

Assim, pudemos analisar um por um dos candidatos a termo, restringindo-nos às unidades terminológicas denominativas das partes principais da bicicleta de estrada. Essa restrição foi feita com base em uma lista3 das principais partes desse veículo feita por um dos fabricantes brasileiros cujo manual técnico compõe o CICLBR-Orig. Nessa parte de nossa investigação, baseamo-nos nos critérios de identificação e delimitação dos termos, propostos por Barros (2007[14]), os quais mencionamos anteriormente. Realizamos o mesmo procedimento com o CICLFR a fim de encontrarmos, em francês, os termos que denominam a especificidade em pauta. A seguir, apresentamos a terminologia encontrada nas duas línguas de estudo:

CICLBR CICLFR
CICLBR-Orig CICLBR-Trad
Alavanca de câmbio e de freio Alavanca de velocidade e dos travões Cadre
Aro Aro Cassette
Câmbio traseiro Cassete Chaîne
Câmbio dianteiro Corrente Dérailleur arrière
Canote Cubo dianteiro Dérailleur avant
Cassete Cubo traseiro Frein
Corrente Desviador dianteiro Fourche
Cubo dianteiro Desviador traseiro Guidon
Cubo traseiro Garfo Jante
Freio Guiador Leviers de frein et de vitesses
Garfo Haste de selim Manivelle
Guidão Travão Moyeu arrière
Manopla Pedal Moyeu avant
Mesa Pedivela Pédale
Pedal Pneu Pneu
Pedivela Potência Poignées
Pneu Punhos Potence
Quadro Quadro Rayon
Raio Raio Tige de selle
Table 2. Quadro 2: Termos em português e em francês que denominam as partes principais da bicicleta de estrada

No Quadro 2, expomos, em ordem alfabética, a terminologia encontrada nos corpora CICLBR (com 38 termos) e CICLFR (com 19 termos). Como vemos, alguns termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada que ocorrem nos manuais de fabricantes brasileiros diferem de outros que constam dos manuais do CICLBR-Trad. Assim sendo, analisamos os conceitos denominados por cada um desses termos a fim de relacioná-los do ponto de vista semântico-conceitual.

Em seguida, realizamos o estudo que nos permitiu encontrar os graus de equivalência na direção português -> francês da termino- logia denominativa das partes principais da bicicleta de estrada. Para tanto, adotamos os critérios de Dubuc (1985[4]), expostos na seção anterior. Partindo, então, da lista final de termos em português que foi delimitada do CICLBR, buscamos seus equivalentes em francês, analisando, primeiramente, as unidades terminológicas que constam da lista final formada a partir do CICLFR. Quando os equivalentes não foram encontrados nessa lista, ampliamos nossa busca para o BIBLIOCorpusFR, verificando quais unidades terminológicas em francês seriam equivalentes dos termos em português.

3. Resultados e discussão

Nesta seção, apresentamos nossas análises sobre os equivalentes em francês dos 38 termos da lista em português apresentada anteriormente. Nos quadros a seguir, adicionamos as definições dos termos em português e em francês para, assim, traçar os ganchos terminológicos entre elas (em azul). Nesse sentido, vejamos o Quadro 3:

Alavanca de câmbio e de freio, alavanca de velocidade e dos travões Sistema indexado de troca de marchas para bicicletas de estrada, com alavancas de freio e mudança de marcha na mesma peça. Este sistema permite controle total, pois não é necessário largar o guidão ou freios para fazer as trocas. Existem modelos mais simples, com um botão de passagem na manete o outro mais acima, no corpo da empunhadura, e modelos mais sofisticados, para competição, com os dois passadores acoplados à manete de freio. (PEDALERIA, 2019[20]) Leviers de frein et de vitesses Contact direct avec la main. Quand le sélecteur est actionné, le câble se déplace d’au moins un cran - chaque cran correspondant à une vitesse. (LE CYCLO, 2019[21])
Table 3. Quadro 3: Os termos alavanca de câmbio e de freio, alavanca de velocidade e dos travões e leviers de frein et de vitesses

