Quarup: funeral para enterrar vivo o discurso fascista

Ana Paula El-Jaick

Resumo

O objeto de análise deste artigo é o discurso proferido pelo atual presidente do Brasil na 75ª edição da Assembleia Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), em 22 de setembro de 2020. Nele me interessa a explícita vontade presidencial de estabelecer uma verdade sobre a Amazônia e o Pantanal, colocando em disputa o que deve ser chamado de “informação” ou de “desinformação”. Nesse caso estão em jogo a existência ou não de queimadas nas florestas, a ocorrência ou não de destruição do meio ambiente, e, consequentemente, a política ambiental em curso, a legislação de crimes contra a natureza em aplicação. O objetivo mais geral desta investigação é fazer, conforme propunha M. Foucault, um diagnóstico do tempo presente – aqui, mais exatamente do Brasil de agora. Como objetivos específicos quis observar as condições que permitem a produção de um discurso mentiroso pelo representante maior do Poder Executivo de um país diante de outros líderes igualmente representativos. Para tal exame, me valho da “caixa de ferramentas” proposta por Foucault como um método de análise de discurso não apenas da cena política brasileira contemporânea, como desta no cenário internacional. Tendo como resultado da análise a formação de um discurso bélico fascista, concluo pela chamada a uma boa utopia, acreditando poder haver resistência no e pelo discurso.

Introdução: início do ritual para a morte do mito1

Com o objetivo de diagnosticar a cena política brasileira do presente, esta é uma análise discursiva foucaultiana do discurso gravado e transmitido na 75ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 22 de setembro de 2020, pelo atual presidente do Brasil.2 Nesta investigação, tenho fundamentalmente como pressuposto teórico perspectivas analíticas de Michel Foucault, sobretudo quando de seu exame sobre as disputas, as lutas pelo e no discurso. Performar uma análise discursiva foucaultiana hoje é, também, avaliar a aplicabilidade da “caixa de ferramentas” conceitual nos legada por Foucault de modo a fazermos um diagnóstico do presente como analistas do discurso. Conforme Foucault entendia que o intelectual deveria ser um filósofo do presente,3 a escritura deste texto quer ser uma forma de resistência a um mecanismo de poder vigilante e controlador atualmente em operação no Brasil, especialmente no que tange às posições sujeito educadores, pesquisadores e agentes culturais. Assim, é sintomático que o atual Estado brasileiro tenha contado nos últimos meses com ocupantes interinos tanto no ministério da Educação quanto no da Saúde até serem finalmente encampados como ministros de estado (sendo que o agora Ministro da Saúde é um general), e que o Ministério da Cultura tenha sido extinto em uma das primeiras ações desse atual governo de extrema-direita, transformando-o em uma Secretaria. Por tudo isso, ao se escrever este texto, o objetivo é também desconstruir uma aparente neutralidade de hegemonia, de repouso, de falta de tensão que o atual chefe de Estado brasileiro pretende vender ao estrangeiro.

Além disso, também me valho de alguma bibliografia recente, como do livro Os engenheiros do caos, de Giuliano Da Empoli (2020[1]), em que o autor critica o fenômeno global das chamadas fake news, de proliferação de teorias da conspiração e discursos de ódio em plataformas digitais de modo a espalhar um medo que acabou por definir eleições pelo mundo, como no pleito de 2016 na maior potência econômica mundial, os Estados Unidos da América, e também no Brasil, em 2018. Essa bibliografia recente comparece também para melhor entendermos as condições de produção do discurso presidencial comprovadamente falso diante de outros chefes de Estado, não apenas para a população de seu país, mas para todos aqueles que compõem a ONU. Uma primeira indagação, então, pode ser o que, ou talvez “para quem” significa dizer que há enunciados mentirosos do presidente do Brasil.

Alguns outros analistas deste nosso tenebroso presente, entre os quais a historiadora Lilia Schwarcz (2020[2]), têm se referido aos fiéis ouvintes dos discursos presidenciais como “ressentidos”. Schwarcz cita o livro O cobrador, de Rubem Fonseca, cujo conto que dá título à obra conta a história de um bandido revolucionário que sai às ruas cobrando uma dívida social infinda. Nessa analogia de Schwarcz, os cobradores de carne e osso vêm exigir de volta o espaço perdido em algumas instituições, como as educacionais, para sujeitos que, segundo os cobradores, não deveriam estar lá. De acordo com a historiadora, desde o impeachment da agora ex-presidenta Dilma Rousseff, encerrado em agosto de 2016, a intolerância foi estabelecida no Brasil com vários movimentos autoritários agindo na criação de mitologias de Estado: um “eles” contra um “nós”. Observamos que os ressentidos, essa direita que saiu do armário, não vêm reivindicar algum direito seu, mas o desejo é o de tirar direitos conquistados pelos outros: “eles”.

Essa violência recorre nas dobras da nossa história. Schwarcz lembra que não apenas nosso presente, mas nosso passado é muito violento.4 Ao mesmo tempo, o apagamento dessa violência também é histórico: representamos um papel de um país inclusivo quando, de fato, fomos construídos na submissão e na subordinação de corpos docilizados. Campo aberto e minado para populismos fajutos, a sociedade brasileira (re)elegeu como seu maior inimigo atual a violência – estrutural na história do Brasil. Para Schwarcz, desde 2016 nem a representação que os brasileiros gostavam de encenar de um povo tolerante, cordial, acolhedor sobreviveu. A lógica de ódio e de afetos cindiu discursivamente em forma de binarismos, cada um em sua máxima extremidade: “bandido” de um lado, “cidadão de bem” de outro, corrupto x honesto, mau x bom, degenerado x familiar, eles x nós.

No Brasil de 2020, talvez mais ainda do que há dois anos, todos que não estão com o bolsonarismo estão contra ele: são comunistas, traidores da pátria. A paranoia persecutória do atual presidente5 se consubstancia não só no conjunto de enunciados que será analisado um pouco mais à frente, como nas frases feitas ecoadas por seus seguidores como hinos. Os enunciados aqui são repetidos em sua materialidade discursiva: “os corruptos do PT”, a “Globolixo” em referência ao grupo midiático Globo, “o Estadão comunista”, a “Foice de São Paulo”, em um trocadilho com a foice do símbolo comunista e o nome do jornal Folha de São Paulo, “o Moro traidor” para denotar o ex-juiz Sérgio Moro, mandante da prisão do ex-presidente Lula e nomeado Ministro da Justiça do atual governo, mas cuja demissão foi concedida quando o presidente queria interferir na gestão da Polícia Federal, ao que parece, para encobrir escândalos de um dos seus filhos quando deputado do estado do Rio de Janeiro.

