Escrever não é útil
Resumo
Este ensaio busca discutir que lugar há e restará para a escrita, tal como já se indagou Vilém Flusser (2010) no final dos anos 80, neste momento de criação de tecnologias de geração automática de texto, como as inteligências artificiais generativas transformacionais. O exame parte da consideração da escrita como tecnologia (Auroux, 1992; Gananadesikan, 2009; Benveniste, 2014), articulando as reflexões da linguística ao campo de estudos da filosofia da tecnologia (Cupani, 2013; Pinto, 2005, Ortega Y Gasset, 2009), na tentativa de elaborar sobre o tema não pela ótica formalista (linguística ou computacional), mas pelo prisma das ciências humanas em geral. Isso nos conduz, assim, a pensar sobre que aspectos dessa tecnologia, isto é, da capacidade de escrever, são irredutíveis às máquinas e, consequentemente restritos aos seres humanos, na tentativa de estabelecer, a partir daí, o que restará, no futuro, do processo composicional em um contexto em que boa parte das produções textuais poderão ser automatizadas. O percurso termina ponderando sobre o papel das aulas de língua materna na educação básica, sobretudo no que concerne ao ensino da leitura e da escrita, propondo que a escola priorize práticas de leitura e redação que fomentem a linguagem poética (Berardi, 2019; 2020), entendida como uma forma não convencional e não referencialista de produção de sentido, sustentando uma reflexão e uma ampliação das possibilidades da língua de significar e enfatizando a necessidade de enfoque em uma transmissão cultural (Petit, 2019) que leve em conta a língua como produtora e reveladora de subjetividade (Couto, 2011).
Referências
ADAMS, Tim. And the Pulitzer goes to… a computer. 2015. Disponível em < https://www.theguardian.com/technology/2015/jun/28/computer-writing-journalism-artificial-intelligence>. Acesso em: 06 out. 2023.
ARAUJO, Marcelo. O uso de inteligência artificial para a geração automatizada de textos acadêmicos: plágio ou me-ta-autoria? LOGEION: Filosofia da informação. v. 3 n. 1, p. 89-107, set. 2016 / fev. 2017.
AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. São Paulo: Editora da Unicamp, 1992.
BENVENISTE, É. Últimas aulas no Collège de France (1968 e 1969). São Paulo: Editora Unesp, 2014.
BENVENISTE, Émile. Da subjetividade na linguagem [1958]. In: BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. São Paulo: Pontes, 1995.
BERARDI, Franco. Depois do futuro. Tradução de Regina Silva. São Paulo: Ubu Editora, 2019.
BERARDI, Franco. Asfixia: capitalismo financeiro e a insurreição da linguagem. Tradução de Humberto do Amaral. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Dicionário de linguística e gramática. Porto Alegre: Vozes, 1997.
COUTO, Mia. E se Obama fosse africano? E outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
CUPANI, A. Filosofia da tecnologia: um convite. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011.
FLUSSER, Vilém. A escrita – há um futuro para a escrita? Tradução de Murilo Jardelino Costa. São Paulo: Annablume, 2010.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: UBU Editora, 2017.
GNANADESIKAN, A. The Writing Revolution: Cuneiform to the Internet. New Jersey: Wiley-Blackwell, 2009.
HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Apicuri, 2016.
JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1969.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
ORTEGA Y GASSET, José. Meditação sobre a técnica. Lisboa: Fim de século, 2009.
NUNES, Paula Ávila. Do rastro ao signo: questões sobre a escrita na obra benvenisteana. In: ROSÁRIO, Heloísa Mon-teiro; HOFF, Sara Luiza; FLORES, Valdir do Nascimento. Leituras de Émile Benveniste. Porto Alegre: Zouk, 2022.
PETIT, Michèle. Ler o mundo: experiências de transmissão cultural nos dias de hoje. Tradução de Julia Vidile. São Pau-lo: Editora 34, 2019.
PINTO, Álvaro V. O conceito de tecnologia. Rio de Janeiro, Contraponto: 2005.
RÜDIGER, Francisco. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2013.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4ª ed. 2ª reimp. São Paulo: Editora da Uni-versidade de São Paulo, 2006. (Coleção Milton Santos; 1)