O verbo e o substantivo em livros didáticos: contribuições da gramática gerativa às aulas de português

Aquiles TESCARI NETO,
Mariana PERIGRINO

Resumo

Este trabalho tem por objetivo principal fazer um levantamento dos critérios utilizados para a conceituação de duas classes de palavras, o substantivo e o verbo, em três livros didáticos de língua portuguesa (do Ensino Médio). Os três livros consultados recorrem sobretudo a critérios morfossemânticos para a conceituação dos vocábulos. Recorrendo à epistemologia da Gramática Gerativa (Chomsky, 1986) e à sua metodologia de investigação, o trabalho sugere – no espírito de Câmara Jr. (1970) e, sobretudo, Donati (2008) – que não somente critérios morfossemânticos sejam contemplados na conceituação e classificação das classes de palavras; critérios sintáticos, por levarem em conta a posição do vocábulo na frase e serem diagnosticados com base na intuição do falante sobre os dados da língua (o que guarda semelhança com a metodologia de julgamentos de sentenças, típica da investigação gerativista), devem não só serem contemplados como também problematizados na classificação dos vocábulos na Educação Básica.

1. Introdução

Em pesquisa realizada junto a professores do Ensino Fundamental (anos finais) e do Ensino Médio na década de 80, da qual participaram 170 professores de língua portuguesa do estado de São Paulo, relatada em Neves (2010) – a primeira edição é de 1990 –, foi constatado que exercícios de “reconhecimento” de “classes de palavras” (doravante ClPs) correspondem a 31,34% dos exercícios sobre tópicos gramaticais que os professores do ensino fundamental e médio desenvolvem junto aos alunos: o percentual mais alto num conjunto de quarenta tópicos gramaticais (trabalhados na forma de exercícios). A autora relata que, à mesma época, considerando-se o programa de língua portuguesa (no ensino regular), o tópico “classe de palavras” correspondeu a 39,71% do total do conteúdo ensinado. Esses números apontam para a relevância – pelo menos quantitativa – do estudo das ClPs na Educação Básica.

Trinta anos depois, o estudo das ClPs continua a ser um tópico de importância no conteúdo das aulas de língua portuguesa no Brasil, o que é perceptível já pela sua presença em livros didáticos (LDs) – nos que integram o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e em livros que não fazem parte desse programa do Ministério da Educação e Cultura – bem como pela frequência com que esse conteúdo é exposto aos estudantes ao longo de sua vida escolar. Documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e LDs propõem que esse tópico seja trabalhado ao longo do cronograma escolar, tanto no Ensino Fundamental II como no Ensino Médio, o que, na prática, iria ao encontro, em certa medida, dos dados reportados em Neves.

Que o tópico “classe de palavras” seja, de fato, importante é reconhecido, como mencionado, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que o aborda ao tratar da análise linguística, no conjunto das práticas de linguagem a serem desenvolvidas. A BNCC para o ensino fundamental reconhece, no objeto de conhecimentos gramaticais “morfossintaxe”, algumas habilidades esperadas dos alunos dos anos finais do ensino fundamental:

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(...) conhecer as classes de palavras abertas (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios) e fechadas (artigos, numerais, preposições, conjunções, pronomes) e analisar suas funções sintático- semânticas nas orações e seu funcionamento (concordância, regência). (...) Correlacionar as classes de palavras com as funções sintáticas (sujeito, predicado, objeto, modi cador etc.).” (BRASIL, 2018, p. 81).

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O presente trabalho toma esses três importantes diagnósticos – a presença (quantitativa) das classes de palavras no dia a dia das aulas de português na educação básica, identificada na pesquisa de Neves (2010); a presença das ClPs nos LDs de língua portuguesa e as menções, na BNCC (BRASIL, 2018), a atividades envolvendo classes de palavras, no conjunto de habilidades esperadas em morfossintaxe – como mote para propor uma reflexão sobre a importância de teorias formais como suporte teórico-metodológico ao ensino de língua portuguesa na Educação Básica. Esse é o nosso objetivo geral. Como objetivo específico, o trabalho busca oferecer um estudo de duas ClPs em LDs do ensino médio, a saber, o substantivo e o verbo. Para tanto, se vale da análise de três LDs de língua portuguesa (para o Ensino Médio) – Gramática em textos: volume único (SARMENTO, 2012), Gramática e texto (NICOLA, 2014) e Português: linguagens 2 (CEREJA & MAGALHÃES, 2010) –, considerando três variáveis para a análise: (i) critérios utilizados para a classificação, em classes, das palavras; (ii) método utilizado pelo autor/autores do LD na proposta de classificação das palavras; e (iii) menção, por parte do(s) autor(es) dos LDs, (ou não) de teorias gramaticais – sobretudo a gerativista – tanto na conceituação/explanação teórica das ClPs como nos exercícios. Ao final, propomos um conjunto de atividades complementares às propostas pelos LDs.

O trabalho se organiza da seguinte forma: na seção 2, recorremos à literatura sobre ClPs, dando destaque aos critérios utilizados pela tradiçãogramaticalpara o reconhecimento das classesdos vocábulos; na sequência, na seção 3, analisamos cada LD relativamente às três variáveis elencadas no parágrafo anterior, no tocante à classificação dos substantivos e dos verbos. A seção 4 sintetiza os achados sobre o tratamento dado pelos três LDs de nosso corpus às ClPs e avança uma metodologia de trabalho (para as aulas de análise linguística no ensino médio), pautada na epistemologia e na metodologia de investigação típicas da Gramática Gerativa. A seção 5 apresenta as considerações finais.

2. Das ClPs na tradição gramatical e nos estudos linguísticos

FalaremClPsimplicanaturalmentefalarem“categoria”(gramatical). O termo “categoria” tem, contudo, um sentido bastante amplo, por vezes até mesmo nebuloso na literatura linguística, podendo levar a algumas confusões. É, por vezes, p. ex., utilizado como sinônimo de ClPs ou partes da oração (pela gramática tradicional ou mesmo por teoriaslinguísticas). Outrasvezeséusadocomosinônimode categoria gramatical/funcional, no sentido de unidades linguísticas agrupadas por propriedades morfossintáticas e/ou semânticas semelhantes. Conforme já apontava Lyons (1979, p. 285), “[a]lguns autores referem-se às partes do discurso como categorias; outros, seguindo o uso mais tradicional, restringem a aplicação do termo a certos traços associados às “partes do discurso” nas línguas clássicas, como […] pessoa, tempo, modo, etc. […]”. Este sentido mais “geral” de categoria enquanto “traço” associado a determinada unidade linguística pode ser traduzido, em termos de Gramática Gerativa, à luz do Princípio do “One Feature, One Head (‘Um traço, um núcleo’)” (KAYNE, 2005), que associa cada traço do sistema conceitual a uma categoria (i.e., a uma projeção) sintática.1 Por essa definição, uma “palavra”, por exemplo em uma língua flexional como o português, será um “feixe de traços”, uma vez que congregará vários traços semânticos. Este é o caso por exemplo de meninas, em que, para além de menin-, o morfema lexical, teríamos os morfemas -a- e -s, sendo que -a- teria o traço [+ feminino] e -s o traço [+plural].