O termo alavanca de câmbio e de freio denomina um sistema de troca de marchas e de frenagem que permite o controle total da bicicleta de estrada, visto que o ciclista não precisa soltar o guidão para realizar essas duas funções. O termo em francês leviers de frein et de vitesses se refere à uma peça que fica em contato direto com a mão do ciclista e que, quando acionada, faz um cabo se mover para mudar a marcha do veículo. Os termos alavanca de câmbio e de freio e leviers de frein et de vitesses denominam o mesmo conceito, ocorrem em manuais de fabricantes brasileiros e franceses de bicicleta de estrada e, por isso, possuem o mesmo domínio e mesmo nível de língua, sendo, então, considerados equivalentes totais.

Com relação ao termo alavanca de velocidade e dos travões, entendemosque ele é equivalente parcial de leviers de frein et de vitesses, visto que ocorre nos manuais traduzidos para o português, e não nos manuais escritos originalmente nessa língua. Já o termo leviers de frein et de vitesses consta nos manuais originalmente escritos em francês. Nesse sentido, consideramos que eles não têm exatamente o mesmo uso. Uma vez que os manuais de fabricantes de bicicletas de estrada brasileiros preferem o termo alavanca de câmbio e de freio, parece-nos, então, que alavanca de velocidade e dos travões pode ser considerada sua variante4.

Outras ocorrências que encontramos em nosso estudo dizem respeito aos termos aro e jante. Desse modo, vejamos o quadro a seguir:

Aro Peça que normalmente é feita de alumínio, nos aros são colocados a câmara de ar e o pneu. (NÚCLEO BIKE, 2019[22]) Jante C’est le cercle sur lequel les écrous et les rayons se positionnent et qui permet de fixer le pneumatique sur la roue. La jante est un élément très important du vélo car elle détermine le comportement de la roue. (LE CYCLO, 2019[21])
Table 4. Quadro 4: Termos aro e jante e suas respectivas definições

No Quadro 4, observamos que o termo aro denomina uma peça em que são colocados o pneu e a câmara de ar. O termo em francês jante, por sua vez, refere-se a um tubo curvado que permite fixar o pneu na roda. Dessa forma, vemos que esses termos denominam o mesmo conceito. Além disso, eles ocorrem em manuais técnicos da bicicleta de estrada nessas duas línguas e, por isso, são do mesmo domínio e apresentam o mesmo nível de língua. Por conseguinte, eles são considerados equivalentes totais. É importante dizer que, diferentemente do caso anterior, o termo aro também foi utilizado para traduzir o termo jante.

Outros casos encontrados em nossas análises se referem aos termos câmbio dianteiro, desviador dianteiro, câmbio traseiro, desviador traseiro, canote, haste de selim, dérailleur avant, dérailleur arrière e tige de selle. Vejamos, então, o quadro a seguir:

Câmbio dianteiro, desviador dianteiro Peça responsável pelas mudanças de marchas da bicicleta, com a passagem da corrente entre as coroas do pedivela. (NÚCLEO BIKE, 2019) Dérailleur avant Le dérailleur permet le déplacement de la chaîne de vélo d’un plateau ou d’un pignon à un autre et assure le changement de vitesses du vélo. (LE CYCLO, 2019)
Câmbio traseiro, desviador traseiro Peça responsável pelas mudanças de marchas da bicicleta, “com a passagem da corrente entre os anéis dentados do cassete ou da catraca”. (NÚCLEO BIKE, 2019) Dérailleur arrière Le dérailleur arrière déplace la chaîne de pignon en pignon. (LE CYCLO, 2019)
Canote, haste de selim Se encaixa no quadro da bicicleta e fixa o selim, possibilitando a regulagem de altura do banco. (NÚCLEO BIKE, 2019) Tige de selle La tige de selle permet de régler la hauteur de la selle selon la taille du cycliste ou sa position en selle. (LE CYCLO, 2019)
Table 5. Quadro 5: Termos câmbio dianteiro, desviador dianteiro, câmbio traseiro, desviador traseiro, canote, haste de selim, dérailleur avant, dérailleur arrière e tige de selle e suas respectivas definições