Essa lógica vem se operando no que tanto Foucault quanto Schwarcz denunciam como “intolerância”. A historiadora sublinha a ambiguidade da tolerância / intolerância: se etimologicamente há um sentido de tolerância como em “aceitar”, “suportar”, os termos atravessam a história com efeitos tanto de respeito à diferença quanto de uma espécie de concessão para lidar com o diferente, concedida por quem tem poder para não tolerar. A política do “nós” e do “eles” tem funcionado em discursos extremos, chegando a um “neofascismo” produto de discursos de ódio não apenas desarticulando a população, como, conforme já foi dito, ganhando eleições, elegendo dirigentes.

Esse “sentimento beligerante” diagnosticado por Schwarcz, discursivizado e muito criado pelas redes sociais, gerou distopias funcionais que selecionam um inimigo a legitimar o próprio discurso – que pode, então, não mostrar qualquer apego pela realidade. Esses sentimentos bélicos que se materializam no que o psicanalista Christian Dunker chamou de “retóricas da divisão” (apud Schwarcz 2020[2]), ou seja, a transformação de adversários em inimigos que devem ser sumariamente eliminados, em verdade reatualizam uma velha divisão organizada por discursos autoritários. A violência da polarização se dá pelo rancor dos discursos: não basta mais discordar do outro, pois é preciso aniquilá-lo, humilhá-lo, destruí-lo. Flagra-se uma regularidade discursiva posta em circulação a partir de uma virada neofascista na linguagem, que quer expulsar governantes de centro-esquerda aqui e em outras partes do mundo. Esse movimento ganhou a expressão deleuziana “rizoma direitista” pelo psicólogo uruguaio Alfredo Perdomo (2020[3]).6 Defenderei brevemente a seguir que, dado o reforço das redes sociais para o discurso fascista bolsonarista brasileiro, então esse discurso neofascista pode ser chamado de “rizomático algorítmico”.

No já mencionado livro Os engenheiros do caos, Giuliano Da Empoli (2020[1]) reforça como a já tão enunciada polarização das massas foi criada, fabricada por algoritmos matemáticos que direcionaram mensagens específicas para um público distinto. Os principais dispositivos de poder utilizados foram as redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp. Este último aplicativo teve uma “vantagem” sobre os demais ao compartilhar mensagens de conteúdo falso em grupos inofensivos de amigos, sem deixar a autoria assinalada. A falta da marca autoral das mensagens de WhatsApp é reveladora: não se sabe quem compôs aquela mensagem, ao mesmo tempo que se conhece quem a repassou.

No artigo “A ponta de um iceberg de desconfiança”, as autoras Fernanda Bruno e Tatiana Roque apontam essa estratégia discursiva como uma das causadoras do sucesso eleitoral do atual presidente da República:

Um dos pontos fortes da estratégia eleitoral de Bolsonaro foi a difusão de mensagens em grupos de confiança nos quais as relações entre os participantes vêm sendo construídas há tempos – desde 2014 – e a partir de interesses que não se restringem à política. Mensagens produzidas pelo aparato de campanha eram compartilhadas nesses grupos, de modo voluntário, por apoiadores reais do candidato. Após receber as mensagens, essas pessoas decidiam passá-las adiante, enxameando a rede. Ao fazer isso, a campanha de Bolsonaro incorporou um pressuposto que vem sendo usado por estratégias de segmentação de propaganda: pessoas que repassam mensagens para seus grupos de afinidade têm papel particularmente relevante, pois geram confiabilidade, ou seja, a propagação de uma mensagem é mais efetiva quando feita por pessoas com as quais as outras se identificam, e não por agentes facilmente reconhecíveis como propagadores interessados (2019, p. 14[4]).

O repassador da mensagem passa a ser o autor: meus familiares, meus amigos de igreja passam a ocupar a posição de sujeito autor. O último a repassar a notícia automaticamente ocupa a posição de autoria – e, mais importante, com seu ethos retórico: sua confiabilidade será aquela necessária para que a falcatrua não apenas seja lida, mas passada adiante, uma vez que se confia naquele enunciador. Então, mensagens falsas foram passadas pelo parceiro do futebol do fim de semana, pela comadre que corta o cabelo no mesmo salão de beleza. Da Empoli (2020[1]) ressalta como a estratégia do dispositivo de poder aqui foi se embrenhar pelo conhecido: as mensagens escandalosamente falsas eram repassadas em grupos (“inocentes”) de vizinhos, familiares, irmãos da igreja, da escola.

Os marqueteiros falsos, esses novos comunicadores, dominaram o funcionamento discursivo do fake: memes engraçadinhos com o velho humor que se faz humilhando o outro – até porque o “politicamente correto” foi colocado em xeque junto com os “direitos humanos” – foram enviados junto a receitas de bolo e dicas em geral. Formalmente, muitas fake news emulam o gênero reportagem, em que uma agência de notícias inventada publica um “relato jornalístico” que em tudo conserva a estrutura textual de um jornal, inclusive uma manchete espalhafatosa e imagens chocantes – muitas vezes manipuladas, ou tiradas de contexto. Esses tipos de mensagens falsas são as que foram enviadas junto com bons-dias e serviços de utilidade pública em grupos de conhecidos. Receber um meme-montagem nesse cenário está no mesmo nível de visualizar vídeos de cachorrinho: nem se cogita averiguar se a notícia corresponde ao real ou não. Além do mais, nesse jogo de fantoches, acredita-se em tudo que se vê – assim como a imagem representa o cachorrinho, ela também mostra a verdade da notícia falsa.

