“Em estado de memória”: a inscrição do trauma e as permanências de emoções dolorosas na obra da escritora argentina Tununa Mercado

Fábio Ávila Arcanjo

Resumo

Este artigo objetiva analisar o livro Em estado de memória – escrito por Tununa Mercado e publicado, pela primeira vez, no ano de 1990 –, cujo enfoque gira em torno dos truncamentos de uma memória atravessada pela angústia do exílio, que irrompe em dois movimentos: a saída da pátria e o retorno, que trazem como consequência o esfacelamento identitário. O desenvolvimento da escrita será pontuado, em primeiro lugar, pelas noções de rememoração testemunhal e trauma, desenvolvidas por Seligmann-Silva (2003) e Cangi (2003), além das contribuições de Kristeva (1994), que pensa a figura do exilado como alguém que se vê constantemente ameaçado e tragado por lembranças de felicidades efêmeras e desastres vivenciados. Em segundo lugar, lidar-se-á com a mobilização das emoções, problematizadas por Lima (2016), com especial destaque para as categorias da melancolia e da nostalgia, partindo do princípio de que elas se configuram como efeitos de sentido proeminentes nos relatos de Tununa Mercado. Constata-se que tanto a saída forçada quanto o retorno se configuram em acontecimentos traumáticos, que deixam marcas na materialidade discursiva. Para o livro de Tununa Mercado, o gesto de leitura adotado é de que tais marcas encontram ressonância na inscrição das emoções, com destaque para a nostalgia e para a melancolia

Referências

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