Como vemos, o termo câmbio dianteiro denomina a peça localizada na região inferior do quadro (no cano que segura o canote) que é responsável pela mudança das marchas da bicicleta, permitindo a passagem da corrente entre as coroas (rodas metálicas e dentadas) e a pedivela. Em francês, dérailleur avant diz respeito à peça que permite o movimento da corrente da bicicleta de uma coroa para outra para que a troca das marchas da bicicleta aconteça. Desse modo, essas unidades terminológicas denominam o mesmo conceito. Além disso, elas ocorrem em manuais técnicos da bicicleta de estrada elaborados por fabricantes brasileiros e franceses e, por isso, apresentam o mesmo uso e mesmo nível de língua. Podem ser classificados, portanto, como equivalentes totais.

No Quadro 5, também observamos os termos câmbio traseiro e dérailleur arrière. Ambos denominam a peça localizada na parte traseira do quadro (junto ao eixo central da roda traseira) que é responsável pela mudança das marchas da bicicleta por meio da passagem da corrente entre os anéis do cassete ou da catraca. Uma vez que têm o mesmo uso e mesmo nível de língua essas unidades terminológicas podem ser consideradas equivalentes totais.

Além desses termos, há canote, que se refere a uma peça encaixada no quadro da bicicleta que deixa fixo o assento do ciclista, chamado de selim, tornando possível, assim, a regulagem da altura do banco. Já o termo tige de selle denomina a peça que regula o selim de acordo com a altura do ciclista ou com a posição dele no selim. Assim, esses termos apresentam mesmo conceito, mesmo uso e mesmo nível de língua, e são, portanto, equivalentes totais.

Já os termos desviador dianteiro, desviador traseiro e haste do selim ocorrem no CICLBR-Trad, pois foram utilizados para traduzir, respectivamente, dérailleur avant, dérailleur arrière e tige de selle. Dessa forma, tal como o termo alavanca de velocidade e dos travões, trata-se de um caso de equivalência parcial, já que essas unidades terminológicas não apresentam exatamente o mesmo uso no domínio do ciclismo no Brasil. Assim, entendemos que se trata de variantes dos termos câmbio dianteiro, câmbio traseiro e canote.

A seguir, expomos o Quadro 6, que apresenta os termos cassete, corrente e cubo e seus respectivos equivalentes em francês:

Cassete Conjunto de catracas dentadas, encaixadas na roda-livre do cubo da roda traseira. (NÚCLEO BIKE, 2019) Cassette Couronnes dentées qui sont fixées sur les moyeux arrière. (LE CYCLO, 2019)
Corrente Conjunto de elos metálicos e flexíveis que interliga a coroa do pedivela ao cassete ou catraca da roda traseira, formando assim, o sistema de tração da bicicleta. (NÚCLEO BIKE, 2019) Chaîne La chaîne du vélo relie tous les éléments de la transmission. Elle est constituée d’un axe, de rouleaux, d’une plaque interne et d’une plaque externe. Ces deux plaques forment un maillon. (LE CYCLO, 2019)
Cubo dianteiro Peça do meio da roda que é composto por um eixo com rolamentos ou esferas, possui 2 falanges metálicas onde são conectados os raios. O eixo do cubo é fixado no garfo através de porcas ou blocagem rápida. (NÚCLEO BIKE, 2019) Moyeu avant Pièce en aluminium ou acier qui se place au centre de la roue. Il permet de fixer la roue sur le cadre ou sur la fourche. (LE CYCLO, 2019)
Cubo traseiro Peça do meio da roda que é composto por um eixo com rolamentos ou esferas, possui 2 falanges metálicas onde são conectados os raios. O cassete (conjunto de catracas dentadas) é encaixado na roda-livre do cubo da roda traseira. (NÚCLEO BIKE, 2019) Moyeu arrière A l’arrière, il peut être fileté pour visser une roue libre ou il peut être équipé d’un corps de cassette (assemblage de 7 à 11 pignons). (LE CYCLO, 2019)
Table 6. Quadro 6: Termos cassete, corrente, cubo dianteiro, cubo traseiro, cassette, chaîne, moyeu arrière e moyeu avant acompanhados de suas definições

No Quadro 6, vemos três ocorrências encontradas no CICLIBR- Orig: cassete, corrente e cubo dianteiro e cubo traseiro. O primeiro termo diz respeito ao conjunto de catracas dentadas (ou pinhões) fixadas no cubo traseiro que são responsáveis pelas mudanças de marchas. Já o segundo denomina um conjunto de elos metálicos interligados entre si, formando o sistema de tração da bicicleta. Por sua vez, o terceiro termo se refere a um sistema localizado no centro das rodas que, por meio de um eixo, permite que a roda da bicicleta gire.