Na classificação dos vocábulos em classes, os linguistas se valem de três critérios: critérios morfológicos, critérios semânticos e critérios sintáticos (CÂMARA Jr, 1970; DONATI, 2008; PINILLA, 2007). Na tradição dos estudos linguísticos no Brasil, Câmara Junior (1970, p. 67-70) teria sido o primeiro a empregar esses três critérios para propor uma classificação dos vocábulos bastante coerente com sua “análise dos vocábulos formais”. “Vocábulos formais” são, na tradição mattosiana, as formas livres (mesa, cadeira, chocolate, etc.) e as formas dependentes (determinantes, conjunções e preposições, em português) (CÂMARA Jr, 1970). Deste modo, faz sentido tratar formas dependentes também como “palavras”, incluindo, no rol das “partes da oração”, em português, os determinantes, as conjunções e as preposições. De acordo com Câmara Junior, a classificação dos vocábulos remonta ao gramático alexandrino Dionísio da Trácia, que propôs uma descrição para o grego antigo.

A classificação das palavras em classes, segundo esses critérios empregados, não está isenta de problemas, como já apontava Câmara Junior (1970), haja vista a heterogeneidade inerente ao que se considera como membro de determinada classe: “A crítica séria, que se lhe pode fazer, é ser heterogênea em seus critérios e alinhar num quadro único o que na realidade corresponde a uma divisão de hierarquias e sub-hierarquias.” (CÂMARA Jr, 1970, p. 67).

Pelo critério mórfico/morfológico ou formal, as palavras são classificadas em consonância com sua forma. Assim, o morfema – mente, acrescido a uma base adjetival, é um sufixo identificador da classe dos advérbios em português. Já o critério semântico leva em consideração o significado do vocábulo (i.e., aquilo que ele expressa). O critério que Câmara Junior chama de “funcional”, que leva em conta a função ou papel do vocábulo na sentença, é mencionado em Donati (2008) como “critério distribucional” ou “sintático”, por considerar, quando da classificação, a posição que o vocábulo ocupa na estrutura.2

Câmara Junior cita Groot (1948, p. 439) ao justificar por que na tradição dos estudos sobre o português os critérios mórfico e semântico são tomados como “critério-base”, compositamente, numa sorte de critério morfossemântico: “[o vocábulo formal] é, em virtude de sua essência e definição, uma unidade de forma e sentido. O sentido não é qualquer coisa de independente, ou, mais particularmente, não é apenas um conceito; conjuga-se a uma forma. O termo sentido só pode ser definido com o auxílio do conceito forma.” (GROOT, 1948, p. 439, apud CÂMARA Jr, 1970, p. 67). Conforme veremos na seção 3, para a conceituação e definição das ClPs aqui estudadas – o substantivo e o verbo –, o critério morfossemântico é o preferido pelos autores dos LDs aqui analisados.

Pelo critério semântico, faz-se referência àquilo que o signo evoca. Este critério pode ser problemático, como já lembrava Câmara Junior, se se considera que substantivos representam coisas ou seres; e verbos, processos, uma vez que há substantivos que indicam processos, como viagem, julgamento, consolação. Donati (2008), conforme veremos a seguir, também critica o uso tão somente de critérios semânticos.

Já o critério morfológico ajuda a diferenciar substantivos e verbos, haja vista o fato de somente substantivos poderem ser especificados por meio do artigo e serem passíveis de pluralização por /S/, ao passo que os verbos apresentam as noções gramaticais de tempo, modo (e aspecto).

O pronome, do ponto de vista semântico, tem uma função dêitica, i.e., mostra o ser no espaço. Morfossemanticamente, os substantivos são distinguidos dos pronomes pela sua função na comunicação: assim, os substantivos e os pronomes podem ser o centro de uma expressão – neste caso, são substantivos – sendo ‘determinados’ por adjetivos e determinantes. Advérbios igualmente tem essa mesma função: sob a forma de substantivos e pronomes, os advérbios servem como determinantes de um verbo: fala eloquentemente, fala aqui.

Tendo em vista os critérios morfossemântico e funcional, é possível chegar, segundo Câmara Junior ao seguinte quadro:

Figure 1.

O quadro das ClPs se completa se incluirmos aí os conectivos, formas dependentes cuja função é “relacionar [os vocábulos] uns com os outros” (CÂMARA Jr, 1970, p. 69): são, no espírito de Câmara Junior, as preposições e as conjunções. Há também que se incluir, no rol das ClPs os determinantes. A gramática tradicional também reconhece, como classe de palavras, os numerais e as interjeições.

Do tratamento de Câmara Junior à classificação dos vocábulos é importante lembrar, com o autor, que todos os três critérios são importantes e devem ser levados em conta, ainda que a tradição gramatical, conforme assinala o autor, considere sobretudo apenas critérios morfossemânticos. É de opinião bastante similar Perini (2006), que observa que, apesar de muito importante para a compreensão do léxico de uma língua, a classificação das palavras em classes, proposta pela gramática tradicional, não está isenta de problemas. Para Perini (2006), a classificação é variável e precisa depender sempre do ponto de vista que está sendo considerado relevante para a análise feita em um determinado contexto (se morfológica, se sintática, se semântica, se fonológica, etc.) sobre o léxico. É por isso, então, que Perini (2006) considera a análise dos traços dos itens lexicais mais relevante do que a análise do item lexical como um todo, uma vez que são esses traços os responsáveis por estabelecerem regras gerais e agrupamentos de casos recorrentes, não individuais:

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Para classificar uma forma linguística, portanto, lidamos com traços e cada traço é uma propriedade dessa forma – propriedades fonológica, morfológica, sintática ou semântica, conforme o caso. Todos os traços são considerados como presentes na representação mental da forma na memória do falante; ele seleciona traços de que vai precisar a cada momento. (PERINI, 2006, p. 134).

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Os LDs consultadospornós, conformemostraremos, privilegiam critérios morfossemânticos, muitas das vezes se esquecendo de critérios distribucionais (sintáticos/funcionais), talvez por força da tradição das gramáticas normativas, que também valorizam sobretudo critérios morfossemânticos. Donati (2008), ao analisar gramáticas tradicionais italianas, chega à mesma conclusão: as gramáticas tradicionais não recorrem a critérios sintáticos, o que pode levar a classificações incorretas. Assim, o verbo é geralmente definido, segundo a autora, nas Gramáticas Normativas, nos seguintes termos: “Verbo: parte variável do discurso que indica uma ação ou um modo de ser de uma pessoa ou coisa”. (DONATI, 2008, tradução livre)

Esta não é, segundo Donati, uma definição sintática, mas morfológica – uma vez que define o verbo (doravante V) como sendo uma categoria variável – e semântica – dada a referência ao tipo de conceito que o V pode indicar: ação ou modo de ser –. Tal definição, continua a autora, define um traço sintático (o traço categorial [+V]) em função de traços morfológicos e semânticos com os quais se correlaciona frequentemente, ainda que com eles não se identifique.

