Eficiência comunicativa: desafios e tendências

Marta Deysiane Alves Faria Sousa

Resumo

Neste texto, resenha-se a conferência da pesquisadora Dr.ª Natalia Levshina intitulada Eficiência comunicativa, teoria da informação e os limites da mente humana proferida no evento Abralin ao vivo – Linguists online, no dia 06 de julho de 2020. A conferencista, por meio de sua fala, busca problematizar a questão da eficiência comunicativa e sua relação com a teoria da informação e a pragmática, utilizando exemplos linguísticos tanto da fala humana quanto de línguas artificiais. Ao final de sua arguição, a pesquisadora discorre sobre desafios e aponta possíveis soluções para o desenvolvimento da teoria da eficiência comunicativa utilizando para tanto experimentos com a aprendizagem de línguas artificiais.

Texto

Esta resenha discorre sobre a conferência da pesquisadora Dr.ª Natalia Levshina intitulada Eficiência comunicativa, teoria da informação e os limites da mente humana1[1] proferida no evento Abralin ao vivo – Linguists online, no dia 06 de julho de 2020 e mediada pelo Professor Dr. Guilherme Garcia. A conferencista organiza sua fala em três blocos: apresenta o que é eficiência comunicativa apontando dois tipos de custos (articulatório e processamento) envolvidos e como a teoria da informação se relaciona com eles; discorre sobre aspectos relacionados à pragmática na eficiência comunicativa; e finaliza com desafios e soluções para o desenvolvimento da teoria da eficiência comunicativa.

Inicialmente, Levshina define eficiência como a razão entre custo (articulação e processamento, por exemplo) e benefício (transferência bem-sucedida de uma mensagem). Sobre a teoria da informação, a conferencista aponta que uma língua é eficiente quando permite ao falante transmitir mensagens com o mínimo de esforço, afirmando que quando a mensagem é previsível, menos código pode ser usado. A previsibilidade é medida pela informatividade de um conteúdo, que pode ser obtida pela expressão: I = -log2P (x). Levshina explica que a palavra “piano” (piano), por exemplo, é menos informativa e mais previsível do que “harpsichord” (cravo), porque sua probabilidade de ocorrência é maior do que a de “cravo”. Já no nível contextual (quão informativo é um elemento em um determinado contexto), a frase “Eu gostaria de uma taça de vinho” é menos informativa e mais previsível que “Eu gostaria de uma taça de cianeto”. Os exemplos demonstram que há uma relação entre a teoria da informação e a eficiência comunicativa, ou seja, um sistema ou uso linguístico é eficiente se a correlação entre esforço (tamanho formal) e a informatividade for positiva. É importante ressaltar que é preciso que essa correlação também seja estatisticamente forte, ou seja, o coeficiente de correlação deve ter um valor próximo de +1,0.

Levhsina apresenta a lei de Zipf, na qual palavras mais frequentes tendem a ser mais curtas, como “watch” (ver), que é mais frequente e menor que “gongoozle”(observar). A pesquisadora reforça essa a lei com o estudo de Bentz e Ferrer-i-Cancho (2015), no qual mais de 1.000 línguas apresentavam uma correlação negativa entre o tamanho da palavra e sua frequência de uso. Levshina conclui que a Lei de Zipf é sincronicamente universal, comprovando com o Klingon2, mostrando em um gráfico de dispersão, que o tamanho das palavras em Klingon também possui correlação negativa com a frequência de uso.

Levshina aponta, contudo, que não é somente a frequência que determina o tamanho das palavras. Ela apresenta os resultados de Piantadosi et al. (2011) nos quais a correlação entre informatividade e tamanho das palavras é mais forte do que entre tamanho e frequência, em línguas europeias. Levshina apresenta também a relação entre a marcação e frequência de uso. Para a conferencista, a marcação é uma questão de eficiência e não de frequência, exemplificando com as palavras “livro” e “livros”, em que a marcação do plural na segunda palavra a torna maior, portanto, mais informativa e eficiente, embora seja menos frequente. Para Levshina, esse efeito é local, visto que não ocorre com todos os substantivos em todas as línguas, como no inglês, em que a forma plural “blueberries” (mirtilos) é maior, mais frequente e menos informativa que sua forma singular, sendo, portanto, menos eficiente.

