Desafios no ensino da íngua portuguesa em contextos multilíngues: a educação nos PALOP

Viviane Lourenço Teixeira

Resumo

Esta resenha destaca pontos relevantes que foram abordados pelos professores que compuseram a mesa redonda, que está inserida nos estudos de sociolinguística. O contexto multilíngue de ensino de língua portuguesa nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) foi tema central com destaque para Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde. Os conferencistas apresentaram um quadro de como o ensino de língua portuguesa nesses países ainda carece de debates que evidenciem a complexidade linguística por qual passam os estudantes, que nos sistemas educacionais se deparam com a língua portuguesa, seja ela como língua materna ou L2. Como bem afirma o professor e moderador dessa mesa, Alexandre António Timbane, é preciso ter um espaço de debate para o compartilhamento de soluções que busquem o melhoramento na qualidade da educação do ensino da língua portuguesa em contextos multilíngues.

Texto

No dia 28 de julho de 2020, os professores Nélia Maria Pedro Alexandre, Eduardo David Ndombele e Amália Maria Vera-Cruz de Melo Lopes apresentaram debates sobre situações de ensino de língua portuguesa em contextos multilíngues nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Na mesa redonda on-line, no site da Associação Brasileira de Linguística (Abralin,), intitulada A educação nos PALOP: Avanços e Caminhos para o ensino da língua portuguesa em contextos multilíngues[1], os professores conferencistas trataram da relevância das situações de multilinguismo dentro das escolas que integram os PALOP e dos desafios no ensino de português.

A primeira apresentação da mesa foi da professora Nélia Maria Pedro Alexandre, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Ela trouxe enquadramento histórico e sociolinguístico de Guiné-Bissau. Em sua exposição apresentou dados sobre a língua oficial, língua nacional e línguas autóctones. Um fator em sua contextualização histórica é a Conferência de Berlim e a ocupação da costa da Guiné-Bissau e das Ilhas de Cabo Verde, fato este que resultou na formação do crioulo de base lexical portuguesa. Visto que o português foi implementado para uma minoria (especialmente nas grandes cidades) nessa região e era preciso uma língua de comunicação entre nativos e colonizadores. A criação de novas línguas a partir da mistura de duas ou mais que entram em contato é parte de uma das categorias de contato linguísticos que envolvem, além da criação de pidgins e crioulos, a manutenção da língua e a language shift (WINFORD, 2003[2]).

A professora Nélia ressaltou as medidas repressivas de linguísticas e as estratégias educativas “fortes” que “tem como objetivo difundir o patrimônio histórico e cultural português”1, durante o Estado Novo; a fundação em 1956 do PAIGC, por Amílcar Cabral (apontado pela professora Nélia como aquele que desde sempre se preocupa profundamente com a questão educacional do país); e a criação de escola-piloto.

No pós-independência ela nos forneceu dados que comprovam que Portugal não se preocupou em fazer investimentos educacionais, o que deixou a sociedade guineense, assim como as outras colônias africanas, com resultados ruins no que diz respeito à educação. Destacou também o estudo do crioulo como língua de ensino, instrução (utilizada por professores) e como língua veicular.

Nélia sustentou que os pais guineenses não valorizaram a escola, como uma resistência natural a esse espaço. Ela apontou que há 3 tipos de resistência: completa, parcial e seletiva. Com dados de 2013 mostrou a falta de uma mudança educacional no país, a manutenção da evasão escolar, o baixo nível de pessoas alfabetizadas e o pouco investimento público.

Com a pergunta “Português da Guiné-Bissau?” retornou ao questionamento feito em sua abordagem que apontou o português como sendo a língua falada por uma minoria com diferentes graus de proficiências. Nélia Maria afirmou que o contato linguístico – segundo Thomason (2001[3]) o contato linguístico pode ser definido quando dois ou mais grupos, com suas respectivas línguas, entram em contato e interagem entre si em um mesmo ambiente – entre o português e o crioulo, gera entre outras coisas empréstimos linguísticos que em sua apresentação são listados.

Nélia trouxe à luz uma perspectiva comparada desses produtos do contato em um cenário multilíngue repleto de falantes plurilíngues. Destacou os impactos desses produtos no ensino, no qual a língua portuguesa, ensinada como língua materna, acaba afetando negativamente a população. E fez um alerta que disse que não valorizar o “repertório linguístico dos alunos é desvalorizar as línguas que eles falam”. Como um possível caminho a ser seguido ela afirmou que é preciso investimento na formação dos docentes de forma contínua.

A segunda apresentação foi do professor Eduardo David Ndombele, professor auxiliar do Instituto Superior de Ciências de Educação do Uíge (Angola). Ele chamou a atenção para a problemática do ensino de língua portuguesa em contexto multilíngue. Tendo como cenário Angola e o multilinguismo no processo escolar que tem a língua portuguesa como L2, ressaltou que no período em que Angola fazia parte do domínio de Portugal e mesmo depois de sua independência, o sistema educacional era organizado em português o que marginalizava as línguas faladas pela população angolana.

