Discursos espanhóis sobre pessoas refugiadas

Teun A. van Dijk

Resumo

No verão e no outono de 2015, centenas de milhares de refugiados, a maioria vinda da Síria, chegaram à Europa Ocidental. Com o slogan “Refugees Welcome”, eles foram recebidos e assistidos por muitos voluntários nas fronteiras e nas estações de trem. Após a revisão dos estudos sobre esse movimento solidário na Áustria, na Alemanha, nos países escandinavos e no Reino Unido, e no âmbito de um projeto geral sobre o discurso de movimentos sociais, este artigo examina discursos parlamentares, municipais e de movimentos na Espanha. Depois da análise de um debate parlamentar incitando o governo a admitir mais refugiados, o artigo analisa textos da Anistia Internacional, das ONGs Refugees Welcome España, ACCEM e CEAR, da cidade de Barcelona (“Cidade de Refúgio”) e das ONGs catalãs Casa Nostra Casa Vostra e Stop Mare Mortum. Entre muitas outras propriedades, todos esses textos mostram uma polarização ideológica entre NÓS (pró-refugiado) e ELES (a União Europeia e o Estado) em todos os níveis do discurso (léxico, metáforas, normas, valores e argumentos). O quadro teórico multidisciplinar da análise combina o estudo do discurso, movimentos sociais, política, cidadãos, solidariedade e empatia.

Introdução

Durante o verão e o outono de 2015, centenas de milhares de refugiados, vindos especialmente da Síria, chegaram à Europa Ocidental. Após um voo angustiante, por vezes viajando a pé, passando pela Turquia, Grécia e pelos Bálcãs, esses refugiados pediram asilo na Áustria, na Alemanha e nos países escandinavos. Apesar das políticas de imigração bastante dissuasivas, esses refugiados foram recebidos e assistidos por um grande número de voluntários, que lhes ofereceram comida, bebida, abrigo, tradução e outros serviços nas fronteiras ou estações de trem. Esse movimento espontâneo logo foi identificado com seu slogan Refugees Welcome3.

Na Alemanha, esse movimento solidário foi descrito em termos ainda mais gerais como uma grande “Cultura de Boas-vindas”. No final do verão de 2015, a chanceler Ângela Merkel, ao se deparar com a entrada de cerca de 800.000 solicitantes de asilo, fez um comentário famoso em uma entrevista “Vamos conseguir!” (Wir schaffen das). Até mesmo tabloides da extrema direita, como o Bild Zeitung, comentaram, de forma positiva, a acolhida popular dos refugiados – ao menos, no começo dessas chegadas inesperadas (HEINKELMANN-WILD; BECK; SPENCER, 2019[1]).

Embora alguns poucos refugiados tenham continuado sua rota para a Espanha, também nesse país houve um crescente movimento popular da sociedade civil para acolher refugiados, também em desafio às políticas conservadoras oficiais do governo do Partido Popular. Complementando estudos sociológicos e midiáticos anteriores, este artigo se concentra em alguns discursos desse movimento na Espanha, bem como nos de organizações, agências, iniciativas e ONGs a ele relacionadas. Tais discursos não são apenas proeminentes práticas antirracistas em si mesmas, mas, ao mesmo tempo, oferecem uma compreensão em relação a cognições sociais significativas, tais como conhecimentos, atitudes e ideologias subjacentes a essas práticas – noções menos explicitamente estudadas na maior parte das pesquisas sobre movimentos sociais.

1. O contexto sociopolítico da Espanha

Na tarde de 29 de setembro de 2015, o parlamento espanhol debateu um projeto de lei, proposto pelo grupo socialista em relação à “crise humanitária dos refugiados”. Embora, é claro, houvesse diferentes opiniões e emendas, o projeto foi aprovado por unanimidade – expressando, portanto, um consenso de que a Espanha também tinha que contribuir para mitigar a emergência da chegada de centenas de milhares de refugiados na Europa. Esperança Esteve Ortega, em sua apresentação do projeto, enfatizou a importância de “(…) dar um exemplo aos cidadãos de que este Parlamento é capaz não somente de atuar com rigor e racionalidade, mas também com compreensão, com empatia e cuidando da dor dos seres humanos.”4

No trecho citado, são palavras-chave compreensão, empatia e dor, as quais têm precedência sobre os (supostos) critérios normais de rigor e racionalidade, de modo excepcional, como outro parlamentar salientou. Esses e outros conceitos afins definem noções centrais do discurso público sobre a crise dos refugiados por toda a Europa no “longo verão de 2015”. Outros pronunciamentos enfatizaram que a Espanha, seus governos socialistas anteriores e o atual governo conservador, bem como o atual parlamento, foram tangenciais e morosos na concessão de asilo aos refugiados, mas que os cidadãos e as ONGs espanholas tinham dado um bom exemplo à iniciativa parlamentar. Esteve Ortega também salientou em seu discurso que os cidadãos, nesse caso, deram um bom exemplo para o projeto de lei.

O parlamentar catalão do partido Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), Joan Tardà i Coma, no mesmo debate resumiu a abominável reputação da Espanha em relação aos refugiados:

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(1) A memória é curta e a Espanha não tem sido exemplo de nada em qualquer assunto relacionado aos refugiados. Em trinta anos, a Espanha acolheu o mesmo número de refugiados que a Alemanha recebeu em apenas um ano. Lembro que, quando fizemos a Lei de 2009 – sobre a qual fomos críticos, pois seria uma das leis mais restritivas na Europa –, mesmo quando o Estado espanhol era governado pela Social Democracia, acolhemos 10% dos refugiados aceitos pela República Italiana de Berlusconi. Isso diz tudo. Dados da Eurostat para 2014: a União Europeia recebeu 185.000 pedidos; a Espanha concedeu 1.583. O Estado espanhol, portanto, se tornou uma fortaleza.

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Os números usuais em debates sobre imigrantes e refugiados nesse caso não se referem ao “jogo dos números” que define a retórica de exagero nas notícias sobre migração na imprensa, mas números reais, tais como foram confirmados pelas estatísticas oficiais europeias (ver abaixo). Embora governos conservadores na Espanha, sem dúvida, mereçam a crítica de serem mais radicalmente antimigrações, e seus membros frequentemente racistas ou xenófobos, o discurso de Taradà lembrou corretamente aos parlamentares que os socialistas não foram muito mais liberais na concessão de asilo.

Os principais pontos do projeto de lei aprovado unanimemente instam o governo a: (1) mitigar a situação dos refugiados; (b) declarar que a militarização das fronteiras (pelo Frontex) não é uma solução; (c) criar uma Agência Europeia de Resgate; (d) fazer a Espanha concordar com as cotas estabelecidas pela União Europeia; (e) listar as questões em que faltam iniciativa do governo; (f) modificar o regulamento Dublin III; (g) informar às populações dos países de origem como entrar na União Europeia e na Espanha legalmente e combater o tráfico humano; (h) expedir vistos humanitários. Outros pontos lidam com bolsas de estudo para refugiados, regulamentação do status dos menores de idade, flexibilização da reunião familiar e fornecimento de pessoal especializado. Esses e outros pontos do projeto de lei, bem como o debate no parlamento, fazem pressupor como o Estado espanhol pouco desempenhou seu papel na acolhida aos refugiados e na concessão de asilo. De fato, outro membro do parlamento salientou a situação dos enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, onde milhares de refugiados aguardam deliberações em um campo de refugiados.

Também é evidente pelo debate no parlamento que seus membros estão cientes de que a sociedade civil e especialmente as organizações e outras ONGs para refugiados já haviam lembrado o governo, bem como a opinião pública, sobre a urgente necessidade de agir. Uma semana antes da sessão do parlamento, em 18 de setembro, a organização de refugiados ACCEM (Asociación Comisión Católica Española de Migración), após mensagens públicas anteriores, endereçou uma carta aberta ao Ministro do Interior – que será examinada em detalhes mais adiante – enfatizando que a busca por asilo na Espanha tratava as pessoas como cidadãs de segunda classe.

Comparada a outros países da Europa Ocidental, a Espanha recebeu, em 2015, poucos refugiados da Síria, os quais geralmente pretendiam ir para a Alemanha e a Suécia. O relatório de 2015 da Comisión Española de Ayuda al Refugiado - CEAR sobre os refugiados na Europa e na Espanha informa que, naquele ano, 1.585 refugiados, em grande parte oriundos da Síria, receberam “proteção internacional” e 260 foram integrados. O relatório também lembra que o então governista e conservador Partido Popular, em março do mesmo ano, tinha apresentado com sucesso uma proposta de lei que permitia a expulsão ilegal de imigrantes em Ceuta e Melilla para o vizinho Marrocos. De modo mais geral, afirma o relatório, a Espanha nega 90% das solicitações de asilo nas fronteiras e no aeroporto de Madri – em 2014, aprovou 0,95% de todos os refugiados (625.000) que chegaram à Europa. Em 2015, 14.780 pessoas solicitaram asilo, em maioria advindas da Síria e da Ucrânia, grande parte das quais estavam em Melilla. Em 30 de maio de 2016, a Espanha recebeu apenas 105 dos 9.232 refugiados que havia prometido aceitar em um acordo europeu. Especificamente, em 2015, havia 5.724 pedidos de asilo de pessoas advindas da Síria (INFORME, 2016).

Outras organizações e agências relatam a mesma solidariedade mínima do Estado espanhol. O relatório da Procuradoria-Geral da União da Espanha, em 2015, menciona que de 3.240 pessoas apenas 31% receberam status de refugiado ou proteção – comparado ao percentual de 52% na Europa.

O Ministério, em seu relatório de 2015, apresenta em sua conclusão, primeiro, o grande aumento do número de solicitações de asilo em 2015 (14.884) quando comparado a 2014 (5.952), dos quais a maioria (5.723) tinha origem síria. Destes apenas 17 receberam asilo e 639, direito à proteção (em 2015). Em Barcelona, os solicitantes de asilo, em sua maioria, eram oriundos da Ucrânia (489) e apenas 41 da Síria – o que fornece algum contexto para o fato de que as ações pró-refugiados na cidade dificilmente contribuiriam para a acolhida de refugiados sírios que definiam a “crise dos refugiados” na União Europeia.

A imprensa nacional e internacional comentou a generosidade rara das políticas e práticas de asilo na Espanha. O jornal El Pais, em 20 de abril de 2016, relatou que a Espanha ofereceu proteção internacional a apenas 1.030 solicitantes de asilo, ou seja, 0,3% dos 333.350 na União Europeia, de acordo com índices da Eurostat, e um terço de todos os pedidos (3.240), dos quais 655 vinham da Síria.

A Anistia Internacional, no mês seguinte (19 de maio de 2016), concluiu em seu Índice Refugee Welcome (Refugee Welcome Index) que, na Espanha, “as políticas governamentais para refugiados não dialogam com a opinião pública”. Mais do que em outros países, na Espanha, 78% dos cidadãos concordam fortemente com a declaração de que “as pessoas deveriam buscar refúgio em outros países para escapar da guerra ou de perseguições”. Esse número é consistente com o que foi observado acima sobre as diversas atividades pró-refugiados na sociedade civil.

