As interrogativas Q do português europeu e do português brasileiro atuais
Resumo
Nosso objetivo é comparar a variação observada nas sentenças Q interrogativas do português europeu e brasileiro, usando o Critério Q de Rizzi (1996) e corpora escritos similares. Nós concluímos que a principal diferença entre as duas modalidades reside no sistema Infl: [+Q] no PE e [-Q] no PB.
Introdução
Estudos comparativos recentes têm mostrado que as sentenças providas de expressões interrogativas (Q) constituem uma área de contraste substancial entre o Português Brasileiro (PB) e o Português Europeu (PE), tanto quantitativa quanto qualitativamente. O objetivo deste trabalho é analisar os fatos das duas variedades, tanto os que emergem das intuições dos falantes como os que foram coligidos de corpora reais em Kato e Mioto (no prelo)[1].1 Para tal propósito, utilizaremos uma mesma teoria – o clássico Critério Q, de Rizzi (1996)[2] – que tem sido utilizada para estudar o mesmo tipo de fenômeno em várias línguas2 e discutiremos aspectos que criam problemas para esta análise, tentando resolvê-los com considerações suplementares.
O trabalho está assim organizado: na seção 1, apresentamos uma descrição dos fenômenos, expondo a variação encontrada nas interrogativas Q do PE e do PB; na seção 2, analisamos essa variação com base no Critério Q; na seção 3, examinamos os casos que exigem considerações adicionais. Na seção 4, expomos a análise quantitativa realizada em Kato e Mioto (no prelo)[1]. Na seção 5, expomos as conclusões que advêm da comparação realizada.
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1. A variedade de interrogativas Q no PB e no PE
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1.1. Os fenômenos do Q deslocado
Nas duas variedades do português, a expressão Q pode aparecer deslocada na periferia esquerda da sentença, como mostram os exemplos em (1):3
A quantidade de asterisco em (1) mostra que o PE é mais restritivo que o PB nas estratégias para formar interrogativas Q matrizes: só são gramaticais nesta modalidade as sentenças em que se observa a adjacência entre a expressão Q e um verbo finito, como (1a) e (1f). A estratégia que insere uma cópula flexionada4, produzindo uma interrogativa clivada como (1a) e (1c), é comum às duas modalidades; a estratégia que insere o complementizador que logo após a expressão Q, produzindo uma construção de Comp duplamente preenchida como (1d) – uma forma alternativa de descrever este fenômeno é dizer que a sentença resulta do apagamento da cópula de uma clivada (cf. Kato, 1993;[3] Lopes Rossi, 1993;[4] Kato e Raposo 1996)[5] –, e a que deixa o sujeito interferir entre a expressão Q e o verbo finito (1g) são exclusivas do PB; a estratégia que impede a interferência do sujeito entre a expressão Q e o verbo finito, fazendo resultar a ordem VS, é exclusiva do PE.
Numa primeira abordagem, é possível fazer a generalização em (2), que se presta a realçar o que distancia e o que aproxima descritivamente as duas modalidades de português quando se trata de interrogativas “verdadeiras” com Q deslocado5:
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(2) Das interrogativas com Q deslocado, apenas as matrizes do PB não exigem que a expressão Q e o verbo finito estejam adjacentes.
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As sentenças de (1) podem ser encaixadas, sem qualquer alteração da ordem, como complemento de um verbo como perguntar, mas não de um verbo como achar, como mostram (3) e (4):
(4) O João acha
a. *onde é que você estava em 82.
b. *onde que você estava em 82.
c. *como reagiu Adriano Pinto.
d. *com quem o senhor prefere disputar.
