Trabalhando o letramento acadêmico na universidade e na escola: uma apresentação

Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin,
Rita de Cássia Souto Maior,
Matilde Alves Gonçalves

Resumo

Apresentamos neste texto o dossiê intitulado Letramento acadêmico na universidade e na escola, proposta que concorreu, em maio, à chamada de dossiês para o ano de 2021 da Associação Brasileira de Linguística e que, contemplada, teve início em setembro do mesmo ano. O nosso objetivo, com a proposição, foi o de construir mais um espaço para os debates sobre o tema, promovendo o diálogo necessário ao desenvolvimento da ciência. Finalizamos com vinte e dois artigos que trazem contribuições das áreas de pesquisa da Linguística Aplicada, da Linguística e de outras áreas que com as duas primeiras estabelecem interfaces. Os artigos se configuram como ensaios teóricos, relatórios de experiência, relatórios de pesquisa e revisão de literatura. De uma forma geral, esses textos ressaltam a problemática da necessidade do desenvolvimento de um cidadão consciente da importância da ciência em sua formação humana e profissional. Os estudos trazem questões teóricas e teórico-práticas sobre os gêneros textuais/discursivos do campo das práticas de estudos e pesquisas; problematizam o papel do letramento acadêmico na construção dos saberes científicos; discutem os efeitos do letramento acadêmico para o desenvolvimento de um ensino-aprendizagem significativo; apresentam e analisam práticas de linguagem em sala de aula da universidade e da escola.

Introdução

O dossiê O letramento acadêmico na universidade e na escola foi uma proposta articulada a seis mãos na tentativa contínua de pôr em tela uma discussão que precisa não ter fim para nós pesquisadores/as, professores/as e comunidade em geral que nos perguntamos constantemente sobre que conhecimentos regem nossas práticas diárias permeadas pela concepção grafocêntrica em diversos campos de atuação social.

No Grupo de Trabalho Ensino e Aprendizagem na Perspectiva da Linguística Aplicada (EAPLA) da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa (ANPOLL), duas das organizadoras da proposição já tinham desenvolvido estudos em conjunto em algumas ocasiões, articulando essa temática a outras que também, da mesma forma, demandam desse engajamento em frentes de ação efetiva sobre o desenvolvimento do saber, formas de concebê-lo e contexto de ação linguageira, com publicações, eventos, pesquisas, práticas extensionistas etc.

A ideia da proposta surgiu articulada à oportunidade de concorrer a mais uma das destacáveis realizações, nesse ano ainda pandêmico, da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN), cuja participação, nas políticas linguísticas, tem repercutido positivamente e essencialmente na construção de espaços de discussão importantes na contemporaneidade.

Sendo assim, para anunciarmos esse seleto material, que nos traz provocações para o debate, propostas de atuação com respaldo em aprofundamento teórico e relatos de experiência, dividimos a apresentação em três partes, que seguem logo abaixo, intituladas: Sobre o tema; Sobre a proposta e as realizações; Sobre palavras finais.

Sobre o tema:

Para uma apresentação sobre o termo Letramentos e, dentro dele, Letramentos Acadêmicos, consideramos importante caracterizar um pouco a área, nos estudos do Brasil, mesmo que não de forma aprofundada, no entendimento de que as pesquisas que compõem este dossiê irão contextualizar esse aspecto teórico-prático, cada qual com suas especificidades. Sendo assim, querendo contribuir para a promoção de um amplo debate, destacamos que a abordagem de vertente sociocultural de letramento, defendida por Heath (1982)[1], Street (1984)[2] e Kleiman (1995)[3], no Brasil, é designada como Estudos de Letramento. A proposta de Street (1984) de observação e caracterização sobre o fenômeno de diferentes concepções de letramento em relação aos objetivos nos quais esses são pautados conferiu ao letramento uma dimensão socialmente mais ampla e complexificada. Dentro dessa própria configuração da área ocorre a expansão das discussões que se interconectam e se atravessam, a nosso ver, numa demanda de interdisciplinaridade. A abordagem de vertente sociocultura põe em evidência as práticas de escrita como práticas sociais plurais e heterogêneas, vinculadas às estruturas de poder das sociedades, conforme afirmam Vianna et al (2016)???, na introdução da obra Significados e ressignificações do letramento: desdobramentos de uma perspectiva sociocultural sobre a escrita.