Quem me lê provavelmente sabe que os memes difundidos durante a campanha do atual chefe de Estado, em que figuravam políticos como a ex-presidenta Dilma Rousseff, os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso em montagens com, por exemplo, Fidel Castro, eram falsificados. Logo, como analistas do discurso, creio que nossa empreitada maior possa ser a investigação das condições de produção de discursos falsos (que continuam circulando), seu funcionamento discursivo que suporta um presidente fascista. Dessa forma, sem me deter em verificações da veracidade de notícias, vou buscar, muito brevemente nesta Introdução, descrever a formação desses discursos de piadas de mau gosto que performaram influências nada desprezíveis nas últimas eleições presidenciais brasileiras.

As fake news parecem ser exemplos paradigmáticos para o que estamos vivenciando nessa que já foi chamada era da informação, mas que, agora, seria mais bem designada como era da desinformação. O cenário é o de uma verdadeira guerra de informações, de narrativas, de discursos, como uma estratégia do dispositivo de poder-saber. Como todo poder, não obstante, Foucault já nos advertia não ser ele apenas negativo:

Se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do impedimento, do recalcamento, à maneira de um grande superego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Se ele é forte, é porque produz efeitos positivos no nível do desejo […] e também no nível do saber. O poder, longe de impedir o saber, o produz. (FOUCAULT, 2017[1969], p.148-149[5]).

O poder-saber da máquina de produção de conteúdos para dispositivos virtuais é vigoroso: produz tantos saberes que, em um determinado momento, não importa mais em que posição-sujeito se está – não se consegue mais distinguir um discurso confiável de um discurso forjado num jogo de falso “sabe-tudo”. Não se visa incrementar conhecimentos, mas confundir informações. O poder está também agora na rapidez e no alcance dos discursos, como imperiosos solventes que a tudo corroem conforme são replicados, repassados, reencaminhados. O sujeito satisfaz sua vontade de verdade com a impressão de gozar de muitas explicações e de forma rápida – e, certamente, desnorteadora.

Aqui importa ver como essas discursividades respondem a um desejo de poder e de ser em relações de micropoderes (cf. FOUCAULT, 2018[1979][6]). Ao pulverizar saberes, instituições de ensino não são as únicas detentoras de poder-saber, pois todos os sujeitos são alçados a uma posição de potenciais intelectuais. Nessa esteira, é compreensível que um inimigo declarado do bolsonarismo tenha sido desde o início a Universidade Pública. Já no processo eleitoral, o então presidenciável se referia às Universidades públicas como “doutrinadoras”. Vencida a eleição, o processo de difamação contra professores e alunos universitários continuou, em uma sociedade em que a educação é direito assegurado constitucionalmente, mas, como nação com um dos maiores níveis de desigualdade social entre ricos e pobres do planeta, na realidade, sem chegar igualitariamente a todos. Faltando consolidação de um pensamento crítico, se a democratização do saber pela internet parecia ser uma positividade, acabou por se mostrar de certa perversidade: em um lugar em que se acha de tudo, com capacidade de dizer tudo, a afirmação de algo e também seu contrário, um e outro como se fossem fatos, a era da desinformação se vale da falta de critérios que o sujeito experiencia nas disputas discursivas travadas intersubjetivamente. Assim, a vontade de verdade se engalfinha para sujeitos perdidos nos meandros das redes digitais. No entanto, essa desorientação não é sentida; pelo contrário, o sujeito experimenta o prazer de ver seus desejos atualizados em acontecimentos discursivos, mesmo que falsos, mas que realizam seu desejo narcísico por espelhar sua memória discursiva de um pré-construído – por exemplo, do comunista, do antifascista, do ambientalista.7

Já foi dito que vivemos na “era da pós-verdade”, em que se opta sistematicamente pelo falso. Foi o dramaturgo e romancista Steve Tesich quem primeiro utilizou a expressão “pós-verdade”, em um artigo intitulado “Um governo de mentiras” [“A Government of Lies”], no jornal The Nation, em 13 de junho de 1992. Em seu texto, Tesich analisa a política daquele momento dos Estados Unidos e conclui que vários escândalos do governo norte-americano eram “desculpados” por mentiras – os governantes mentiam desavergonhadamente para a população norte-americana. Para exemplificar sua tese, Tesich menciona as falsidades que o governo norte-americano havia espalhado para justificar a Guerra no Golfo Pérsico: sem quaisquer provas, afirmaram que Saddam Hussein possuía um arsenal diabólico de armas de destruição em massa. Mais tarde mostrou-se que a única autenticidade no caso era a falta de provas: foi comprovado que Saddam não possuía armas químicas. Contudo, isso não só não impediu que os Estados Unidos continuassem em guerra como o então presidente Bush não sofreu nenhuma sanção, mesmo depois de ter reconhecido publicamente seu engodo. Logo, Tesich defende que dizer a verdade ou falar mentiras descaradas eram a mesma coisa. A partir desse e de outros exemplos, o autor conclui: “De um modo bastante fundamental, nós, como um povo livre, livremente decidimos que queremos viver num mundo de pós-verdade” (TESICH, 1992, p.13, tradução nossa[7]).8

Concomitantemente, para se livrar de sanções criminais, na descontinuidade da história9 vemos a defesa cínica pela “liberdade de expressão” retomada com o intuito de esconder atividades ilícitas – como, no mínimo, injúria e difamação. E se o discurso pela “liberdade de expressão” voltou a ser enunciado é porque a “expressão” deve ter ultrapassado algum limite do ético, do aceitável, do razoável. De fato, o caso chegou à esfera maior da nossa instituição jurídica: o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao votar pela abertura do inquérito das fake news no período eleitoral da presidência da República, o ministro do STF Alexandre de Moras assim justificou seu voto: “Liberdade de expressão não é liberdade de agressão”.10

Na investigação conduzida pelo Supremo Tribunal Federal sobre fake news há fortes indícios de haver um autoproclamado “gabinete do ódio” de fabricação de notícias falsas eleitoreiras. O nome quase infantil faria referência a um dispositivo de poder localizado no próprio Palácio do Planalto – e, não menos importante: financiado por grandes empresários. No inquérito das fake news que circularam no Brasil nas eleições presidenciais de 2018, vários milionários foram apontados como financiadores das propagandas mentirosas, entre eles Edgard Corona, dono da rede de academias de ginástica Smart Fit, e Luciano Hang, da cadeia de lojas Havan. Infelizmente, os milhões de usuários que tiveram suas discursividades vendidas para esses empresários não viram seu dinheiro de volta, nem esclarecidas as ligações entre candidato e esse fundo de campanha. Isso contribui para o aparente apartidarismo do agora presidente da república em sua campanha – cujo slogan como candidato era “Meu partido é o Brasil” –, uma vez que se apagam financiamentos eleitoreiros empresariais.