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Esta assimetria pode ser atribuída às propriedades selecionais dos verbos matrizes: enquanto perguntar seleciona uma sentença interrogativa, achar seleciona uma declarativa. Se a expressão Q se encontra na periferia esquerda da sentença encaixada, ela define esta sentença como interrogativa, donde a incompatibilidade com um verbo como achar. Uma expressão Q na periferia esquerda da sentença encaixada tem como escopo apenas a sentença encaixada.6
O encaixe de uma sentença interrogativa traz, por um lado, um fato novo para o PE, fazendo com que, neste particular, ele se iguale ao PB: é gramatical uma sentença como (3d), com uma expressão Q leve na periferia esquerda e a ordem SV, ordem que não seria tolerada se a sentença fosse matriz. Por outro lado, traz um fato novo para o PB, fazendo com que ele se iguale ao PE: é gramatical uma sentença como (3c) com ordem VS, ordem muito mais difícil de acontecer se a sentença for matriz. De certa forma, os contextos encaixados relaxam a generalização em (2), permitindo com restrições VS no PB e sem restrições SV no PE.
Em resumo, os fenômenos observados nas duas modalidades de português são:
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1.2. O fenômeno do Q in situ
Além de aparecer deslocada, a expressão Q também pode permanecer in situ nas duas modalidades de português, como exemplificam as sentenças em (6):
Não estamos considerando nesta discussão interrogativas matrizes múltiplas que sempre têm uma expressão Q in situ. Entretanto, como aponta Ambar (2000)[6], não é seguro que o estatuto de (6a) seja o de uma interrogativa verdadeira no PE. Já Kato (2004)[7] encontra dois tipos de Q in situ no PB: com entoação ascendente, quando a interpretação é de pergunta-eco ou de exclamação, e com a entoação descendente, quando se trata de uma pergunta real.
Observe-se em (6), porém, que nada que esteja relacionado com o fato de a sentença ser interrogativa parece acontecer na sua periferia esquerda. Se esta região contém explicitamente o verbo finito ou o complementizador que, fenômenos que se observam com Q deslocado, o que vamos ter é a agramaticalidade em (7):
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(7) a. *Terão os jovens o seu bacharelato para quê?
b. *Que você saiu de lá como?
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Vista desta perspectiva, a exigência da ordem VS cessa no PE se a expressão Q se mantém in situ, como mostra (7a). No PB, como mostra (7b), fica impedida a presença do complementizador que se a expressão Q se mantém in situ. Além disso, a expressão Q não pode se manter in situ em nenhuma das duas modalidades de português se temos uma interrogativa clivada, como mostra (8):
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(8) *É que você estava em 82 onde?
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Quando consideramos as interrogativas Q encaixadas e a possibilidade de Q in situ, vemos que sentenças como as de (6) podem ser encaixadas como complemento de um verbo como achar7 mas não como perguntar:
As sentenças de (9) são gramaticais, mas somente no caso de serem interrogativas, isto é, em que a expressão Q tenha escopo sobre toda a sentença, podendo, mutatis mutandis, figurar na periferia esquerda da sentença matriz. As sentenças de (10) são agramaticais independente da pontuação/pronúncia/escopo da expressão Q. Tanto em (9) como em (10), a sentença encaixada é marcada como declarativa, já que o CP encaixado não contém nenhuma marca de que é interrogativo, o que o faz compatível apenas com um verbo como achar. Nesta situação, os contextos encaixados igualam o PE e o PB: não é permitido encaixar sentenças com a expressão Q in situ, se o escopo da expressão se limita à sentença encaixada. Descritivamente pode-se afirmar, a respeito da possibilidade de Q in situ para as duas modalidades de português, o seguinte:
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(11) Q in situ não é permitido:
(i) em interrogativas encaixadas;
(ii) em interrogativas clivadas;
(iii) em matrizes com periferia esquerda ativada pelo complementizador que ou pelo verbo finito8.
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Abrimos parênteses para discutir brevemente as encaixadas em vista dos fenômenos a seguir (a discussão é a partir de nossa intuição de falantes de PB e cremos que ela não se estende diretamente ao PE devido às restrições sobre Q in situ). Consideremos (12), em que as encaixadas contêm Q in situ:
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(12) a. O João perguntou quando a Maria vai ler que livro.
b. O João perguntou quando a Maria vai ler que livro?
b’. – Perguntou.
b”. – (O João perguntou quando a Maria vai ler) D. Casmurro.
c. O João perguntou se a Maria vai ler que livro?
c’. – Perguntou.
c”. – (O João perguntou se a Maria vai ler ) D. Casmurro.
