Argumentação e interação: novos caminhos para a Linguística Textual

Isabel Muniz-Lima

Resumo

Esta mesa-redonda abordou interfaces entre texto, argumentação e interação levando em consideração as abordagens teóricas com as quais a Linguística Textual dialoga hoje. No primeiro momento, a professora Mônica Magalhães Cavalcante explorou esse panorama interdisciplinar que a Linguística Textual assume atualmente em suas investigações. Em seguida, a professora Ana Lúcia Tinoco Cabral abordou a mudança do texto off-line para o digital, explorando implicações sobre o plano de texto, a interação e a argumentação. Por fim, a professora Maria Eduarda Giering apresentou o impacto dos textos nativos digitais sobre a questão da textualidade. As autoras enfatizaram a necessidade de que sejam repensadas ou complexificadas as categorias atualmente utilizadas pelos linguistas do texto para a análise das interações que acontecem em ambiente digital.

Texto

A mesa-redonda resenhada neste trabalho faz parte de uma série de transmissões ao vivo realizadas pela Associação Brasileira de Linguística (Abralin) em seu canal no Youtube, no período de maio a julho de 2020. Em 15 de maio de 2020, às 10h, as pesquisadoras Mônica Magalhães Cavalcante, Ana Lúcia Tinoco Cabral e Maria Eduarda Giering, sob moderação da professora Mariza Angélica Paiva Brito, discutiram o tema tema “Linguística Textual – argumentação e interação”[1].

Sem receio de se reconhecer interdisciplinar, a Linguística Textual hoje (doravante LT), no Brasil, prossegue no diálogo com perspectivas teóricas que envolvem temas caros para a área, como texto, argumentação e interação. Em sua fala de abertura dessa mesa virtual, a professora e pesquisadora Mônica Magalhães Cavalcante enfatiza que a interdisciplinaridade assumida pela LT não é aleatória, pois visa a objetivos específicos dentro desse campo de estudo. Portanto, trata-se de um diálogo que necessariamente é coerente com os pressupostos e os critérios de análise assumidos por essa corrente teórica.

Em primeiro lugar, segundo a pesquisadora, esse diálogo se manifesta na concepção do objeto de estudo da disciplina: o texto. Com base em pressupostos de Adam (2019)[2] e Beth Brait (2016)[3], para a LT, sobretudo aquela praticada pelo grupo Protexto, do qual a professora é líder, o texto é considerado como evento único e irrepetível, que compõe uma unidade de comunicação e de sentido em contexto. Sua expressão se dá por meio de uma combinação de sistemas semióticos. O texto é, ainda, com base em pressupostos trazidos da Análise Dialógica do Discurso, situado, inscrito em um quadro sociocultural e sempre dialógico. A LT considera, ainda, sob influência da Semiolinguística, de Patrick Charaudeau, que o texto se estabelece por meio de um contrato comunicativo, que apresenta restrições e rituais próprios de um circuito de comunicação.

De acordo com a fala de Mônica Cavalcante, outro conceito que tem sido tomado de maneira interdisciplinar nos estudos de LT é o de sujeito. O sujeito, para a Semiolinguística, deve ser visto sob duas dimensões: uma de comunicante, intencional e estratégico, e outra de uma identidade sociodiscursiva exercendo, na interação, papéis sociais. Por influência de Charaudeau e de Amossy, a LT hoje tem assumido que o sujeito é estratégico e que realiza atos negociados na tentativa de exercer algum tipo de influência sobre o outro. Mônica Cavalcante propõe uma compatibilidade entre a dimensão do sujeito como locutor (comunicante) e sua condição de sujeito clivado, conforme defende Authier-Revuz (1984)[4], com base em Freud (1993)[5]. O sujeito na dimensão de locutor, portanto, na perspectiva apresentada pela pesquisadora do grupo Protexto, acredita ter controle do que diz e o faz de modo estratégico, não tendo, no entanto, como impedir que outras vozes atravessem seu dizer. Dessa forma, o locutor usa recursos linguageiros para provocar efeitos argumentativos possíveis, supondo controle total sobre os sentidos que produz no texto.

Nessa perspectiva, a pesquisadora enfatiza que, ao linguista do texto, cabe, então, investir nessas duas dimensões do sujeito, o qual opera como locutor, cumprindo papéis sociais, revelando posicionamentos discursivos de uma sociedade e instaurando um interlocutor e um terceiro (participante indireto). Para finalizar sua apresentação, a pesquisadora afirma que os recursos das mídias digitais podem ser usados como estratégias argumentativas, na medida em que promovem modos de interação que visam influenciar o outro.

A segunda convidada desta mesa foi a professora e pesquisadora Ana Lúcia Tinoco Cabral, que discorreu sobre o tema “Do texto off-line para o digital: implicações sobre o plano de texto, a interação e a argumentação”. Em sua apresentação, a pesquisadora demonstra como o plano de um texto pode se transformar ou se complexificar em função dos recursos digitais. Além disso, Ana Lúcia Tinoco Cabral busca analisar como esses recursos contribuem para a interação e para a argumentação.

Inicialmente, a professora reforça o conceito de texto que a LT defende hoje, enfatizando que esse objeto é um evento sociocognitivamente situado em contextos de interação, que apresenta uma organização composicional e retrata um projeto enunciativo argumentativamente orientado. Esse plano de texto, segundo a pesquisadora, orienta a produção textual e sua leitura.

Em sua apresentação, a autora explica que conteúdos produzidos para a Web seguem três princípios básicos: i) adequação às necessidades e exigências do público, ii) adaptação ao tipo de plataforma digital; iii) produção de conteúdos apelativos e criativos que estimulem a atenção do leitor, envolvendo-o de alguma maneira (NIELSON, 2000)[6]. Esses princípios, conforme esclarece Cabral, têm relação direta com as necessidades do leitor da Web.

