Tecnologias digitais no ensino de línguas: passado, presente e futuro

Vera MENEZES

Resumo

Este texto apresenta a história da aprendizagem de línguas mediada por computador no Brasil, discutindo experiências passadas e atuais e fazendo previsões para o futuro. O artigo mostra que a proposta de Warschauer (1996) de três fases para a história de do uso de tecnologias no ensino de línguas (behaviorista, comunicativa e integrativa) não é adequada para descrever o que aconteceu no Brasil por causa da chegada tardia dos computadores nas escolas. Também demonstra que o interesse pelas tecnologias digitais tem crescido e tem havido um aumento expressivo de publicações neste campo em livros e edições especiais de periódicos. Após as previsões para o futuro do uso de tecnologia, o texto conclui que não há necessidade de apagar práticas antigas, mas eficientes. No entanto, é preciso haver engajamento em novas formas de aprender e ensinar, de interagir e de criar conhecimento.

Introdução

As inovações tecnológicas sempre foram vistas com reservas por uns e com entusiasmo por outros, mas é inquestionável a sua relevância no ensino de línguas modernas. Antes do papel e da eletricidade, os homens percebiam, em seu ambiente, propiciamentos (affordances) para criar tecnologias de informação e comunicação. Como relato em Paiva (2009, p. 17),[1] “[O] homem registrou sua história em pedra, barro, cascas de árvore, ossos de baleia, dentes de foca, conchas, cascos de tartaruga, bambu, tecido, papiro e pergaminho”. As invenções da prensa e do papel marcaram profundamente a humanidade com a facilidade de disseminação da informação.

Na história do ensino de línguas modernas, considero que houve três momentos marcantes associados à criação de tecnologias. O primeiro foi a invenção da prensa por Gutenberg e o surgimento dos livros didáticos. O segundo está associado às tecnologias de voz, com discos, gravadores e fitas cassete e a consequente criação dos laboratórios de língua e dos gravadores portáteis, que podiam ser facilmente levados pelos professores para as salas de aula. Por incrível que pareça, a TV e o videocassete foram subutilizados no ensino de língua. O terceiro momento é caracterizado pela criação do computador e da Internet e pela evolução dos equipamentos e dos telefones celulares, que se tornaram inteligentes e, por isso mesmo, são chamados de smartphones (telefones inteligentes).

Warschauer (1996)[2] divide a história do ensino de línguas mediado por computador em três fases: behaviorista, comunicativa e integrativa.

1. A behaviorista (dos anos 1960 aos 1970), caracterizada pela oferta de atividades individuais, especialmente de exercíciosrepetitivos (drills) por meio de programas desenvolvidos paracomputadores mainframe.1 Um desses programas foi o PLATO, criado em 1960, e que, segundo Warschauer (1996, p. 4)[2], era dos mais sofisticados “e era rodado em equipamento próprio, utilizava um computador central e terminais”.

2. A comunicativa (dos anos 70 aos 80), que abandona a manipulação de frases pré-fabricadas e foca no uso da língua sem preocupação com os erros. Surgiram os programas de reconstruçãode texto, os processadores de texto, programas para publicação, corretores de vocabulário e gramática e outros que estimulavam a interação entre alunos como o SimCity, um jogo que simula a construção e a administração de uma cidade, e Where in the world is San Diego, um jogo em que o jogador tenta solucionar um caso por meio de dicas sobre geografia.

3. A integrativa, possibilitada pela chegada da Rede Mundial de Computadores (World Wide Web – WWW), as tecnologias de publicação e compartilhamento de informação de todos os tipos e oenvio de mensagens de forma síncrona (ex. chat) e assíncrona (ex. e-mail).

Essa divisão não se aplica à realidade brasileira, pois o primeiro registro de uso de computador para o ensino corresponderia à fase comunicativa é o de Freire (1992)[3], que investigou a interação de aprendizes utilizando a primeira versão do SimCity. Isso não quer dizer que não tenha havido outras experiências, mas, se houve, foram esporádicas e não há registro. Além disso, muitos recursos para a aprendizagem publicados na web podem, até hoje, ser classificadoscomo behavioristas.