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Observe que (12a) é uma declarativa que contém uma interrogativa múltipla encaixada de tal forma que sua interpretação é: a pergunta de João foi [quando a Maria leu que livro?].
Por sua vez, (12b) é ambígua entre ser uma interrogativa sim/não ou uma interrogativa Q. No primeiro caso, a sentença seria pronunciada com o tom acentual mais alto na sílaba /li/ do consituinte que livro. A resposta afirmativa seria, então, (12b’). Desta forma, a encaixada seria uma interrogativa múltipla. No segundo caso, o tom mais alto recai sobre o determinante interrogativo que (antecedido de uma pequena pausa) e a resposta poderia ser (12b”)9. Agora, a encaixada é uma interrogativa Q com quando na sua periferia esquerda. A sentença matriz é outra interrogativa Q e que livro, apesar de se encontrar in situ, tem escopo sobre toda a sentença. Tanto isso é verdade que que livro pode ser extraído da ilha interrogativa e aparecer no CP matriz:
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(13) Que livro o João perguntou quando a Maria leu?
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Por fim, (12c) é também uma pergunta ambígua. No primeiro sentido busca identificar o livro que a Maria leu. Neste caso, a sentença é pronunciada com uma pausa antes do determinante interrogativo que, que vai receber o tom acentual mais alto, de modo paralelo ao que acontece na segunda interpretação de (12b). A resposta neste caso poderia ser (12c”). A expressão Q tem escopo sobre toda a sentença, tanto que poderia ser extraída da ilha interrogativa e aparecer na periferia esquerda da sentença matriz:
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(14) Que livro o João perguntou se a Maria leu?
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As sentenças (12c) e (14) contêm uma pergunta sim/não encaixada como complemento do verbo perguntar, encabeçada pelo complementizador se. O escopo da expressão Q que livro tem que ser diferente do da pergunta sim/não porque uma pergunta não pode ser simultaneamente Q e sim/não. No segundo sentido, o complementizador se deve poder se prestar a encaixar uma interrogativa que não seja sim/não. Isto é, a sentença (12c) pode ser pronunciada com o tom mais alto na sílaba /li/ do constituinte que livro, como na primeira interpretação de (12b). Assim, (12c) pode ter como resposta (12c’). Neste caso, (12c) deve ser sinônima de (15):
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(15) João perguntou que livro a Maria leu?
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Se existem estas duas possibilidades, temos de admitir que se, no PB pelo menos, é ambíguo entre ser um operador de pergunta sim/não (talvez como o whether do inglês) e um mero complementizador que licencia numa encaixada interrogativa uma expressão Q in situ, com escopo restrito à encaixada. Esta segunda possibilidade contraria a generalização em (11i) e teríamos que lhe apor uma condição como: ao Q in situ não é permitido ter escopo apenas sobre a encaixada, a não ser numa situação muito marcada em que é licenciado pelo complementizador se. Este se deve se assemelhar ao item que licencia Q in situ em chinês ou japonês.
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2. Uma análise em termos do Critério Q
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2.1. A proposta de Rizzi (1996)
Os fenômenos envolvendo as interrogativas são classicamente tratados em termos de relações que se estabelecem entre o que existe em C e a expressão Q em Spec CP. Tendo em vista o que acontece no PE, Ambar (1992)[8] defende que a relação relevante deriva do fato de, grosso modo, uma expressão Q leve apresentar uma categoria vazia que precisa ser regida, exigência que é satisfeita pela subida do verbo flexionado. Uma expressão Q pesada, por sua vez, não apresentando a categoria vazia postulada, dispensa a subida do verbo. Porém, ao buscarmos uma análise que trate unificadamente do fenômeno nas duas modalidades de português, temos dificuldades para explicar por que C não precisa ser lexicalizado pela subida do verbo no PB quando temos uma expressão Q leve em Spec CP, já que a estrutura da expressão Q não influi, a rigor, na estrutura da sentença.