No CICLFR, encontramos os termos cassette, chaîne e moyeu avant e moyeu arrière que denominam, respectivamente, os mesmos conceitos das unidades terminológicas em português, a saber: peça que transmite a energia do ciclista para a roda traseira graças à tração exercida pela corrente; conjunto de elos que liga todos os elementos da transmissão; e peça colocada no centro da roda traseira ou dianteira. Assim, uma vez que cassete, corrente e cubo dianteiro e cubo traseiro apresentam o mesmo uso e o mesmo nível de língua e denominam o mesmo conceito, trata-se de três casos de equivalência total.

Outros tipos de ocorrência que encontramos no CICLBR dizem respeito aos termos freio, travão e frein:

Freio, travão São acionados por meio de cabos de aço através do acionamento da manete de freio. (NÚCLEO BIKE, 2019) Frein Les étriers à tirage central sont fixés soit à l’avant par un trou au dessus de la fourche soit à l’arrière sur l’entretoise entre les haubans grâce à un boulon central. En tirant sur les bouts supérieurs des mâchoires, les deux autres bouts qui portent les patins pincent la jante. Le cavalier est ce qui relie les deux mâchoires grâce à un câble. Quand on actionne le levier de frein, on tire sur le cavalier, ce qui contracte les mâchoires. (LE CYCLO, 2019)
Table 7. Quadro 7: Termos freio, travão e frein e suas definições

Como vemos, freio e frein podem ser considerados equivalentes totais, uma vez que, além de apresentarem o mesmo uso e o mesmo nível de língua, denominam o mesmo conceito nas duas línguas. Nesse sentido, essas unidades terminológicas ocorrem nos manuais originalmente escritos em português e em francês e se referem a um sistema que é acionado por meio de uma peça (manete de freio), localizada no guidão da bicicleta.

Assim como o caso de variação apresentado no Quadro 7, os manuais que constam do CICLBR-Trad trazem ocorrências de travão como opção de tradução de frein. A nosso ver, trata-se de uma equivalência parcial, considerando que esses termos não apresentam o mesmo uso no domínio do ciclismo de estrada em nosso país.

Também encontramos, em nosso corpus de estudo os termos garfo, guidão, guiador, fourche e guidon, que denominam partes específicas das bicicletas de estrada. A seguir, vejamos suas definições e os ganchos terminológicos possíveis de serem traçados entre elas:

Garfo Abriga a roda dianteira, se conecta com o sistema de direção da bicicleta (guidão e mesa), passando pelo quadro da bicicleta através do A-Headset. (NÚCLEO BIKE, 2019) Fourche La fourche rigide est dotée d’un pivot - tube se plaçant dans le cadre via le tube de direction. Certaines fourches disposent d’extensions qui servent à fixer les freins. (LE CYCLO, 2019)
Guidão, guiador Peça tubular fixada na mesa destinada a orientar a direção da bicicleta. No guiador são fixados, além das manoplas, as manetes de freio e alavancas de câmbio. (Núcleo BIKE, 2019) Guidon Le guidon est l’organe de direction du vélo. Il est formé par le cintre et la potence. Le vélo de route est en forme de M, bas avec un cintre recourbé vers l’avant. (LE CYCLO, 2019)
Table 8. Quadro 8: Termos garfo, guidão, guiador, fourche e guidon e suas respectivas definições

Como vemos no Quadro 8, o termo garfo denomina uma peça que, da roda dianteira passando pelo quadro da bicicleta através do A-Headset (caixa de direção), conecta-se ao sistema de direção do veículo. A unidade terminológica fourche em francês também se refere ao mesmo tipo de peça. Sendo assim, os termos garfo e fourche denominam o mesmo conceito, ocorrem em manuais técnicos da bicicleta de estrada de fabricantes brasileiros e franceses e, por isso, têm o mesmo uso e o mesmo nível de língua. Logo, consideramo-los equivalentes totais entre si. Nesse caso, o termo garfo também consta dos manuais do CICLBR-Trad.