Finalmente, em junho de 2016, a Procuradora Geral da União (Defensor del Pueblo ou National Ombudsman) – ainda designada, em inglês e espanhol, pela forma tradicionalmente masculina, apesar de se tratar de uma mulher (Soledad Becerril) – também formula sua opinião e faz recomendações sobre as políticas e práticas da Espanha para a população refugiada. Em seu detalhado relatório de 105 páginas, ela critica o fato de que os procedimentos de asilo não foram ainda integrados ao sistema legal da Espanha, que a Lei 2009 prejudica as atuais obrigações internacionais e o acesso aos processos de potenciais candidatos, bem como o atraso e as deficiências do processo, além de sua falta de coordenação (p. 101). Baseado nessas conclusões críticas, o relatório faz recomendações ao Ministério, ao Departamento do Secretário-Geral para Imigração e Emigração, bem como às comunidades autônomas. Portanto, não somente os parlamentares e, como veremos adiante, as ONGs e os movimentos sociais, mas também órgãos independentes oficiais formulam sérias críticas às políticas de refugiados e às decisões do Estado espanhol. Como é de se esperar, e como será mostrado adiante, a sociedade civil é frequentemente mais crítica e, por vezes, mais radical.

2. Estudos sobre ,[object Object], na Europa e na Espanha

Há um grande número de livros e artigos, bem como periódicos especializados, sobre a questão dos refugiados. Em novembro de 2020, a Livraria do Congresso dos Estados Unidos listou mais de 5.000 livros e a Web of Science, mais de 10.000 artigos indexados com a palavra “refugiados” em seus títulos. Apesar de mais limitado em tempo e assunto, o Google Acadêmico lista mais de 20.000 artigos sobre “crise dos refugiados” entre 2015 e 2020 apenas, dos quais mais de 16.000 sobre a Europa. Mais especificamente sobre “Refugees Welcome”, existem mais de 2.700 artigos no Google Acadêmico, dos quais cerca de 1.200 com a palavra “discurso” e 200 com a expressão “análise do discurso”. Embora em número bem menor, no Web of Science também podemos encontrar mais de 300 artigos indexados sobre “crise dos refugiados” durante os últimos cinco anos – mesmo que em número ainda menor (60) quando combinado à palavra “discurso”.

Resumidamente, existe uma vasta literatura sobre refugiados, de modo geral, e muitos artigos (embora poucas teses) sobre a chamada “crise dos refugiados” em 2015-2016, em particular, mas um número relativamente pequeno deles sobre discurso e análise do discurso. Portanto, após algumas referências a outros estudos na Europa, limitamos nossa revisão de literatura a estudos sobre a acolhida de refugiados na Espanha.

2.1 Estudos sobre a acolhida de refugiados em diferentes países

Muitos estudos na Europa sobre a entrada e a acolhida de refugiados foram escritos na Áustria, na Alemanha, no Reino Unido e nos países escandinavos. Rosenberger, Stern e Merhaut (2018[3]) fizeram um dos poucos estudos extensos sobre a solidariedade e a acolhida bem como sobre os protestos contra a deportação na Áustria, Alemanha e Suíça, com extensa descrição das políticas oficiais e dos movimentos locais de base5. Em seu estudo discursivo-histórico, Rheindorf e Wodak (2018[2]) examinam criticamente a luta (meta)discursiva no debate midiático e político na Áustria sobre “cercar as fronteiras” e como muitos refugiados deveriam ser recebidos, especialmente em um contexto político de pressões da extrema direita.

Após serem inicialmente acolhidos na Áustria, muitos refugiados continuaram sua jornada até a Alemanha, que logo se tornou um ponto atrativo para o movimento Refugees Welcome e para a Cultura de Boas-vindas (para um estudo amplo, também em perspectiva internacional, ver a monografia de PRIES, 2018[4]). Não surpreende, portanto, que a maioria dos estudos sobre esses assuntos tenham sido publicados na Alemanha, dos quais apenas alguns podem ser mencionados brevemente aqui. A coleção de artigos de Rosenberger, Stern e Merhaut (2018[3]) sobre a Áustria já foi mencionada acima. Muitos estudos sobre a acolhida de refugiados na Alemanha são realizados Karakayali e seus colaboradores. Com base em dados de questionários e entrevistas, dentre seus outros estudos, Karakayali (2019[5]) discute a solidariedade com refugiados como um tipo especial de movimento social, distinto dos movimentos tradicionais.

Embora a maioria dos refugiados tenha permanecido na Alemanha, milhares continuaram seu deslocamento até os países escandinavos. Na Dinamarca, foram recebidos na fronteira e em estações de trem por membros de um movimento de “venligboerne” (bons cidadãos/vizinhos) – ver García Agustín e Jørgensen (2019[6]), um dos poucos livros sobre o movimento solidário na Europa e na Dinamarca. Na Dinamarca, em especial, as pesquisas sociológicas de Jonas Toubøl sobre o ativismo solidário têm contribuído para nossa compreensão sobre o estilo dos grupos, os valores e a ética do movimento de base, bem como sua falta de confiança no parlamento e na polícia (TOUBØL, 2017[7]; 2019[8]).

Muitos refugiados não permaneceram na Dinamarca, mas continuaram sua viagem até a Suécia, sendo a Alemanha, sem dúvida, o país mais amigável com refugiados da Europa, embora a chegada de milhares de refugiados logo tenha levado a uma nova legislação para limitar a imigração. Também encontramos vários estudos sobre a solidariedade com refugiados nesse país. Krzyżanowski (2018[9]), em um estudo sobre mensagens de Twitter do Partido Social Democrata, mostra como os políticos legitimam as políticas de imigração, frequentemente em termos populistas. Na proposta dos Estudos Críticos do Discurso, Johansson (2017[10]) examina os discursos de políticos proeminentes sobre o bem-estar dos refugiados. Embora, em seus discursos, os políticos possam parecer menos chauvinistas, suas reais políticas e legislação dificilmente são positivas para os refugiados. Outros estudos se voltam para as mídias suecas (ver abaixo) e atividades locais de organizações e voluntários na assistência aos refugiados. Mäkelä (2016[11]; 2020[12]) oferece uma análise temática de entrevistas em Malmö com membros do movimento Refugees Welcome na Suécia, a partir da perspectiva do movimento social com foco em suas motivações. Curiosamente, ela observa que assim que as autoridades legais se responsabilizam pelos refugiados, a sociedade civil se torna menos engajada. Em uma proposta mais teórica e uma extensa revisão de literatura, Povrzanovic Frykman e Mäkelä (2020[13]) examinam atividades atuais do movimento Refugees Welcome à luz de valores cosmopolitas e aspirações à justiça social. Sob influência do trabalho de Chouliaraki (2006[14]), Dahlgren (2016[15]) discute a resposta civil à chegada dos refugiados e os discursos flutuantes sobre os eventos atuais, em uma análise mais teórica da “audiência moral” (sobre o retrato das mídias relativo ao sofrimento humano, ver também o estudo sueco anterior de Höijer, 2004[16]).

Em seu percurso, alguns refugiados chegaram também à Noruega, onde cenas similares de assistência humanitária ocorreram, por exemplo, na estação ferroviária de Oslo. Tal como na Suécia, também na Noruega os estudantes e outros acadêmicos de diversas disciplinas estudaram os eventos e os discursos relevantes, em termos políticos e cívicos, de voluntários (ver, por exemplo, o livro de ENJOLRAS; EIMHJELLEN, 2018[17], com estudos sobre engajamento social, as organizações envolvidas e o papel das redes sociais).

Antes mesmo da “crise dos refugiados” de 2015, muitos refugiados tentaram chegar ao Reino Unido, causando o surgimento – e o estudo – de campos de refugiados por todo o Canal em Sangatte e Calais (ver, por exemplo, ALCALDE; PORTOS, 2018[18]; MILLNER, 2013[19]; RYGIEL, 2011[20]). Embora – ou em decorrência de – o governo conservador tenha admitido muito menos refugiados que a Alemanha ou a Suécia, o Reino Unido também possui um movimento ativo pró-refugiado – bem como muitos estudos relevantes. Desde sua tese de doutorado sobre as experiências de refugiados na Escócia, Steve Kirkwood (2012[21]), em colaboração com Simon Goodman e outros psicólogos sociais discursivos, tem se voltado para detalhados estudos analíticos de discurso, por exemplo, de debates do parlamento (KIRKWOOD, 2017[22]), além da detalhada monografia sobre a linguagem do asilo (Kirkwood; Goodman; McVittie; McKinlay, 2019[24]). Um dos poucos livros acerca dos discursos sobre refugiados, esse estudo examina os discursos sobre as políticas de asilo, “lugares da morte” e segurança, quem é considerado refugiado ou solicitante de asilo, suas experiências profissionais e suas relações com cidadãos locais (dentre várias outras publicações relevantes antes e depois de 2015, ver, por exemplo, GOODMAN; BURKER, 2010[23]).

Sam Parker escreveu uma série de estudos analíticos de discurso sobre refugiados – e suas experiências de integração e racismo – no País de Gales (PARKER, 2018[25]; 2020[28]). Parker, Naper e Goodman (2018[26]) mostram a influência na imprensa do Reino Unido, da Noruega e da Austrália da publicação da famosa fotografia do corpo de Alan Kurdi, um menino curdo-sírio de três anos de idade que se afogou com a mãe no trajeto da Turquia para uma ilha grega – um evento discutido em muitos estudos sobre a luta dos refugiados que chegaram à Europa em 2015 (para um estudo do papel dessa fotografia, ver também OLESEN, 2018[27]).

Inseridos na proposta de um vasto projeto internacional baseado em 147 entrevistas detalhadas e, portanto, provavelmente o estudo empírico mais extenso sobre o assunto, Monforte et al. (2019[29]) comparam o engajamento de voluntários no Reino Unido e na França, enfocando a “ação coletiva com base nos valores de compaixão, hospitalidade, solidariedade, humanitarismo em sociedades contemporâneas”.

Em uma perspectiva mais ampla, dando continuidade a sua pesquisa anterior sobre a mediação do sofrimento humano distante como espetáculo (dentre muitas outras publicações, ver CHOULIARAKI, 2006[14]; 2013[30]), Lilie Chouliaraki também foi (co)autora de vários artigos sobre a “crise dos refugiados”. Baseados na análise semiótica de imagens em cinco países (Grécia, Itália, Hungria, Reino Unido e Irlanda), Chouliaraki e Stolic (2017[31]) examinam o papel e a responsabilidade das mídias na “crise” em curso, focalizando diferentes categorias de “visualização” de refugiados, incluindo vida biológica, ameaça e segurança, hospitalidade e ativismo político, engajamento pós-humanitário, para concluir criticamente que tal retrato dificilmente humaniza os refugiados. A partir da análise de conteúdo de 1.200 entrevistas em artigos de oitos países europeus, Chouliaraki e Zaborowski (2017[31]) concluíram criticamente que os refugiados são sempre “mudos”, ou seja, eles mal têm “voz” na hierarquia das mídias, pois “nossos” políticos dominam as notícias sobre a “crise”. Assim, eles também não são atores políticos, sociais e históricos. Um volume especial do Journal of Immigrant & Refugee Studies dedica-se a esse poderoso papel das mídias na politização da crise dos refugiados (KRZYŻANOWSKI; TRIANDAFYLLIDOU; WODAK, 2018[32]; TRIANDAFYLLIDOU, 2018[33]).

2.2 Estudos sobre refugiados na Espanha

Pela relevância direta para este trabalho, finalmente, resumimos alguns dos (poucos) estudos conduzidos sobre refugiados na Espanha. Pries (2018[4]), em seu livro sobre refugiados e sociedade civil, também na Espanha, questiona por que tão poucos novos refugiados chegaram ao país, apesar de se tratar de um destino mais acessível que a Grécia ou a Itália – embora milhares oriundos do Norte da África tenham chegado à Espanha pelo Estreito de Gibraltar e via Ilhas Canárias no começo dos anos 2000. Posteriormente, quando a Espanha usou uma estratégia de motivação6 incluindo negociações (para limitar a chegada de imigrantes) com o Marrocos, o qual prontamente usou sua localização em um jogo de poder para conquistar benefícios, Montagut e Moragas-Fernández (2020[34]) mostraram como a imprensa espanhola (El Pais, La Vanguardia e El Mundo) entre 2015 e 2017 realizaram enquadramentos tanto de humanização quanto de desumanização com o uso típico da metáfora de ENCHENTE ou de VIAJANTE (positiva ou negativa) para conceituar os refugiados, mas também em termos de volumes e cargas. Governos ou países, por outro lado, eram descritos como coisas vivas, como, por exemplo, em “permanecendo firmes” ou “seguindo adiante”.