Uma forma alternativa de tratar os fenômenos coloca o peso da explicação na compatibilidade de traços, um tipo de concordância, que deve existir entre o especificador e o núcleo de uma categoria. Nesta linha, Rizzi (1996)[2] desenvolveu uma análise que, grosso modo, leva em conta três suposições inicialmente:
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1) Existe o Critério Q que regula as sentenças interrogativas;
(16) Critério Q
(i) Um operador Q deve estar em relação Spec-núcleo com um núcleo Q.
(ii) Um núcleo Q deve estar em relação Spec-núcleo com um operador Q.
2) o Critério Q se aplica na SS ou na LF; 3) existem línguas em que o traço [Q], presente nas interrogativas, se ancora em I.
Exemplificando rapidamente: se em uma língua o Critério Q se aplica na SS e o traço [+Q] se ancora em I, tanto uma expressão Q como o I devem ser movidos para CP para que o Critério Q se verifique. O paradigma do inglês em (17) ilustra esta situação:
(17) a. What has John seen?b. *Has John seen what?c. *What John has seen?d. *John has seen what?
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Apenas (17a) é gramatical já que é a única sentença em que o operador Q what e o I [+Q] presente em has se encontram em relação Spec-núcleo em CP. As outras sentenças de (17) são agramaticais porque, para dizer o mínimo, em nenhuma delas a cláusula (16ii) do Critério Q é satisfeita10.
Para explicar como o Critério Q é satisfeito nas interrogativas encaixadas do inglês em que a expressão Q vai para Spec CP, mas a flexão não vai para C, é sugerido que C é [+Q], propriedade deduzida do fato de o CP ser subcategorizado: um CP [-Q] seria incompatível com um verbo como wonder em (18).
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(18) a. I wonder what John saw.
b. *I wonder what did John see.
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Se I não é [+Q] ele não deve subir para C que já é marcado por aquele traço por subcategorização.
Em Rizzi (2004)[9], o autor defende que um constituinte nos domínios do CP está lá para atender a um critério e lá é congelado, não podendo sofrer deslocamento subseqüente11. Os traços constantes no CP ([Top], [Foc], [Q]) são interpretáveis e não podem ser desativados. Em contrapartida, nada precisa ser congelado nos domínios do IP porque lá as relações entre núcleo e especificador não são do tipo criterial, mas do tipo gramatical. Assim, se um constituinte está no CP, ele vai ser necessariamente interpretado como foco ou tópico ou operador Q e, para preservar esta interpretação, não vai poder transitar por especificadores incompatíveis com ela.
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2.2. O Critério Q e o PE
Tal como apresentada, a análise de Rizzi dá conta diretamente das situações em que I vai para C, como admitimos para (1e) e (1a), aqui repetidos, como (19):
O movimento dos verbos finitos é e reagiu para C é desencadeado, pois o Critério Q se aplica na SS e o traço [Q] se ancora em I.
Admitindo que nas interrogativas encaixadas é o C que porta o traço [Q], temos também uma explicação natural para (20):
O verbo querer não precisa ser deslocado para C, porque este já é marcado como [+Q] por ser subcategorizado pelo verbo matriz. Ao mesmo tempo, a expressão Q tem que ser deslocada para o Spec do CP encaixado, onde é congelada, para que a cláusula (16ii) do Critério Q não seja violada.
Entretanto, os dados do PE põem três problemas principais para o Critério Q, a saber: a possibilidade de Q in situ, de ordem SV com Q pesado em CP e a possibilidade de ordem VS nas interrogativas encaixadas. Estes três problemas serão discutidos na seção 3.