Além disso, evidências mostram que tal gabinete teria recebido consultoria do mesmo marqueteiro que trabalhou na eleição de Donald Trump em 2016, Steve Bannon (preso em agosto de 2020 em Nova York, acusado de fraude). Saber que a campanha para a presidência do Brasil teve um articulista que se utilizou de discursos falsos compartilhados em redes sociais deve mostrar não apenas o poder do discurso, mas, também, como o capital age na língua – isto é, no mundo.

No mundo, materialidades discursivas valem ouro. Independentemente da confirmação de existência do gabinete do ódio, já se provou o grande escândalo da venda de dados de milhões de usuários do Facebook para a empresa norte-americana Cambridge Analytica com o objetivo de fazer propaganda política. O que se comprou foi produção discursiva: perfis, informações pessoais, enfim, discursos sobre si e sobre o outro – talvez a relação intrínseca entre linguagem e poder, discurso e ideologia, discursividade e capital nunca tenha sido tão “didaticamente” explicitada. Esse é um ponto fundamental para a análise: se notícias foram espalhadas para se vencer eleições, então é porque alguém lucra com esses discursos.

A produção de sentidos é propositadamente gerenciada para angariar votos de um lado, enquanto, do outro, se pinta um inimigo. Essa “união de esforços” para eleger um presidente foi disfarçada, quando da campanha presidencial, como uma oposição nacionalista a uma força comunista – por mais anacrônico que possa parecer, o inimigo continua sendo a esquerda maldita.11 Retomando memórias discursivas de um passado nem tão remoto, o Partido dos Trabalhadores (PT), da ex-presidenta Dilma Rousseff, encarnou o próprio diabo a ser exorcizado por toda uma nação de homens de bem. O bolsonarismo, então, se apresentou como o antipetismo.

Na descontinuidade da história, atualizando o discurso foucaultiano de 1971 para 2018, momento das últimas eleições presidenciais brasileiras, vemos que, na ordem do discurso, um inimigo já estava bem formado: o PT teria sido o grande responsável por todas as mazelas brasileiras, mesmo aquelas anteriores à sua existência. As condições que tornaram possível discursos absurdos (para nossos olhos) foram semeadas desde o impeachment de Dilma Rousseff. No jogo dos extremos binários, retomando velhos discursos de uma direita ressentida, a esquerda seria, novamente, contra a pátria, a família e, claro, Deus. O binarismo só foi se esticando, cada vez uma ponta mais distante da outra, quase no limite de rasgar – ou, talvez, algo tenha mesmo se rompido. Rompeu-se a interdição de não se ter o direito de dizer tudo (cf. FOUCAULT, 2011[1971], p.9[8]) – um marco talvez tenha sido quando, dentro do Congresso Nacional, o então Deputado Federal agora presidente do Brasil enalteceu o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notoriamente responsável por torturas durante o período da ditadura civil-militar do Brasil (1964-1985), ao declarar seu voto pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Um exemplo de como o discurso fascista constrói novas verdades: jogando com a história, cria outra história, junto a um apagamento da memória.

A partir de reportagem da Folha de S. Paulo que entrevistara cerca de trinta participantes das manifestações pelo impedimento da continuação do mandato de Dilma Rousseff, a professora Vanice Sargentini (2020[9]) encontrou uma recorrência discursiva: uma afirmação seguida de um “mas”. São enunciados que declaravam, por exemplo, um reconhecimento de que a posse do vice-presidente Michel Temer não seria melhor para o Brasil, mas era preciso tirar o PT do governo; ou uma confirmação de que a corrupção sempre existiu no Brasil, mas, com o PT, ela teria ficado insuportável.12 São séries discursivas que revelam um dispositivo de intolerância para tudo que, certamente, teria sido feito pelo Partidos dos Trabalhadores. Consequentemente, são práticas discursivas que diziam, também, quem podia, porque tem o poder, não mais tolerar – logo, calava, destituía do cargo – aquela presidenta cuja cadeira ocupava democraticamente.

Dito isso, às vésperas de completar dois anos de mandato presidencial, com a contínua degradação das instituições brasileiras, a participação em manifestações que pedem o fechamento do STF e do Congresso Nacional – ou seja, passeatas que clamam pela destituição de dois dos três poderes do tripé republicano –, vemos que a ascensão do populismo de extrema direita no Brasil não é fake. Ao mesmo tempo, ainda acreditamos que mito não existe. E se mito não existe, é preciso, então, enterrá-lo – mesmo que vivo.

1. Gaia queima

É bastante significativo que o atual chefe de Estado do Brasil tenha tomado a palavra na ONU sugerindo que ele traria a verdade: “É uma honra abrir esta Assembleia com os representantes de nações soberanas, num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios.” (2020[10]). Mais uma vez temos uma demonstração explícita do imbricamento entre poder e linguagem, ideologia e discurso. Em assembleia com representantes de outras nações, o discurso do presidente do Brasil se pretende verdadeiro, tem “vontade de verdade” (cf. FOUCAULT, 2011[1970][8]).

Em A ordem do discurso, Foucault aponta três sistemas de exclusão que atingem o discurso: a interdição (a palavra proibida), a segregação (por exemplo, do discurso do louco), a vontade de verdade (2011[1970], p.19[8]). A luta de poder que se opera no/pelo discurso é, assim, uma luta pela verdade. Depois de analisar a divisão estabelecida por Platão entre “o discurso verdadeiro” e “o discurso falso”, o que resultou no achincalhamento dos sofistas por parte dos socráticos, Foucault declara:

Tudo se passa como se, a partir da grande divisão platônica, a vontade de verdade tivesse sua própria história, que não é a das verdades que constrangem: história dos planos de objetos a conhecer, história das funções e posições do sujeito cognoscente, história dos investimentos materiais, técnicos, instrumentais do conhecimento (2011[1970], p.17[8]).

