A relação entre prosódia e o sujeito nulo no português brasileiro
Resumo
Neste texto, resenhamos a conferência proferida pela professora doutora Mary Kato, intitulada Determinantes prosódicos em mudança sintática. Na conferência, Profa. Kato traça uma trajetória em relação aos estudos sobre o Parâmetro do Sujeito Nulo no português brasileiro (PB), explanando as principais descobertas quanto ao assunto, como forma de apresentar os novos desdobramentos sobre: a mudança sintática que há no PB quanto ao preenchimento do sujeito; e a inserção de fatores prosódicos e estilísticos com efeitos sobre a mudança. A conferência oferece importantes contribuições para o estudo sobre o parâmetro do sujeito nulo no português brasileiro, sintetizando o que já foi discutido, à medida que aponta novos caminhos a serem percorridos.
Texto
A conferência aqui resenhada, intitulada Determinantes prosódicos em mudança sintática, foi proferida pela professora Mary Aizawa Kato[1] – graduada em Letras pela Universidade de São Paulo (1957), mestre em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo (1969) e doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972), professora titular do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP – e mediada por Evani Viotti, que foi orientanda de pós-doutoramento da Profa. Mary Kato e é atual professora do Departamento de Linguística da USP. Profa. Kato atua na descrição sintática do português brasileiro e europeu com ideias pautadas no modelo de Princípios e Parâmetros da Gramática Gerativa. Como pontua a conferencista, é uma área na qual desenvolve pesquisa há 50 anos.
A conferência em questão aborda tópicos em relação ao sujeito nulo no português brasileiro (PB), como em eu trouxe isso, mas ᴓ não vou usar, em que antes do verbo vou o sujeito não é foneticamente realizado. Segundo a conferencista, esse é um tópico exaustivamente estudado no português, vide estudos de Duarte (1995[2]), Kato e Tarallo (1989[4]), Kato e Duarte (2008[3]), entre outros, o que gera o mote principal da conferência: descrever a trajetória de estudos sobre a mudança no PB no que diz respeito ao parâmetro de sujeito nulo.
Profa. Kato descreve os principais desenvolvimentos em relação à temática, enfatizando seu pontapé inicial – decorrente do ‘casamento’ entre sociolinguística variacionista e gerativa, a Sociolinguística Paramétrica -, partindo de uma visão macro-paramétrica – o conjunto de propriedades que definem um parâmetro – para uma visão micro-paramétrica, considerando, ao fim, a existência de línguas com sujeito nulo parcial.
Segundo a conferencista, é conhecimento coletivo nas áreas de investigação de língua que o PB vem perdendo parcialmente sua propriedade de sujeito nulo desde meados do século XIX. Escritores de antigamente até a língua falada atual carregam, nas estruturas linguísticas, predomínio do sujeito preenchido, como nós fazemos o que nós temos que fazer. Profa. Kato destaca que essa perda é apenas parcial, pois o PB não está virando, definitivamente, uma língua de sujeito preenchido: ainda se está longe disso, visto que há, de certo modo, variação nas realizações com esse tipo de construção sintática, levando-a a apontar que é uma mudança em progresso (CYRINO; DUARTE; KATO, 2000[5]), gerando duas possíveis explicações:
a) Mudança em progresso e a existência parcial dos sujeitos nulos e da inversão livre tem a ver com o fato de que as mudanças ainda não estão completas;
b) Inclusão do PB entre as línguas denominadas línguas de sujeito nulo parcial, na medida em que essas línguas exibem sujeitos nulos referenciais opcionais, e expletivos nulos ou expressos e também sujeitos nulos de interpretação genérica.
Profa. Kato objetiva, na conferência, mostrar que a variação/opcionalidade das propriedades do sujeito nulo referencial no PB atual é de ordem prosódica/estilística. Para chegar a esse ponto, a autora faz um apanhado de outras reflexões sobre as propriedades do fenômeno que descreve, como forma de melhor compreendermos o seu objetivo, o que ajuda no entendimento do assunto para aqueles que são externos à temática, conforme apontamos a seguir.