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2.3. O Critério Q e o PB
Mioto (1994)[10] observa que o Critério Q se amolda ao PB se se assume que I é [-Q], assunção que descarta cabalmente que haja movimento de I para C. Assim, o CP não é um domínio necessariamente projetado (na SS) porque não se prevê a adjacência obrigatória entre a expressão Q e o verbo finito. Isto dá conta da gramaticalidade de (21):
A sentença (21) não viola o Critério Q na SS: não viola (16ii) porque não existe núcleo [+Q]; e não viola (16ii) porque, sendo admitido que uma expressão Q in situ não se constitui num operador, não existe operador Q.
Se o I não é marcado como [+Q] e outro núcleo deve estar disponível para tanto, é natural conjeturar que o C possa ser o tal núcleo. Esta conjetura é necessária para que (1g), aqui repetido como (22), atenda a cláusula (16i):
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(22) [CP Com quem C[+Q] [IP o senhor prefere disputar?]]
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Entretanto, a marcação de C como [+Q] não pode ser efetuada na base: se este fosse o caso, seria difícil verificar como (21), com Q in situ, atende o Critério Q, já que haveria um núcleo [+Q] sem que houvesse um operador em relação Spec-núcleo com ele. A forma alternativa de marcar o núcleo como [+Q] é a Concordância Dinâmica, ou seja, o C é dotado do traço [+Q] por concordância quando seu Spec é preenchido pela expressão Q. A interferência do sujeito entre a expressão Q e o verbo finito não cria problemas, porque a relação Spec-núcleo se estabelece entre com quem e o C, foneticamente nulo, mas formalmente dotado do traço [+Q].
Uma vez que admitimos que não existe movimento de I para C, somos levados a concluir que a pergunta clivada do PB em (1a), aqui repetida como (23), apesar de nunca apresentar um sujeito entre a cópula e a expressão Q, tem uma estrutura diferente da do PE:
(23’) revela o que a sentença (23) neutraliza nas duas variedades: no PE a cópula finita, definida como [+Q], é movida para C, como mostra (23’a); no PB, já que o I é [-Q], a cópula não se move para C e o Critério Q se verifica por concordância dinâmica.
Vamos mostrar agora como o Critério Q se verifica em uma sentença como (24):
Neste caso a hipótese é aquela formulada em Mioto (1994)[10]: o que12 define C como [+Q] e, como a expressão Q se encontra no Spec CP, as duas cláusulas em (16) são satisfeitas.
Esta hipótese se estende diretamente a uma interrogativa clivada como a de (25):
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(25) a. O que que é que ele faz?b. [CP O quei que [IP pro é que ele faz ti]]?
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Se o que preenche o núcleo de CP, então a cópula está dentro de IP. Um fato que corrobora que o que marca como [+Q] o CP que ele encabeça pode ser visto em (26):
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(26) a. *Que ele faz o quê?b. *Que é o que que ele faz?
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O que (26) mostra é que, uma vez preenchido o C com o que, a expressão Q tem que ser movida para o seu Spec13. Nos dois casos, haveria uma violação da clásula (16ii): existiria um núcleo [+Q] sem um operador Q em seu Spec.
Resta mostrar como o Critério Q é satisfeito em sentenças interrogativas Q infinitivas, como as de (27):
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(27) a. Fazer o quê?
b. O que fazer?
c. *O que que fazer
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Para (27a) e (27b) se repetem as explicações fornecidas para as finitas que têm Q in situ em (21) ou Q em Spec CP em (22): in situ, a expressão Q não viola (16) porque não existe nem núcleo nem operador Q em questão; no Spec CP, a expressão Q dota C do traço Q por concordância dinâmica. O que demanda uma explicação específica é o fato de (27c) ser agramatical com o que preenchendo C. A explicação é que em (27c) não é atendida uma exigência selecional: o complementizador que seleciona um IP finito.
Nas interrogativas encaixadas, o PB se comporta como o PE. A possibilidade da ordem VS nestas sentenças se constitui no problema principal que o PB põe para o Critério Q.
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3. Problemas para o Critério Q
Vimos até aqui que todos os casos analisados no PE e no PB se comportam conforme as predições do Critério Q, assim como formulado por Rizzi (1996)[2]. Examinaremos, agora, dados que, para se amoldarem ao Critério Q, exigem explicações adicionais.