Para Foucault, a verdade é aquela que consegue “constranger” outras verdades, é aquela que sai vencedora na economia discursiva em disputa – foi assim que a verdade platônica derrotou a dos sofistas, permitindo-se divulgar pela história que só há, desde sempre, uma única e essencial verdade: a de Sócrates e Platão. Lembra Foucault que o que temos, ao contrário do que prega o dogmatismo platônico/socrático para quem a verdade se mostraria por si mesma àquele que ama o saber, ou seja, ao verdadeiro filósofo, são artes retóricas, argumentativas, discursivas – é na materialidade dos discursos e em sua disputa que verdades são criadas, construídas, discursivizadas. Então, conta nessa luta pelo/no discurso a posição do sujeito que enuncia, aquele que, consequentemente, será o portador de um saber/poder. Assim podemos entender o funcionamento discursivo do atual presidente do Brasil ao evocar a “verdade” (2020[10]): em sua posição, na Organização das Nações Unidas, é ele quem diz o que o Brasil é, como vai, qual sua história. Como sublinha Foucault (2011[1970][8]), trata-se de quem pode falar – e no caso específico das sociedades de discurso, tal direito está ligado a instituições.

Na posição de presidente da República, pode-se criar como que uma nova história de um país, assegurando, por exemplo, que passa bem. Na materialidade discursiva de sua trama, a hipérbole parece ser a figura de linguagem a que o atual presidente do Brasil mais recorre em suas enunciações. A vontade de verdade se consubstancia na construção de uma imagem de um dirigente responsável, competente, vítima do discurso falacioso da imprensa brasileira. Misturando verdades a falsidades, meias verdades a exageros, aproximações de números, enfim, ordenando seu discurso a seus interlocutores, o discurso presidencial mantém no mínimo em suspenso aquele sujeito propenso a acreditar em mitos – aquele sujeito sujeito a encampar esse tipo de discurso, sujeito a reverberá-lo com força capaz de eleger um presidente. O discurso do presidente na ONU continua repetindo a cínica mistura de verdadeiro, falso, e também valendo-se da gradação entre esses dois extremos, em que por vezes o enunciado não é completamente falso, mas tampouco é totalmente verdadeiro. Além disso, retoma o começo de sua fala, quando se diz o detentor da verdade, para acusar haver muito “interesse em propagar desinformações sobre o nosso meio ambiente” por quem tem vantagens escusas em atacar essa nação (hiperbólica) que é, também, “o maior produtor mundial de alimentos”. Mais uma vez o discurso hiperbólico se coaduna ao discurso ufanista, de um nacionalismo de extrema direita: essa grande nação só pode suscitar orgulho de seus cidadãos, senão, não se é brasileiro.

O resultado é um texto como que de um romance histórico em que o leitor sempre suspende o juízo sobre o que é história e o que é ficção inventada pelo autor, sendo que tanto o possível fictício quanto o impossível real são materializados em hiperbólicos ultranacionalismos. O discurso presidencial (2020[10]) continua recorrendo ao ufanismo que o elegeu: tudo no Brasil é maior, melhor, excelente:

Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta. Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha, escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.

O presidente repete um jogo de inversão discursiva a que vem recorrendo desde antes das eleições que o elegeram: faz esquecer que sua campanha vem sendo investigada sobre produção e veiculação de fake news e se mostra uma “vítima” de “desinformação”. Invertendo posições e recheando sua enunciação de um vazio referencial, o presidente joga com palavras: “instituições internacionais” (sem dizer quais) teriam se mancomunado a “associações brasileiras” (não se sabe quem) com o único propósito de prejudicar o Brasil. Conclusão desse raciocínio lógico: tais associações nacionais são, obviamente, “impatrióticas”. De novo o presidente ratifica a apropriação simbólica que fez desde o impeachment de Dilma Rousseff: a bandeira brasileira, suas cores, essa pátria pertencem a um “nós” que não tolera aqueles “eles”.

Se o discurso do presidente brasileiro correspondesse ao real, então imagens apavorantes do Pantanal em chamas seriam montagens, fake news, mentiras. Novamente na descontinuidade da história, encena-se o percurso do cético antigo, aquele que, ao pôr em exame a verdade sobre uma questão, se depara com discursos contrários e de igual força. Analogamente, como um sujeito que quer conhecer a verdade sobre a Amazônia e o Pantanal, nos deparamos com argumentos contrários: de um lado, agências de notícia publicam fotografias desoladoras, aterrorizantes, desalentadoras de animais mortos, floresta em chamas, mundo que rui, e, de outro, um presidente que declara serem esses discursos midiáticos “desinformação”, falsidades, arquiteturas de enganação. O cético antigo, diante disso, suspenderia seu juízo (époche): sem poder se decidir sobre qual discurso é o verdadeiro, o cético nada afirmaria – nem que é, nem que não é verdade. Dois mil anos depois, nos caminhos discursivos da história, enunciações recorrem: a estratégia que leva o cético à suspensão também deixa o brasileiro hoje em suspenso.

Entretanto, observo que o cético antigo era levado a suspender seu juízo porque considerava os discursos contrários como de igual força (isosthenia). Como sujeitos que têm também vontade de verdade, podemos analisar o funcionamento dos discursos contemporâneos. A análise dessas práticas discursivas pode nos levar a um desfecho diferente daquele a que chegou o cético: o maior país da América do Sul não só vive uma aguda crise política em que sua democracia vem sendo questionada, como, consequência disso, atravessa uma grave crise ambiental. No rastro do discurso superlativo e despreocupado com comprovações reais como o do presidente da República, parece ser possível verbalizar “sensações” de verdade como o equivalente a um grito gutural legítimo.

Na era da pós-verdade, assistimos a como os sofistas, no final, tinham “o discurso verdadeiro”: “O discurso [logos] é um grande soberano que, por meio do menor e do mais inaparente dos corpos, realiza os atos mais divinos, pois ele tem o poder de dar fim ao medo, afastar a dor, produzir alegria, aumentar a piedade.” (GÓRGIAS apud CASSIN, 2005, p.293[11]). Se tudo que temos são opiniões [doxa], o presidente do Brasil pode sustentar que possuímos “a melhor legislação ambiental do planeta” ao mesmo tempo que seu ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, aconselha em reunião ministerial que o governo aproveite a oportunidade de “alívio” da imprensa (uma vez que esta, no momento, está focada em noticiar a Covid-19) para “passar as reformas infralegais de desregulamentação, simplificação” das leis de proteção ambiental.13 Com os olhos da imprensa voltados para o novo coronavírus, Salles sugere que o presidente aproveite o momento de “tranquilidade” para “ir passando a boiada”, isto é, ir “mudando todo o regramento, e ir simplificando normas” que, de outro modo, seriam barradas pelo Poder Judiciário. O discurso contraditório do ministério do meio ambiente do atual governo é evidenciado rotineiramente pela mídia e pelos órgãos civis de defesa ambiental: quem deveria se encarregar de proteger áreas contra desmatamento, queimadas, crimes contra a natureza vem fazendo exatamente o oposto disso.