Kleiman, no texto de 1995, revelou que o conceito de letramento começou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de separar os estudos sobre impactos da escrita dos estudos sobre alfabetização que, por sua vez, estavam vinculados à conotação escolar que destacava competências individuais no uso e prática da escrita (KLEIMAN, 1995, p. 15-16)[3]. Segundo essa mesma autora, os sentidos de Paulo Freire para alfabetização, eximidas dos sentidos acima apresentados, eram capazes de levar as pessoas analfabetas a “organizar reflexivamente seu pensamento, a desenvolver sua consciência crítica, capaz de introduzi-lo num processo real de democratização da cultura e de libertação (Freire, 1980)” (KLEIMAN, 1995, p. 16)[3].

Nessa perspectiva, o contexto das práticas sociais de linguagem é importante, mas também são importantes as relações que se estabelecem na interação desse convívio letrado. É a partir dessa compreensão que se deve pensar os Estudos de Letramento, como relações pertinentes à construção de sentidos compartilhados e situados, ou, como consideram Barton; Hamilton; Ivanic (2000)[4], letramento como espaço de interação social, cujos eventos são mediados por textos/gêneros. Em um plano mais amplo, podemos pensar nos letramentos e, em um plano específico, no letramento acadêmico, cuja pertinência se estabelece quando as diversas práticas sociais ali desenvolvidas fazem emergir diversos gêneros.

O texto de Marinho de 2010, intitulado A escrita nas práticas de Letramento Acadêmico, demonstrava, como objetivo principal, a discussão sobre as relações de estudantes com a escrita nos cursos de graduação e nos remetia às constantes queixas de professores/as universitários/as e dos/as estudantes acerca da dificuldade na produção de textos acadêmicos. Sabemos, no nosso dia a dia, que as queixas não se findaram e que estamos longe de construir uma solução que possa ser utilizada em qualquer contexto, e esse não é o propósito, mas também entendemos que esses discursos continuam a povoar as salas de aula e não só na graduação. Toda essa problemática, enfim, nos apresenta “a necessidade de transformar essas queixas em propostas de ensino e de pesquisa.” (MARINHO, 2010, p. 363)[5].

Ainda tratando do contexto universitário, mas ressaltando as representações sobre os textos acadêmico-científicos, Assis (2015)[6] discute as dificuldades que estudantes do Curso de Letras, nos anos iniciais, apresentam com relação à escrita na universidade e como essas representações dialogam com outras referências acerca da ciência e do fazer científico. De acordo com a autora, a reclamação dos estudantes se mostra na afirmação: “Sei, mas não consigo colocar no papel aquilo que eu sei”, conforme apresenta a autora no capítulo do livro Letramento e formação universitária: formar para a escrita e pela escrita.

Interagir através do gênero acadêmico relatório de regência, escrito no último semestre do Curso de Letras, também tem sido foco de discussões que contemplam o tema letramento acadêmico. Leurquin e Botelho (2011)[7], Leurquin (2008; 2013)[8] e Leurquin e Peixoto (2017)[9] apresentam resultados de pesquisas realizadas em diferentes universidades situadas em dois Estados nordestinos. As conclusões a que elas chegaram apontam que os estudantes apresentam muitas dificuldades, ao final do Curso de Letras/Língua portuguesa, de interagir em práticas discursivas acadêmicas escritas.

As autoras mostram o relatório de estágio como um espaço de interação entre o professor e o estagiário; uma prática discursiva que exige do estudante de Letras pôr em evidência muitas outras práticas discursivas realizadas na sala de aula. Elas alegam que essa complexidade pode contribuir para o fato de o estudante do Curso de Letras sentir dificuldade de assumir o seu papel de coautor de sua formação e crítico da situação que está descrevendo e analisando no relatório de regência. Para além de tais constatações, elas também salientam dificuldades com relação ao uso dos conhecimentos da língua portuguesa e dos conhecimentos do gênero acadêmico relatório de estágio.

Na interligação entre letramento acadêmico no curso de Letras e a formação para o letramento em contexto do ensino em escolas públicas, através do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), estudos como de Lima; Souto Maior e Santos (2013)[10] demonstram como uma formação conectada com práticas experienciais no campo de atuação docente, atreladas a discussões acerca do papel da língua/linguagem na sociedade, são potencializadoras de um enfoque em eventos de letramentos e leituras de mundo.