Levy (1997)[4] faz um levantamento histórico do ensino de línguas mediado por computador nas décadas de 1980 e 1990. Nos anos 80, menciona os programas de reconstrução de texto, como o Storyboard, e os jogos com simulações aplicados ao ensino de línguas. Ele descreve os anos 90 como um grande salto no desenvolvimento tecnológico com a chegada rede de Internet2 como a conhecemos hoje: a Rede Mundial de Computadores (World Wide Web ou WWW). Nessa década, ele cita o surgimento de projetos como o de Brammerts (1995)3, o International Email Tanden Network, e os projetos interativos de ensino de holandês, inglês, francês e espanhol do consórcio CAMILLE (Computer-Aided Multimedia Interactive Language Learning), que reunia parceiros no Reino Unido, França, Espanha e Holanda.

A rede em Tandem4 de Brammerts funcionava em listas de discussão bilíngues e os participantes atuavam ao mesmo tempo como professores de sua própria língua e como aprendizes de uma outra língua. Os projetos do consórcio CAMILLE utilizavam um ambiente interativo multimídia, “incluindo livro didático, uma gramática, um dicionário com áudio das palavras gravadas por nativos, um livro sobre a cultura da língua alvo, e um caderno de anotações” (LEVY, 1997, p. 35)[4].

Considero que, no Brasil, os computadores só começaram a se integrar ao ensino no final dos anos 90 com a chegada da rede mundial de computadores às escolas. A nova tecnologia foi recebidacom muita desconfiança e até mesmo resistência por parte de colegas e administrações escolares. Nas escolas, a tecnologia se integrou facilmente nas administrações e nas bibliotecas, mas causava temor e estranheza aos pedagogos e professores. Houve até casos de proibição por parte das direções quando alguém ousava a ministrar conteúdos on-line.

A seguir, divido minhas reflexões em passado, presente e futuro. Na seção sobre o passado, narro as primeiras experiências com os computadores no ensino de línguas. Na dedicada ao presente, incluo as experiências atuais e, na última seção, faço previsões para o futuro. É bom lembrar que as tecnologias digitais mudam velozmente, por isso continua adequado chamá-las de novas, pois novidades surgem a todo momento. Preciso também ressaltar que o passado aqui retratado é um passado bem recente.

O Passado: as primeiras iniciativas

Antes do surgimento dos computadores pessoais, havia os mainframes, que eram computadores enormes, muito caros e usados apenas em algumas empresas. Não conheço nenhum registro de seu uso no ensino de línguas no Brasil, mas houve uma tímida entrada na administração escolar. Lembro-me, perfeitamente, no início da década de 70, de ver meus professores registrando nossa frequência às aulas, na Universidade Católica de Minas Geral, hoje Pontifícia, por meio de cartões perfurados que seriam depois processados em mainframes.

Com a popularização do computador pessoal (PC), nos anos 80, os computadores começaram a ser usados em escolas no Brasil. Os primeiros usos se restringiam à digitação de provas e textos.As máquinas de datilografia começavam a ser aposentadas e as escolas começavam a adquirir seus computadores. Aos poucos, os professores também compravam seus próprios equipamentos. Meuprimeiro PC foi adquirido por meio de um consórcio em 1989, mas era usado como uma máquina de escrever moderna que permitia corrigir os erros sem ser necessário jogar papel fora. Isso representou uma grande economia de tempo para a produção de textos escritos.

O acesso público à Internet, no Brasil, só aconteceu em 1995, mas antes disso, por volta de 1990, nós, professores das universidades federais e paulistas, conseguíamos nos conectar com um colegade cada vez, em outra universidade, por meio de uma tecnologia que criava uma rede internacional chamada BITNET (Because It is Time Network). Isso aconteceu graças a uma iniciativa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A comunicação era precária, pois a única forma de corrigir um erro de digitação era apagar tudo que havia sido digitado para frente até se chegar ao erro.

Nessa época, foi criada, sob a coordenação da Profa. Anthea Tillyer, na City University de Nova York, a primeira e a maior lista de discussão do via e-mail, reunindo professores de inglês do mundo inteiro, a TESL-L. Segundo Tillyer (1995, p. 1)[5], criadora e moderadora da lista, o projeto teve início em maio de 1991, com financiamento do governo americano. Ela afirma que a lista de discussão possuía 750 participantes em setembro de 1992 e que chegou a 19.000 em setembro de 1995, quando o relatório foi escrito.