No exemplo analisado durante sua fala, a professora apresenta uma crônica divulgada por meio da mídia jornalística impressa e por meio da mídia internet. Em cada uma das situações, o plano de texto reflete uma organização diferente em relação aos conteúdos do que a autora chama de “tecido textual”. Para a pesquisadora, os textos que circulam em ambiente digital têm seus sentidos ampliados, na medida em que a interação é facilitada e estimulada. Esse diálogo entre texto e usuários e entre usuários sobre textos cria, na perspectiva da professora, um ambiente mais adaptado à interação e à argumentação.

A apresentação final da mesa aqui resenhada ficou a cargo da professora e pesquisadora Maria Eduarda Giering, que abordou o tema “O impacto do digital sobre a textualidade”. Em sua fala, a professora discorreu sobre alguns postulados da Análise Textual dos Discursos para a textualidade, sobre a Análise do Discurso Digital e sobre a possível noção de faire texte para os discursos digitais nativos.

Inicialmente, a pesquisadora levanta uma questão que diz respeito ao conceito de texto. Com base em Adam e Philippe (2015)[7], a autora menciona que é preciso questionar os fatores que levam um sujeito escritor ou leitor a ter um julgamento de textualidade. Para os autores, esses fatores reforçam a posição de que escritor e leitor fazem uma análise com base em três elementos-chave: a conexidade, a coesão e a coerência. A professora Eduarda Giering esclarece que o primeiro são as ligações microtextuais dos enunciados; o segundo, por sua vez, é a percepção de totalidade local e global; e, por fim, o terceiro elemento tem relação com a percepção de adequação dos enunciados a uma situação sociodiscursiva e a um gênero.

Ao longo de sua apresentação, a pesquisadora apresenta os três tipos de organização para as operações de ligação postulados por Adam (2015; 2019)[2]: ligações microestruturais de base, ligações mesotextuais e ligações macrotextuais. A professora destaca que essas categorias foram pensadas para o texto off-line, o que, portanto, levam o pesquisador em LT a ser conduzido a diálogos com outros autores, como Paveau (2015)[8]. Essa autora considera, conforme explica a professora Eduarda, que as formas do discurso on-line também são constituídas de matéria tecnológica ou, como prefere a pesquisadora francesa, de matérias tecnolinguageiras.

A partir dessa noção de Paveau (2015)[8], a pesquisadora Eduarda Giering apresenta os conceitos de tecnodiscurso e tecnologia discursiva e reforça que as ciências da linguagem, em seu componente texto/discurso/interação, precisam levar em consideração o conjunto do dispositivo a partir do qual os enunciados são produzidos. Nessa perspectiva, a professora afirma que é preciso pensar em uma Linguística da hipertextualização, ou seja, uma linguística que leve em consideração uma perspectiva, conforme explica a professora, ecológica, a qual permita integrar parâmetros técnicos e sociotécnicos à concepção dos fenômenos linguageiros e discursivos.

Em sua apresentação, a professora Eduarda Giering apresenta alguns exemplos para esclarecer de que modo os textos digitais nativos se manifestam, reforçando, assim, entre outros aspectos, sua deslinearização visual, sintagmática, enunciativa, discursiva e semiótica (PAVEAU, 2017)[9]. A professora finaliza sua fala ressaltando que o desafio dos linguistas do texto hoje é conseguir ir além dos elementos que marcam a textualidade impressa, a fim de dar conta do caráter complexo do tecnodiscurso.

O debate com os participantes do chat, ao final das apresentações, contemplou discussões relacionadas aos conceitos de persuasão e argumentação para a LT, ao papel da referenciação na argumentação e aos impactos teórico-metodológicos em análises que levem em consideração textos nativos digitais.

Referências

ADAM, J. M. Textos: tipos e protótipos. São Paulo, Contexto, 2019.

ADAM, J. M.; PHILIPPE, G. Continuité et textualité. In. ADAM, J.-M. (org.). Faire Texte. Frontières Textuelles et Opérations de textualisation. Paris: Presses Universitaires de Franché-Comté, p. 35-80, 2015.

AUTHIER-REVUZ, J. Hétérogénéité(s) énonciative(s). In: Langages, nº 73, p. 98-111, 1984.

BRAIT, B. O texto nas reflexões de Bakhtin e do Círculo. In: BATISTA, R. O. (org.). O texto e seus conceitos. 1. ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2016.

FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905), vol. 8. Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1993.

LINGUÍSTICA Textual - argumentação e interação. Mesa-redonda mediada por Mariza Angélica Paiva Brito e apresentada por Mônica Magalhães Cavalcante, Ana Lúcia Tinoco Cabral e Maria Eduarda Giering [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (1h 0min 43s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oBcqw7LXclk&t=330s. Acesso em: 15 mai 2020.

NIELSEN, J. Projetando Websites – Designing web usability. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

PAVEAU, M. A. En naviguant en écrivant. Réflexions sur les textualités numériques. In: ADAM, J. M. Faire Texte. Frontières Textuelles et Opérations de textualisation. Paris: Presses Universitaires de Franché Comté, p. 337-353, 2015.

PAVEAU, M. A. Des discours et des liens. Hypertextualité, technodiscursivité, écrilecture. Semen [on line], n. 42, 2017. Disponível em: http://journals.openedition.org/semen/10609. Acesso em: 25 nov. 2018.

SOULAGES, J.C. (Org.). L’analyse de discours – sa place dans la science du langage e de la communication. (Hommage à Patrick Charaudeau). Rennes: Press Universitaires de Rennes, 2015.