Alfabetização e letramento: um olhar para as teorias e práticas

Márcia Michele Justiniano Luiz,
Patrícia Micarla Guedes da Silva

Resumo

Nesse trabalho, resenhamos a conferência ministrada pela professora e pesquisadora Magda Soares, intitulada Alfabetização e letramento: teorias e práticas, que aconteceu em 31 de julho de 2020, como parte do ciclo de conferências promovido pela Abralin Ao Vivo. Na oportunidade, Soares discorre sobre o cenário de dificuldades em que se encontra o processo de alfabetização e letramento, ao tomar como discurso crível a existência de um único método para nortear o “como ensinar” . Entretanto, a pesquisadora defende que existem métodos no plural, e são eles que dão égide à compreensão do processo de alfabetização e letramento. No tocante aos objetos, a orientação é considerar a aprendizagem cognitiva e linguística da criança, ou seja, deve-se levar em conta a forma como ela aprende.

Texto

Entre as conferências realizadas durante o evento Abralin Ao Vivo, organizado pela Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), ocorreu, no dia 31 de julho de 2020, a fala da professora e pesquisadora Magda Becker Soares. Soares é professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), graduada em Letras, doutora e livre-docente em Educação pela mesma instituição, e Presidente de honra da Associação Brasileira de Alfabetização. O presente texto descreve e analisa os principais pontos abordados durante a videoconferência.

Soares, em sua fala intitulada Alfabetização e Letramento: teorias e práticas[1], trata a alfabetização e o letramento como sistemas complementares e interdependentes, fazendo uma espécie de equação com seus objetos (alfabetização + letramento). É a partir, dessa mesma soma que as teorias e práticas devem interagir e se complementar para fundamentar, em sua completude, os estudos dos letramentos e da aquisição da escrita. Desse modo, é sinalizada a importância sobre teorias e práticas no plural, pois é notável que existem várias práticas que podem ser adotadas para auxiliarem na imersão e no envolvimento da criança, jovem e adulto no mundo da escrita e da leitura.

A professora inicia a discussão fazendo menção ao fracasso do ensino-aprendizagem de crianças, jovens e adultos, no que se refere aos índices nacionais e internacionais em relação às questões de leitura e escrita no Brasil, explanando que nosso país demonstra fracassos repetidamente em alguns sistemas de avaliação, como o Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos – Pisa. Por conseguinte, os mais variados programas e projetos desenvolvidos como dispositivos sistêmicos para enfrentarem essa problemática e com o intuito de favorecer aprendizagens necessárias às crianças da educação básica também acabam fracassando.

Nessa perspectiva, a professora discute criticamente a predominância do discurso político e educacional, que tratam o letramento e a alfabetização dos anos iniciais como a solução para esses repetidos fracassos. Todavia, mantém-se imbricado o questionamento de Soares, “por que continuarmos fracassando nesses objetos (alfabetização e letramento) se são eles, a nossa solução?” Face ao exposto, esse tema é resultado de discussões há tempos e infelizmente ainda não foi encontrado uma solução para o fracasso das crianças e adultos que não sabem fazer uso dos sistemas de escrita e leitura, principalmente nos contextos de uso real da língua.

Como explicado anteriormente, não existe um único método que contemple as relações e funções sociais da escrita e da leitura, mas há teoria(s) e prática(s) que devem fomentar o ensino-aprendizagem da alfabetização e do letramento. Sendo assim, partindo da questão de “como devemos orientar o processo de aprendizagem do sistema de escrita alfabética e de habilidades de seu uso, respeitando as evidências científicas que nos dão as teorias do desenvolvimento cognitivo e linguístico da criança?”, é relevante considerar a relação que a criança deve ter com os textos em sua prática social, ultrapassando assim os limites do domínio escolar.

Nesse contexto, Soares discorre sobre alguns pressupostos que devem nortear o estudo sobre a aquisição da escrita, constituído na tríade: quem aprende, sobre o que aprende e quando isso de fato acontece. A partir daí, é possível observar que a criança é o ponto central desses estudos, sendo necessário levar em conta quando ela começa a utilizar a escrita nas mais diversas situações de usos sociais e como consegue assimilar esses usos no percurso do seu desenvolvimento cognitivo e linguístico.

Em seguida, Soares faz uma explanação mais detalhada acerca da alfabetização destacando quatro tópicos fundamentais que embasam sua discussão: 1) O processo de alfabetização, 2) Ensino e teorias, 3) Letramento e os 4) Gêneros textuais. Nessa perspectiva, o primeiro constitui o processo de aquisição da escrita, enquanto o segundo pauta-se em que métodos podem ser utilizados para auxiliar na aprendizagem da criança. O terceiro refere-se à aprendizagem nos usos sociais, inserida no contexto sociocultural que o indivíduo vivencia e o quarto tópico se fundamenta nas habilidades de leitura, produção e interpretação de textos no dia a dia.