Participei dessa lista desde o seu começo até sua interrupção, em maio de 2012. Ela foi uma fonte importante de educação continuada para mim e para professores no mundo inteiro. Em setembro de 2006, a lista possuía 32.293 membros em 172 países, conforme registra Rohit (2006, p. 11)[6].

Com os primeiros laboratórios de informática com acesso à Internet, começaram os cursos mediados pelo computador e outras iniciativas educacionais. Em Menezes (2009, p. 6)[7], relato essa história e registro:

"No ensino de línguas mediado por computador no Brasil, a pioneira foi a Profa. Heloisa Collins, da PUCSP. Ela desenvolveu, em conjunto com sua mestranda Ana Sílvia Ferreira, um curso de leitura instrumental usando o Bulletin Board System, que dependia de uma conexão telefônica. Ferreira (1998)[8] registrou essa experiência em sua dissertação de mestrado, o primeiro trabalho acadêmico a relatar pesquisa em ELMC5 no Brasil."

O primeiro laboratório de computadores, para os alunos da Faculdade de Letras da UFMG, foi implantado no final de 1997, com apoio do projeto PROIN da CAPES, um programa de Apoio à Integração Graduação/Pós-Graduação. Nessa mesma época, os antigos laboratórios de idioma começavam a perder prestígio e as escolas incorporavam, definitivamente, os laboratórios com computadores.

Desde 1998, venho ministrando várias disciplinas on-line. A princípio, por meio de e-mail e lista de discussão, depois com suporte da web para publicação das tarefas em homepages até a migração para um ambiente virtual de aprendizagem (AVA), o Teleduc, um AVA gratuito desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas, e, posteriormente para o Moodle6.

Em minhas atividades de pesquisa, orientei trabalhos pioneiros no Brasil, como a pesquisa de mestrado de Ricardo Augusto de Souza (2000)[9] sobre interação de aprendizes de inglês com seus pares estrangeiros por meio de chat, e sua tese de doutorado (SOUZA, 2003)[10] sobre aprendizagem em tandem, ambas produzidas com a colaboração de nossos alunos da graduação, que permitiram o uso dos dados gerados durante duas disciplinas.

Em 1997, criei uma disciplina de “Leitura e escrita através da Internet”, que descrevo da seguinte forma em Paiva (2001, p.271-272)[11]

"Recorremos a materiais disponíveis em sites de vários países e utilizamos o correio eletrônico como meio de interação não só entre aluno(s)-professor, mas entre aluno-aluno, aluno-alunos, alunos-alunos e aluno-outro falante da língua inglesa. Através da utilização de lista de discussão é promovida a interação entre os alunos, professor e outras pessoas que possam contribuir para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Aumentam-se as oportunidades de interação real e, consequentemente, aumentam-se o input e as oportunidades de aquisição do idioma. A interação de um-para-muitos, de um-para-um, ou melhor ainda, de muitos-para-muitos cria uma comunidade discursiva virtual que propicia a aprendizagem colaborativa."

Posteriormente, desenvolvi experiências de aprendizagem com parceiros no exterior, e disciplinas de prática de ensino com discussões de textos on-line e produção de material para a web. Alunos criaram homepages, blogs, webquests e participaram de projetos de escrita colaborativa on-line. Outros professores desenvolveram atividades semelhantes ou diferentes em outros estados, mas acredito que a UFMG foi pioneira na oferta de disciplinas on-line, tanto na graduação, como na pós-graduação.

Lidamos com problemas de falha de conexão ou lentidão para baixar conteúdos, enviar uma imagem, ou assistir a um pequeno vídeo. Naquela época, poucos alunos possuíam computadores em suas residências e ainda não tínhamos tecnologia móvel. Mas tudo evoluiu rapidamente, como veremos na próxima seção.