Por sua vez, o termo guidão diz respeito à uma peça que serve para orientar a direção da bicicleta. Em francês, a unidade terminológica guidon denomina esse mesmo conceito, ou seja, trata-se de uma peça que forma o guidão da bicicleta. Esses termos têm ainda o mesmo uso e o mesmo nível de língua porque ocorrem em manuais técnicos de fabricantes brasileiros e franceses de bicicleta de estrada. Por essa razão, podem ser considerados equivalentes totais segundo os critérios propostos por Dubuc (1985[4]). Já o termo guiador é variante de guidão e é considerado um equivalente parcial de guidon, visto que ocorre somente nos manuais do CICLBR-Trad.

A seguir, apresentamos as definições dos termos manopla, punhos e poignée que também são termosdenominativos das partesprincipais da bicicleta de estrada e ocorrem em nosso corpus de estudo.

Manopla, punhos Peças fixadas ao guidão destinadas a acomodar as mãos do ciclista, normalmente devem ser macias e confortáveis para evitar o cansaço ou dores nas mãos. Algumas possuem travas para dar mais estabilidade ao pedal. (NÚCLEO BIKE, 2019) Poignée Embouts à monter sur le guidon pour un meilleur confort, il en existe différents types selon leur taille, leur matière et leur utilisation. Il existe également des poignées de guidon de vélo personnalisables ou de tailles différentes. Les poignées plus courtes sont utilisées généralement sur les vélos avec changement de vitesse. (LE CYCLO, 2019)
Table 9. Quadro 9: Ganchos terminológicos em azul entre os termos manoplas (ou punhos) e poignée

Com base na definição de manopla apresentada no Quadro 9, compreendemos que essa unidade terminológica denomina uma fita localizada no guidão para que o ciclista possa apoiar suas mãos com mais conforto e, consequentemente, retardar o seu cansaço. Em francês, o termo poignée denomina o mesmo conceito, isto é, refere-se à fita de guidão que traz mais conforto ao ciclista. Uma vez que manopla e poignée apresentam o mesmo uso e mesmo nível sociolinguístico, esses termos são classificados como equivalentes totais.

No CICLBR, também encontramos ocorrências de punhos. No entanto, essa unidade terminológica consta apenas nos manuais traduzidos para o português, enquanto que manopla ocorre em manuais de fabricantes brasileiros. Apesar de os dois termos circularem no Brasil, visto que são essas as traduções que chegam aqui, entendemos que eles não têm o mesmo uso no domínio do ciclismo de estrada nesse país. Assim sendo, punhos é variante de manopla e difere, do ponto de vista do uso, de poignée, que é, portanto, considerado seu equivalente parcial.

Outras ocorrências que encontramos em nosso estudo dizem respeito aos termos do Quadro 10, tal como podemos ver a seguir:

Mesa O guidão é afixado, esta peça é fixada à espiga do garfo (rígido ou de suspensão) através do A-headset (caixa de direção). (NÚCLEO BIKE, 2019) Potence La potence est l’axe reliant le haut de la fourche et le guidon du vélo. (LE CYCLO, 2019)
Pedal Peça fixada ao pedaleiro que é destinada a acomodar os pés do ciclista. (NÚCLEO BIKE, 2019) Pédale Chacun des deux organes fixés aux extrémités des manivelles du pédalier d’une bicyclette, sur lesquels agissent les pieds pour transmettre le mouvement. (LAROUSSE, 2019[23])
Pedivela Duas peças conectadas ao movimento central, que possuem a função de alavanca para o acionamento dos pés. (NÚCLEO BIKE, 2019) Pédalier Le pédalier permet de transmettre l’énergie provoquée par le mouvement des jambes à la chaîne du vélo qui se charge par la suite de faire tourner la roue arrière. Les deux pédales sont fixées de chaque côté sur les manivelles. Le pédalier est toujours monté à droite sur le vélo. (LE CYCLO, 2019)
Table 10. Quadro 10: Ganchos terminológicos em azul entre os termos mesa, pedal, pedivela, potence, pédale e pédalier