Pelo critério sintático, o analista leva em conta a distribuição das palavras:

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duas palavras pertencem à mesma parte do discurso ou categoria se podem ocupar as mesmas posições. Sob essa base poderemos distinguir o verbo do nome: ambos são partes do discurso variáveis, e ambos podem-se referir a uma ação (observa, observação), ou a um modo de ser (dormir, dormida), mas mesmo assim não podem estar jamais na mesma posição (…). São vistos, portanto, pela sintaxe como duas categorias distintas” (DONATI, 2008, seção 2.3, tradução livre)

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Traduzindo alguns exemplos (relevantes) de Donati, do italiano ao português, percebemos que, de fato, a definição tradicional de “verbos”, apresentada acima, conduziria a erros de classificação:

(1)

a. Lipe observa/observava/observará a lua.

b. *Lipe observação/observações a lua.

c. A observação da lua.

d. *A observa da lua.

(2)

a. Lipe dorme/dormia/dormirá

b. *Lipe dormida

c. As dormidas do Lipe

d. *As dorme do Lipe

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Pela definição tradicional, teríamos analisado dormidas em (2c) como V, dado o fato de o V ser uma “parte variável do discurso que indica uma ação ou um modo de ser de pessoa ou coisa”. As definições de V e de substantivo justificam, assim, o porquê de estudantes – tanto nos anos finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio – ainda terem dúvidas sobre a classificação de vocábulos: tais definições não são capazes de abarcar a completude dos itens rotulados como Vs e substantivos, podendo ser vistas, portanto, como incompletas. No entanto, apesar das dificuldades (e erros) presentes no contexto de classificação das palavras em classes, estudante nenhum comete erros ao empregar esses termos na formação de sentenças em contextos de uso cotidiano da língua, graças à sua competência de falante nativo ou, noutras palavras, graças ao seu conhecimento inconsciente sobre a gramática da língua: as categorias sobre as quais essas palavras fazem referência são parte da nossa competência (DONATI, 2008).

É fato, no entanto, que as definições de V e substantivo, presentes nas gramáticas normativas, se tomadas pelos estudantes como critérios para a classificação dos vocábulos em classes, os levaria a “erros de classificação”, conforme constata Donati (2008) (sobre as definições de V e substantivo oferecidas em gramáticas tradicionais do italiano). Como veremos na seção 3, os LDs brasileiros aqui consultados propõem definições similares, que induzem os estudantes a “erros de classificação”. É pouco provável, no entanto, que um estudante classifique “observação” em (1c) como V, muito embora este nome indique ação e seja variável (cf. observações). Estudantes, continua Donati (2008, p. 41), não cometem esse tipo de erro específico por terem consciência de que substantivos não podem entrar na posição ocupada por Vs (cf. (1b)). O critério sintático, portanto, elimina a ambiguidade do critério morfossemântico que, tal como utilizado, levaria a erros de classificação. Vs só podem aparecer nas posições a eles reservadas (cf. a gramaticalidade de (1a, 2a) relativamente à agramaticalidade de (1d, 2d)); igualmente, os substantivos só podem aparecer em posições de substantivos (cf. (1c,1d)).

Apróximaseçãotrazumaanálisedetrês LDsdelínguaportuguesa (para o ensino médio), observando o tratamento por eles oferecidos às duas ClPs em estudo.

3. Análise dos livros didáticos: o substantivo e o verbo

3.1. “Gramáticas em textos: volume único”

O livro “Gramática em texto”, de Sarmento (2012), com uma proposta bastante próxima ao espírito do que propõem os PCNs, por abordar, p.ex, os conhecimentos linguísticos em textos de diferentes gêneros textuais, divide-se em cinco partes (“Parte 1 – Linguagem”; “Parte 2 – Fonologia e ortografia”; “Parte 3 – Morfologia”; “Parte 4 – Morfossintaxe” e “Parte 5 – Introdução à estilística e à semântica”), sendo a terceira parte a responsável por apresentar o estudo das ClPs.

O segundo capítulo da parte 3, destinado aos substantivos, é dividido em três seções – “Definição”, “Classificação dos Substantivos” e “Flexão dos substantivos” – e se inicia com um poema de Mario Quintana (“Segunda canção muito longe”), sobre o qual são propostos alguns exercícios de interpretação. Dentre eles, destaca- se perguntas como “Que palavras nomeiam as pessoas que faziam parte do passado do eu lírico?” ou “Identifique também as palavras que nomeiam animais.”, que solicitam que o aluno encontre termos responsáveis por nomear seres e objetos. Finalizados os exercícios, a autora apresenta a sua definição da ClPs dos substantivos: “Substantivos são palavras que atribuem nomes a seres reais ou imaginários (pessoas, animais, objetos), lugares, qualidades, ações e sentimentos, ou seja, tudo que tem existência concreta ou abstrata” (p. 150).

Analisando a proposta de Sarmento (2012), percebe-se que a autora opta pelo método empírico-indutivo, uma vez que os alunos são induzidos a compreenderem o que são os substantivos, por meio de exercícios, antes de essa ClP ser definida. Além disso, fica claro que há uma grande valorização do critério semântico na classificação, já que é exposto o sentido que os substantivos assumem: nomear seres. Essa valorização pode ser percebida não somente na classificação proposta (cf. p. 150), mas também pelos exercícios sobre o poema que abre o capítulo.

Logo após definir a ClPs do substantivo, a autora apresenta um tópico denominado “observação”, em que traz a seguinte afirmação: “Se a palavra for originalmente um adjetivo ou um verbo, ou pertencer a outra classe gramatical, e estiver precedida de artigo ou certos pronomes, equivale a um substantivo; ela apresenta uma função substantiva: o escuro, o chiar, seu sorrir, etc.” (p. 150). Nesse tópico, então, podemos perceber que autora utiliza, em certa medida, o critério sintático ou distribucional, pois analisa uma palavra de acordo com a posição que ela ocupa na estrutura e a partir das relações que estabelece com os outros elementos da sentença (no caso em questão, ser ou não precedida de artigo ou certos pronomes) para delimitar a sua classificação. Esse critério, porém, não pode ser visto como valorizado, uma vez que aparece como um ponto de “observação” e não como parte integrante da definição adotada sobre substantivo. Além disso, visualmente, o tópico não conta com nenhum destaque no livro, diferentemente da definição adotada, que aparece inserida em um quadro colorido (vide figura 1).

Figure 2. Figura 1: Da definição de substantivo em Sarmento (2012) – Fonte: Sarmento (2012, p. 150)

Duas outras observações devem ser feitas, relativamente ao tratamento dado por Sarmento aos substantivos. Depois de apresentar a definição do substantivo, a autora traz suas classificações mais específicas, como classificação em tipos (se substantivos abstratos, concretos, próprios e comuns, por exemplo), gênero, número e grau e, para isso, segue a mesma proposta do início do capítulo: são sugeridas leituras de textos, a resolução posterior de exercícios de interpretação e a apresentação de uma definição a ser adotada. Dessa forma, observa-se que o método empírico-indutivo se mantém presente, o que garante certa coerência ao livro e à sua metodologia de ensino. No entanto, o que pode ser percebido é a valorização não só do critério semântico, mas também do critério morfológico na conceituação dos substantivos ao defini-los como uma ClPs variável, p. ex, em gênero, número e grau3. Reforça-se, portanto, o que Câmara Junior já mencionava em 1970: preferem-se, no estudo das ClPs, os critérios morfossemânticos com a exclusão dos distribucionais (sintáticos).