Para além das contradições, encontra-se um encontro: é digno de nota que “nós” e “eles” concordam com o presidente do Brasil quando este diz, em seu discurso, que o agronegócio continua pujante. Essa foi, aliás, sua bandeira expressa desde antes da eleição que o levou ao cargo que ocupa agora – pode-se mesmo argumentar que os ruralistas tiveram um papel muito determinante na candidatura do atual chefe de Estado. Sem um programa claro de governo, o então candidato vestia a camisa verde-amarela e se colocava como uma espécie de salvador da corrupção petista. Na posição de antagonista dos “comunistas”, compunha as bancadas do boi, da bala e da Bíblia – referência aos políticos que atuam pelos interesses do agronegócio, dos militares e dos evangélicos. Foi nessa posição que o agora presidente encarnou a insatisfação popular crescente com denúncias de desvios de verbas na Petrobrás durante o governo petista. Ao mesmo tempo, esse deputado federal de segunda ordem angariou aliados à medida que foi assumindo um papel de líder dos pecuaristas.

Do ponto de vista linguístico, é interessante sublinhar uma espécie de “mudança linguística” que parece ter acontecido no nível lexical nesse campo: os termos “latifundiário” e “latifúndio” foram gradualmente substituídos por um genérico “ruralista” (cf. AVELAR, 2020[12]). Essa transformação, sutil e murmurante, opera efeitos de sentido que valem a pena serem destacados: enquanto “latifundiário” nomeia o proprietário de grande extensão de terras, a expressão “ruralista” realiza um apagamento da luta de classes, pois tanto o “latifundiário” quanto o trabalhador rural se veem representados por essa designação. Mais ainda: “ruralista” pode ser aquele que se preocupa com a causa rural – ou mesmo, no campo da cultura, pode designar o artista cujos temas são bucólicos (cf. Dicionário Aulete Digital[13]). O pertencimento, então, a um grupo de defesa pelo campo, pelos negócios da terra, mesmo pelo trabalhador braçal, escamoteia, pelo discurso, a que interesses socioeconômicos a bancada ruralista atende – e a quem, de fato, interessa que o agronegócio siga passando boi, passando boiada.

Com esse efeito de totalidade na posição de governante e, portanto, porta-voz de um país, o presidente dá a impressão de que a instituição Brasil compactua com tudo que diz, por exemplo, com a declaração de que somos vítimas “de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal”. Esse efeito de referencialidade em um discurso presidencial na ONU quer amalgamar todos aqueles que vivem no território do Brasil como que compactuando com a ideia de que não existem incêndios criminosos em nossas reservas naturais, conforme anunciado pelo presidente. A destruição de nossas florestas, o desmatamento de nossas matas foram desmentidos pelo atual chefe de Estado. Segundo ele (2020[10]), nosso patrimônio natural não está em nada ameaçado:

Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas. Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental. Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regularização fundiária, visando identificar os autores desses crimes. Lembro que a região amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria.

Mais uma vez, nesta análise do discurso presidencial, meu gesto interpretativo relembra a urgência do presidente de afirmar uma verdade. De novo, essa série enunciativa contradiz relatos e reproduções recentes de nossas florestas queimando, ardendo. Novamente, se o que o presidente diz é a verdade, então tem outro alguém que não o faz. Realmente, se esse dirigente discursiviza essa espécie de “justificativa”, isso se dá porque o mundo tem acompanhado imagens terríveis da Amazônia e do Pantanal pedindo socorro.

Na luta discursiva pela vontade de verdade, as declarações do presidente foram rapidamente rebatidas por ambientalistas que trabalham nessas regiões há décadas – por exemplo, pela diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ana Alencar, que nega a prerrogativa presidencial de que o incêndio se repita nos mesmos locais. Alencar é categórica: a floresta queima onde o fogo é tocado.

Como um franco atirador, o presidente atira pronunciamentos para seu “nós”, como quando diz combater “com rigor e determinação” crimes ambientais e exercer uma política de “tolerância zero” em relação a atos ilegais contra a natureza. Para nós (o “eles” do presidente), a regularização fundiária que o governo vem atendendo é justamente o de diminuir áreas protegidas. Esse nosso (“deles” em relação ao governo) discurso se baseia em práticas discursivas governamentais em forma de revogação de leis de proteção: no fim de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), por articulação do já mencionado estranho ministro do meio ambiente, revogou três resoluções ambientais, sendo que uma delas garantia proteção de áreas de mangues, restingas e dunas.14

Além disso, a série enunciativa do presidente traz um novo dado interessante: o presidente da República culpa o caboclo, o índio pelas queimadas.15 Esse aparente paradoxo de um nacionalismo ufanista que deixa de fora, no “eles”, o povo autóctone desta terra mostra toda sua coerência na análise discursiva que, na descontinuidade histórica, flagra retomadas de discursos que são então atualizados. Aílton Krenak (2020[14]), em aula magna pronunciada na abertura do segundo semestre de vários programas de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia, lembra que “tapuia” era como eram chamados os índios insubmissos, aqueles que “não gostavam” de ser amansados, domesticados. Esses, os “tapuia”, são até hoje os índios – isso quer dizer que ser brasileiro significou, então, ter renunciado a si mesmo. Como vemos, neste momento do século XVI já se operava um “nós” e um “eles”: “nós”, brasileiros, não somos “eles”, tapuias. Ajunto que Krenak não condena aqueles que, digamos assim, deixaram de ser índios. Conforme Krenak lembra, a prática foi e continua sendo igual: aterrorizam-se as pessoas, e tanto, até que querem deixar de ser elas mesmas. Quando isso acontece, aí o sujeito será incluído, mesmo como escravo.16

Entendo que essa política discursiva é melhor entendida à luz da discursivização fascista que produziu retóricas de um poder autoritário em que se seleciona um inimigo para legitimar seu próprio discurso. Nesse entimema, voltar-se contra o índio é mais uma vez uma estratégia discursiva que legitima o discurso dos verdadeiros patriotas, nacionalistas: se o índio não é brasileiro, por que deve haver alguma área demarcada para esse povo? Mais: se o Brasil é um só, então não pode haver linhas imaginárias marcando fronteiras dentro do próprio e único território nacional. Com isso, naturalizam-se atrocidades – e discursos falaciosos:

O nosso Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição.