Como parte do projeto MAREM da Universidade Ruhr (Bochum, Alemanha), que investiga a proteção aos refugiados na Grécia, na Itália e na Espanha, Witkowski, Pries e Mratschkowski (2019[35]) primeiramente observam que, comparada a outros países do Sul da Europa, a Espanha tem relativamente poucos refugiados. De modo prático, os autores oferecem uma investigação geral das (bastante heterogêneas) redes de organizações na Espanha para a acolhida de refugiados e suas (críticas) relações com os atores do Estado, tais como a polícia.

A dissertação etnográfica de Netherland (2017[36]) estudou como, dentro da perspectiva da “cultura de boas-vindas”, organizações de base operam na Catalunha e como elas abordam a integração de refugiados, cujas conceituações parecem refletir ideias acadêmicas de integração. Ele conclui que “os efeitos do interculturalismo podem ser vistos na natureza organizacional de cada grupo e em seu foco na defesa da reputação intercultural da Catalunha”, e que “a mentalidade de base acerca dos refugiados tem permitido a fluidez contextual, o foco na escolha e no deslocamento e a ênfase na responsabilidade moral em relação a imigrantes de quaisquer perfis buscando melhorar suas vidas”.

No escopo de uma coletânea de estudos sobre a “crise dos refugiados” (DELLA PORTA, 2018[37]), os autores espanhóis Alcalde e Portos (2018[18]) contribuem com um dos estudos mais substanciais sobre a solidariedade aos refugiados na Espanha, concentrando-se – por toda a obra – em noções de movimentos sociais como “estruturas políticas de oportunidade” ou, em outras palavras, o contexto político do movimento. Além da análise política, os autores realizaram 24 entrevistas com ativistas locais e organizações pró-refugiados. É teoricamente interessante a formulação de sua abordagem em uma perspectiva sociocognitiva referindo-se às “percepções da estrutura local de oportunidade” (p. 159), em detrimento do contexto político de fato, pois o que influencia ativistas sociais é como percebem ou interpretam tais contextos. Os autores examinam várias regiões e cidades da Espanha, tais como Barcelona, Andaluzia, Galícia e os enclaves de Ceuta e Melilla. Barcelona é um caso especial devido ao histórico de ativista da Prefeita Ada Colau e suas políticas e discursos explicitamente a favor do Refugees Welcome – um slogan exibido na Prefeitura de Barcelona. Os organizadores da obra confirmam estudos anteriores sobre o contexto político de atividades de movimentos sociais no sentido de que, em um contexto político positivo, como no caso de Barcelona, os movimentos sociais como o Stop Mare Mortum (Parem o Mar Morto) podem apenas “preencher as lacunas” deixadas pelo governo local, mas geralmente em um contexto de cooperação. Ao mesmo tempo, porém, Barcelona também é um caso típico devido às demonstrações (massivas) de protesto, apesar da política de solidariedade do seu governo e de suas instituições, provavelmente não apenas para marcar a independência dos movimentos locais (como supõem os autores), mas também para protestar contra as políticas e práticas nacionais e europeias.

Esse é, de modo geral, o caso das cidades espanholas em que aliados políticos estão no poder, como em Cádiz e La Coruña, governadas pelo Podemos. De especial interesse para este trabalho é a descoberta de que, na experiência de organizações pró-refugiados em tais cidades, há muitas “palavras boas e radicais” (p. 167), mas poucas políticas concretas, o que se observa também em cidades governadas pelos democratas sociais (PSOE). Evidentemente, isso também ocorre porque o governo central (conservador), responsável pelas políticas nacionais de asilo, dificilmente permitiria políticas locais inconsistentes com as políticas nacionais – apesar do difundido movimento das “Cidades de Refúgio”. Como foi visto, até no parlamento nacional houve consenso no final do verão de 2015 para melhorar a acolhida de refugiados. Um cenário diferente emerge em Ceuta e Melilla, na “Fronteira Sul” do “Forte da Europa”, onde existem muitas famílias de policiais e militares e um governo de direita, em que “fronteiras fechadas” também significam “oportunidades fechadas” e cidadãos pouco solidários com refugiados (p. 171ff).

Focalizando mais especificamente a solidariedade e o movimento Refugees Welcome, García Agustín e Jørgensen dedicam um capítulo especial, bem informativo, de seu livro a Barcelona – após discutirem o movimento venligboerne na Dinamarca. Em uma perspectiva sociopolítica mais ampla, tal como um estudo sobre a tensão entre “cidades-santuário” e o governo da Espanha, eles se concentram especificamente no Plano Barcelona Cidade Refúgio (BCR), lançado em setembro de 2015, e nas atividades da famosa Prefeita Ada Colau, com enfoque tanto local quanto nacional e internacional. Como veremos na nossa análise de discurso adiante, essa tensão entre cidade e Estado também emerge na carta aberta de Ada Colau ao Primeiro Ministro Mariano Rajoy. Em Barcelona, com o BRCP e com o reforço do seu Serviço de Imigrantes, Emigrantes e Refugiados (SAIER), bem como do seu programa de acomodação Nausica, “a solidariedade se torna institucional” (p. 101ff). Em entrevistas, seus líderes observam que a ampla solidariedade com os refugiados se deve também à cobertura massiva das mídias quanto à “crise dos refugiados” – um fato relevante para nosso referencial teórico de (re)produção discursivamente pautada da mobilização e dos movimentos sociais. Os autores também observam a grande manifestação de fevereiro de 2017 que clamou por políticas nacionais mais positivas para os refugiados. Examinaremos discursos relevantes da iniciativa Casa Nostra, Casa Vostra (Nossa Casa, Sua Casa) adiante. Como foi observado anteriormente por Alcalde e Portos (2018), também nesse estudo, os autores pontuam que as organizações pró-refugiados criticam as autoridades por sua falta de ação política (p. 107). Posteriormente, esse foi especialmente o caso (da polícia) de Barcelona em relação ao tratamento conferido aos manteros, ambulantes da África Ocidental.

3. Fundamentação teórica

3.1 Uma abordagem multidisciplinar

A fundamentação teórica necessária para descrever e explicar os discursos sobre o movimento Refugees Welcome é complexa e multidisciplinar. Evidentemente, primeiro precisamos de uma teoria do discurso público para compreender suas estruturas e funções na sociedade – uma teoria que falta às ciências sociais de modo geral. Em segundo lugar, assumir que as atividades populares que consistem em assistir refugiados constituem um tipo específico de movimento social requer uma teoria dos movimentos sociais, em si mesma multidisciplinar. Diferentemente de outros tipos de movimentos sociais cujos membros engajam-se em ações de enfrentamento em benefício próprio, os ativistas dos Refugees Welcome o fazem para benefício dos refugiados. Em terceiro lugar, suas ações são uma forma de solidariedade, um conceito que por si demanda análise filosófica, social, política e psicológica. Em quarto lugar, os atores participantes da solidariedade com os refugiados o fazem em sua identidade de cidadãos ‘comuns’, o que requer uma teoria da sociedade civil. Em quinto, essas ações ocorrem em e para além de fronteiras nacionais e para benefício dos refugiados que atravessam essas fronteiras – uma dimensão crucial que requer uma análise sociopolítica especial de tal conceito. Finalmente, mesmo quando tais ações de solidariedade não estão primariamente engajadas a objetivos políticos, por exemplo, adquirir ou defender o poder, elas ocorrem em um contexto político, tal como o papel do Estado, suas agências ou partidos políticos e suas políticas relacionadas aos refugiados, em particular, e aos imigrantes, em geral.

3.2 Estudos do discurso

Embora as atividades que envolvem solidariedade para com os refugiados consistam largamente em assistência, como fornecimento de abrigo, comida, bebida, tradução e apoio em sua interação com as autoridades, os membros do movimento também participam de várias formas de textos e falas (JOHNSTON, 2013[38]; WOODLY, 2015[39]). Para dar assistência aos refugiados, eles devem saber que tais refugiados estão chegando e precisam de ajuda em primeiro lugar. Esse conhecimento é adquirido por intermédio das mídias tradicionais, como televisão, rádio e jornal, e, especialmente hoje, também das mídias sociais, tais como Facebook e Twitter, ou por meio de conversas interpessoais com aqueles que possuem tal conhecimento (da vasta literatura sobre aquisição de conhecimento, ver, por exemplo, DE VREESE; BOOMGAARDEN, 2006[40]; EVELAND, 2002[41]). Essa mediação ou aquisição de conhecimento com base no discurso também pressupõe grandes quantidades de conhecimento social e político (van dijk, 2014[42]), nesse caso sobre refugiados em geral, sobre refugiados que precisam de ajuda neste momento, bem como o conhecimento geral sobre contextos políticos e geográficos, como a atual guerra civil na Síria como uma das causas para a atual “crise dos refugiados” (CONSTERDINE, 2018[43]; LEEPER, 2020[44]). Tal compreensão, bem como as atitudes sociais e as ideologias dos cidadãos, são elas mesmas as condições necessárias da empatia, da solidariedade e das decisões de participar em atividades solidárias. Essa parte da fundamentação teórica deve explicar também por que alguns grupos ou categorias de cidadãos, mesmo com esse conhecimento, decidem agir a favor dos refugiados, enquanto outros podem permanecer indiferentes ou participar de ações contra a acolhida dos refugiados. Uma vez que tenham obtido, individualmente, informações relevantes sobre (esses) refugiados, os cidadãos provavelmente travam conversas ou interações nas redes sociais com membros de suas famílias, amigos ou colegas para comunicar sua intenção de participar, ou pedem a seus interlocutores que se unam ao movimento, uma forma comum de mobilização e recrutamento (ver BENNETT; BREUNIG; GIVENS, 2008[45]), mas sem estudos em termos de análise do discurso.

Em seguida, quando chegam às fronteiras, portos, estações de trem ou agências do governo com intenção de participar da ação solidária, eles precisam coordenar suas ações por meio de várias formas de interação conversacional, por um lado, e dirigirem-se aos refugiados em uma língua mutuamente compreensível (embora haja muita literatura sobre a interação de voluntários com refugiados, como vimos acima, ainda não há literatura sobre conversações com refugiados). Então, os ativistas têm que conversar com representantes de grupos locais, organizações, agências, proprietários de casas e muitos outros atores que devem cooperar com a oferta de assistência permanente ou temporária (aos refugiados) para encontrar abrigo e para a organização da vida cotidiana. Finalmente, dia após dia, os ativistas não falam somente uns com os outros sobre suas experiências, mas com amigos e familiares para contar suas experiências, seja em conversas presenciais, seja online por e-mails, por telefone ou pelas redes sociais (DAVIS, 2002[46]). Esse é um mero resumo de textos e falas muito mais complexos, envolvidos na aquisição de conhecimento, no envolvimento, no planejamento de ações e na comunicação sobre tais ações com outras pessoas. Todos esses discursos são microcomponentes cruciais do movimento social, poucos dos quais foram analisados em profundidade em estudos tradicionais de movimentos sociais – também porque geralmente poucos desses discursos são registrados para análise posterior.

