Progressismo e “ideologia de gênero”: a produção discursiva da crise no capitalismo dependente latino-americano
Resumo
Este artigo investiga as condições de formulação e circulação do discurso da “ideologia de gênero” nas formações sociais latino-americanas, compreendendo-o como um fato discursivo atravessado por determinações históricas, ideológicas e materiais. Partindo de uma perspectiva materialista da linguagem, o objetivo é analisar esse discurso não como mera reação moral-política da direita, mas como efeito estrutural das contradições do capitalismo dependente e da lógica de contenção aceleracionista que marca os regimes progressistas no subcontinente. A pesquisa adota uma abordagem teórico-discursiva, sem análise de corpus, com ênfase na articulação entre discurso, ideologia e formação social. Ao examinar os contextos de países como Brasil, México, Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia, o artigo demonstra que os governos progressistas, ao tentarem mitigar os efeitos do neoliberalismo por meio de reformas superficiais e desenvolvimento extrativista, acabaram por intensificar as tensões sociais e abrir espaço para o avanço de discursos conservadores. Conclui-se que a emergência da “ideologia de gênero” é inseparável da gramática política do capitalismo latino-americano, que opera por ciclos de contenção e aceleração, nos quais o progressismo reafirma discursivamente as estruturas do capital.
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