Presente: a integração das tecnologias digitais

O presente é marcado pela banda larga e pelos equipamentos móveis: notebooks, cada vez mais leves, tablets, celulares inteligentes e conexão à Internet sem fio. Como afirma Lipponen (2010, p.52)[12]:

"(...) novas ferramentas culturais cada vez mais medeiam nossas atividades diárias, especialmente por meio de tecnologia da informação. Nos locais de trabalho, e cada vez mais nas escolas, as pessoas usam as tecnologias de informação e comunicação (TIC) para produzir, armazenar, planejar, controlar e comunicar informações."

Para Lipponen (2010, p.52)[12], os computadores, os tablets e os celulares são as novas ferramentas para o letramento. E acrescenta: “Com e por meio delas, é possível acessar informações a qualquer hora e em qualquer lugar; essas ferramentas abrem o mundo da informação. Elas possibilitam novas formas de ser letrado que exigem seu uso.”7

Em 20 de julho de 1998[13], quando estávamos no início de nossas experiências com os computadores de mesa, Stephen Downes fazia a seguinte previsão:

"O PAD (Dispositivo de Acesso Pessoal) se tornará a ferramenta dominante para a educação on-line, combinando a função de livro, caderno e caneta. Pense no PAD como um notebook leve com funções touchscreen e acesso à internet sem fio, de alta velocidade. O PAD vai se parecer com uma prancheta e vai ter peso semelhante. Sua tela de alta resolução exibirá texto, vídeo e multimídia fáceis de ler. O PAD aceitará comandos de voz, reconhecerá sua escrita manual ou aceitará a entrada por meio de um teclado sensível ao toque.8"

A previsão de Downes se efetivou. Os pads, ou tablets, fizeram a revolução da tecnologia móvel, mas o que Downes não previu foi que os celulares inteligentes teriam também as funções descritas por ele para os tablets e que hoje representariam a tecnologia dominante em todos os lares, só perdendo para o aparelho de televisão, como mostra o gráfico a seguir, com dados coletados entre novembro de 2015 e junho de 2016 pelo O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR, 2015)[14]. O gráfico 1 mostra que, naquele período, em 93% dos lares pesquisados, existiam celulares e que os tablets estavam presentes em apenas 19% desses lares.

Figure 1. Gráfico 1 Equipamentos para tecnologia de informação e comunicação (TIC)

Chama a atenção, no gráfico, a redução da presença de telefones fixos (39% dos lares) e dos computadores de mesa (25% dos lares).

O Cetic.br realiza, periodicamente, pesquisa sobre a disponibilidade das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no Brasil. Entre setembro e dezembro de 2015, investigaram também, entre outros itens, o uso de TIC nas escolas (CETIC.BR, 2015)[14] e os dados coletados indicam que 96% das escolas brasileiras estão conectadas à internet, sendo 87% com acesso sem fio. Apenas 10% têm acesso livre à conexão sem fio; 61% têm uso restrito ou com senha não disponível aos alunos; e 17% têm uso restrito ou com senha disponível aos alunos. Quanto aos locais de acesso nas escolas, 69% das escolas têm laboratórios de informática e 46% oferecem acesso em sala de aula para computadores portáteis ou tablets.

O interesse pelas tecnologias digitais cresceu e, hoje, elas estão presentes no ensino de línguas e na pesquisa do norte a sul do país. Nos últimos anos, houve um aumento expressivo de publicações em números especiais de periódicos e em várias coletâneas e livros. Além de periódicos especializados em tecnologia educacional, a revista Trabalhos em Linguística Aplicada (ROCHA; WINDLE, 2016)[15] reuniu 12 artigos sobre linguagem, educação e tecnologia; a Veredas (BRAGA, TAVARES; RIBEIRO, 2016)[16] publicou um número temático sobre as tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de línguas com 10 artigos; e a D.E.L.T.A. teve um número especial organizado por Telles (2015)[17], em inglês, com nove artigos sobre a aprendizagem de línguas no sistema tandem.