Para finalizar a questão sobre articulação, eficiência e a teoria da informatividade, Levshina apresenta a variação morfossintática na qual existem padrões de eficiência. A conferencista cita a variação de marcação de caso no estudo de Kurumada e Jaeger (2015[2]) sobre a língua japonesa. Nessa língua, em construções típicas (o objeto é um ser inanimado), a marcação do objeto é omitida mais frequentemente.3

Sobre processamento e eficiência, Levshina discute a ordem das palavras. A pesquisadora argumenta que existe evidência de que usuários da língua tentam diminuir o tamanho da dependência entre palavras relacionadas sintaticamente, permitindo o parsing e a geração de língua natural mais eficientes. Para ilustrar, cita o padrão “curto antes do longo” em línguas VO, como na frase: “Li, com grande interesse, seu artigo sobre classificadores em línguas sínicas [...].”, em que o complemento menor, “com grande interesse”, antecede o maior, “seu artigo sobre [...]”, diminuindo os custos de processamento. Esse fato pode ser também visto em Ryan (2019[3]), que conduz um estudo mostrando evidências de que o peso final prosódico favorece a colocação de constituintes maiores em posição final.

Levshina reforça seu argumento mostrando dados do Universal Dependencies corpora em que várias línguas europeias compartilham uma tendência probabilística acima de 50% de realização do padrão V+SP curto+SP longo, como em “Gostaria de agradecê-lo por vir até aqui me vistar.”, em que o sintagma preposicional maior “por vir até aqui [...]” é posicionado ao final. A conferencista usa o Yodish4, para exemplificar o tamanho da dependência das palavras nas sentenças e sua relação com a eficiência em línguas artificiais. Em “Descansar eu preciso”, o tamanho da dependência entre o objeto e o verbo equivale a duas vezes o tamanho da dependência entre o sujeito e o verbo. Já na versão padrão “Eu preciso descansar”, os tamanhos são iguais. Depois de analisar roteiros originais e padronizados para o inglês de cinco filmes Star Wars, a pesquisadora demonstrou que a frequência de ocorrência de tamanhos de dependência menores tende a ser maior no Yodish padronizado do que Yodish original, mostrando que o inglês humano tende a ser levemente mais eficiente que o Yodish.

No segundo bloco de sua fala, Levshina relaciona pragmática à eficiência, por meio da teoria dos atos de fala racionais. Sob essa perspectiva, os falantes agem de forma racional e eficiente (o falante faz suas escolhas baseando-se na probabilidade de um ouvinte literal poder corretamente compreendê-lo) e os ouvintes inferem o estado do mundo por meio da inferência Bayesiana a partir do que o falante disser. Levshina argumenta que é possível medir a utilidade/eficiência comunicativa ao se subtrair os custos comunicativos do falante (tempo e esforço) dos benefícios do falante (quão certo estará o ouvinte sobre o mundo pretendido, após ouvir uma frase).

No último bloco, Levshina discute desafios e possíveis soluções para a eficiência comunicativa. O primeiro desafio levantado é a relação entre eficiência e discurso: em uma comunicação não-verbal, na qual não há necessidade de ser explicito, não fica claro como medir a eficiência, mostrando que é preciso construir um quadro teórico e ferramentas para incluir a previsibilidade nesse tipo de situação em uma abordagem da teoria da informação. Isso porque é negativa a correlação entre o grau de explicitude e a ativação e acesso mental do referente, por exemplo, quando os falantes introduzem um novo referente no discurso, “Você sabia que Joana, a professora de inglês, foi demitida?”, em que foi usada uma expressão semanticamente rica (a professora de inglês) uma vez que a ativação e o acesso mental ao referente eram baixos.

Outros dois desafios levantados pela conferencista dizem respeito ao quanto os usuários da língua são realmente racionais e à variabilidade no raciocínio pragmático. Levshina cita Qing e Franke (2015) e Sikos et al. (2019) que oferecem modelos que têm explicado melhor a racionalidade ao utilizar a saliência. Para Levshina considerar somente o ouvinte literal e adicionar a saliência do objeto (há objetos mais salientes que outros), tornam o modelo mais simples e mais útil.

Já sobre a variabilidade, a conferencista, baseando-se em Franke e Degen (2016), afirma que alguns seres humanos não são bons em recursividade. Reforça seu argumento, apresentando um experimento de Valangendonck et al. (2016, 2018), no qual observou-se que o falante nem sempre formula seu discurso para favorecer o ouvinte, mostrando que os usuários não são sempre racionais e cooperativos.