O pesquisador nos informou que o papel da língua portuguesa é plurifuncional de usos em variados domínios e, como língua oficial e também a utilizada no processo de ensino2, é responsável pela comunicação entre grupos etnolinguísticos. Apresentou dados que demostraram que Portugal obrigava o uso e o ensino da língua portuguesa em Angola, à época da colonização. Sabe-se que o país lusitano desde seu projeto de expansão marítima objetivava não só dominar os mares e as rotas comerciais, mas também aumentar seu poderio linguístico. Segundo Faraco (2019, p.95[4]), “a partir de meados do século XV, a língua portuguesa na esteira da expansão marítima de Portugal, sai de suas fronteiras europeias e se torna uma língua internacional [...]”.

Dentre seus apontamentos, sublinhou que no pós-independência não só Angola, mas também os países que compõe os PALOP, não tiveram como escolher sua língua de escolarização3. Reforça ainda que atualmente o português como única língua oficial é o que “liga os angolanos”, visto que não há comunicação efetiva em outras línguas.

Finda sua exposição abordando questões sobre a realidade dos alunos que não têm o português como língua materna e as consequências que eles sofrem. Falta de compreensão, integração linguística, incompreensão mútua entre professor-aluno e interferências, são listadas por ele. Soluções como a cooficialização e o bilinguismo no contexto escolar são apontados como possíveis elucidações para essa problemática. Termina afirmado que o insucesso escolar em Angola, relaciona-se em grande parte com o problema da língua.

Por último e não menos importante, tem-se a exposição da professora Amália Maria Vera-Cruz de Melo Lopes, professora da Universidade de Cabo Verde. A pesquisadora discorreu sobre a desconsideração do sistema de ensino do ponto de visto linguístico em Cabo Verde. Em contrapartida ao que foi falado pelo professor Eduardo, no que tange à situação linguística em Angola, a professora Amália informou que em Cabo Verde a língua portuguesa não se faz necessária para a compreensão entre os falantes, pois há uma língua cabo-verdiana em crioulo4 de base lexical portuguesa como língua veicular. Ressalta, porém, que esta não possui escrita sistemática e que é o português a língua oficial e de fator identitário para muitos cabo-verdianos.

A conferencista assegurou que há uma expansão da língua cabo-verdiana nos contextos formais e uma expansão da língua portuguesa em contextos informais. Segundo ela, há uma expectativa no que diz respeito ao domínio da língua portuguesa em um nível elevado de proficiência, mesmo que a situação se apresente de modo deficiente, visto que não há bons resultados no ensino de português.

Contradições sobre essas práticas nos é apresentada, dentre elas destaca-se: o questionamento do ensino da língua portuguesa e o não investimento nos sistemas de ensino. A professora chama a atenção para as práticas em sala de aula, pois é preciso ter uma coerência entre o que os programas orientam e o que de fato é feito.

Apontou alterações que estão sendo feitas no sistema de ensino, sem uma devida justificação que as fundamente, o que gera, de acordo com ela, incoerências e rupturas. Salientou como ponto importante determinadas práxis educativas, produções que envolvem a oralidade e a escrita e seus conteúdos, que somados contribuiriam para um melhor desenvolvimento do ensino.

Para Amália, a falta de definição nos níveis de proficiência nos ciclos de ensino configura-se como um problema. Ao abordar as capacidades de uso de uma língua e sua compreensão, a professora dialogou com a definição de indivíduo bilíngue que para Li Wei (2000[5]) é aquele ser que possui duas ou mais línguas, levando-se em conta aqueles com seus diferentes graus de capacidades – proficiências.

Levantando a questão sobre a desconsideração da língua materna, afirmou que o ponto decisivo é ensinar o português como língua materna. Por ser a única língua de escolarização, de acordo com a professora, causa uma discrepância com a situação linguística que em seu ponto de vista permanece não proporcional no sistema de ensino cabo-verdiano. A fato da imposição desse ensino, somado a outros aspectos, gera entre outras coisas listadas por Amália, situações negativas, vergonha e uma “violência simbólica”.

Expõe contradições do sistema educacional de Cabo Verde e apresenta problemas, que são somados àqueles já apresentados. Reforça novamente que os avanços não ocorrem efetivamente por falta de apoio institucional e que os professores e sua formação pedagógica são peças fundamentais nesse processo de ensino.

Em síntese, podemos afirmar que a mesa reitera a importância de pesquisas cujo escopo seja o ensino de língua portuguesa nos espaços escolares dos PALOP. O anseio por perspectivas para as diversas situações apresentadas envolve aspectos sociolinguísticos, a fim de trazer não só benefícios, mas também soluções para que o ensino nesses espaços esteja livre de preconceitos.

Referências

A educação nos PALOP: avanços e caminhos para o ensino da língua portuguesa em contextos multilíngues. Conferência apresentada por Nélia Maria Pedro Alexandre, Eduardo David Ndombele, Amália Maria Vera-Cruz de Melo Lopes. [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (2h 35min 01s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=STITioEnIu0. Acesso em: 28 jul 2020.

FARACO, Carlos Alberto. História do português. São Paulo: Parábola, 2019.

THOMASON, Sarah G. Language contact: an introduction. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2001. pp. 1-14.

WEI, Li. Dimensions of Bilingualism. In: Li Wei (Ed.), The Bilingualism Reader, 2000, p. 2-21.

WINFORD, Donald. An introduction to contact linguistics. Oxford: Blackwell, 2003.