Em 2015, temos três livros: o primeiro, organizado por Jesus e Maciel (2015)[18], apresenta uma coletânea com 15 capítulos, na qual os autores tratam da inserção da tecnologia na escola, novas práticas educacionais, novos letramentos e formação de professor para uso da tecnologia. O segundo, organizado por Zacchi e Wielewicki (2015)[19], não se restringe às mídias digitais, mas inova ao tratar da literatura também em contexto digital, além de trazer dois capítulos sobre jogos digitais. O terceiro, organizado por Braga (2015)[20], reúne 11 textos que, nas palavras da organizadora, permitem “uma visão panorâmica sobre as possibilidades e contradições das TDIC nos diferentes movimentos de participação e ação sociais” (BRAGA 2015, p.8)[21]. Esse livro inova ao trazer estudos que tratam do impacto das tecnologias não apenas no contexto escolar, mas também em contextos de desigualdade, em movimentos sociais e em diálogos interculturais.

Em 2016, foram publicados quatro livros. Coscarelli (2016)[22] e seus 10 colaboradores enfatizaram aspectos da leitura no ambiente virtual e dos jogos; Buzato (2016)[23] e seis colaboradores discutiram temas da cultura digital, tais como colaboração, curadoria letramentos, identidade, dentre outros; Fettermann e Caetano (2016)[24] organizaram uma coletânea que trata de linguagem no suporte digital, de ensino de língua e literatura e também de avaliação; e Leffa e Araújo (2006)[25] reuniram 16 pesquisadores para discutir as redes sociais e o ensino de línguas. Alguns autores fizeram reflexões sobre as redes sociais, seu funcionamento e os discursos que por lá circulam e outros descreveram experiências educacionais em redes sociais.

Parece que as redes sociais chegaram para ficar. Estudo realizado pela Innovar e Pesquisa (2016)[26] revelou, em fevereiro de 2016, que oito em cada dez brasileiros estavam conectados em redes sociais. 99 milhões de brasileiros circulavam pelo Facebook diariamente e desses, 89 milhões acessavam com celulares e tablets. A pesquisa Kids Online (CETIC.BR, 2015)[14], verificou, no período entre novembro de 2015 e junho de 2016, com base em respostas de 23.677.796 usuários de Internet de 9 a 17 anos, que 87% deles possuíam perfis em redes sociais e 68% acessavam a Internet mais de uma vez por dia.

Com a chegada do Facebook e do Twitter, os blogs ficaram menos atraentes assim como as páginas pessoais na web. Os telefones inteligentes e seus aplicativos estimulam as pessoas a fotografar, editar imagens e filmar cenas de seu cotidiano e a publicar seus vídeos e imagens das mais diversas atividades sociais e individuais nas redes sociais.

É possível criar fanpages 9 com temas específicos e até os periódicos científicos foram estimulados a criar contas no Twitter e páginas no Facebook. Alguns professores criam páginas para suas turmas e muitas experiências de aprendizagem circulam na rede. Meus colegas e eu, do laboratório Lalintec, temos uma fanpage onde postamos dicas para ensino e aprendizagem de inglês. Chama-se “Inglês Vivo’ e pode ser acessada em https://www.facebook.com/vivoingles/.

Mas o que as crianças e os adolescentes brasileiros fazem quando acessam à Internet? A pesquisa do Cetic.br (2015)[14] verificou que o maior percentual de acesso (80%) é para buscar informações para fazer trabalhos escolares. Em seguida, vem o acesso a redes sociais, empatado com o envio de mensagens instantâneas (79%). Os outros percentuais são: 75% baixaram aplicativos; 68% pesquisaram coisas por curiosidade; 63% assistiram a vídeos, programas ou séries on-line; 59% ouviram música on-line; 56% postaram vídeos ou imagens em que aparecem; 55% baixaram músicas ou filmes; 52% compartilharam texto, imagem ou vídeos; 46% jogaram on-line não conectados com outro jogador; 46% leram ou assistiram notícias on-line; 38% jogaram on-line conectados com outro jogador; 37% postaram na Internet um texto, imagem ou vídeo que ele/ela mesmo fez; 32% usam mapas on-line; 30% compartilharam na Internet o lugar onde estava; 22% conversaram por chamada de vídeo; 13% fizeram compras na Internet.

Esses dados revelam que estamos em uma época efervescente de experimentações diversas. A cada dia surgem aplicativos para a aprendizagem de línguas, no entanto, o conteúdo ainda precisa melhorar.