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3.1. As interrogativas com Q in situ
As interrogativas com Q in situ não se constituem em um problema para o Critério Q se, como já mostramos para o PB, o I porta na base o traço [-Q]. Desta forma, não se violará a cláusula (16ii), pois na sentença não existirá um núcleo [+Q]. Entretanto, numa língua em que se verifica a adjacência obrigatória entre a expressão Q e o verbo finito, como é o caso do PE, é preciso assumir que o I é [+Q]. Uma vez que esta assunção é feita, nenhuma expressão Q que não seja o sujeito pode mais permanecer in situ. Se isto acontece, a cláusula (16ii) será fatalmente violada. Daí a dificuldade de justificar, frente ao Critério Q, a gramaticalidade de (6a), aqui repetida como (28):
Para que (28) não viole a cláusula (16ii), deve ser admitido que em certas situações o I das sentenças matrizes deve ser definido como [-Q]. O custo de proceder assim é não ter como evitar a opcionalidade na marcação do I quanto ao traço Q: para derivar (19b), o I deve ser [+Q]; para derivar (28) o I deve ser [-Q]14. O desconforto desta opcionalidade pode ser reduzido se temos em conta que estas interrogativas são especiais no sentido de apresentarem um “sabor de eco” (Ambar, 2000)[6]. Assim, teríamos dois tipos de I para dois tipos de sentenças interrogativas.
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3.2. As interrogativas com Q pesados
Em certa medida, o problema da opcionalidade na marcação de I se repete para as interrogativas com Q pesado, como as de (29):
Como explicar que, no caso de (29a-b) possa existir um operador Q em Spec CP sem que o verbo finito esteja em C? Uma solução para a questão pode ser formulada levando-se em consideração que o Q pesado é D-linked (Pesetsky, 1987)[11].15 Um Q D-linked pode não ser considerado um operador de pleno direito. A diferença em relação a um Q leve pode ser construída em termos do processo de quantificação que se instaura: um Q leve vincula uma variável em posição A, como representamos em (30a); por sua vez, a variável para o “determinante” que de uma expressão Q pesada pode se localizar na própria expressão Q, como respresentado em (30b).
Mesmo que (30b) não comporte leitura com “sabor de eco”, temos que admitir que I é [-Q] e que a Concordância Dinâmica atua para que (30b) se submeta ao Critério Q. Temos que admitir também, para explicar (29c-d), que I é [+Q] e que uma expressão D-linked pode ser concebida como operador.
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3.3. As interrogativas Q encaixadas
O terceiro problema tem a ver com as interrogativas encaixadas onde se verifica que o sujeito ora se coloca antes, ora depois do verbo tanto no PB como no PE, como vemos em (31) e (32):
O Critério Q prediz que esta opcionalidade não deveria existir já que a relação Spec-núcleo se verifica entre o operador Q em Spec de CP e o C definido como [+Q] por ser selecionado pelo verbo matriz.
Entretanto, este problema é eliminado se temos em mente que a possibilidade de duas ordens não tem a ver com o Critério Q e que elas não são opcionais. De fato, a ordem SV/VS decorre dos processos de focalização que estão em jogo e dos efeitos deles sobre o posicionamento do sujeito. Nos domínios de uma interrogativa Q matriz, nenhum outro constituinte que não seja a expressão Q pode ser foco e assim os processos de focalização não contam para determinar a ordem. Porém, esta proibição cessa quando se trata de uma interrogativa Q encaixada: neste contexto, a interrogativa inteira ou um de seus constituintes pode ser foco. Esta possibilidade, que não existe nas Q matrizes, se abre porque o escopo do operador Q se circunscreve à sentença encaixada enquanto o escopo do foco é a sentença inteira.