Assim como a enunciação anterior de que os incêndios em nossas florestas irrompem sempre no mesmo local foi desmentida por ambientalistas, também essa série enunciativa do atual presidente do Brasil (2020) foi julgada completamente falsa por eles. Alexandre Martins Pereira, analista ambiental do Prevfogo-Ibama, explica que a única forma de um incêndio não criminoso se iniciar em florestas seria por descarga elétrica atmosférica – isto é, por raios. Porém, fontes da Nasa e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição do próprio governo federal, mostram que o primeiro foco de incêndio no Pantanal localiza-se em uma fazenda, no dia 30 de junho de 2020 – sem ter caído um raio na região naquele dia. O inquérito da Polícia Federal concluiu que o fogo começou em quatro fazendas – ou seja: não se trata de um incêndio “inevitável”, mas de um ato criminoso, feito provavelmente para limpar áreas para o agronegócio.17

Ainda na Assembleia da ONU, o atual presidente do Brasil reforçou seus “compromissos com a proteção ambiental” (2020). Mais uma vez, se a enunciação presidencial está bem, então os discursos de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ambientalistas que apontam a redução da fiscalização para vigiar atos criminosos seriam falsos. Afinal, de acordo com estes últimos, o que é dito pelo presidente é totalmente o oposto do que vem sendo efetivamente feito em seu governo. De novo, a indissociabilidade entre discurso e dispositivos de poder é escancarada diante de nossos olhos: mesmo com fotografias que evidenciam desmatamentos, queimadas em nossas florestas, mesmo com a assinatura de resoluções para se afrouxarem regulamentações de proteção ambiental, a enunciação presidencial acontece e tem repercussão internacional – sem interdição.

Parece fake, mas não é: um presidente da República mentiu descaradamente em uma Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – e ninguém fez nada. Nenhum dos presentes lhe deu as costas, vaiou. Com isso, podemos concluir (com Foucault) que, se um presidente discursa declarações que não correspondem a seus atos é porque há condições para que tais discursos sejam produzidos e legitimados. Nos termos de Tesich (1992), essa fala do presidente do Brasil confirma nosso “estado de pós-verdade”. Analogamente ao que disse Krenak (2020), esse discurso do atual chefe de Estado brasileiro deve fazer constatar que se um presidente deixa que sua pátria morra significa que ele já morreu.

2. Conclusão por uma boa utopia

Na descontinuidade histórica, nosso momento é o de retomada de discursos distópicos. São tempos sombrios. São também tempos paradoxais, contraditórios: um fundamentalismo crédulo acaba por levar a uma espécie de ceticismo que duvida de absolutamente tudo, produzindo uma sociedade paranoica, que vê conspirações em todo lugar; uma sociedade de sujeitos narcísicos esquizofrênicos.

O exemplo dos terraplanistas é paradigmático: a oposição à ciência vira um slogan compartilhado por crentes que se sentem pertencentes a uma espécie de movimento. Valendo-se do já (sempre) mencionado preceito da liberdade de expressão, negar certezas científicas com base em uma geral teoria da conspiração que invadiria todas as instituições sociais humanas, a começar pela educação básica, a expressão “It’s flat” [É plana] é enunciada em adesivos e colada em carros que circulam como que com uma mensagem política. O embaraçoso da enunciação se descortina ao se operar uma desconstrução nos moldes derridianos: não há adesivos de carro com a declaração “É redonda”. Este é um demonstrativo de como, na era da pós-verdade, um assunto que antes era considerado matéria restrita a cientistas, sujeitos que sabiam provar teorias com cálculos inacessíveis para a maioria das pessoas, agora é alvo de disputa de poder-saber.

Para o exemplo dos terraplanistas é interessante lembrarmos aqui aquele que já foi chamado de “o filósofo da pós-verdade”, Bruno Latour. Latour foi uma das vozes a abalar a divisão filosófica tradicional entre valores e fato, segundo a qual a ciência comprovaria fatos independentemente do julgamento humano. Seu arsenal crítico se voltava contra essa separação cirúrgica, em favor de uma mútua construção de conhecimentos: tanto a história das sociedades construiu fatos científicos quanto a ciência fez a história humana.

Em entrevista ao jornal The New York Times (apud KOFMAN 2018[15]), o filósofo mostra como desconstruir a autoridade da ciência não equivale à admissão de um vale-tudo discursivo – como permitir a afirmação de que a Terra é plana. Protagonista das chamadas guerra das ciências nos anos 1990 travada entre “realistas” de um lado e “construcionistas sociais” de outro, Latour, perfilado entre estes últimos, agora reflete que, se desenvolviam toda a crítica em relação à Verdade científica era porque, ao mesmo tempo, “tínhamos certeza da autoridade da ciência. [...] E que a autoridade da ciência seria compartilhada porque havia um mundo comum” (LATOUR apud KOFMAN 2018[15]).18

Além disso, em um certo sentido, os terraplanistas e Latour deixam claro o mesmo ponto: não será por alguma insistência da referenciação dos enunciados, na ideia de que os fatos são objetivamente independentes de construções sociais que a ciência provará alguma verdade essencial. Latour, por exemplo, nunca buscou negar a existência da força da gravidade. Em vez disso, o que ele tem feito é contar como esse tipo de conhecimento é possível, conhecido: a gravidade foi criada e tornada possível pela pesquisa científica, o que inclui financiamento estatal, eletricidade das máquinas, maquinário, tradução de informação dos geofísicos para dados compreensíveis etc. O pensamento crítico aqui está em lembrar que a ciência não é uma descrição desinteressada de alguma coisa em si, mas uma tecnologia que passa a ser afirmada como verdade incontestável depois de passar pelo fluxo do discurso científico, com suas revisões por pares e sua burocracia daquilo que Latour chama de “ciência pronta”. O que parece testemunharmos hoje é o cinismo conservador se apropriar dessa realidade do fazer científico e colocá-la em seus próprios termos. O próprio Latour, conforme lembra Kofman que o entrevistou, já havia expressado publicamente o medo de que suas “armas” críticas, ou uma caricatura grotesca delas, pudesse cair em mãos erradas – como, por exemplo, de corporações interessadas em lançar dúvidas sobre o consenso científico em relação à mudança climática.