Como vemos, não é de hoje que o letramento acadêmico assume um papel de destaque nos debates acadêmicos, seja direta ou indiretamente. Há controvérsias nas discussões das salas de aula da escola e da universidade e o letramento acadêmico, mesmo que ainda não venha se efetivando de maneira apropriada muitas vezes, se encontra atrelado a conjuntura política e social das ações com a prática de produção científica. Essa prática, que é ao mesmo tempo responsável e ética, requer, no mínimo, o debate.

Mesmo entendendo o contínuo fluxo das ideias sobre a questão, de um modo geral podemos asseverar que o letramento acadêmico possibilita o ensino/aprendizagem do “dizer sobre temas”, de maneira a garantir a interlocução em sintonia com expectativas sócio-históricas, e do “dizer sobre o outro”, nas perspectivas da construção das subjetividades e das autorias (SOUTO MAIOR E LIMA, 2020)[11] e do dizer com o outro, quando utilizamos a voz do outro para com ele dizer. Nesse ínterim, para a apropriação das práticas de leitura e escrita no contexto acadêmico, interpenetram-se a incorporação de técnicas, o desenvolvimento do conhecimento crítico dos saberes e a ação social ética. Essa percepção lacunar do processo de letramento é elemento não tangencial para a formação de professores/as, estabelecida no encontro de saberes (sobre processos de letramento) e de vozes (sobre os valores a que esses letramentos respondem). Dentre outras ações, uma das questões para o/a docente é estruturar seus objetivos visando a um trabalho que estimule o/a discente a se ver como agente no mundo que representa, ao mesmo tempo, uma determinada coletividade (SOUTO MAIOR, 2013)[12].

Na sala de aula da Educação Básica e do Ensino superior, o Letramento acadêmico precisa ser um relevante ponto de pauta na discussão mais ampla sobre a importância da ciência e das atividades a ela relacionadas na formação de nossos/as estudantes, visto que “[P]rofessores e alunos são vítimas de dificuldades que podem ser amenizadas se houver um investimento na compreensão dos problemas em torno dessa temática e em ações propositivas.” (MARINHO, 2010, p. 383)[5].

Trazer esse tema para discussão exige, dos estudos da Linguística Aplicada e de áreas que se interessam pelo tema, o movimento de repensar papéis e espaços na sociedade, mas também exige do/a docente e do/a estudante uma reflexão sobre a função da língua na construção dos saberes; sobre a necessidade de desenvolver uma postura reflexiva e questionadora diante dos saberes que envolvem o ensino e a aprendizagem dos sentidos através da performance na língua materna; e sobre as práticas de linguagem que se realizam no campo de atuação Práticas de estudo e pesquisa.

Sobre a proposta e as realizações:

Nosso objetivo com a proposta do dossiê foi o de contribuir para os debates acadêmicos sobre o tema em tela, quando esse reúne contribuições das áreas de pesquisa da Linguística Aplicada, da Linguística e de interfaces com disciplinas que, no tocante a questões relacionadas ao letramento acadêmico na/para a escola e/ou na/para a universidade. Ele ressalta a problemática do desenvolvimento de um cidadão consciente da importância da ciência em sua formação humana e profissional e traz questões teóricas e teórico-práticas sobre os gêneros textuais/discursivos do campo das práticas de estudos e pesquisas; questiona o papel do letramento acadêmico na construção dos saberes científicos; discute os efeitos do letramento acadêmico para o desenvolvimento de um cidadão consciente da importância da ciência em sua formação; apresenta e analisa práticas de linguagem leitura/escuta e produção de textos em sala de aula da universidade e da escola.

O dossiê reúne trabalhos sobre letramento acadêmico, em diálogo com estudos das concepções de gêneros textuais/discursivos; didatização dos saberes linguístico-discursivos; perspectivas interacionais e discursivas da linguagem; pesquisas sobre formação de professores; linguagem e tecnologia e sobre o funcionamento da linguagem na relação gramática e texto.