3.3 Movimentos sociais

Em níveis mais abrangentes de meso e macro análise, as atividades mais ou menos coordenadas de assistência aos refugiados por grupos de cidadãos, especialmente quando o Estado é omisso ou insuficiente, constituem o que os próprios participantes definem como um movimento, por exemplo, ao atribuir um nome como “Refugees Welcome”. Movimentos sociais clássicos, como os de trabalhadores e de campesinos, são tipicamente constituídos a partir dos interesses materiais de seus participantes (DELLA PORTA; DIANI, 2015[47]). Novos Movimentos Sociais, como os movimentos feministas, ambientais ou pela paz, preferem enfocar a identidade ou os direitos civis de grupos específicos ou o bem-estar da sociedade em geral (LARAÑA; JOHNSTON; GUSFIELD, 1994[48]). Movimentos como o Refugees Welcome são um tipo especial de (novo) movimento social que se concentram nos direitos, interesses ou bem-estar de outros (DELLA PORTA, 2018[37]), como também foi o caso de partes de movimentos pela Abolição, pelos Direitos Civis ou antirracistas, ou de movimentos de solidariedade, comitês ou organizações em favor das minorias oprimidas em outros países, como foi e é o caso da Europa ou dos grupos estadunidenses solidários com os grupos reprimidos (cidadãos, escritores ou políticos) na América Latina (ver POWER, 2009[49]).

O movimento Refugees Welcome, portanto, é bastante diferente de muitos outros movimentos sociais. Ele não somente age em solidariedade com outras pessoas e se concentra em um tipo específico de migrante “forçado”, notadamente aqueles que fogem das opressões ou da guerra civil em seus próprios países e, especialmente, aqueles que não foram bem-vindos em outros países. Em segundo lugar, indivíduos e grupos que, de forma espontânea, oferecem assistência aos refugiados podem formar um movimento temporário em períodos geralmente definidos como uma crise, quando outros (países, o Estado, ONGs, organizações ou empresas privadas) não oferecem essa ajuda. Isso significa que quando (muita da) crise terminar, o movimento pode se tornar menos ativo ou deixar de existir. Em terceiro lugar, o movimento geralmente não tem líderes reconhecidos, organizações, sede, eleições, publicações e outras formas de organização. Em quarto lugar, durante a crise dos refugiados de 2015, formaram-se, em vários países, diversos movimentos Refugees Welcome locais ou nacionais. Embora a maioria das ações de solidariedade tenham sido planejadas e executadas nacionalmente ou localmente, seus membros geralmente sabiam que grupos similares existiam em outros países e, às vezes, cooperavam com eles, pessoal ou formalmente, de modo que o movimento ganhou escopo internacional (DELLA PORTA; TARROW, 2004[50]).

Como um movimento social especial, portanto, o Refugees Welcome pode ser estudado com os conceitos e as teorias usuais, desenvolvidos para movimentos sociais semelhantes, tais como em suas formas de recrutamento, organização, membros, tipos de ação, objetivos, redes com outros grupos ou ONGs, relações com o Estado ou com partidos políticos, e outros tipos de contexto político (“estruturas de oportunidades”). A análise do conhecimento, das atitudes e das ideologias, bem como dos discursos desse movimento deve integrar tal teoria dos movimentos sociais.

3.4 Estudos sobre cidadania

Parte do estudo sobre assistência de base de refugiados tem sido conduzida no escopo dos Estudos de Cidadania, ele próprio um campo multidisciplinar, assim como o são os estudos do discurso e dos movimentos sociais, abrangendo a sociologia e, especialmente, a ciência política, o direito e as relações internacionais, com seus periódicos e centenas de publicações – também sobre refugiados (ISIN; NYERS, 2014[51]). Isso não é relevante somente para a identidade e para as atividades de ativistas enquanto cidadãos, mas também para as complexas identidades políticas dos próprios refugiados, frequentemente em um limbo entre as identidades de imigrantes e de solicitantes de asilo (KOOPMANS; STATHAM; GIUGNI; PASSY, 2005[52]). Uma das dimensões de tais Estudos Críticos da Cidadania é a definição de Sociedade Civil e os tipos de relação com o Estado, tais como participação ativa ou passiva, cooperação, dissidência, resistência ou confronto.

Aplicados ao estudo de refugiados e de assistência aos refugiados, os estudos de cidadania podem concentrar-se em direitos políticos ou sociais de refugiados, sua inclusão democrática, legislação espacial, nacionalização, políticas de migração, securitização, soberania do Estado, regimes de fronteira, pertencimento, comunidade e assim por diante (JOHNSON, 2014[53]). Para o presente estudo, todavia, são mais relevantes os estudos sobre organizações e cidadãos solidários autóctones e sobre organizações que assistem aos refugiados (ver a literatura sobre a Europa citada acima para diferentes países, e AGARIN; NANCHEVA, 2018[54]; BOCK; MACDONALD, 2019[55]; ROSENBERGER; STERN; MERHAUT, 2018[3]; ver também STOCK, 2019[8]) do que os estudos sobre as identidades de refugiados como cidadãos.

3.5 Solidariedade, altruísmo e empatia

O Refugees Welcome é geralmente definido como um movimento de solidariedade (ver, por exemplo, GARCÍA AGUSTIN; JØRGENSEN, 2016; 2019[6]: ATAÇ; RYGIEL; STIERL, 2018[56]; BRANDLE; EISELE; TRENZ, 2019[57]; KIRCHHOFF, 2020[58]; SIAPERA, 2019[59]). Em nossa perspectiva multidisciplinar, devemos, portanto, examinar a própria noção de solidariedade e sua relevância para o estudo dos movimentos solidários. Análises filosóficas e políticas da solidariedade examinam as relações entre um grupo solidário, por um lado, e um grupo que se beneficia de tal solidariedade, por outro (KOLERS, 2016[60]; PENSKY, 2008[61]; SCHOLZ, 2008[62]). Um dos critérios para essa relação é que qualquer tipo de ação solidária tem que beneficiar o grupo alvo e fazê-lo de acordo com critérios daquele grupo. Isso implica ser possível discutir se as ações que, ao mesmo tempo, também beneficiam o grupo solidário, isto é, vários tipos de assistência em benefício próprio, deveriam ser chamadas de solidariedade em primeiro lugar.

Como é o caso de muitos fenômenos sociais estudados aqui, a solidariedade também tem, pelo menos, duas dimensões fundamentais, notadamente uma sociopolítica de práticas solidárias no micronível, bem como grupos e organizações no macronível, por um lado, e várias formas de cognição pessoal e social, por outro (PASSY; MONSCH, 2020[63]). De fato, para que cidadãos solidários participem de ações, é preciso que construam modelos mentais de uma situação social em que possam desempenhar um papel, planejar e executar ações e sobre as quais possam contar histórias depois. Ao mesmo tempo, eles compartilham conhecimentos sobre os refugiados e seus problemas e demandas, sobre as atuais políticas para refugiados e práticas nas fronteiras etc., bem como atitudes socialmente partilhadas sobre migração e ideologias de democracia, antirracismo etc. que sustentam toda a atividade solidária. O discurso é uma interface crucial entre esses elementos, pois, por um lado é, em primeira instância, uma prática social solidária e, por outro, é a principal fonte de informações sobre refugiados, sua situação atual, agentes do Estado etc.

Uma das dimensões da solidariedade é o altruísmo, uma perspectiva, estado de mente e prática moral frequentemente estudada como propriedade de membros de movimentos solidários, com base em preocupações relativas ao bem-estar de outras pessoas (da vasta literatura sobre o assunto, ver EISENBERG, 1986[64]; GIUGNI; PASSY, 2001[65]; SCHROEDER; GRAZIANO, 2015[66]). Uma das questões essenciais exploradas em tais estudos é se as pessoas se envolvem em comportamentos pró-sociais, tais como assistir refugiados, sem qualquer recompensa ou outro interesse direto ou indireto.

Uma das forças de motivação pessoal da solidariedade é a empatia, outra noção complexa, que, além da análise usual em termos de tipos de emoção, também tem sido analisada em termos neuropsicológicos, isto é, como propriedade de neurônios espelho que permitem às pessoas não somente conhecer o conhecimento de outras pessoas, como sentir os sentimentos dos outros (além dos estudos neurológicos sobre empatia, ver especialmente os estudos sociais: SEGAL, 2018[67]).

Se a empatia é uma forma de emoção definida em termos de incorporação, ela deveria apenas ser definida em função de propriedades individuais ou de pessoas. Em outras palavras, em sentido estrito, a empatia não pode ser compartilhada por um grupo social, comunidade ou movimento, porque esses não possuem corpo “coletivo”. Isso não significa que, em contextos específicos, grupos não possam ter emoções similares e, portanto, empatia, ao mesmo tempo, por exemplo, quando coletivamente confrontados com a evidente situação dos refugiados. Essa empatia “coletiva” pode muito bem estar relacionada ao conhecimento e às crenças avaliativas que podem ser compartilhadas socialmente, precisamente sobre a situação dos refugiados. Portanto, a empatia encarnada e as emoções a ela associadas, tais como compaixão ou piedade, podem ser a parte dos modelos mentais pessoais que define planos para o futuro ou ações correntes de solidariedade.

3.6 Análise política

Finalmente, especialmente no macronível, as atividades solidárias do movimento Refugees Welcome e seus membros também demandam uma análise política. A maioria dos ativistas, definidos como cidadãos e, portanto, como membros da sociedade civil conhecem as migrações atuais, as políticas do Estado e de partidos políticos para os refugiados, as agências governamentais, os tratados internacionais e as atividades nas fronteiras. Logo, suas atividades solidárias podem estar envolvidas em desafios às leis ou aos regulamentos ou em ações de enfrentamento e protesto contra políticas e práticas oficiais, tais como a deportação de refugiados (ROSENBERGER; STERN; MERHAUT, 2018[3]). Ao mesmo tempo, os ativistas sabem quais partidos políticos apoiam políticas estatais liberais ou conservadoras e, assim, sabem com quais deles podem contribuir ou contra quais devem agir (HADJ ABDOU; ROSENBERGER, 2019[68]). Em outras palavras, o Refugees Welcome como movimento foi fundado e envolvido na solidariedade para com refugiados, mas, ao mesmo tempo, na resistência contra governos, partidos ou organizações políticas locais, nacionais ou até mesmo internacionais – como ocorre com os movimentos sociais mais combativos. Essa forma de análise de contexto político é tradicionalmente chamada de estudo de “oportunidades políticas” presentes ou ausentes.

4. Análise de discursos pró-refugiados na Espanha

O papel do discurso na análise dos movimentos sociais merece mais atenção teórica e analítica do que aquela geralmente reconhecida na maioria das abordagens sociológicas tradicionais. O discurso, primeiramente, está entre os principais repertórios de protesto e solidariedade, além de em atividades largamente estudadas como manifestações, marchas, ocupações ou greves. Muitos tipos de discurso, por exemplo, o das mídias tradicionais e sociais, são também os principais meios de mobilização e recrutamento, e a forma como a sociedade civil aprende sobre novos movimentos sociais e seus objetivos e atividades. Seus discursos, ao mesmo tempo, revelam conhecimento, atitudes e ideologias dos movimentos sociais. É dentro dessa estrutura mais ampla que examinamos algumas propriedades de discursos pró-refugiados na Espanha, especialmente, de ONGs, cidades e do parlamento, bem como os objetivos, as motivações, as normas, os valores e as ideologias.