No primeiro ponto, trata-se da variação/opcionalidade na gramática nuclear, a gramática que a criança aprende em sua aquisição de língua. É citada a problematização de Lavandera (1978[6]), segundo a qual não existe variação sintática. Não haveria, assim, variação/opcionalidade referente ao sujeito nulo referencial no PB. Profa. Kato aponta que a língua-I da criança (sua língua interna) pode conter essa variação, mas só se ela contiver, além da gramática nuclear, uma periferia estendida, como uma segunda gramática, que pode ser obtida via instrução (como o ensino de norma padrão) e/ou uma educação bilíngue. Essa variação/opcionalidade é decorrente de uma alternância de códigos, de gramática, e efeito de estilo: não ocorre variação sintática em uma mesma gramática, há uma alternância entre gramáticas. A conferencista sempre usa de exemplos para demonstrar suas explanações, o que fundamenta e valida o que por ela é discutido, além de dar suporte ao público para conhecer melhor o assunto que está sendo tratado.
No segundo ponto, a conferencista aborda o fator prosódico na mudança sintática. Como a prosódia pode interferir em construções sintáticas como a perda parcial do sujeito nulo? Um dos pontos é a perda da inversão livre que faz parte do mesmo macro-parâmetro. No PB, atualmente, a inversão livre é restrita a verbos inacusativos, como chegaram as cartas. Nas línguas românticas, como aponta a Profa. Kato, essa inversão livre é sujeita ao peso prosódico. Profa. Kato propõe que a mudança do sujeito nulo no PB é desencadeada pela prosódia sentencial: “da possibilidade de V-inicial das línguas prototípicas de sujeito nulo, passamos a ter preferência pelo padrão linear V2”, levando a criança, no processo de aquisição de língua, a considerar os dois tipos de construção como partes do mesmo processo, ocorrendo a exclusão do sujeito nulo.
Profa. Kato conclui sua fala ao apontar que “embora o sujeito nulo e a inversão sejam independentes quanto ao que motiva a mudança, o resultado da mudança é uniformemente ocasionada pelo ritmo prosódico”. Uma constatação bastante interessante feita é a reformulação de um princípio da gramática quanto ao sujeito nulo: ‘evite pronome’, para que ocorra o sujeito nulo. Profa. Kato propõe ‘evite V1’, já que em sentenças nas quais o verbo vem primeiro e o sujeito em segundo essas sentenças tendem a ser agramaticais, como em *vem a Maria (V1), e Lá vem a Maria (V2). O ritmo prosódico da sentença seria condicionador desse efeito.
A conferência apresentada pela Profa. Mary Kato traz duas contribuições principais: a primeira, ao apresentar uma síntese e uma trajetória em relação aos estudos sobre o sujeito nulo no PB, que conta com uma extensa bibliografia. A apresentação traz, em seu decorrer, várias referências, auxiliando o público interessado no assunto a buscar mais conhecimento sobre a temática; a segunda, há apresentação de uma nova proposta em relação à mudança do parâmetro do sujeito nulo em PB, inserindo fatores de ordem prosódica e estilística, não mais apenas sintática e morfológica. Sua fala, de forma clara, traduz de modo linear os estudos que foram feitos e o que ainda há de ser realizado, fornecendo novos desdobramentos para os estudos da língua.
Referências
CYRINO, S. M. L.; DUARTE, M. E. L.; KATO, M. A. Visible subjects and invisible clitics in Brazilian Portuguese. In: Kato, M. A.; Negrão, E. V. (Eds.) Brazilian Portuguese and the Null Subject Parameter. Frankfurt: Vervuert-Iberoamericana, p. 55-104, 2000.DETERMINANTES prosódicos em mudança sintática. Conferência apresentada por Mary Kato [s.l., s.n.], 2020. 1 vídeo (1h 16min 30s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t3BLRPloZJI&t=2434s. Acesso em: 23 de julho de 2020.
DUARTE, M. E. L. A perda do princípio" evite pronome" no português brasileiro. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, SP, 1995.
DUARTE, M. E. L.; KATO, M. Mudança paramétrica e orientação para o discurso. In: Congresso da ALI, Braga, Portugal. 2008.
LAVANDERA, B. R. Where does the sociolinguistic variable stop?. Language in society, v. 7, n. 2, p. 171-182, 1978.
TARALLO, F.; KATO, M. Harmonia trans-sistêmica: variação intra-e inter-linguística. Revista Diadorim, v. 2, 1989.