Entende-se que este dossiê poderá fortalecer e estimular os diálogos entre estudos a fim de que seja possível visualizar um panorama mais sólido e específico sobre eles. Ele traz reflexões desenvolvidas na sala de aula e apresenta questões relevantes sobre o ensino e aprendizagem e também sobre a formação de professores. É composto por vinte e dois artigos os quais passamos a apresentá-los:

No artigo “Sentidos e desafios da escrita acadêmica em um mestrado profissional”, Raquel Aparecida Soares Reis Franco objetiva compreender os sentidos e os desafios da escrita acadêmica dos discentes do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, identificando, para isso, o que se escreve, para que se escreve e quais desafios esses alunos enfrentam ao escrever academicamente. Dentre outros aspectos observados, a autora destaca que o principal desafio enfrentado pelos discentes relaciona-se com os aspectos identitários e, logo, intertextuais.

No artigo “Práticas de escrita na universidade: um olhar para os letramentos acadêmicos na produção do TCC”, Laura Silveira Botelho e Leonardo José de Almeida Silva apresentam as práticas de escrita em Trabalhos de Conclusão de Curso, desenvolvidos por estudantes de licenciatura em Geografia, Música e Pedagogia, em uma Universidade pública. Foram analisados documentos prescritivos da formação inicial de professores (Diretrizes Curriculares Nacionais, Projetos Pedagógicos dos Cursos e Trabalho de Conclusão de Curso.

No artigo Géneros y literacidad disciplinar: una propuesta de enseñanza para cursos universitarios de lectura em español, inglés y português, Damián Díaz, Mariana Achugar, Laura Musto, Lucía Arroyo, Leticia Lorier, Mayte Gorrostorrazo, Soledad Álvarez e Sofía García apresentam uma proposta curricular para o desenvolvimento de uma abordagem integral para o ensino de compreensão leitora da língua espanhola, inglesa e portuguesa da carreira de Comunicação de uma universidade pública uruguaia.

No artigo “Análise comparativa das organizações retóricas de resumos de artigos acadêmicos em português e francês”, Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão e Francisco Alves Filho comparam a organização retórica do gênero resumo de artigo acadêmico em português e em francês em dois periódicos de qualis B1, um da França e outro do Brasil, da área de Arqueologia. Utilizaram, para isso, os conceitos de movimentos e passos retóricos, que representam funções retórico-comunicativas encontradas de modo recorrente em exemplares de diversos gêneros.

No artigo “Formação docente: letramento digital para o ensino remoto de língua portuguesa”, Ivoneide Bezerra de A. Santos-Marques, Maria do Socorro Oliveira e Alana Driziê Gonzatti dos Santos defendem a necessidade de um planejamento estratégico para viabilizar o ensino remoto de Língua Portuguesa na educação básica. Discutem ações de formação continuada e possibilidades de inovação e mudanças na prática pedagógica a serem construídas por professores situados em contextos de crise sanitária e social.

No artigo “Alfabetización académica en la universidad: recursos literarios adicionales para aprender a investigar”, María Isabel Pozzo propõe o incentivo do ensino da pesquisa na universidade por meio do trabalho com obras literárias. Ela apresenta uma proposta didática ainda sem aplicação com o intuito de promover no professor universitário a inventividade para explorar recursos didáticos não convencionais de literatura. Utiliza, na proposta, autores de três países: Brasil, Argentina e Colômbia e diferentes gêneros literários: crônica, conto oral e manual costumbrista.

No artigo “A leitura acadêmica como prática discursiva para o ensino de metodologia científica”, Maria das Dores Nogueira Mendes e José Wesley Vieira Matos refletem sobre a leitura e as implicações pedagógicas para o ensino de metodologia científica no contexto universitário. Eles se apoiam em Orlandi (2007; 2008), Possenti (1992; 2009a) e Maingueneau (1997; 2004; 2008; 2015) e apresentam os conceitos campo discursivo, posicionamento, investimentos discursivos, formas de textualidade e competência (inter)discursiva).

No artigo “Don’t go all “TED Talks” on them, but... make a good presentation! – teaching the oral genre through the didactic sequence procedures”, Rafael de Souza Timmermann e Luciane Sturm consideram que há demandas contemporâneas em relação às línguas adicionais, especificamente, ao inglês. Eles apresentam, além das discussões teóricas, uma Sequência Didática sobre apresentações orais em eventos acadêmicos como uma proposta para mostrar que o Interacionismo Sociodiscursivo e o modelo de SD podem ser aliados do educador no planejamento e organização de aulas que permitam aos alunos atuar em diferentes rotinas acadêmicas.