O tratamento dado à classe do V se estende por dois capítulos (capítulos 11 e 12), nos quais, respectivamente, apresenta-se a definição do que sejam Vs; são também tratados tópicos como flexão verbal, formação dos tempos verbais, dentre outros. Nossa análise se volta ao capítulo 11, em que é possível analisar os critérios aqui pretendidos.

O primeiro capítulo sobre V é iniciado com uma matéria da revista Superinteressante e, assim como ocorre com no capítulo 7, são propostos exercícios de interpretação sobre o texto. Neles, então, os alunos começam a depreender o que sejam Vs a partir de perguntas como “Observe que há no texto palavras que indicam ações. Quais delas ocorrem na primeira frase?” (p. 245) e “Nas frases a seguir, identifique o que expressa cada um dos verbos destacados: ação, estado, mudança de estado ou fenômeno meteorológico” (p. 245). – mesmo sem essa classe ter sido definida. Após esses exercícios de interpretação, Sarmento (2012) conceitua a ClPs dos Vs consoante critérios nocionais (semânticos): “Os verbos podem exprimir ação, estado, mudança de estado ou fenômeno meteorológico (fenômenos da natureza)” (SARMENTO, 2012, p. 245).

A estruturação do capítulo demonstra que a autora ainda mantém a predileção pelo método empírico-indutivo, uma vez que os alunos sãolevadosainduziro quesejam Vs. Já em relação ao critério utilizado para a definição dessa ClP, percebemos que Sarmento (2012) recorre, como aludido no parágrafo anterior, ao critério semântico-nocional: o foco é abordar o sentido do verbo (se indica ação, estado ou fenômenos da natureza). É importante ressaltar também que, nesse capítulo, não é feita nenhuma referência ao critério distribucional, que leva em conta a posição do vocábulo em relação aos outros, na ocorrência em que aparece – critério esse apontado como relevante em manuais estruturalistas (p. ex., CÂMARA Jr, 1970) e gerativistas (cf., dentre tantos outros, DONATI, 2008).

Em seguida, Sarmento explicita a divisão dos Vs segundo as suas conjugações (Vs de 1ª, 2ª ou 3ª conjunção), o que deixa evidente a aplicação do critério morfológico, visto que é abordado o modo como a palavra é estruturada e a variação que essa classe sofre de acordo com a conjugação em que se encontra. No entanto, apesar de ao longo do capítulo haver uma mescla entre os critérios morfológico (quando se apresentam os elementos que estruturam o V (como o radical, a vogal temática, o tema e as desinências)) e semântico (quando se abordam as flexões verbais – por exemplo, “futuro do subjuntivo indica um fato possível de ocorrer no futuro” (p. 253) – ), há passagens em que, visualmente, este último parece ganhar maior destaque (vide figura 2):

Figure 3. Figura 2: Do critério semântico na definição dos verbos em Sarmento (2012) – Fonte: Sarmento (2012, p. 245)

Tendo essas questões em vista, percebe-se que o capítulo 10, sobre Vs, estrutura-se de modo semelhante ao capítulo 7 sobre substantivos, já que ambos adotam o método empírico-indutivo como forma de apresentação do conteúdo, valorizando critérios semânticos na definição das ClPs (apesar de também fazerem menções ao critério morfológico) e aparentemente não considerando o critério sintático – muito explorado já no âmbito do estruturalismo mattosiano e em manuais introdutórios de gramática gerativa (cf. DONATI, 2008). Vale ressaltar também que, ao longo dos capítulos, não é possível ver menções a teorias linguísticas que poderiam ajudar na compreensão das ClPs estudadas.

3.2.  “Gramática e texto”

A coleção de José Nicola é dividida em duas partes (Parte 1 e Parte 2); no entanto, somente a segunda será analisada neste artigo, tendo em vista ser essa a que trata das ClPs dos substantivos e Vs.

A segunda parte é, então, dividida em duas grandes temáticas: “A gramática dos textos” e “A construção dos textos”, temáticas também encontradas na Parte 1 da coleção.

Em “A gramática dos textos”, encontramos seis capítulos dedicados majoritariamente ao estudo das ClPs: Capítulo 8 – Estrutura e formação de palavras; Capítulo 9 – O substantivo; Capítulo 10 – Determinantes e modificadores dos substantivos; Capítulo 11 – O pronome; Capítulo 12 – O verbo; e Capítulo 13 – O advérbio.

O capítulo dedicado ao estudo dos substantivos é o capítulo 9, que se subdivide em três seções: (i) “A gramática da palavra” (que conta com as subseções: “1. O substantivo”; “2. Classificação: o aspecto semântico”; “3. Classificação: o aspecto morfológico”; “4. As categorias gramaticais do substantivo”), (ii) “A gramática da frase” (emqueseencontrao estudo das funções sintáticas dos substantivos) e (iii) “A gramática do texto” (que propõe a abordagem sobre “os substantivos abstratos e os substantivos concretos na construção dos textos” e “a seleção lexical: coesão, estilo e intencionalidade”).

Para iniciar o capítulo, o autor propõe a análise do gênero capas de revista, por meio de exercícios de interpretação. Estes focalizam não só no gênero proposto, mas também no conteúdo do capítulo: os substantivos. As perguntas pressupõem, no entanto, o conhecimento de conteúdos e nomenclaturas mais específicos, como os conceitos de “núcleo do sintagma”, “substantivos próprios”, o que pode ser problemático uma vez que, nesta seção, ainda não foram apresentadas definições e explicações sobre os substantivos e de que modo eles se subdividem (em próprios e comuns, por exemplo), tendo os alunos, provavelmente, que induzir o que seriam esses conceitos para responder às questões. Isso demonstra então, que Nicola (2014) baseia-se num método indutivo, fazendo com que o aluno induza o que são substantivos, antes de lhe ser oferecida uma definição.

Finalizada a seção de exercícios, o autor apresenta a sua definição dos substantivos:

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Substantivo é a palavra que usamos para nomear seres animados e inanimados, objetos materiais, ações, sentimentos, qualidades e ideias. Funciona como elemento nuclear do sintagma nominal e é subordinante, ou seja, na hierarquia das palavras, subordina os termos que o acompanham. Como palavra variável, apresenta flexão de gênero e número e variação de grau. Monet, pintura, telas, trabalhos, século, vanguardas são exemplos de substantivos (NICOLA, 2014, p. 245, grifos do autor)

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Essa definição deixa claro, então, que Nicola (2014) recorre aos três critérios de classificação (semânticos, sintáticos e morfológicos): o critério semântico indica qual o sentido que os substantivos assumem (“nomear seres animados e inanimados, objetos materiais, ações, sentimento, qualidades e ideais”); o critério sintático leva em conta a posição que os substantivos ocupam em uma oração: posição de subordinante e núcleo do sintagma nominal; e o critério morfológico faz menção ao fato de os elementos da classe serem passíveis de flexão em gênero e número.