4.1 Parlamento

Já vimos anteriormente que os discursos pró-refugiados na Espanha – bem como em outros pontos da Europa durante o “longo verão” de 2015 – não se limitavam a ONGs ou a movimentos sociais, mas estavam presentes também no parlamento, por exemplo, na iniciativa liderada pelo PSOE de um projeto de lei especial e seu debate em 29 de setembro de 2015. Esperança Esteve Ortega, parlamentar socialista de Barcelona, apresentou e defendeu o projeto nos seguintes termos:

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(2) Acho que nós não somente nos sensibilizamos como nos tornamos conscientes de que grupos políticos, aqueles de nós com responsabilidades públicas, não podem continuar ignorando o problema, o drama humano, as mortes, e que tínhamos que fazer algo, não apenas o que nos mandam as obrigações do Estado e deste Parlamento, mas algo além, algo do qual, hoje, podemos nos sentir satisfeitos, que é a apresentação de uma proposta de lei cujo teor não se tornará logo obsoleto.

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Como ocorre com a maioria dos discursos pró-refugiados, a solidariedade é primeiro conceituada em termos de “sensibilidade”, ou seja, em termos de emoções e afeto condicionados pelos discursos sobre o “drama humano” e as “mortes”, portanto, como causa direta de algo que “tínhamos que fazer”, em outras palavras, a própria motivação da ação política. No fragmento do discurso citado acima, Ortega se refere explicitamente à noção crucial de empatia causada pela “dor” de “seres humanos”. Outros falantes topicalizam a própria noção de “emoção” em seus pronunciamentos, como o parlamentar esquerdista e acadêmico basco Carlo Martínez Gorriarán, que também fala de compaixão, solidariedade e “ética universal”, como reações humanas compreensíveis, mas como uma introdução à declaração de que tais emoções não bastam:

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(3) Intervenho brevemente para anunciar que meu grupo naturalmente vai apoiar essa iniciativa parlamentar e que nos alegramos muito de que seja em um tema de tamanha importância, pois, de fato, trata-se de um problema da democracia e não somente, como talvez se repita com muita facilidade, de um problema humanitário ou sentimental, ainda que também o seja. É evidente que há um enorme componente emocional na crise dos refugiados, e o que muitas vezes tem mudado as opiniões em praticamente todos os governos da Europa, incluindo a Espanha, são as reações emocionais da opinião pública, que desta vez fala bem da humanidade e de sua predisposição à compaixão e à solidariedade.

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Esperança Esteve Ortega, em sua apresentação da proposta, também enfatiza que, além das emoções pessoais e crenças compartilhadas, o contexto institucional desse discurso requer uma consideração das “obrigações” políticas na forma de um projeto de lei, como parte de “tarefas” racionais do governo. Esse aspecto deôntico da obrigação política ou moral é outra dimensão principal da cognição pró-refugiados e do discurso sobre refugiados. Além disso, essa obrigação política não é exclusiva da esquerda, mas compartilhada em um consenso moral e político por todos os partidos – pelo menos, até a representação do partido de extrema direita Vox no parlamento após as eleições gerais de 2019 – uma “responsabilidade” e um “compromisso global”, que Esteve Ortega diz serem compartilhados por todas as organizações na Espanha e na Europa. Nesses termos, o governo é levado a agir de acordo com o que foi formulado nos principais pontos do projeto de lei resumidos anteriormente, em especial porque o assunto dos refugiados, comparado ao da migração, mal havia sido abordado antes no parlamento. Vemos que os “fatos jornalísticos” são percebidos como causas da necessidade de agir, como ocorre com os movimentos sociais, e nos próprios termos dos movimentos sociais em relação a “um mundo melhor é possível”.

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(4) Não construímos para que tudo fique igual, construímos para nos adaptarmos a um mundo que muda todo dia em nossa vizinhança e em nossas cidades, cada um com sua própria história. O momento atual exige de nós, políticos, (...) flexibilidade, direção, compreensão, olhar amplo para o horizonte, mas também concretude, pensar nos novos paradigmas de coexistência que precisamos tecer diariamente não para buscar o mundo ideal, que certamente não existe, mas para contribuir com o melhor mundo possível.

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Vimos anteriormente, no discurso de Tardà I Coma nesse debate, que a atual solidariedade parlamentar para com refugiados não é exatamente típica nas atitudes espanholas passadas e presentes em relação aos migrantes e aos refugiados, pelo menos não se comparada às da Alemanha. O parlamentar basco Emilio Olabarria Muñoz também faz (auto) críticas acerca do parlamento:

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(5) Por que uma política de cotas? Desde quando a condição de refugiado e a conquista do direito a asilo precisam ser divididas em cotas? As cotas propostas pelo Estado espanhol não atingem nem 0,036% da população do Estado espanhol. É generosa essa posição? Faremos uma reflexão apologética sobre a generosidade do Estado espanhol quanto à aceitação de refugiados (...) Por que todas as instituições públicas têm sido ultrapassadas pela sociedade civil? Por que fomos ultrapassados pela Anistia Internacional, peloAcnur [Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados] ou pela Igreja Católica? Todas as instituições, indivíduos, famílias e clubes de futebol agiram de forma mais rápida e, seguramente, mais solidária do que as instituições que representam a soberania do Estado espanhol. Temos que fazer uma reflexão autocrítica sobre essa questão, que sua retórica tem adoçado para o bem do consenso.

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Outra propriedade do discurso antirracista, em geral, e de discursos pró-refugiados, em particular, é a estratégia e retórica argumentativa do jogo de números, neste caso para enfatizar a vergonha relativa às políticas para refugiados da Espanha. Especialmente o conhecido movimento de comparação, em que o falante opõe o parlamento às organizações da sociedade civil ou mesmo à Igreja Católica, é outra estratégia célebre do discurso pró-refugiados.

4.2 Anistia internacional

Se nos voltamos para as ONGs oficiais, uma intervenção crítica influente foi publicada pela Anistia Internacional, que havia desenvolvido um Índice Refugees Welcome comparando países com base no percentual de pessoas que aceitam refugiados em países, cidades ou mesmo em seus lares, tendo China, Alemanha e Reino Unido aparecido nos primeiros lugares. Como foi visto anteriormente, o relatório de 2016 salienta que há na Espanha um governo cujas políticas não “dialogam com a opinião pública”, uma conclusão compartilhada no parlamento, bem como entre as ONGs e outros grupos solidários pró-refugiados. A Anistia e seus discursos são importantes, pois se dirigem primeiramente aos governos, nesse caso também com números concretos:

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(6) Para responder à crise global dos refugiados, a Anistia Internacional está convidando os governos a realocarem 1.2 milhões de refugiados até o final de 2017. Isso é muito mais que os 100.000 refugiados por ano que os governos estão recebendo anualmente, porém, menos que um décimo dos 19,5 milhões de refugiados no mundo hoje. (...) Os políticos deveriam parar de alimentar a intolerância e a dissidência e ouvir suas populações, que querem ajudar o próximo. Precisam voltar-se para o vergonhoso desequilíbrio que aponta que 86% dos refugiados do mundo são recebidos pelos países mais pobres enquanto países ricos renegam suas responsabilidades.

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O ato de fala do apelo público ao governo é seguido pela pressuposta (“deveriam parar”) crítica da “intolerância e dissidência”, e duas comparações, primeiro com seus cidadãos solidários e, depois, com os países pobres do mundo que recebem muito mais refugiados. A noção de “vergonha” também faz parte da retórica política do discurso pró-refugiados e caracteriza o ato de fala deôntico, como na acusação cotidiana “deveria se envergonhar”. Em seu relatório, a Anistia registra que 82% das pessoas na Espanha esperam que seu governo faça mais. Implicitamente ela não apenas acusa o governo, mas também a imprensa:

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(7) Governos não podem permitir que suas respostas à crise dos refugiados sejam feitas reféns das manchetes. Muito frequentemente, elas usam uma retórica xenofóbica antirrefugiados em busca de índices de aprovação. A pesquisa sugere que não estão ouvindo a maioria silenciosa de cidadãos acolhedores que tomam para si a crise dos refugiados.

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É interessante que a referência comum à “maioria silenciosa” está associada à disseminação do preconceito e de atitudes anti-imigrantes, e governos atipicamente instados a seguir a opinião pública. Isso também mostra como a situação dos refugiados, social e politicamente, na Espanha e na Europa Ocidental é especial e excepcional com relação às tendências gerais à xenofobia ou islamofobia.

4.3 Discursos sobre organizações pró-refugiados

4.3.1 ACCEM

Pode-se esperar de ONGs pró-refugiados que se envolvam em discursos particularmente críticos em relação a políticas e práticas oficiais. Em 18 de setembro de 2015, a ACCEM endereçou uma carta aberta ao Ministro do Interior do governo conservador do PP de Mariano Rajoy, com as seguintes passagens:

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(8) Estamos desolados porque há semanas estamos avisando que o tratamento diferenciado que está sendo dado geraria refugiados de primeira e segunda classes. E foi o que aconteceu.

Os refugiados que estão aqui, em nosso país, esperando para solicitar asilo são tratados como de segunda classe. Não há foto nem vídeo de suas tragédias para despertar a atenção das mídias e da sociedade e forçá-las a auxiliá-los. Mas eles merecem e têm o direito ao mesmo tratamento que aqueles que recebem a dita atenção.

(...) A necessidade de expandir e acelerar o sistema de asilo para as pessoas que já estão na Espanha não pode ser adiada. E que todos tenham as mesmas oportunidades de acesso a ele, também.

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A pressuposição geral da carta é a comparação entre a ampla atenção dada pelas mídias à atual crise de refugiados e especialmente aos refugiados da Síria, por um lado, e os milhares de outros solicitantes de asilo no país, que recebem pouca cobertura midiática e, portanto, menos atenção oficial. Sem dúvida, tal como pode ser evidenciado em seus outros discursos e práticas, a ACCEM também está comprometida com a acolhida de refugiados sírios, mas como uma ONG engajada, seu envolvimento principal está com os milhares de refugiados já na Espanha – muito mais do que com os “novos refugiados” da Síria. A carta, portanto, funciona como o compromisso social atual de uma ONG – e, assim, como uma manifestação de sua “política como usual”. Ela o faz, primeiramente nos termos emocionais de “estamos desolados” e pelo uso da metáfora crítica clássica do tratamento diferencial de cidadãos de “primeira e segunda classe”.

Uma semana antes, em 11 de setembro de 2015, a ACCEM publica uma declaração sobre a então atual “emergência” europeia:

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(9) Até agora, tanto a União Europeia quanto os Estados-membros da União têm oferecido uma resposta lenta e tardia à situação de emergência humanitária que estamos vivendo. Agora que as decisões começam a serem tomadas é preciso ter agilidade, eficácia e rapidez, pois a lentidão e a falta de habilidade apresentam sérios custos em vidas humanas e em sofrimento adicional. Todas as decisões e medidas tomadas devem ser acompanhadas de financiamento econômico suficiente. (...) Queremos lembrá-los de que dar atenção e acolhida dignas a essas pessoas é uma responsabilidade para a Espanha, devido aos distintos compromissos internacionais que o país assumiu. A ACCEM, junto com as demais organizações especializadas em asilo, tem trabalhado por décadas com pessoas refugiadas, gerindo anteriormente outras situações de emergência (...)

(...) Queremos felicitar o conjunto de cidadãos do qual fazemos parte pela resposta social dada a essa situação de crise, uma resposta exemplar de solidariedade para com as pessoas que chegam ao território europeu fugindo da guerra e da violência.