No Quadro 10, expomos os termos mesa, pedal e pedivela. O primeiro denomina o guidão fixado, por meio da caixa de direção, à espiga do garfo. Já o segundo se refere à peça em que o ciclista coloca os pés para pedalar. O terceiro diz respeito a duas peças que, conectadas ao movimento central à direita e à esquerda da bicicleta de estrada, têm a função de alavanca para o movimento dos pés. Em francês, potence, pédale e manivelle denominam, respectivamente, os mesmos conceitos dessas unidades terminológicas. Esses termos têm também o mesmo uso e o mesmo nível de língua, uma vez que constam em manuais de fabricantes brasileiros e franceses. Desse modo, trata-se de três casos de equivalência total. Vale destacar que mesa, pedal e pedivela ocorrem tanto no CICLBR-Orig quanto no CICLBR-Trad.

Por fim, o quadro a seguir apresenta outros três termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada:

Pneu Parte de borracha que tem a função de permitir o contato ao solo com aderência e atrito adequados, possibilitando assim o arranque, a frenagem e a pilotagem. (NÚCLEO BIKE, 2019) Pneu Tube courbé refermé sur lui-même composé de gomme et de divers matériaux qui encadre la jante et permet le contact entre le sol et le vélo. (LE CYCLO, 2019)
Quadro É a principal estrutura de bicicleta, é onde boa parte dos demais componentes são instalados.Na região superior são fixados, o selim e na inferior, câmbio dianteiro, o movimento central e a pedivela. Na Frente, o garfo (rígido ou de suspensão) e na traseira, a roda, o câmbio e o freio traseiro. Os quadros de bicicleta podem ser fabricados de diversos tipos de materiais como: Aço carbono, Alumínio e Cromo Molibdênio, fibra de carbono, etc. (NÚCLEO BIKE, 2019) Cadre Le cadre est le squelette du vélo, la partie qui en tient tous les principaux éléments. Il est traditionnellement constitué de deux triangles. Le triangle avant dans lequel on retrouve le tube supérieur, le tube de selle, le tube diagonal et le boîtier de pédalier. Le triangle arrière qui relie le pédalier et la selle à la roue arrière grâce aux haubans. On y retrouve également les bases, les butées de gaine et les pattes de cadre. Les matériaux utilisés par les fabriquants pour construire les cadres de vélo sont généralement faits d’alliages - c’est à dire, un métal dans lequel d’autres éléments ont été intégrés: des alliages d’acier; des alliages d’aluminium.; des alliages de titane. (LE CYCLO, 2019)
Raio Barras que unem de forma rígida, a zona central (cubo) à perimetral (aro) formando a roda da bicicleta. (NÚCLEO BIKE, 2019) Rayon Fines tiges sous tension, les rayons sont assemblés sous la forme de deux nappes opposées l’une l’autre. Ils permettent de centrer la jante et de la relier au moyeu. (LE CYCLO, 2019)
Table 11. Quadro 11: Termos pneu, quadro e raio em português, pneu, cadre e rayon em francês e suas respectivas definições

Vemos, no Quadro 11, a unidade terminológica pneu em português, cujo equivalente total em francês é seu homônimo (pneu). Nesse sentido, além de denominarem a parte da bicicleta que tem a função de realizar o seu contato com o solo com a aderência e o atrito adequados, esses dois termos têm o mesmo uso e o mesmo nível sociolinguístico.

Observamos ainda a unidade terminológica quadro que deno- mina a peça da bicicleta de estrada a partir da qual suas principais partes são instaladas. Cadre, em francês, dá nome à essa mesma peça, tal como nos mostra os ganchos terminológicos grifados em azul. Assim, esses termos podem ser considerados equivalentes totais, uma vez que, além de denominarem o mesmo conceito, apresentam o mesmo uso e o mesmo nível de língua.