No artigo “Da resenha ao podcast: (re)contextualizações de práticas de letramento em contexto de ensino remoto”, Roberto Barbosa Costa Filho e Elizabeth Maria da Silva realizam uma pesquisa narrativa e evidenciam eventos de letramento organizados em torno da produção de uma resenha escrita e a sua retextualização para a produção de um podcast. Eles têm por objetivo identificar eventos de letramento remotos situados em contexto de Ensino Superior e analisar significados atribuídos a esses eventos por docentes e discentes, a partir das suas próprias experiências.

No artigo “Letramento digital: problematizando o conceito”, Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva tem como objetivo identificar níveis de letramento digital de alunos universitários. Para isso, discute o conceito de letramento e demonstra que se tornou moda adicionar um qualificador ao termo, fazendo emergir inúmeros tipos de letramento. O texto explora o conceito de letramento digital, compara as características que seriam específicas desse tipo de letramento em diversos estudos, e defende que a soma delas pode ser entendida também como competência digital.

No artigo “Práticas letradas acadêmicas na iniciação científica de alunos de ensino médio: gerenciamento de vozes de outrem em artigos científicos”, Evandro Gonçalves Leite, Regina Celi Mendes Pereira e Maria do Socorro Maia Fernandes Barbosa identificam como objetivo analisar o gerenciamento de vozes em artigos científicos, produzidos por alunos de ensino médio, participantes de projetos de iniciação científica. Foram analisadas formas e funções da menção ao discurso de outrem, como um dos aspectos na construção da identidade do aluno pesquisador.

No artigo “Letramentos e perspectiva discursiva dialógica: possibilidade de se observar a história de letramentos em textos escritos”, Vanda Mari Trombetta busca indícios da história de letramentos do escrevente na construção do objeto de discurso trabalho em redações de vestibular de cunho dissertativo. O corpus a ser analisado é composto por duas redações do exame de vestibular da Fuvest de gênero dissertativo e o método delineado é o paradigma indiciário associado à Análise do discurso de Bakhtin e do Círculo e aos Letramentos.

No artigo “Truth and fake news in the classroom: the sense construction and the discoursive ethics in literacy practices”, o objetivo de Antônio Carlos Santos de Lima, Lilian Soares de Figueiredo Luz e Aurineide Profírio Barros Correia é apresentar uma proposta de prática de letramento, a qual reflete temas atuais e relevantes como verdade (FOUCAULT, 2014) e fake news (FONTANA, 2021), sob a perspectiva da ética discursiva (SOUTO MAIOR, 2020). Focaliza a produção de uma resenha crítica, do filme “O primeiro mentiroso” (2009).

No artigo “Percepções de redatores sobre os letramentos acadêmicos na prática da escrita de resenhas colaborativas”, Franciclé Fortaleza Bento e Júlio Araújo discutem a percepção de 17 redatores (graduandos em Letras-Inglês) sobre os letramentos acadêmicos evidenciados durante a escrita de resenhas acadêmicas colaborativas na plataforma wiki a partir dos letramentos disciplinares e os letramentos argumentativos. Eles falam sobre as habilidades de apreender o gênero resenha.

No artigo “Afrontas queer/cu-ir: linguagem não-binária na escrita acadêmica (implicações políticas e possibilidades)”, Ismar Inácio dos Santos Filho apresenta uma discussão sobre linguagem (não) sexista e ativismo linguístico. Mostra a necessidade de discutir essa questão no Brasil contemporâneo, no espaço da academia. Propõe refletir acerca de possibilidades e implicações políticas do uso dessa linguagem, numa maneira de afronta queer/cu-ir às normatividades/normalidades de língua e de corpos em nossa cultura.

No artigo “A (des)construção de representações em processo formativo de docentes de Ciências Biológicas sobre letramentos acadêmicos” Marlene Aparecida Ferreira- Bigarelli, Vera Lúcia Lopes Cristovão e Jacqueline Costa Sanches Vigole objetivam descrever e avaliar as três fases principais de um percurso formativo oferecido a docentes de dois cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e investigar a (des)construção de representações sobre letramentos acadêmicos, levando-se em conta a cultura disciplinar em questão e as peculiaridades contextuais.