Para considerar como os processos de focalização atuam sobre os domínios encaixados, vamos usar pares de perguntas e respostas. Comecemos considerando declarativas encaixadas, como (33) e (34):
A pergunta (33a) estabelece que o foco na resposta é a encaixada inteira. Nesta situação, o PE permite as duas ordens SV/VS, como quando é codificado um juízo tético (ver Kuroda, 1972;[12] e Britto, 2000)[13]; mas o PB só permite a ordem SV em (33b) com o padrão prosódico não-marcado. Por sua vez, a pergunta (34a) estabelece que o foco na resposta é o sujeito. Como o sujeito é focalizado em posição pós-verbal no PE, só a resposta (34c), com inversão livre, é adequada para a pergunta; como o sujeito é focalizado em posição pré-verbal no PB, só a resposta (34b) com o acento primário no sujeito é natural. A ordem SV ou VS, neste caso, condiz com a forma como as duas modalidades de português codificam um juízo responsivo com foco sobre o sujeito.
Consideremos agora as interrogativas Q encaixadas em (35) e (36):
As respostas em (35b-c) e (36b-c) repetem exatamente o mesmo padrão das respostas com declarativas encaixadas em (33) e (34). As respostas (35d) e (36d) são exclusivas do PB que permite Comp duplamente preenchido.
Concluindo, podemos dizer que a ordem VS nas encaixadas nada tem a ver com o Critério Q, sendo derivada de condições estruturais impostas pelos processos de focalização. Tanto isso é verdade que os padrões são idênticos nas sentenças encaixadas, quer se trate de declarativas, quer se trate de interrogativas Q. Qualquer boa análise que desse conta do sujeito posposto, também daria conta dos contrastes vistos acima. Uma possibilidade para o caso em que o foco recai sobre o sujeito seria a proposta de Belletti (2001)[14], para quem as línguas disporiam de uma projeção de foco medial, na periferia do vP, para onde se moveriam os constituintes focalizados como foco de informação. Nas línguas de sujeito nulo, como é o caso do PE, o sujeito focalizado estaciona no Spec do FocP medial caracterizando o fenômeno da inversão livre, com um pro em posição de sujeito. O PB, que vem deixando de ser uma língua de sujeito nulo, não dispõe naturalmente da inversão livre, o que significa que o sujeito não estaciona no Spec do FocP de vP. O sujeito deve subir até o Spec do IP e nesta posição recebe o acento primário, de modo semelhante ao que acontece com as línguas que não têm sujeito nulo, como o inglês.
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4. Uma comparação quantitativa
O estudo de Kato e Mioto (no prelo)[1] mostra o seguinte quadro de ocorrências dos diversos tipos de interrogativas Q nas duas variedades de português em língua escrita. O corpus de jornais (Folha de S.Paulo e O Público) forneceu os resultados na Tabela I em (37):
types of wh- questions | with wh- movement | Wh in situ | cleft-wh with é que | rediced cleft with que | total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
EP | 252 | 76,83 | 04 | 01,22 | 72 | 21,95 | Ø | Ø | 238 | 100 |
BP | 238 | 65,75 | 32 | 08,84 | 88 | 24,31 | 4 | 1,10 | 362 | 100 |
Verificou-se que, na língua escrita, a) o padrão com movimento Q, sem clivagem, é o preferido nas duas variedades; b) que a clivagem tem uma incidência parecida; c) que o Q in situ é evitado, sendo a incidência no PB 8 vezes a do PE; e d) que não ocorre nenhum caso com apenas o complementizador que, no PE, e que o PB ainda evita esse padrão na escrita, embora seja o mais popular na fala.
A ordem SV/VS aparece na Tabela II em (38), que contém também os casos de sujeito nulo. Computaram-se apenas os casos de Q leves.
A ordem VS inacusativa foi separada, pois ela é licenciada já em declarativas, não envolvendo o movimento do verbo para a periferia esquerda da sentença.