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Uma das estratégias, já observadas, é a polarização crítica, no nível da União Europeia, entre a BOA sociedade civil e os MAUS governos (porque qualificados pela “lentidão”, pela “falta de habilidade”), ficando a ONG obviamente no grupo positivo. Em segundo lugar, discursos de ONG como este não somente fazem declarações críticas, mas também formulam os aspectos deônticos de “o que deve ser feito” e os critérios (agilidade, eficácia e rapidez) de como deve ser feito, no âmbito da situação de emergência definida em termos humanitários de “vidas humanas” e “sofrimento”. O discurso relevante para uma ONG espanhola não deve apenas discorrer sobre a Europa, mas enfocar a Espanha, novamente em termos de sua “responsabilidade” e “compromissos internacionais” – outras noções deônticas em termos de critérios fundamentais: a recepção tem que ser digna. Nesses discursos de ONGs, a autoapresentação positiva sobre as décadas de experiência da ONG com emergências similares é crucial. Após listar as obrigações dos países e governos, parte dessa autoapresentação positiva é a referência a congratulações da parte dos principais aliados da ONG, notadamente a sociedade civil solidária. A declaração, por fim, discorre sobre as políticas internacionais para refugiados da União Europeia, sobre a comunidade internacional e as razões da fuga nos países de onde vêm os refugiados, fazendo recomendações sobre resgates no mar, corredores humanos, recursos etc.

4.3.2 CEAR

O relatório da Comisión Española de Ayuda al Refugiado (CEAR) de 2015, em suas 251 páginas, lida extensivamente com “a realidade dos refugiados no mundo, na União Europeia e, sobretudo, na Espanha” e, especificamente, com a atual situação dos refugiados na Europa e na Espanha. Como é de se esperar, as primeiras páginas criticam duramente a União Europeia:

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(10) Em sua vã obsessão com o fechamento das fronteiras aos refugiados, a União Europeia condenou os párias da Terra a realizarem viagens cada vez mais arriscadas para fugir de guerras, crises humanitárias, violações de direitos humanos, conflitos complexos que estão transformando o século XXI no século dos refugiados.

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Há muitas formas de se referir aos refugiados, o que faz parte das estratégias de nomeação das ONGs pró-refugiados. Além das referências aos refugiados, solicitantes de asilo ou migrantes forçados (pessoas vivendo longe de seus lugares de origem de maneira forçada), esse texto enfatiza mais dramaticamente a fuga dos refugiados, chamando-os de “excluídos do Mundo”. Isso dificilmente seria considerado uma hipérbole, mas uma descrição adequada da situação dessas pessoas, somada à enumeração das principais causas de seus deslocamentos (guerras etc.), assim como ocorre com a generalização temporal do século XXI como uma importante moldura temporal da emergência. Tal passagem é seguida das habituais estatísticas sobre os milhares de refugiados afogados no Mediterrâneo, enfatizando a necessidade de uma nova política para os refugiados e criticando as políticas “frias de retorno (imediato)” da Espanha, bem como cerca de 90% da rejeição dos pedidos de asilo.

O relatório 2016 da CEAR, informando, em maiores detalhes, a situação de 2015, observa o grande aumento do número de solicitantes de asilo, especialmente vindos da Síria, mas, ao mesmo tempo, critica o lento processo decisório sobre os pedidos. Em seu prólogo, o Diretor da CEAR Carlos Bersoza declara: “os líderes europeus continuam a apostar em portas fechadas para os refugiados e migrantes por meio da impermeabilização das fronteiras sul e leste da Europa”. Ele usa a típica metáfora PORTAS FECHADAS e a menos comum IMPERMEABILIZAR, a qual, todavia, é consistente com a metáfora padrão para descrever a chegada de migrantes ou refugiados em termos de ONDAS ou TSUNAMIS.

Como constatamos para os discursos antirracistas de modo geral (VAN DIJK, 2021[69]), discursos pró-refugiados podem descrever extensivamente a vulnerabilidade da situação dos refugiados, como o relatório 2015 da CEAR faz em sua introdução:

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(11) Por mais um ano também alertamos, em nosso Relatório Anual, sobre as consequências particularmente graves da crise econômica para os solicitantes de asilo e refugiados, bem como sobre aqueles que finalmente ficaram sem proteção internacional. Sua situação de particular vulnerabilidade, derivada da experiência traumática que os levou ao exílio, da dificuldade da jornada, que em muitos casos dura vários anos, da falta de conhecimento da língua, das dificuldades em ter acesso a empregos em um mercado de trabalho precário ou do reconhecimento de suas competências profissionais e qualificações acadêmicas, deve estimular um esforço muito maior das administrações públicas com o devido cálculo orçamentário para atender aos compromissos internacionais firmados pela Espanha.

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Solidariedade implica empatia para com a situação negativa dos Outros, e esse excerto resume a situação. Novamente, como na maioria dos discursos de ONGs, os principais destinatários parecem ser os governos (espanhol ou local) (“a administração pública”), que são incitados a fazer mais. Esse esforço também é tipicamente formulado em termos financeiros (que implicitamente podem significar apoio financeiro da ONG) e as principais razões são “os compromissos internacionais”, o que implica obrigações legais e/ou morais. Vemos novamente que o apelo emocional é combinado com apelos racionais/legais em um discurso com recorrentes deônticas.

O relatório 2016 da CEAR desenvolve sua crítica contra o governo, incluindo a conclusão de que pela primeira vez faltam dados do Ministério:

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(12) A opacidade no acesso aos dados, os critérios restritivos e injustos no estudo das solicitações de proteção internacional e a retórica do compromisso do governo com os refugiados contrastam com a mobilização de dezenas de milhares de cidadãos e de organizações sociais e com a disposição sincera de dezenas de cidades que, em 2015, constituíram a Rede de Cidades Refúgio, e de vários governos autônomos em apoiar a acolhida aos desvalidos e desvalidas do planeta.

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De especial importância nesse trecho é o contraste, observado por parlamentares, ONGs e ativistas, entre o governo (atual, conservador) e a sociedade civil, incluindo governos locais. Outro aspecto da crítica, já formulado em termos de “belas palavras com poucas ações” é brevemente resumida em termos de “retórica”. O exemplo finalmente mostra outra denominação clássica de migrantes ou refugiados em uma variação dos “condenados da Terra”: “desvalidos e desvalidas” do planeta. Pouco antes dessa passagem, o Diretor menciona rapidamente que a Fundação do Espanhol Urgente (La Fundación del Español Urgente) havia declarado “refugiado” como a palavra do ano de 2015. Ele encerra seu prólogo de 2016 com as seguintes palavras:

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(13) Estamos diante de uma encruzilhada decisiva. Uma ampla maioria dos cidadãos na Espanha e na União Europeia exige que nosso continente seja uma terra de asilo. Não podemos permitir que mais pessoas morram afogadas no Mediterrâneo. E que nossos valores naufraguem definitivamente com elas. Estamos em dívida com Aylan e com aqueles que como ele morreram porque nossos governantes fecharam suas portas.

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Novamente, o importante papel da sociedade civil durante a emergência dos refugiados é realçada, para a Espanha e para a Europa, e os que “governam” são criticados. A metáfora de PORTAS FECHADAS se repete, nesse caso precedida da metáfora de ENCRUZILHADA, descrevendo um momento crucial de tomada de decisão que implica, portanto, urgência. Mais original é a metáfora final de NAUFRÁGIO (dos nossos valores), que projeta o afogamento real de refugiados no Mar Mediterrâneo no domínio da ideologia. As centenas de páginas do relatório anual da CEAR oferecem vários exemplos de textos organizacionais sobre refugiados, os quais requereriam uma análise mais específica, tais como listas de leis relevantes, organizações, estatísticas sobre refugiados no mundo, na Europa e na Espanha. Os números nesse caso não são um movimento retórico para ênfase, mas números reais que falam por si mesmos. De fato, esses trechos do relatório não precisam dos dispositivos metafóricos de seu Prólogo avaliativo. O mesmo vale para a descrição das várias formas de violação dos direitos humanos (prisões, torturas, execuções etc.) nos países de origem dos refugiados, com atenção especial para mulheres e crianças, bem como para as formas como mais de 1.3 milhões de refugiados chegaram e foram tratados na Europa em 2015, dos quais apenas 1% solicitou asilo na Espanha. Ainda assim, dentre os longos capítulos com números, encontram-se passagens mais avaliativas, críticas como:

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(14) Todavia, em vez de atuar inspirada por valores de solidariedade e respeito aos direitos humanos que fundaram o projeto europeu, Bruxelas optou por intensificar a construção da “Fortaleza Europa” ao reforçar suas políticas de externalização de fronteiras e concordar com medidas que violam os direitos humanos e colocam as vidas de vários migrantes e refugiados em grave perigo (CEAR, RELATÓRIO 2016, p. 45).

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Se alguma metáfora se tornou uma descrição padrão da Europa diante dos refugiados é a da Fortaleza Europa, na citação ainda usada entre aspas e acompanhada da metáfora de CONSTRUÇÃO. O mesmo vale para a referência aos principais valores investidos na acolhida de refugiados, notadamente a solidariedade (usada 42 vezes no relatório de 2016), definindo o próprio movimento Refugees Welcome, a sociedade civil, bem como as próprias ONGs. Como é de se esperar, existe um jargão técnico nesses relatórios quando se fala de “políticas de externalização de fronteiras”. Uma das principais marcas do discurso pró-refugiados, também no exemplo acima, é a violação dos direitos humanos (mencionadas 92 vezes no relatório) e a referência às vidas humanas.

Finalmente, em um estilo menos burocrático, o relatório se dedica ao papel da sociedade civil, das ONGs e da cobertura (inicialmente positiva) das mídias – especialmente com fotos do menino turco afogado – e sua mudança ao final de 2015, após o ataque terrorista em Paris. Aqui, a CEAR objetiva contribuir com um relato equilibrado por meio de informações confiáveis.

4.4 A cidade de Barcelona

Vimos, anteriormente, que Barcelona, liderada por sua prefeita ativista Ada Colau desempenhou um importante papel local, nacional e internacional durante a crise da União Europeia causada pela chegada súbita de mais de um milhão de refugiados. Ada Colau foi eleita prefeita em 13 de junho de 2015, pouco antes do “longo verão dos refugiados”. Ela estimulou o movimento nacional das “Cidades de Refúgio”, colocou um enorme banner com os dizeres “Refugees Welcome” na prefeitura e se reuniu com colegas de outras cidades no estrangeiro para discutir a acolhida aos refugiados. Embora a cidade já tenha recebido antes muitos migrantes e refugiados e tenha um programa especial de assistência aos migrantes e refugiados (SAIER - Servicio de Atención a Inmigrantes, Emigrants y Refugiados, ativo desde 1999), em Barcelona, em 2015 e nos anos seguintes, houve especial atenção aos refugiados. Uma grande demonstração organizada pelo Casa Nostra, Casa Vostra (Nossa Casa, Sua Casa), com mais de 170.000 participantes marchou pela cidade incitando o governo (conservador) de Madri a aceitar mais refugiados – com razão, pois como vimos, o reconhecimento oficial da Espanha em relação aos refugiados não foi exatamente generoso.

Após os primeiros estudos sobre Barcelona e sobre os refugiados revisados acima (ALCALDE; PORTOS, 2018[18]; GARCÍA AGUSTÍN; JØRGENSEN, 2019[6]) que se concentram mais nos movimentos políticos e sociais de Barcelona como uma cidade refúgio, examinaremos brevemente os discursos relevantes envolvidos, tais como os postados nos websites da cidade.

Dessa maneira, o website da cidade como uma “cidade de refúgio” (https://ciutatrefugi.barcelona/es) começa explicando as três fases da acolhida de refugiados, porque, mesmo quando sua situação foi oficialmente reconhecida, os refugiados precisam da assistência das ONGs, das cidades e de outras organizações e voluntários. É aí que Barcelona entra como cidade:

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(15) Barcelona participa do processo de acolhida de refugiados e solicitantes de asilo desde o primeiro dia: integrando-os aos bairros e à sua rotina social e cultural, bem como cuidando de menores de idade em centros educacionais na cidade ou de quem precisar dos serviços de saúde pública e de assistência social. Barcelona tem uma longa história de acolhimento e integração de recém-chegados e facilita o acesso aos serviços e aos programas municipais para todos que chegam à cidade, independentemente de sua situação legal.