Levshina aponta também como desafio o falante egocêntrico, apresentando, primeiramente, dois aspectos da redução fonética: ela independe do ouvinte (depende da frequência e da informatividade) e nem sempre é ajustada em relação ao ouvinte, dependendo da previsibilidade semântica e discursiva. Em segundo lugar, aponta a relação do falante egocêntrico com a variação gramatical, citando os resultados de Ferreira e Dell (2000), nos quais a conjunção integrante “que” é usada quando seguida de uma palavra menos acessível e não para evitar a ambiguidade.

Em seguida, relaciona a ordenação eficiente das palavras com o falante egocêntrico por meio de dois fatores: a) o princípio da localidade da informação, no qual palavras sintaticamente relacionadas tendem a se localizar próximas umas das outras e b) a iconicidade da contiguidade, em que formas que são semanticamente relacionadas tendem a ocorrer próximas umas das outras. Para a conferencista, então, parece que essa tendência à redução estaria relacionada somente ao falante.

Levshina apresenta também explicações alternativas para a lei de Zipf e para o fenômeno da marcação. Sobre o primeiro, apresenta o contraponto de Miller (1957), para quem resultados similares aos de Zipf poderiam ser encontrados com macacos. Para realizar o experimento bastaria a digitação aleatória de letras e o espaço em branco com uma probabilidade pré-determinada. Foi o que a pesquisadora fez, e comparou a frequência do tamanho dos caracteres na digitação aleatória com os tweets de Donald Trump. No experimento de digitação aleatória, a correlação entre a frequência e o tamanho dos caracteres foi fraca, já no de Trump, forte, evidenciando que os humanos são menos eficientes que os “macacos”5.

Para o fenômeno da marcação, Levshina apontou que Cristofaro (2019) verificou que construções no plural não era consequência da necessidade de desambiguizar, mas da própria sintaxe, como em construções distributivas, partitivas e expressões de multitude. No entanto, a conferencista ressalta que esse ponto de vista exclui línguas nas quais o plural não é marcado.

Devido a esses desafios a pesquisadora questiona se os fatores condicionantes da eficiência são definidos somente pela audiência, ou se seriam consequências de outras pressões cognitivas ou históricas. Uma solução possível, na visão de Levshina, seria o experimento com línguas artificiais. Ela detalha seu próprio estudo de 2019 com construções causativas. Os resultados desse estudo mostraram que os usuários da língua descreviam os eventos causativos mais frequentes com formas menores em maior frequência. Já os eventos raros, com formas maiores, mudando a língua aprendida, tornando-a mais eficiente.

Diante de todo o exposto, Levshina conclui: a) que é necessário distinguir o uso eficiente de uma língua e o uso de uma língua baseado em princípios de eficiência, e mostrar casos em que essas duas perspectivas se sobrepõem; b) que o experimento com aprendizagem de línguas artificiais pode contribuir para testar o potencial de formas causativas controlando-se previsibilidade e frequência; c) que a teoria da informação deve encontrar formas de incluir outros tipos de recursos modais; e d) que a racionalidade dos usuários da língua é superestimada.

De forma detalhada e com exemplos acessíveis ao grande público, Levshina consegue problematizar a questão da eficiência comunicativa, mostrando teorias consolidadas no campo, ao mesmo tempo em que as questiona. Aponta, também, áreas que podem ser exploradas, como a multimodalidade na teoria da informação e a teoria dos atos de fala racionais. Ademais, a conferencista apresentou, com evidências de estudos recentes, como experimentos com a aprendizagem de línguas artificiais podem contribuir para superar certos desafios, como controle de variáveis como racionalidade, previsibilidade e contexto.

Referências

COMMUNICATIVE Efficiency, Information Theory and the Limits of Human Rationality. Lecture delivered by Natalia Levshina [S.l., s.n], 2020. 1 video (1h 07min 40s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4-HitgCcpEA&t=2684s. Acesso em: 6 jul. 2020.

KURUMADA, C.; JAEGER, T.F. Communicative efficiency in language production: Optional case-marking in Japanese. Journal of Memory and Language, v.83, p.152–178, 2015. Disponível em: https://kinderlab.bcs.rochester.edu/papers/KurumadaJaeger2015.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.

RYAN, K. M. Prosodic end-weight reflects phrasal stress. Nat Lang Linguist Theory, v. 37, p. 315–356, 2019. https://doi.org/10.1007/s11049-018-9411-6. Disponível em: http://www.people.fas.harvard.edu/~kevinryan/Papers/ryan_2019_endweight.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.