Em um texto intitulado “Aplicativos móveis para aprendizagem de língua inglesa” (PAIVA, 2017)[27], analiso os quatro apps 10 para aprendizagem de inglês mais populares no site do iTunes.11 Observei que todos têm boa usabilidade e utilizam tecnologia de fácil manipulação. Quanto ao conteúdo, há uma forte ênfase em vocabulário, gramática, tradução e exercícios de repetição, mas nenhum deles oferece input autêntico. A impressão que se tem é que a tecnologia é avançada, mas falta boa assessoria na preparação dos materiais.

Muitas são as possibilidades de uso da tecnologia no ensino. Gee (2013, p.197)[28] lista uma série de ferramentas digitais úteis na educação de crianças, mas que eu considero serem úteis em qualquer nível de ensino. São elas:

  • Computadores tutores artificiais adaptáveis que podem ensinar e ser ensinados.
  • Multimídia que pode representar informações em muitas modalidades diferentes.
  • Simulações.
  • Mundos virtuais.
  • Videogames.
  • Agentes pedagógicos animados que podem ensinar e orientar.
  • Ferramentas digitais para colaboração e inteligência coletiva.
  • Ferramentas digitais para design e produção digital de qualidade profissional.
  • Espaços de interesses, paixões e afinidades dedicados a quase tudo o que se pode nomear.
  • Mídia social para interação em tempo real e assíncrona.
  • Locais para escrita colaborativa e pesquisa (por exemplo, Wikipedia).
  • Ferramentas de busca.
  • Realidade aumentada (ambientes reais aumentados por imagens geradas por computador).

Dessa lista, acredito que ainda não nos apropriamos da realidade aumentada para o ensino de línguas. Em acréscimo à lista de Gee (2013, p.197)[28], acredito que, em nosso contexto, há professores e alunos utilizando, para fins educacionais:

  • Messenger e Whatsapp e, cada vez menos, o e-mail para interações acadêmicas e educacionais.
  • Whatsapp para trabalhos em grupo.
  • Skype para interações por vídeo e voz em tempo real para atividades acadêmicas, como, por exemplo, defesas de trabalhos finais de curso.
  • Dropbox, icloud e outros espaços virtuais para armazenamento de dados.
  • Corpora públicos para consulta e estudos sobre diversas línguas, como, por exemplo, o Corpus of Contemporary AmericanEnglish (COCA), disponível em: http://corpus.byu.edu/coca/.
  • Dicionários eletrônicos.
  • Aplicativos para aprendizagem de línguas.
  • Redes sociais para atividades pedagógicas, como, por exemplo, o Facebook.
  • Formulários eletrônicos, como, por exemplo, Survey Monkey, para criação de questionários e coleta de informações.
  • Google docs e ferramentas wiki 12 para escrita colaborativa.
  • Google Drive para compartilhamento de material.
  • Ferramentas de apresentação como Power Point e Prezi.
  • Jogos na web.
  • Rádio na web.
  • Ambientes virtuais de aprendizagemcomo o Moodle.
  • Youtube e outros repositórios de vídeos para publicação de aulas, tutoriais e atividades realizadas pelos estudante.
  • Publicação de objetos de aprendizagem de acesso aberto (ver o projeto ELO do Prof. Vilson Leffa, disponível em http://www.elo.pro.br/cloud/).
  • Software para aprendizagem de línguas (ver levantamento de Borges, 2014)[29].

Quem ainda não utiliza nenhuma das possibilidades acima, provavelmente, o fará no futuro bem próximo, pois, como afirma Gabriel (2013, p.108)[30],

(...) os estudantes resgataram para si a interatividade e foco da aprendizagem por meio das tecnologias digitais. Estamos vivendo a paideia digital, potencializada pela banda larga e mobilidade.

Esse processo foi acontecendo nas últimas décadas em uma camada digital sobreposta à estrutura física e tradicional da escola, minando o processo de educação que prevalecia há séculos, mas que não funciona mais. Esse é um cenário assustador para as instituições de ensino e professores, que precisam compreender as novas regras do jogo e aprender a jogar rapidamente. Se por um lado isso parece ser uma ameaça aos professores e instituições de ensino, por outro talvez esse seja o maior saltona história da humanidade para uma revolução espetacular da educação, aprendizagem e sociedade, e, nesse contexto, o professor tem um papel fundamental.