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Assim, sem muita retórica ou autoapresentação mais positiva que a referência a sua “longa história”, o website apresenta a cidade como uma cidade refúgio. Isso explica a função do serviço SAIER e do programa especial Nausica, adequadamente nomeado em homenagem a uma peça póstuma de Joan Maragall, escrita entre 1908-1911, sobre a princesa grega Nausica, filha de Alcínoos, quem encontra Ulisses na praia depois que seu navio naufraga (uma história não relatada no website).

A cidade fez um acordo, presidido pela vice-prefeita para Direitos Sociais, Laia Ortiz, com um grande número de organizações locais (incluindo a ACSAR - Associació Catalana de Solidaritat i Ajut als Refugiats), para uma “Barcelona Inclusiva”, como é explicado em seu relatório de 2015: “um espaço compartilhado entre o governo da cidade e a sociedade civil para inclusão social”. O relatório resume as atividades para os refugiados da seguinte forma:

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(16) ESPAÇO SOCIAL DA CIDADE DE REFÚGIO: OBJETIVOS E AÇÕES presente relatório surge da necessidade de uma resposta à massiva mobilização de cidadãos que tem gerado a crise humanitária de refugiados, levando à oferta de assistência ao conselho e às entidades. Especificamente, o Espaço Social objetiva canalizar e coordenar as ofertas de solidariedade (serviços, recursos, materiais e atividades) da sociedade civil e dos cidadãos; e consicentizar e envolver cidadãos e voluntários na luta contra o racismo, a discriminação e a desigualdade por meio da ação social e comunitária e do compromisso com a cidade. Dentro desse espaço, um grupo dirigente foi montado com as entidades e as ONGs representando os vários setores envolvidos (residentes, voluntários, cuidados para refugiados e imigrantes, cooperação, associações profissionais, lazer de jovens e crianças e universidades), alguns dos quais possuem vasta experiência nesse campo. (p. 88)

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Embora seja claramente um texto institucional, com seu estilo próprio de descrever estruturas e atividades, bem como os contextos sociais e políticos, as implicações são claras: organizar a assistência para refugiados onde o Estado não o faz. O texto supõe explicitamente a “mobilização massiva” da sociedade civil e, como em muitos textos sobre refugiados, inclui a modalidade deôntica da “necessidade” em um contexto de “crise humanitária” e resume seus serviços a partir da palavra-chave “solidariedade”, definindo o movimento Refugees Welcome. É crucial a ênfase dada à ampla participação de vários “setores”, incluindo voluntários, nesse acordo e organização, portanto, indo além de um mero arranjo institucional. Muito relevante nessa passagem é que a assistência oferecida não visa apenas aos refugiados, mas, ao mesmo tempo, formulou um objetivo antirracista mais amplo, tornando o texto um exemplo também de discurso antirracista comteporâneo (VAN DIJK, 2021). Na página seguinte do relatório consta:

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(17) POSIÇÃO DO CONSELHO DIRETOR DO ACORDO EM TORNO DA CRISE DE REFUGIADOS

Conselho Governante do Acordo Municipal, diante do gravíssimo problema humanitário de refugiados e diante do tratamento instrumental e pouco solidário dos Estados da União Europeia, aprovou, no mês de novembro, uma declaração para realçar uma série de considerações, propostas, compromissos de ação para melhorar a forma de se lidar com esse importante desafio à coesão social. Nesse documento, o Conselho Diretor solicita, entre outras coisas, uma mudança substancial nas políticas macroeconômicas da Comissão Europeia, bem como o reforço das politicas de cooperação internacional, mais solidariedade e um senso de justiça para aumentar as cotas de acolhida e fazer com que as vozes da maioria dos cidadãos seja ouvida em sua demanda por mais justiça e investimento social.

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Esse texto deixa explícita a posição política da Cidade e o acordo também em relação à Europa e suas políticas para refugiados, hiperbolicamente enfatizadas como “gravíssimo problema humanitário”. Se suas próprias atividades como cidade e movimento se enquadram na norma e no valor da solidariedade, a crítica à União Europeia é formulada, no caso, pela antinorma de “pouco solidário”. Se, no excerto anterior, o relatório lida com racismo e discriminação, existem, nesse exemplo, outras noções fundamentais da cidade e da cidade refúgio: coesão social e justiça, por exemplo, com o aumento de cotas de refugiados. Novamente, também nesse trecho, assim como nos citados anteriormente, enfatiza-se o papel da sociedade civil nessa crise humanitária: a “maioria dos cidadãos”. O relatório 2016 do Acordo (de 622 entidades!) concentra-se explicitamente nos refugiados e repete a mesma crítica (“pouco solidário”) aos Estados da União Europeia; lista todas as estatísticas europeias e nacionais; e conclui que as cidades são o principal “canal” de acolhida. Após tais declarações, também listam as demandas de praxe: mais investimento social, solidariedade, justiça global, direitos humanos, cooperação internacional e ouvir a voz da maioria dos cidadãos. A Assembleia do Acordo, em 3 de maio de 2016, da qual participaram 190 pessoas, discute suas atividades.

Vemos que diferentes textos de ONGs, cidades e organizações formulam a situação nos mesmos termos ou em termos similares, fazendo as mesmas críticas e exigências. Em outras palavras, apesar das variações e da diversidade local, “o discurso pró-refugiados”, também na Espanha, é coerente e consistente.

5. Discurso do movimento social

5.1 Casa Nostra, Casa Vostra

Em 18 de fevereiro de 2017, a ONG Casa Nostra, Casa Vostra (Nossa Casa, Sua Casa) organizou em Barcelona “a maior manifestação do mundo”, a Volem Acollir (Queremos Acolher), em favor dos direitos dos refugiados com o slogan “Prou excuses, acollim ara!” (“Basta de desculpas, acolhida já!”), com meio milhão de participantes e cobertura da imprensa internacional. A organização publicou um manifesto com 650 palavras, convidando os cidadãos a assinarem, e que citamos em sua totalidade, dada sua relevância para o estudo do discurso pró-refugiados:

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(18) A Catalunha sempre foi uma terra de inclusão, mas não podemos esquecer que em muitos momentos também fomos bem-recebidos em outras terras. Na Catalunha convivemos com pessoas de outras partes do estado, pessoas de todas as culturas, de todos os países e de todas as crenças.

Mais de 290 milhões de pessoas foram forçadas a deixar seu lares devido a conflitos armados, violação de direitos humanos, mudança climática e pobreza. Desde 2000, e por culpa das políticas europeias para proteger suas fronteiras, mais de 35.000 pessoas perderam suas vidas tentando atravessar o Mar Mediterrâneo, que se tornou um imenso cemitério. O ano de 2016 foi considerado um dos mais mortíferos.

Os membros da União Europeia, em lugar de oferecer uma solução para o problema, restringiram ainda mais o fluxo de pessoas para fechar as fronteiras, tornando a Europa uma grande fortaleza. Refugiados entram a conta-gotas e quem consegue passar arrisca a própria vida esvaziando seus bolsos em benefício de redes de tráfico de pessoas. Assim que chegam a nossas vilas e cidades, correm risco em relação aos Centros de Internação de Estrangeiros, à exclusão social e ao racismo. As políticas da União Europeia incentivam a mortalidade e apagam as rotas seguras e legais dos mapas. Não importa quantas medidas sejam tomadas para conter a imitração, as pessoas continuarão tentando passagem, pois os motivos que as levam a fugir são muito mais fortes do que os muros encontrados ao longo do caminho.

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Em setembro de 2015, a Espanha se comprometeu a receber quase 18.400 refugiados em dois anos. Apesar das péssimas condições em que se encontram essas pessoas, tal compromisso não foi cumprido até agora. Dessa maneira, o governo espanhol, juntamente com outros Estados europeus, viola sistematicamente o direito internacional, assim como os compromissos firmados com a assinatura da Declação Universal dos Direitos do Homem ou da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, entre outras. O acordo entre a União Europeia e a Turquia é um claro exemplo.

As competências nas políticas de asilo são estatais, mas acreditamos que a Catalunha e suas instituições precisam dar uma resposta mais clara e contundente para o deslocamento forçado de pessoas mais velhas desde a Segunda Guerra Mundial. A Catalunha tem competências em políticas de acolhida e poderia aplicar medidas para melhorá-las e reforçá-las de agora em diante.

Portanto, diante da inação do Estado espanhol, convocamos as instituições catalãs a:

1. Atuar definitivamente diante dessa situação tal como urgem os cidadãos, pois a Catalunha é uma terra de acolhida.

2. Garantir a inclusão e o desenvolvimento social digno dos migrantes na Catalunha e comprometer-se a implementar medidas contra o racismo, a xenofobia e a LGBTI-fobia.

3. Defender o direito à livre circulação de pessoas, tal como postulado no Artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

4. Trabalhar para erradicar as causas da injustiça, da violência estrutural, da guerra e da violação dos direitos humanos que estão na origem dos deslocamentos forçados ou indesejados de populações. Nesse sentido, fomentar a cultura da paz. Exigimos compromissos imediatos.

E ENCORAJAMOS OS CIDADÃOS a se organizarem, a se mobilizarem e a fazerem ouvir suas vozes, a fim de conquistar uma conscientização coletiva que favoreça a mudança de atitude de instituições em relação à chamada “crise migratória” que atualmente habita o Mediterrâneo.

No lugar da análise de discurso completa desse importante texto de movimento social, vamos salientar algumas de suas propriedades características:

· um contexto local histórico e a diversidade da Catalunha;

· uma motivação recíproca para ajudar (também fomos bem recebidos no estrangeiro);

· o jogo de números sobre os refugiados e as causas e razões da fuga;

· críticas às restrições da União Europeia e ao tratamento dos refugiados recém-chegados;

· a falta de compromisso da Espanha e a violação dos direitos humanos internacionais;

· a conclusão: a Catalunha deve ajudar;

· um chamado às instituições da Catalunha para agirem, combaterem o racismo, defenderem o direito de livre movimento, erradicarem as causas da injustiça etc. e encorajarem os cidadãos a levantar suas vozes.

Assim reformuladas e resumidas, vemos a complexa estrutura argumentativa desse manifesto: dado X, Y e Z, a conclusão prática é a de que: Nós Todos devemos ajudar. Como também ocorre com movimentos antirracistas e seus discursos (VAN DIJK, 2021), a identidade é formulada em termos de história, das características positivas do NÓS (diversidade), das características negativas do ELES (a falta de ação da União Europeia e do Estado espanhol), da descrição da situação atual (a emergência: 35.000 mortos), da natureza e dos objetivos da ação atual (combater o racismo, etc.) e de um chamado à sociedade civil.

5.2 Stop Mare Mortum

Outro grande movimento pró-refugiado na Catalunha é o Stop Mare Mortum (SMM), que, inicialmente, como o nome sugere, concentrou-se em aumentar a conscientização acerca das várias consequências letais para refugiados que pretendem alcançar a Europa via Mediterrâneo. Eles também publicaram vários manifestos, inclusive até 2020, por ocasião do incêndio no campo de refugiados em Moria, Grécia. Seu “manifesto de fundação” de 800 palavras, publicado em 2015, após a morte de centenas de refugiados no mar, foi assinado por 180 organizações e 1.100 indivíduos e traz os seguintes excertos, após fazer menção às centenas de pessoas afogadas, à consequente “indignação” de grande parte da sociedade civil e aos objetivos do movimento SMM:

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(19) (...) como um resultado de políticas migratórias e de controle das fronteiras que podem ser chamadas de genocidas, seja por ação (...) ou por omissão das responsabilidades de resgate. Diante dessa crise humanitária – a mais importante da Europa desde o final da Segunda Guerra Mundial –, as instituições europeias e os Estados membros não somente não conseguiram responder com celeridade, mas fizeram uma frente de oposição ao que exige a maioria das entidades sociais, organizações não-governamentais e movimentos sociais.