Dentre esses critérios, no entanto, os que são aprofundados ao longo do capítulo são somente os critérios semântico e morfológico, como ocorre nas subseções “Classificação: aspecto semântico” – em que Nicola (2014) conceitua os substantivos de acordo com o sentido que podem assumir – e “Classificação: aspecto morfológico” – em que se analisa a formação das palavras classificadas como substantivos (se possuem, por exemplo, um ou mais radicais (como o termo “cachorro” e “arco-íris”, respectivamente) –. Já o critério sintático é trabalhado, então, separadamente na seção “A gramática da frase”, na subseção “Funções substantivas”, em que o autor afirma que “outros termos [...] podem gravitar em torno dos substantivos, ajudando a determiná-los” (NICOLA, 2014, p. 253). Assim, diferentemente do que é feito com os critérios morfossemânticos, que contam com subseções inteiramente direcionadas ao seu aprofundamento, o critério distribucional aparece de modo muito pontual em “A gramática da frase”. Esse aspecto da abordagem de Nicola (2014) deixa claro mais uma vez a preferência das gramáticas (fato já notado em Câmara Junior (1970), como dito acima) e dos LDs por critérios morfossemânticos: há pouca menção a critérios distribucionais, critérios esses bastante valorizados em análises gerativistas (DONATI, 2008), já por se valerem, esses critérios, do conhecimento implícito do falante sobre as ClPs.

O capítulo dedicado ao estudo dos Vs é o capítulo 12, que, assim como o capítulo 9, subdivide-se em três seções “A gramática da palavra” (responsável por abordar “Verbo”; “Classificação: o aspecto semântico”; “As categorias gramaticais do substantivo” e “Classificação: a regularidade”); “A gramática da frase” (que apresenta os seguintes conteúdos: “O verbo, o centro da oração”; “Classificação: atransitividade; e“Os verbos eos tiposde predicado”) e “A gramática do texto” (com a subseção “O emprego expressivo de tempos e modos”).

Para iniciar o capítulo, Nicola (2014) propõe exercícios de interpretação sobre um artigo. Nesses, então, o autor procura induzir o aluno a identificar o que são Vs por meio de perguntas como “Que critérios foram usados para transformar o substantivo em verbo, ou seja, o que caracteriza uma palavra como verbo?” (NICOLA, 2014, p. 312), o que mostra que o autor mantém o uso de um método empírico- indutivo, uma vez que os alunos são induzidos a inferir e determinar o que sejam Vs antes de ser apresentada uma definição. Isso demonstra haver coerência entre os capítulos destinados ao estudo de ClPs quanto ao método utilizado para propor o conteúdo.

Em seguida, então, Nicola explicita a definição a ser adotada, sobre os Vs, em seu livro:

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Verbo é a palavra variável que indica uma ação, um estado, uma mudança de estado, um fenômeno da natureza. Ao contrário do nome, tem sempre um aspecto dinâmico, indicando um processo devidamente localizado no tempo. Palavras que não costumam ser usadas como verbo podem ser empregas com esse sentido se, em parte, forem formuladas imitando a variação dos verbos, como ocorre nos neologismos que ocorrem na página anterior. (NICOLA, 2014, p. 313)

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Diferentemente do que foi visto na definição dos substantivos, para definir a ClPs dos Vs, Nicola recorre somente aos critérios morfossemânticos: o V é uma palavra variável (critério morfológico) e exprime ação, estado, mudança ou fenômeno da natureza (critério semântico).

Essa valorização dos critérios morfossemânticos também fica clara quando se analisam as subseções de “A gramática da palavra”: na subseção “Classificação: aspecto semântico”, os verbos são classificados em dinâmicos (verbos que exprimem uma ação, “comer”, ou um processo, “amanhecer”) e não dinâmicos (verbos que exprimem um estado ou permanência, “ser”); em “As categorias gramaticais do verbo” e “Classificação: a regularidade”, Nicola (2014) apresenta as variações em tempo, modo, aspecto e voz que os verbos podem sofrer, bem como a divisão entre Vs regulares, irregulares, defectivos e abundantes, focalizando no estudo sobre as formas que os Vs podem assumir.

No entanto, apesar de o critério distribucional não ser apresentado ao longo da seção “A gramática da palavra”, que traz a definição de Nicola sobre os Vs, acaba por aparecer na seção “A gramática da frase”, em “O verbo, o centro da oração”:

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Na língua portuguesa, a oração se organiza em torno do verbo (existe oração sem sujeito, mas não existe oração sem verbo). No livro, Morfossintaxe, Flávia de Barros Carone assim reproduz a posição de alguns linguistas sobre o verbo: A palavra que “amarra” outra(s) a si, como subordinada(s), forma, com ela(s), um “nó”; e o verbo, ao qual todas se prendem, imediata ou mediatamente, constitui o “nó dos nós”. É o centro da oração, como o Sol é o centro do Sistema Solar... (NICOLA, 2014, p. 328)

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O enunciado torna notável que, apesar de não constar na definição apresentada no início do capítulo, o critério distribucional é apresentado por Nicola; há menção a linguistas e sua visão em relação ao V, o que mostra haver a inserção tanto do critério sintático no estudo dessa ClPs quanto de teorias linguísticas. Isso pode ainda ser confirmado pois, mais adiante, na mesma seção “A gramática da frase”, Nicola cita Mattoso Câmara Jr:

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A análise de uma oração põe em evidência o verbo. É ele a rigor o núcleo dessa pequena unidade linguística. Em volta dele, temos em regra geral um sujeito com que ele concorda em pessoa e número, e certos complementos com ideias elementares, que se combinam à do verbo para formar outra mais complexa.

A boa formulação da oração depende da eficiência com que sentimos quase institivamente estes seus três elementos verbais. É uma capacidade que se torna particularmente importante numa língua como a portuguesa, em que não há para eles uma ordem preestabelecida e fixa. (CÂMARA Jr, 1983, apud NICOLA, 2014, p. 328).

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A presença de uma citação de um linguista tão importante quanto Câmara Jr. evidencia que, mesmo não sendo central no capítulos sobre Vs, há elementos de teorias linguísticas na caracterização dessa ClPs, pois é possível ler, nas entrelinhas de Nicola, uma menção a um princípio fundamental da epistemologia da Gramática Gerativa, o inatismo: “A boa formulação da oração depende da eficiência com que sentimos quase institivamente estes seus três elementos verbais”. Para além disso, a citação de Câmara Junior, por Nicola, faz novamente menção ao critério distribucional, quando Câmara Jr. afirma que em uma oração o V é posto em evidência, pois é em volta dele que outros termos se organizam.4

Dessa forma, podemos concluir que o capítulo sobre a ClPs dos Vs recorre ao mesmo método do capítulo dos substantivos (método empírico-indutivo), fazendo com que os alunos induzam o que sejam Vs antes de serem definidos pelo autor. No entanto, diferentemente do que ocorre com a ClPs dos substantivos, a definição adotada por Nicola (2014) sobre os Vs valoriza somente os critérios morfossemânticos, sem que haja inserção, na definição, de contribuições (de linguistas) que reconhecem a importância do critério distribucional. É importante ressaltar, contudo, que este critério é apresentado na seção “A gramática da frase” de modo satisfatório, uma vez que Nicola recorre à visão dos linguistas para apresentar a posição que os Vs ocupam na oração e qual a visão que esses estudiosos têm dessa ClPs.