No tocante ao desenvolvimento cognitivo e linguístico da escrita alfabética por parte das crianças, a pesquisadora destaca que se deve identificar alguns estudos que sugerem mecanismos linguísticos com foco na interação da criança com o sistema alfabético, e não mais centrado em teorias construtivistas. Sendo de grande ressalva apreciar aquelas teorias que constituam uma base de compreensão para como a criança aprende o sistema alfabético, para que, posteriormente seja possível identificar o nível de alfabetização e letramento que essa criança desenvolveu.

Nesse ínterim, a autora evidencia os estudos de Vygotsky, em que cada criança dispõe de um tempo específico para aprender o alfabeto, sua pronuncia fonético-fonológica para apropriar-se desse sistema. Segundo Soares, faz-se necessário conhecer a zona de desenvolvimento potencial de cada indivíduo e perceber o que ele pode fazer individualmente. É relevante também destacar a necessidade do docente, saber identificar o que o aluno está apto a desenvolver. Desse modo, é importante considerar que cada criança desenvolve suas habilidades de apropriação da escrita e leitura em tempos diferentes, por isso, o professor desempenha papel fundamental ao auxiliar o aluno em sua fase de aquisição da linguagem, até a criança ganhar autonomia individual.

Ao se referir ao letramento, a autora adota o termo alfaletrar, propondo a junção da alfabetização e do letramento na perspectiva de evidenciar aspectos imprescindíveis que devem ser considerados conjuntamente na tarefa de alfabetizar e de colaborar para a construção do letramento da criança. As camadas da prática alfaletrar compreendem o aprendizado do sistema da escrita alfabética, da leitura e da escrita de textos em diferentes contextos, situados culturalmente e socio-historicamente.

No contexto das aptidões desenvolvidas por parte do discente no tocante ao letramento, destaca-se a aprendizagem de atividades ligadas ao ler, compreender e interpretar textos dos mais diversos gêneros e níveis de complexidade. Sendo assim, o professor pode mediar a leitura em sala de aula, estimulando seus alunos a interpretarem e produzirem textos. Para tanto, faz-se necessário que os docentes saibam escolher os gêneros textuais a serem trabalhados, a fim de que os discentes consigam desenvolver as habilidades fundamentais às práticas de leitura e de escrita, inclusive de oralidade, mediante o uso de gêneros textuais, partindo dos mais simples e acessíveis até os de mais complexidade, a depender do nível de compreensão dos alunos.

Por fim, Soares conclui sua fala destacando alguns aspectos pontuais. A primeira é que a alfabetização não é um método, mas, sim, uma fase de aprendizagem linguístico-cognitiva da criança. O segundo é que o processo de aprendizagem da escrita inclui a alfabetização e o letramento concomitantemente, podendo suscitar novas teorias. Em seguida, a pesquisadora ressalta que essas noções devem ser consideradas no âmbito da atuação do professor em sala de aula e, inclusive, constar nos dispositivos legais da educação infantil e do ensino fundamental I, os quais devem começar a recusar as teorias do “como ensinar” e se pautar em proposições direcionadas às orientações do “como aprender”.

A partir dessas considerações estabelecidas por Soares, pode-se afirmar que o processo de ensino-aprendizagem ou, mais precisamente, o trabalho do professor na alfabetização de alunos não deve se fundamentar em apenas um único método, mas sim em um conjunto deles, sempre na perspectiva de favorecer uma melhor atuação docente e, consequentemente, fomentar uma aprendizagem significativa da criança em termos de leitura e escrita. Para que isso aconteça, é necessário que o professor atue como mediador dos conteúdos, mobilizando saberes e habilidades no decorrer do desenvolvimento linguístico e cognitivo de seus alunos, como também agregando as atividades do processo de alfabetização à construção de letramentos imprescindíveis à formação discente.

Desse modo, a referida professora leva a repensar a problemática do fracasso em termos de alfabetização, conduzindo-nos a analisar o porquê de nossas crianças estarem fracassando no aprendizado e uso da escrita e leitura, chamando a atenção para a formação de professores - inclusive na qualidade de leitores e autores de textos que estão sendo formandos em nossas escolas. Além disso, leva a refletir igualmente sobre o discurso que está posto nos dispositivos da educação brasileira, o qual determina bases, orientações e leis, que norteiam o como se deve ensinar, ou seja, o fazer cotidiano dos professores. Portanto, no seu ponto de vista, o mais indicado a ser feito é interpretar e analisar o modo de aprendizado dos discentes com vistas a guiar o planejamento e a execução de diretrizes, bem como ações mais favoráveis à mudança da realidade vivenciada no Brasil, em termos de resultados de desempenho escolar, especificamente no que diz respeito ao aprendizado e ao uso satisfatório das práticas de leitura e de escrita.

Referências

ALFABETIZAÇÃO e letramento: teorias e práticas. Conferência apresentada por Magda Becker Soares [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (2h 26min 15s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UnkEuHpxJPs> Acesso em: 31 jul 2020.