No Stop Mare Mortum, lutamos pelos direitos daqueles que têm que deixar seus países de origem, sem distinguir entre migrantes e refugiados: todos são obrigados a abandonar seus países, seja para salvar suas vidas, ameaçadas por guerra ou perseguição, seja para fugir de uma situação econômica insustentável que também ameaça sua subsistência.

Ao mesmo tempo, a Plataforma Stop Mare Mortum refuta diretamente as atuais políticas europeias e estatais de externalização e controle de fronteiras, de retenção e expulsão de pessoas, de intervenção militar no exterior, assim como tantas outras que respondem mais aos discursos de extrema direita e aos interesses eleitorais que aos valores univerais de solidariedade, tratamento igualitário e respeito aos direitos humanos, os quais a União Europeia supostamente defende. É por esse motivo e porque nos opomos à contínua legitimação desse genocídio migratório, que a Plataforma Stop Mare Mortum exige da União Europeia e de seus Estados membros que (...)

Para uma Europa que acolhe e que respeita os direitos humanos.

SEM MAIS MORTES no mar Mediterrâneo.

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O movimento SMM não mede palavras para denunciar a União Europeia e seus Estados e qualifica as mortes de muitos milhares de pessoas no mar como um “genocídio”, definindo, pois, o manifesto, inicialmente, como um ato de fala de acusação. Em segundo lugar, como fazem todas as organizações pró-refugiados, a situação atual é definida como uma “crise humanitária” – ao invés de uma “crise dos refugiados”. Em terceiro lugar, acrescenta-se ênfase histórica, política e ideológica quando se descreve a situação atual como a pior desde a Segunda Guerra Mundial. Em quarto lugar, como foi pontuado anteriormente, observamos a polarização ideológica entre NÓS (organizações pró-refugiados) e ELES (a União Europeia e seus Estados). Em quinto, como todos os movimentos sociais fazem em seus manifestos e depois de formular um problema atual urgente ou uma crise, o SMM delineia seus objetivos, notadamente, o de lutar pelos direitos das pessoas “obrigadas a abandonar seus países” – acrescentando a importante declaração de que não distingue, como faz a União Europeia, entre refugiados “de verdade” e refugiados “falsos”, isto é, os migrantes econômicos, uma vez que quaisquer que sejam suas razões para migrar, foram forçados a fazê-lo. Antes que o Manifesto se encerre com seus slogans principais, a acusação contra a União Europeia e seus membros é ainda especificada como uma condenação mais detalhada de suas políticas e práticas, especialmente terceirização do controle das fronteiras. Outra acusação importante, também formulada em outros discursos pró-refugiados, é a de que os governos são influenciados por discursos (racistas) antirrefugiados de extrema direita – que, de fato, tinham se multiplicado também nas mídias, depois do apoio inicial do Refugees Welcome no verão de 2015. Finalmente, como também vimos anteriormente, a avaliação e a acusação é baseada nas normas e valores fundamentais de todos os movimentos pró-refugiados: solidariedade, tratamento igualitário e direitos humanos.

Vemos, novamente, que declarações fundantes, programas e outros discursos públicos de ONGs, cidades e movimentos sociais têm componentes bem similares, frequentemente formulados no mesmo estilo e com estratégias discursivas semelhantes de narrativas (sobre mortes), argumentação, acusações, formulação de objetivos e explicitação de normas e valores de sua atividade.

5.3 Refugees Welcome na Espanha

Seguindo o exemplo da Alemanha, também foi formado na Espanha um movimento específico Refugees Welcome España, o qual se tornou depois uma organização que auxilia refugiados a encontrar um lar. Em 03 de setembro de 2015, com as primeiras mensagens no Facebook, essa “plataforma cidadã” apresentava-se, brevemente, à sociedade, também pontuando sua motivação (o drama de milhares de pessoas) e seus objetivos (mitigar o drama, encontrar lares):

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(20) É quase oficial: estamos marchando

Somos uma plataforma cidadã convencida de que a cultura de acolhimento permitirá mitigar em parte o drama de milhares de pessoas que buscam asilo na Europa.

Atualmente, trabalhamos no design e na implementação de uma plataforma digital que permita o registro de pessoas interessadas em acolher refugiados em seus lares e/ou ajudar a financiar seu sustento. Nosso modelo é o #refugeeswelcome na Alemanha.

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No dia seguinte, a plataforma formula uma análise mais política da situação e da motivação de sua atividade:

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(21) É hora de erguermos nossas vozes contra as fronteiras mortais que foram decretadas em nosso nome. Pessoas por toda a Europa estão organizando a resistência e a solidariedade em suas vilas e cidades. Em 12 de setembro queremos mostrar, com milhares de pessoas de toda a Europa, nossa solidariedade para com aqueles que estão fugindo da guerra, da violência e da miséria.

Queremos que todos os refugiados saibam isto: eles são bem-vindos!

Una-se à iniciativa organizando um evento em sua própria cidade ou vila!

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Embora especificamente focada na emergência atual, esse trecho também traz várias das propriedades de discursos de movimentos sociais solidários:

· A metáfora universal do protesto discursivo: erguer a voz;

· a urgência da causa: a metáfora das fronteiras letais

· a natureza massiva da resistência e da solidariedade;

· a definição daqueles por quem se luta (os que fogem da guerra etc.);

· um chamado para a ação (una-se à iniciativa e faça alguma coisa).

Nos dias seguintes, as mensagens no Facebook detalham a forma como o movimento deseja ajudar (compartilhando lares), referenciam outras cidades, tais como Valência e Madri, que tomaram iniciativas e apresentam os números de quantas pessoas juntaram-se à ação, anunciando uma manifestação em Madri e organizando uma caravana para as fronteiras da Áustria, Hungria e Croácia etc.

Os excertos do discurso espanhol sobre refugiados examinados brevemente acima, fornecem uma primeira impressão das ideias, atitudes, ideologias, normas e valores dos principais atores na emergência humanitária em curso. Análises similares podem ser realizadas para outras organizações oficiais ou de base, tais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), Refugee Welcome, SOS Racismo, Oxfam, Cruz Vermelha, Caritas e muitas outras envolvidas na acolhida de refugiados.

6. Conclusões

A crise humanitária, causada na Europa pela chegada de centenas de milhares de refugiados oriundos do Oriente Médio, também atingiu a Espanha, embora o país tenha sido confrontado com não mais do que 1% dos pedidos de asilo, dos quais um número muito menor conquistou “proteção internacional”. O Parlamento, as “Cidades de Refúgio” estimuladas por Barcelona e sua prefeita ativista Ada Calou, por ONGs e por movimentos sociais, responderam mais positivamente à crise, especialmente desenvolvendo planos e programas, organizando manifestações e especialmente publicando uma enchente de discursos públicos – alguns dos quais estudamos neste artigo.

A análise é parte de um número maior de estudos, artigos, teses e algumas monografias em vários países europeus, especialmente Grécia, Áustria, Alemanha, Reino Unido e países escandinavos, em virtude dos eventos do Longo Verão de 2015 e do massivo movimento solidário Refugees Welcome, no âmbito do qual organizações e voluntários ofereceram espontaneamente sua ajuda aos milhares de cidadãos recém-chegados. Embora pouco comparado a outros países, alguns desses estudos se voltam para esse movimento na Espanha.

Dentro do contexto sócio-político da Espanha e de seu governo conservador em 2015, bem como dos entusiásticos movimentos de “boas-vindas” da sociedade civil, o presente artigo é formulado no escopo de um arcabouço teórico multidisciplinar que inclui estudos do discurso, estudos sobre refugiados e outras ciências sociais. Em diferentes níveis de organização e com diferentes nomes, o movimento Refugees Welcome, primeiramente tinha que ser estudado como movimento social especial em termos de cognições sociais, discursos e outras práticas solidárias, bem como seus oponentes e aliados no contexto social e político.

Embora formulado em diferentes contextos comunicativos e sociopolíticos, os discursos de várias instituições, organizações, cidades e movimentos parecem compartilhar as estruturas discursivas e estratégias similares, algumas das quais podem ser formuladas aqui à guisa de conclusão:

· A polarização ideológica entre NÓS (pró-refugiados) e ELES (a União Europeia e o Estado) em diferentes níveis de discurso: léxico, metáforas, normas, valores e argumentos.

· A ênfase no papel de regras de engajamento ligadas às emoções, tais como empatia e solidariedade – em oposição à racionalidade da “política de sempre”.

· Várias referências ao passado como uma propriedade do movimento ou como uma motivação para ajudar.

· Ênfase na falta de generosidade do Estado (espanhol) e da União Europeia, descrita como a Fortaleza Europa.

· Crítica aos lentos e deficientes processos de asilo.

· Comparações vergonhosas com outros países da Europa, os quais receberam e aceitaram muito mais refugiados.

· De forma mais geral, um jogo numérico detalhado, mas não como estratégia retórica de exagero (como tradicionalmente se vê na cobertura da migração pela imprensa), mas como estatísticas precisas da situação real.

· A descrição padrão da situação em termos de descrições avaliativas, tais como “crise humanitária”.

· A modalidade deôntica em muitos discursos, por exemplo, em função do que “deve ser feito”, de demandas, obrigações e necessidades.

· A ênfase nas novas políticas, perspectivas, ações, programas etc.

· Chamado à sociedade civil para ação, colaboração e solidarização.

· A referência à predominância de atitudes racistas e antirrefugiados, especialmente da extrema direita, bem como sua influência sobre o governo.

· Descrições da situação nos países de origem dos refugiados, também como avaliação das motivações para a fuga.

· Descrição dos muitos riscos durante a fuga.

· As muitas dificuldades encontradas pelos refugiados no novo país.

· Autoapresentação positiva das organizações, por exemplo, em termos de sua expertise e experiência.

· A organização de redes, alianças etc.

· Formulação de propostas para melhorar a acolhida de refugiados.

Este artigo e nossa análise simplesmente oferecem uma primeira abordagem analítica do discurso para o estudo dos discursos pró-refugiados na Espanha, no escopo de uma perspectiva teórica multidisciplinar e no contexto de centenas de estudos anteriores sobre os países da Europa Ocidental acerca da “crise de refugiados” de 2015. As limitações deste estudo precisam ser pontuadas. Primeiramente, um corpus muito mais amplo de discursos pró-refugiados na Espanha deve ser coletado e investigado. Em segundo lugar, todos esses discursos requerem análises discursivas locais muito mais detalhadas sobre seu estilo, retórica ou outras estratégias persuasivas. Em terceiro, quando tomados como um movimento social complexo, também as atividades e os discursos de vários atores de base oficiais precisam ser examinados em função de uma teoria multidisciplinar dos movimentos sociais. Em relação a tal estudo, e em quarto lugar, uma análise mais sociopolítica é necessária para estudar os discursos desses atores em um contexto político mais amplo, tanto na Espanha como na União Europeia. Apesar dessas limitações, o artigo defende a necessidade de uma abordagem analítica de discursos no amplo escopo teórico de estudos sobre refugiados, em geral, e sobre a “crise de refugiados de 2015”, de modo particular.

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