3.3.  “Português linguagens 2”

“Português linguagens 2”, de Cereja & Magalhães (2010), está em sintonia com a proposta dos documentos oficiais de que as práticas de linguagem (leitura, produção e análise linguística) sejam trabalhadas conjuntamente e de maneira harmoniosa. O volume 2, aqui utilizado por ser o volume dedicado ao estudo das classes de palavras, conta com quatro unidades organizadas em torno de movimentos literários. Cada unidade apresenta doze capítulos (à exceção da primeira, que conta com um capítulo a mais). Dentro das unidades, os capítulos se distribuem de acordo com os seguintes eixos temáticos: literatura, língua: uso e reflexão (análise linguística), gêneros textuais e produção textual. Para cada capítulo dedicado à literatura, haverá um sobre um gênero textual específico, um outro de análise linguística e um quarto de produção textual. Assim, relativamente à análise linguística, nosso tópico de interesse aqui, há duas unidades onde se distribuem oito capítulos dedicados às classes de palavras (um para cada classe – sendo o artigo e o numeral tratados conjuntamente num mesmo capítulo e a preposição e a conjunção também tratadas conjuntamente em um outro capítulo). As outras duas unidades são dedicadas ao estudo das funções sintáticas.

Para os propósitos de nosso trabalho, interessam o capítulo 2 (“O substantivo”), da Unidade 1, e o capítulo 2 (“O verbo”) da Unidade 2, que tratam do substantivo e do V.

O capítulo “O substantivo” se divide em quatro seções. A primeira seção, “Construindo o conceito”, apresenta um conto, “O amor e a loucura”, seguido de três perguntas sobre o texto. Duas dessas perguntas induzem os alunos a compreenderem o que seriaum substantivo: “Que palavras designam o mistério do Amor?” e “O que cada uma dessas palavras nomeia: um ser, uma ação, uma qualidade, um estado ou um sentimento?”. A seção seguinte, “Conceituando”, recorrerá a critérios morfossemânticos para a proposta de definição da ClPs dos substantivos, conforme a figura 3, a seguir:

Figure 4. Figura 3: Da definição de substantivo em Cereja & Magalhães (2010) – Fonte: Cereja & Magalhães (2010, p. 21)

A figura 3 deixa claro que Cereja & Magalhães recorrem, para a definição do substantivo, a critérios semânticos: os substantivos são “palavras que designam seres”, conforme vemos no quadrinho azul, em destaque. Critérios morfológicos também são mencionados, a partir da página 24, na subseção “Flexão do substantivo”, em que se recorre a treze exercícios para o estudo de aspectos formais do substantivo. Critérios sintáticos também aparecem, mas somente marginalmente, quando os autores, num exercício, pedem que os alunos retirem do texto um adjetivo substantivado.

A definição oferecida, pautada em critérios semânticos, sobretudo, e feita depois da atividade inicial – atividade em que se propôs uma reflexão, a partir de um texto, que propiciasse, por meio de perguntas, a recolha de traços importantes para uma definição morfossemântica de substantivo –, deixa evidente, também para esse LD, a valorização de um método empírico-indutivo na conceituação dessa ClPs em Cereja & Magalhães (2010): o conceito da ClP será construído a partir de dados induzidos pelas perguntas, pautadas em exemplos presentes no texto.

A menção, na subseção “Morfossintaxe: forma e função” (figura 3 acima), ao fato de os falantes “inconscientemente seleciona[re] m e combina[re]m palavras de acordo com determinadas regras interiorizadas por aqueles que se utilizam da língua” (CEREJA & MAGALHÃES, 2010, p. 21) é uma alusão, para nós bastante direta, ao conhecimento da língua internalizado na mente dos usuários de língua natural, tal como argumentado em Chomsky (1986). Os autores, contudo, não avançam em direção a um programa de atividades que contemple, p.ex., na forma de exercícios, aspectos desse conhecimento internalizado. Vamos sugerir, na próxima seção, um conjunto de atividades que vai ao encontro de pressupostos epistemológicos e metodológicos da Gramática Gerativa que, acreditamos, possa ser desenvolvido no tratamento das ClPs no ensino médio.

Também para o tratamento dos verbos, no capítulo 2 da Unidade 2, os autores recorrem ao método empírico-indutivo para conceituarem a classe. Assim, na seção “Construindo o conceito”, fazem perguntas que induzem os alunos à definição semântica de que verbos exprimem estado, ação, mudança de estado, etc. Assim, a definição strictu senso dessa classe leva em conta critérios semânticos, conforme a figura 4, abaixo:

Figure 5. Figura 4: Da definição de verbo em Cereja & Magalhães (2012) – Fonte: Cereja & Magalhães (2012, p. 140)

Naturalmente, o tratamento seguinte será mostrar que a classe dos Vs se caracteriza pelas flexões de número, pessoa, modo, tempo e voz (p. 141). Há, então, um trabalho com a morfologia verbal, com explanação teórica e exercícios, na seção “Flexão dos verbos”. A morfologia verbal é também tópico de estudos nas subseções “formas nominais do verbo” e classificação dos verbos (em anômalos, defectivos e abundantes), sempre com a apresentação de aspectos teóricos e exercícios. Há, depois, duas seções dedicadas – sempre com exemplos – aos tempos simples e compostos, respectivamente. Ao final, os autores apresentam a seção “O verbo na construção do texto”. Há também uma seção “Semântica e discurso”, em que os autores apresentam exercícios que levam os alunos a refletirem os significados gerados pelo verbo nos usos da língua.

No capítulo dos Vs, menções a teorias linguísticas – sobretudo a metodologias empregadas por essas teorias para a classificação das ClPs (nosso foco aqui) – não há. Os autores fazem menção, em quadro, ao uso, no subjuntivo, de formas como adéque (“espero que você se adéque”) e de formas no indicativo como “eu explodo de raiva ...”, condenadas pelos gramáticos, mas atestadas (por linguistas) na fala de pessoas que dominam a norma culta.

A próxima seção traz dois quadros sinóticos, com um resumo das nossas observações dos LDs aqui analisados para, em seguida, oferecer um plano de trabalho que vá ao encontro de pressupostos epistemológicos e metodológicos da Gramática Gerativa.

4. Classe de palavras nas aulas de português: contribuições teórico-metodológicas que a Gramática Gerativa pode trazer ao professor

Os três LDs consultados recorrem ao método empírico-indutivo (quadro 2) para, com base na indução, proporem que professor e alunos cheguem a uma definição (quadro 3) morfossemântica das classes estudadas (exceção a Cereja & Magalhães (2010) que recorrem a uma definição puramente semântica):

Verbo Substantivo
Método de investigação/ definição Presença de teorias linguísticas Método de investigação/ definição Presença de teorias linguísticas
Sarmento (2012) empírico-indutivo não empírico-indutivo não
Nicola (2014) empírico-indutivo v empírico-indutivo não
Cereja & Magalhães (2010) empírico-indutivo não empírico-indutivo v
Table 1. Quadro 2: Método de investigação e presença de teorias linguísticas na conceituação das classes de palavras – Fonte: elaboração própria
Verbo Substantivo
Critérios morfo- lógicos Critérios semânticos Critérios sintáticos Critérios morfo- lógicos Critérios semânticos Critérios sintáticos
Sarmento (2012) v v ? v v não
Nicola (2014) v v não v v v
Cereja & Magalhães (2010) não v não não v não
Table 2. Quadro 3: Critérios evocados na classificação das palavras nos LDs investigados - Fonte: elaboração própria

Repare, pelo quadro 2, que os três LDs recorrem ao método- indutivo para conceituarem a classe dos substantivos e a dos Vs. Teorias linguísticas são evocadas na definição/conceituação do V em Nicola (2014), apenas. Para a conceituação do substantivo, Sarmento (2012) e Cereja & Magalhães (2010) recorrem a teorias gramaticais.