Lee McIntyre, em seu livro Pos-truth (2018[16]), considera a hipótese de que o ideário “pós-moderno” tenha sido um disparador da dita era da pós-verdade: concepções “pós-modernistas” como a de Latour teriam nos levado à aporia de que todo texto seria válido, mesmo se mentiroso. Considerando-se o descrédito que estudos de Filosofia têm no Brasil, creio que o poder dos acadêmicos das Humanidades não chega a ter tal penetração política. Ao mesmo tempo, reconhece-se uma cultura de desconfiança total, absoluta: como disse, um ceticismo mesclado a teorias da conspiração. A lógica parece ser a seguinte: se os discursos são a exposição de um ponto de vista, então dizer que a Terra é redonda é uma opinião tão válida quanto dizer que é plana.

Consequência ou não de certa visão pós-moderna de linguagem, esse descarrilamento às últimas consequências de teorias discursivas que reconhecem a falta de neutralidade da linguagem agora parece forçar o homem de ciência, o intelectual, a clamar por uma fé inabalável na ciência, a defender mesmo certo dogmatismo científico contra esses movimentos que têm levado a uma falsa rebeldia: clamamos por uma volta desesperada à cientificidade, a métodos rigorosos, a experiências, com todas as aspas, “objetivas”. A inversão é tamanha que as “mentes indóceis”, hoje, são aquelas que proclamam não palavras de ordem progressistas, mas propagandas fascistas, muitas vezes com traços de crenças fundamentalistas.

Em uma pesquisa que precisa ser aprofundada, problematizaria o que parece ser, nos termos de Foucault (2018[1977][17]), uma ética do cuidado de si como funcionamento de certo “preenchimento estratégico” cultural: é ao culto de fé que milhões de brasileiros se dirigem todos os fins de semana, e não ao teatro ou ao cinema. Assim, por um lado, é preciso reconhecer no discurso de fé uma performatividade de “resistência” de um grupo, de pertencimento a um grupo, de acolhimento social. Por outro lado, esse pertencimento tem se traduzido em um discurso cujo conservadorismo vem se avizinhando a enunciações fascistas.

Conforme fala o filósofo Marcos Nobre (2020[18]), nos anos 1980, com a queda das ditaduras militares na América do Sul, chamar alguém de “conservador” poderia significar, por exemplo, que aquele indivíduo apoiava a volta do regime ditatorial. O que se vê agora, contudo, é um uso positivo do termo – longe de ser pejorativo, tornou-se respeitoso dizer que alguém é “conservador”. Como Nobre aponta, neste que é um fenômeno global, não exclusivo da América latina, o verbete “conservador” contemporaneamente ganha muitos sentidos – tantos que, por vezes, se mostram incongruentes. De fato, são tantos os significados que Nobre fala de “conservadorismos”, no plural. Conforme mostra o filósofo, a reviravolta conceitual é tamanha que os “conservadores” se dizem rebeldes, ou mesmo revolucionários. Quero com isso dizer que, se o intelectual, o opositor, o progressista era aquele que não apenas incentivava como era ele próprio uma mente indócil, agora essa rebeldia é ressignificada por um pensamento ultraconservador que começa mesmo a influenciar decisões sobre a educação e a ciência, no Brasil e no resto do mundo. Se até há pouco tempo seria impensável ouvir alguém dizer seriamente que a Terra é plana, que em vez de se ensinar evolucionismo darwinista nas escolas devem ser ensinados os preceitos bíblicos do criacionismo, que não existe poliomielite de modo que não se devem vacinar crianças, agora esses movimentos não só existem como se mostram com força “revolucionária”. Exemplo disso é um dos slogans adesivados em carros brasileiros quando da eleição presidencial de 2018: “Bíblia sim, Constituição não”.19

Vale ainda lembrar que um dos enunciados preferidos do atual presidente do Brasil é o de que “O Brasil é um país cristão e conservador, e tem na família sua base.” Essas foram suas considerações finais no discurso aqui em análise, conforme já dito, gravado e transmitido na 75ª edição da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 22 de setembro de 2020. Vê-se que esse saber compulsório sobre o que pensam os brasileiros é devedor do poder do governante que ocupa, atualmente, a posição de presidente da República. Com um “Deus abençoe a todos. Muito obrigado”, o atual presidente do Brasil se despediu em seu discurso negacionista na ONU. Recorrendo a Deus, o atual chefe de Estado brasileiro delega a Ele uma justiça – que, sabemos, pode nunca chegar, está sempre chegando.

Todavia, se este texto quer concluir por uma necessidade de uma boa utopia – de igualdade, liberdade, direitos humanos –, defendo que esta deve ser construída em uma democracia entendida como dispositivo divinamente humano. Ao mesmo tempo, ao finalizar este texto me vêm à cabeça alguns enunciados um tanto desencorajadores: a escritura de artigos científicos seria inútil, posto que falamos para nós mesmos, analistas de discurso – que falam para outros analistas de discurso, um mesmo “nós”. Logo afasto esse pensamento desanimador ao me lembrar de Beckett (1949[19]): a existência de uma impossibilidade de se expressar somada a uma obrigação de se expressar.20 Se há disputa de discursos, é preciso seguirmos na luta. Se a linguagem não esgota, é preciso falar mais, falar de novo, falar ainda. Se o discurso fascista foi retomado na descontinuidade histórica com as bênçãos de Deus, é preciso chamar os seres encantados, os xapiri, que dançam e conversam com os vivos no funeral em que se despedem dos mortos. É preciso chamar as fúrias das artes para enterrar o discurso fascista – ainda, de novo, mesmo que vivo.

Referências

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