Por fim, temos o termo raio, que se refere às barras que unem o cubo ao aro para formar a roda da bicicleta. Em francês, rayon denomina esse mesmo conceito, bem como tem o mesmo uso e o mesmo nível de língua do termo em português. Desse modo, trata-se de mais um caso de equivalência total.

Ademais, é importante dizer que quadro, raio e pneu ocorrem nos dois subcorpora do CICLBR. Assim, esses termos foram opções de tradução de cadre, rayon e pneu, respectivamente.

Considerações finais

Neste trabalho, nosso objetivo foi o de discutir os graus de equivalência mantidos entre os termos denominativos das partes principais da bicicleta de estrada partindo do português para o francês. Assim, observamos que a maior parte dos casos pode ser classificada como equivalente total. Esse tipo de equivalência se deu entre as unidades terminológicas que constam dos manuais de fabricantes brasileiros e franceses.

Em contrapartida, constatamos que sete dos casos estudados mantêm uma relação de equivalência parcial entre si. São eles: alavanca de velocidade e dos travões e leviers de vitesse et de frein; desviador dianteiro e dérailleur avant; desviador traseiro e dérrailleur arrière; haste do selim e tige de selle; travão e frein; guiador e guidon; e, por fim, punhos e poignée. Essa parcialidade foi considerada porque, a nosso ver, essa terminologia não atende a um dos critérios propostos por Dubuc (1985): mesmo uso no mesmo domínio de especialidade nas línguas em análise. Assim, verificamos que esses termos não têm exatamente o mesmo uso no domínio do ciclismo de estrada no Brasil e na França, uma vez que alavanca de velocidade e dos travões, desviador dianteiro, desviador traseiro, haste de selim, travão, guiador e punhos não ocorrem nos manuais que foram elaborados por fabricantes brasileiros. Por não serem a opção terminológica preferível por empresas do Brasil, entendemos que, nesses casos, não é possível estabelecermos uma equivalência total com base no critério de mesmo uso entre eles e os termos leviers de vitesse et de frein, dérailleur avant, dérailleur arrière, tige de selle, frein, guidon e poignée, tal como o fizemos com as unidades que lhes correspondem respectivamente e que constam do CICLBR- Orig (a saber: alavanca de câmbio e de freio, câmbio dianteiro, câmbio traseiro, canote, freio, guidão e manopla).

Ainda assim, o alto índice de equivalentes totais pode nos levar a depreender que essa seja uma característica do domínio do ciclismo de estrada. Afinal, trata-se de uma área bastante técnica. Em outras áreas, como o Direito, por exemplo, que está relacionado à organização dos países do ponto de vista político-administrativo e das relações dos cidadãos em sociedade, esse fato não é comum (Cf. MOLINARI; BARROS, 2018[24]; CURTI-CONTESSOTO; BARROS, 2018[25]).

No entanto, não podemos nos enganar ao pensar que a equivalência total facilita o processo de tradução de manuais de bicicletas de estrada. Nesse sentido, observamos que os manuais do CICLBR e CICLFR têm uma linguagem extremamente difícil de ser decodificada graças ao seu alto grau de opacidade semântica. Essa característica pode ser percebida nos termos analisados neste trabalho, bem como nos conceitos que eles denominam.

Além disso, considerando que, no Brasil, são raras as pesquisas sobre a terminologia do domínio do ciclismo, esperamos que nosso estudo contribua com a ampliação do conhecimento linguístico sobre a temática, especificamente no que tange ao ciclismo de estrada, que foi abordado neste trabalho, melhorando, assim, a comunicação no domínio em pauta.

Agradecimentos

Os resultados do presente estudo foram apresentados no XI Congresso Internacional da ABRALIN com o apoio da PROEX/ CAPES, à qual agradecemos pelo suporte financeiro. Gostaríamos também de expressar nossos agradecimentos ao educador físico, bike fitter e ciclista Guilherme Santander Veroneze, que nos auxiliou na delimitação dos termos em português e na compreensão dos conceitos denominados por eles.