Relativamente aos critérios de análise, evocam-se sobretudo critérios morfossemânticos (cf. quadro 3): há menção a critérios sintáticos em Nicola (2014), para o caso do substantivo; Sarmento (2012) menciona vagamente critérios sintáticos ao conceituar o substantivo.

Diante dessa constatação relativamente aos critérios evocados paraaclassificaçãodaspalavrasnos LDs, valeapenatrazernovamente à discussão os exemplos (1) e (2) da seção 2, abaixo reproduzidos.

(1)

a. Lipe observa/observava/observará a lua.

b. *Lipe observação/observações a lua.

c. A observação da lua.

d. *A observa da lua.

(2)

a. Lipe dorme/dormia/dormirá

b. *Lipe dormida

c. As dormidas do Lipe

d. *As dorme do Lipe

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(1) e (2) sugerem que critérios morfossemânticos – curiosamente os critérios comumente assumidos pelos autores dos nossos LDs (os nossos inclusive) –, apesar de sua importância, são (no melhor dos mundos possíveis) limitadores, uma vez que podem induzir os alunos a classificarem, equivocadamente, observação/observações como verbo (cf. (1b)), pois essa palavra “indica ação” (critério semântico ou nocional) e é variável (critério morfológico). O critério sintático, se empregado para esse caso, se revela como um bom diagnóstico: a posição de observa/observava/observará – posição canônica de verbos, emportuguês–, em(1a), determinaquepalavrasdotadasdotraço[+V] possam ocupar essa posição. Descartamos, assim, os substantivos (que dão lugar à agramaticalidade (cf. (1b)). O critério sintático ou distribucional também faz com que evitemos que Vs sejam classificados como substantivos (cf. (2b,d)): apenas substantivos podem aparecer na posição dedicada a constituintes dotados do traço [+N]: assim, apenas substantivos podem aparecer na posição de núcleo do sintagma nominal ou expressão nominal (cf. dormidas (1c)), a não ser que uma outra categoria apareça em contextos em que, pelos itens lexicais que a acompanham, permitam a mudança de uma ClPs para outra (cf. (3)): mas, neste caso, claramente, do ponto de vista sintático, temos um substantivo.

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(3) o amanhecer do dia

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A discussão desses dados sugeriria um tratamento das ClPs que levasse em conta a posição ocupada pelo representantedaquela classe na estrutura da sentença. Assim, por esse critério, amanhecer seria um substantivo em (3), já por estar em distribuição complementar com um outro substantivo, p.ex., começo (cf. a agramaticalidade de (3’a,b), em que começo e amanhecer coocorrem em ambas as ordens: a má formação da sentença se deve ao fato de estarem em distribuição complementar: ou figura amanhecer (3) ou começo (3’’), jamais ambos (nessa estrutura)).

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(3’)

a. *o amanhecer começo do dia

b. *o começo amanhecer do dia

(3’’) o começo do dia

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Os exemplos se multiplicam e a sugestão que aqui se faz, então, para as aulas de análise linguística/ensino de gramática, é que os professores de língua portuguesa trabalhem exaustivamente critérios sintáticos.

Metodologicamente, tendo em vista os documentos oficiais e a sugestão de que seja tomado o texto como ponto de partida para as práticas de linguagem (leitura, produção textual e análise linguística) (Brasil, 2000), os professores podem complementar as atividades do LD (se adotado), com exercícios críticos de classificação e reconhecimento de classes de palavras, pautados numa metodologia que considere os critérios aqui apresentados.

Um primeiro caso interessante a ser tratado nas aulas de português envolve os casos das assim chamadas “ambiguidades lexicais”. Há palavras ambíguas “em estado de dicionário”: em (4), p.ex., a palavra muda pode ser tanto um adjetivo quanto um verbo (adjetivos e verbos são categorias variáveis).

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(4) Família muda vende tudo (https://is.gd/mudaolx)

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A ambiguidade de muda em (4) é, ao mesmo tempo, sintática e lexical, uma vez que a palavra envolvida na ambiguidade, i.e., muda, já ambígua no léxico, o é também em (4), dada a sua posição na estrutura, o que depende de sua articulação com as outras palavras. O contexto sintático, em (4), favorece a ambiguidade, percebida já a nível lexical, de muda.

Sugerimos que o professor de língua portuguesa recorra – nos moldes da análise de (1-4) – a metodologias de teorias gramaticais.5 Recorrer a metodologias de teorias gramaticais, naturalmente com as devidas adaptações didáticas, tem como objetivo principal tornar a aula de língua portuguesa um verdadeiro palco para uma introdução à investigação científica. A problematização feita sobre os dados em (1-4) tem o mérito de reconhecer que, tendo em vista o conhecimento tácito que os alunos têm de sua gramática internalizada (CHOMSKY, 1986), a classificação dos vocábulos possa ser feita com base não só em critérios morfossemânticos que, apesar de bons, podem conduzir a classificações errôneas. Critérios sintáticos, por outro lado, têm a vantagem de precisar a que classe determinada palavra pertence num ou noutro contexto. Obviamente, essa ideia de amparar a análise não só em critérios morfossemânticos, como também, e sobretudo, em critérios sintáticos não é invenção da gramática gerativa. Já tem antecedentes em longa tradição estruturalista. Entre nós, o grande representante dessa vertente, conforme largamente resenhado na seção 2, foi Mattoso Câmara. Nossa contribuição vai ao encontro dessa proposta já conhecida, e traz, como contributo, a sugestão de que o professor recorra à metodologia gerativista dos julgamentos de gramaticalidade para classificar os vocábulos consoante sua posição na estrutura, bem no espírito do que fizemos com os dados (1-4).

O que está em jogo não é pura e simplesmente uma classificação taxonômica das palavras (em classes); antes, está em jogo sua problematização: sugere-se que as aulas de classificação dos vocábulos se tornem verdadeiros exercícios de reflexão e análise “científica”, nos moldes do que vários autores afiliados a teorias formais têm recentemente proposto (BASSO & PIRES de OLIVEIRA, 2012; PIRES de OLIVEIRA & QUAREZEMIN, 2016; QUAREZEMIN, 2017; PILATI, 2017, dentre outros). Para além, então, de critérios morfossemânticos, há que serem considerados os critérios sintáticos (sobretudo). O corpus de análise pode ser variado, indo desde frases criadas pelos próprios alunos (como tradicionalmente fazem os gerativistas) a ocorrências retiradas de gêneros textuais diversos (posts de twitter, manchetes de jornal, slogans de propagandas, etc.). O suporte pode ser, também, variado. Aproveitamo-nos, a seguir, para exemplificar nossa proposta, de dois slogans de publicidade, por se tratarem, essas, de um gênero textual interessante a ser trabalhado no ensino médio. Com essa atividade, a “análise linguística”, pautada numa metodologia (“científica”) de investigação, a da Gramática Gerativa, obviamente com as devidas adaptações didáticas, vai ao encontro do que sugerem os documentos oficiais:6 um trabalho harmonioso com essas três habilidades.