Gabriel (2013, p.108)

Em vista disso, acredito que, ou integramos a camada digital em que vivem nossos alunos à camada física da sala de aula, utilizando essas tecnologias em nossas aulas, ou integramos a camada física da sala de aula à camada digital, ampliando o ensino on-line sem presença física na escola.

Na Universidade Federal de Minas Gerais, já temos experiência consolidada em trabalhar na camada digital, ministrando cursos de leitura em inglês para grupos de mais de 1000 alunos por semestre. Mas será que isso se manterá no futuro?

Futuro: perspectivas

O avanço das tecnologias me leva a fazer as seguintes previsões para o futuro:

  1. Os cursos de leitura instrumental vão desaparecer em função do aprimoramento dos programas de tradução automática.
  2. Teremos banda larga de amplo acesso gratuito.
  3. As baterias vão durar mais e vão ser carregadas em menos tempo.
  4. Haverá ampliação de tecnologias assistivas de forma a mediar a interação entre professores e alunos com necessidades especiais.
  5. O movimento traga seu próprio equipamento, conhecido pela sigla BYOD (Bring your own device), vai contribuir para a extinção dos laboratórios computadorizados como conhecemos hoje. Eles vão ser substituídos pelos equipamentos móveis trazidos pelos próprios alunos ou emprestados pelas instituições onde estudam.
  6. As lousas digitais vão ser substituídas por telas de LED grandes e sensíveis ao toque.
  7. Os desktops serão substituídos por equipamentos moveis cada vez menores.
  8. As atividades de aprendizagem on-line assíncronas vão se ampliar.
  9. Cursos/disciplinas na modalidade MOOC13 vão se expandir.
  10. Haverá aumento de aprendizagem autônoma em função dos aplicativos de celulares, que permitem aprender em qualquer lugar e a qualquer hora.
  11. A vídeo conferência 3D vai ser explorada pelas grandes universidades multicampi, possibilitando a presença de um mesmo professor em vários campi ao mesmo tempo por meio de sua projeção como imagem 3D.
  12. Vão aparecer muitos programas e aparelhos desnecessários e que serão ignorados ou terão vida breve como foi o caso do mouse mischief, um programa da Microsoft que conecta vários mouses na sala de aula e que permite que alunos marquem, individualmente, de sua carteira, a opção correta de um exercício projetado em Power Point. Outro exemplo é o dos laptops distribuídos pelo projeto UCA (um computador por aluno) do governo federal. O sistema dos laptops UCA era bastante limitado; as escolas não possuíam a infraestrutura necessária e os professores não estavam preparados para seu uso.
  13. Haverá ampliação de atividades pedagógicas gamificadas14.
  14. Os livros digitais ganharão cada vez mais espaço e mais prestígio na comunidade acadêmica.

É possível também prever que os currículos de formação de professor vão incluir conteúdos sobre a integração de tecnologias digitais no ensino.

Palavra final

Ao concluir, gostaria de endossar as palavras de Gee (2013, p.164)[28], que diz o seguinte:

"Naturalmente, apenas dar às pessoas as ferramentas e juntá-las não faz uma equipe que pensa e atua de forma eficaz. Eles precisam aprender a dançar juntos, a se coordenar - e por "juntos" eu quero dizer tanto humanos como as ferramentas não humanas. Uma ferramenta como um martelo só funciona quando você sabe como usá-lo. E saber usá-lo significa compreender como ele é projetado para que um bom trabalho seja feito. Isto é verdade para todas as ferramentas, incluindo os seres humanos como ferramentas recíprocas um para o outro."

Continuando com a metáfora da dança do excerto de Gee, acredito que não basta dançarmos juntos os velhos ritmos, precisamos aprender a dançar novos ritmos. Isso não significa apagar os velhos hábitos, principalmente se eles ainda são eficientes, mas precisamos nos engajar em novas formas de aprender e de ensinar, de interagir e de colocar em circulação a produção de conhecimento. Cada vez mais, vamos ser demandados a nos fazer presentes em camadas digitais sobrepostas à estrutura física e alterar nossas ações de linguagem entre elas sem perder o foco de nenhuma delas.