No artigo “Autorrepresentações na educação científica de professoras de Língua Portuguesa promovida em mestrado profissional”, Wagner Rodrigues Silva e Roseane Ferreira, numa pesquisa de análise documental, realizada através das abordagens qualitativa e quantitativa,  investigam o processo de educação científica de professoras de português como língua materna, a partir da análise de trabalhos de conclusão final produzidos pelas docentes e apresentados como dissertações de mestrado profissional. Para isso, identificam objetos de pesquisa produzidos e descrevem autorrepresentações produzidas pelas professoras nas dissertações.

No artigo “A gestão e as práticas em resumos acadêmicos no subdomínio da Enfermagem: rumo ao conceito de Políticas Linguística Disciplinar”, Clara Regina, Guilherme Móes e Marcela de Melo Cordeiro Eulálio questionam como se caracterizam as políticas linguísticas declaradas e praticadas em um periódico científico da área da Enfermagem. O objetivo é analisar as políticas linguísticas na gestão e nas práticas de resumos publicados em um periódico da área de Enfermagem. Fundamenta-se em Spolsky (2004; 2009; 2012) e de Hyland (2008; 2012; 2014).

No artigo “A interação com o outro e a relação entre oralidade e escrita em práticas linguístico-discursivas com vistas ao letramento acadêmico de graduandos em enfermagem”, Sílvio Nunes da Silva Júnior tem o objetivo de investigar a interação com o outro e a relação entre oralidade e escrita em práticas linguístico-discursivas com vistas ao letramento acadêmico de graduandos em enfermagem de uma instituição de ensino superior privada de ensino. Ele demonstra como as práticas de observação crítica da realidade e auto-observação do professor podem ser elementos potencializadores para o letramento acadêmico mais eficaz e significativo.

No artigo “Aspectos da cultura disciplinar da Engenharia: gestão da polifonia e estratégias argumentativas na construção de artigos científicos”, Ev'Ângela Batista Rodrigues de Barros apresenta a análise e os resultados de uma investigação sobre aspectos da “cultura disciplinar” da Engenharia. Ela analisa 16 artigos de maior fator de impacto, de periódicos brasileiros B1 (Qualis Capes 2015/2016), todos de acesso livre e aceitos após avaliação por pares. A autoria identifica ocorrências de remissões a trabalhos prévios e inserções de outras vozes (gestão da polifonia). O estudo faz emergir um retrato de expedientes da construção Hard Sciences.

No artigo “Resumos acadêmicos na área de Geografia: análise da estrutura retórica e percepções sobre o processo de produção”, Marília de Carvalho Caetano Oliveira e Fernando Augusto Teixeira analisam as percepções sobre o gênero resumo acadêmico por parte de alunos e professores de um curso de graduação em Geografia. Eles verificam a estrutura retórica de resumos produzidos por esses estudantes com o apoio do software hipermídia AutorIA e utilizam como referencial teórico metodológico fundamentos dos Novos Estudos de Letramento, da vertente didática do Interacionismo Sociodiscursivo e do modelo Create a Research Space - CARS.

No artigo “Letramento Acadêmico na formação médica a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais e do Projeto Pedagógico do Curso de uma IES”, Sonia Maria Souza demonstra como o Letramento Acadêmico tem sido contemplado na formação de futuros médicos em uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada no noroeste do estado do Rio de Janeiro. A autora analisou as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de bacharelado em Medicina, assim como o Projeto Pedagógico do Curso dessa instituição evidenciando quais elementos são direcionadores para inserção e promoção do letramento acadêmico na formação de futuros médicos.

Finalizadas as apresentações, seguimos para o fechamento de nosso texto.

Sobre palavras finais:

Por fim, com o deleite da apresentação desses valiosos trabalhos, propomos uma reflexão compartilhada de como a produção científica, a partir de estudos já clássicos e/ou ainda da interface de áreas, pode promover o movimento da ciência em prol de ações acadêmico sociais mais responsáveis e implicadas no mundo.

Letrar é vivenciar.

Referências

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