Apresentamos, então, os dois slogans. Em cada um, destacamos uma palavra (em “flutuação categorial”). O professor poderá fazer o mesmo com outros slogans, dividindo os alunos em grupo – talvez na forma de gincanas – ou mesmo sugerindo que trabalhem individualmente.

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(5) Skol, a cerveja que desce redondo. (https://is.gd/skoll)

(6) Aquela redonda depois do trabalho ... (https://is.gd/redonda)

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(5) foi muito explorada, e ainda o é, pela equipe publicitária dessa marca de cerveja.7 Em estado de dicionário, redondo, em vista de critérios morfossemânticos, seria classificado – se não se levasse o contexto em que aparece em (5) – como “adjetivo”: trata-se de uma forma variável (flexiona em gênero e número: redondo/a/(s)) e indica “forma”. Contudo, não levássemos em conta (5), dificilmente classificaríamos esse vocábulo como advérbio (de modo). A conclusão é a de que sua classificação também deve levar em conta, para além de critérios morfossemânticos (que definem muito bem as potenciais classes de uma palavra (pelo menos em estado de dicionário)), os critérios sintáticos: redondo, advérbio de modo, modifica o verbo descer.

A problematização da classificação da palavra destacada em (5) é também bastante interessante: trata-se de um substantivo ou adjetivo? Estamosaídiantedeumclaríssimoexemplodeambiguidade lexical e, ao mesmo tempo, estrutural (visto que o que chamamos de ambiguidade lexical também está na dependência da estrutura (DONATI, 2008)). Redonda pode ser um substantivo, tendo em vista critérios morfossemânticos: pode ser empregada para nomear um ser ou coisa e é uma palavra variável); é também substantivo por critérios sintáticos: aparece numa posição reservada a substantivos (cf. 6’):

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(6’) Aquela cerveja/bebida/batida depois do trabalho

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Igualmente, redonda, em (6), pode ser classificada como adjetivo; nesse caso, há que se supor que, sintaticamente, redonda esteja modificando um constituinte não pronunciado: cerveja:

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(6’’) Aquela cerveja redonda depois do trabalho

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Os exemplos se multiplicam. O interessante é atentar-se à problematização da classificação, como o fizemos para (6). Este deve ser um dos, se não “o”, objetivo da análise sintática: promover, com metodologia adequada, uma linhade análiseque passa, naturalmente, (i) pelo levantamento de hipóteses, (ii) verificação dessas hipóteses através da apresentação de argumentos e (iii) confirmação ou não dessas hipóteses. Este é o objetivo de um ensino compromissado em formar cidadãos críticos que certamente não terão dificuldade alguma em transpor, para a vida, o raciocínio empregado nas aulas de análise sintática.

Considerações finais

O estudo das ClPs é um tópico importante na tradição gramatical ocidental, o que se faz perceber já pela sua presença em livros didáticos (LDs). A BNCC de Língua portuguesa para o ensino fundamental chega a elencar as classes de palavras no conjunto dos objetos e habilidades a serem desenvolvidos nas aulas de análise linguística (BRASIL, 2017).

O trabalho teve por objetivo um estudo comparativo de duas ClPs (o V e o substantivo) em três LDs do Ensino Médio (a saber: Gramática em Textos (SARMENTO, 2012), Gramática e Texto (NICOLA, 2014) e Português: Linguagens (CEREJA & MAGALHÃES, 2010)). Foi feito um estudo sobre o modo como os autores desses três LDs apresentam o substantivo e o V, tendo em vista as seguintes variáveis: 1 – critérios utilizados na classificação (morfológicos: se a palavra varia ou não; semânticos: ligados ao significado veiculado; e sintáticos (distribucionais): a posição que a palavra ocupa na frase); 2 – método utilizado para propor a classificação das palavras (se empírico-indutivo, se hipotético- dedutivo, etc.); e 3 – presença da epistemologia de teorias gramaticais (como a Gramática Gerativa) tanto na explanação teórica como nas atividades didáticas propostas. Conforme constatado na apresentação feita na seção 3, há uma preferência por critérios morfossemânticos na conceituação das ClPs, aliados a uma abordagem empírico-indutiva na conceituação de cada classe. Recorre-se com frequência às noções veiculadas pela ClP: Vs indicam estado, ação; substantivos indicam seres animados ou inanimados, o que aponta para a utilização do critério semântico. Critérios morfológicos também são recorrentes: tanto o V como o substantivo são ClPs variáveis. O problema da assunção exclusiva de critérios morfossemânticos, em detrimento de critérios distribucionais, fica por conta dos “erros” de classificação que o critério morfossemântico pode induzir: sendo o verbo uma ClP variável que indica ação, um substantivo como destruição seria erroneamente classificado como verbo p.ex. pela tipologia dos LDs aqui estudados, uma vez que indica ação e é variável (cf. destruições). Se se recorre ao critério distribucional (DONATI, 2008), destruição seria classificado corretamente como substantivo, uma vez que aparece em contextos onde substantivos aparecem (‘a destruição/ invasão/conquista da cidade’), mas jamais em uma posição de V (cf. ‘O menino destruiu/*destruição a cidade’).

O corolário desse levantamento é a sugestão da importância de os professores e autores de LDs proporem que se recorram não apenas a critérios morfossemânticos, mas, sobretudo, a critérios distribucionais. O conhecimento implícito (CHOMSKY, 1986) que os alunos têm sobre as possibilidades de distribuição das palavras nas frases lhes permite utilizar os itens lexicais sem que empreguem equivocadamente, p. ex, V em posições de substantivos e estes em posições de V, além de poder auxiliá-los – com o auxílio do professor com a reflexão sobre as estruturas e consequente tomada de consciência, pelos alunos, de seu conhecimento implícito sobre elas – na classificação das palavras, impedindo (em alguns casos) que comentam “erros de classificação” que surgiriam se os estudantes levassem em consideração somente as definições morfossemânticas dos LDs. Isso já tinha sido constatado por Donati (2008) – conforme apontamos na seção 2 –, que observou definições do V e do substantivo em gramáticas normativas italianas. Essa constatação se estende aos LDs aqui analisados. É papel do professor de português mediar esse trabalho empírico de classificação, tornando explícito o conhecimento implícito que o aluno tem da gramática de sua língua. É uma das competências gerais da educação básica, “[e] xercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.” (BRASIL, 2017, p. 2). O programa aqui sugerido – que recorre a toda uma tradição nos estudos da linguagem (iniciada, entre nós, com Câmara Junior (ver, também, Perini (2006), Pinilla (2007)) –, ao propor que se usem critérios sintáticos, pautados numa metodologia “gerativista” de tratamento de fenômenos sintáticos, vai ao encontro dessa competência.

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