With Moved-wh | VS | SV | NS | unaccus VS | total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
EP | 62 | 24,60 | 02 | 0,79 | 151 | 59,92 | 37 | 14,68 | 252 | 100 |
BP | 11 | 04,62 | 97 | 40,76 | 70 | 29,41 | 60 | 25,21 | 238 | 100 |
Surpreendentemente houve dois casos de SV, ambos com Q preposicionados no PE, e 11 casos de VS não inacusativos no PB. Constatou-se que estes últimos eram todos casos de Q adverbial, como em (39), com verbos que permitem a ordem VS em declarativas, como vemos nas sentenças em (40):
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(39) a. Quanto custou a produção?
b. Onde foram parar os votos da primeira eleição?
(40) a. Uma fortuna custou a produção.
b. Ali foram parar os votos da primeira eleição
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Viu-se, ainda, que no PB escrito há baixa incidência de sujeito nulo (NS), do que concluímos que ele é parte da norma estilística, ao contrário do PE, onde a alta incidência de sujeito nulo permite concluir que ele está na gramática.
Examinando as interrogativas Q de peças teatrais no PE (presumimos que esta amostra se aproxima muito mais da fala espontânea), uma descoberta supreendente foi a inexistência de construções com a ordem QVS, como vemos em (41):
+wh-movement | -wh-movement | total | |||||
non-cleft | cleft | 3% | 100% | ||||
VS - unacc. | VS + unacc. | SV | NS | é que | que | ||
Ø% | 12% | Ø% | 24% | 61% | Ø% |
Mas se confirma também a inexistência da ordem QSV. O padrão vernacular do PE hoje pede a interrogativa Q clivada, o que mostra um retrato parecido com o do PB no século XIX, revelado em Lopes Rossi (1996)[15].
5. Conclusões
A comparação das interrogativas Q do PE e do PB levou à conclusão de que as duas línguas se distanciam consideravelmente no que diz respeito às estratégias para satisfazerem o Critério Q. No nível de oposição mais extremado, o PE se alinha com línguas que apresentam o fenômeno V2 residualmente, que resulta da lexicalização do C pelo verbo finito quando um Q leve preenche o Spec de CP da sentença matriz. No outro extremo, o PB, que não apresenta o I marcado como [+Q], desenvolveu a estratégia de lexicalizar o C [+Q] com o complementizador que. O que há em comum nas duas estratégias é que o C lexicalizado de uma forma ou de outra desencadeia o movimento da expressão Q para Spec de CP. As duas modalidades de português se comportam de forma semelhante na estruturação das interrogativas Q encaixadas para atender o Critério Q. Nas encaixadas, a incidência da ordem VS, que é potencialmente maior no PE, não decorre da satisfação do Critério Q, mas dos processos de focalização.
No meio de campo, a variação que se verifica pode ser também acoplada ao Critério Q. Nas matrizes do PE falado, a larga preferência de clivadas sobre as não- clivadas com VS é entendida se se considera uma situação em que o movimento do verbo lexical está sendo perdido sem que o I deixe de ser marcado como [+Q]: a cópula, um verbo claramente funcional, está ali para dar suporte para o I em C. A força da marcação de I como [+Q] explica também a incidência muito baixa de QSV e de Q in situ: nessas sentenças não tem como o Critério Q ser satisfeito. A manutenção das não-clivadas com VS no PE escrito deve ser uma decorrência do caráter conservador, sempre presente na escrita. E, por fim, a definição do I do PE como [+Q] explica a inexistência de Comp duplamente preenchido: sem a cópula, o Critério Q não tem como ser atendido.
Quanto ao PB, a satisfação do Critério Q nos força a assumir que o I do PB não porta o traço [+Q] (e que o parâmetro da Concordância Dinâmica é marcado positivamente). Esta marcação explica a possibilidade de QSV e a incidência maior de Q in situ. Ao mesmo tempo, faz prever que a descrição estrutural das clivadas do PB, em que a cópula se mantém em I, é diferente das do PE, em que a cópula tem que estar em C. E, por fim, fornece elementos para entender por que o PB tolera Comp duplamente preenchido: a cópula não é necessária porque I não precisa ir para C para atender o Critério Q.