O messias que não faz milagre: notas sobre a ideologia da destruição

Luciana Iost Vinhas

Resumo

O presente estudo, fundamentado nos pressupostos teórico-analíticos da Análise de Discurso Materialista, tem o objetivo de compreender o funcionamento discursivo de dois enunciados formulados por Jair Messias Bolsonaro quando se refere a duas tragédias nacionais: em setembro de 2018, com o incêndio do Museu Nacional, e em abril de 2020, com o crescente número de mortos pela Covid-19 no Brasil. A análise é justificada por se observar uma mesma estrutura sintático-semântico nas formulações, que são organizadas, segundo nosso gesto interpretativo, em quatro posições. Com a descrição e a interpretação das duas sequências, é possível afirmar que, a partir dos enunciados, há a reprodução de saberes organizados por uma formação discursiva neoliberal, que reproduz, pela posição-sujeito com a qual o sujeito-enunciador se identifica, o que estamos designando como ideologia da destruição. Para o desenvolvimento da análise, considerando a emergência do significante “messias” nas duas sequências, ditas em momentos diferentes, mobilizamos a noção de pré-construído e, também, partimos de uma teorização de Mariani (2014) sobre o nome próprio.

Introdução

Quando algo se repete, não se repete por mera contingência. Existem condições materiais sócio-histórico-ideológicas que permitem a emergência da repetição. Isso foi trabalhado por Michel Pêcheux de forma aprofundada e irretocável no texto O discurso: estrutura ou acontecimento, quando um enunciado do domínio esportivo irrompe no domínio político. O filósofo traz o On a gagné [“Ganhamos”] para falar sobre o jogo metafórico em torno daquilo que é dito, sobredeterminando o acontecimento, “sublinhando sua equivocidade” (PÊCHEUX, 2006[1983], p. 22[1]). O enunciado se constitui entre a evidência das cifras e das tabelas e a opacidade de sua materialidade léxico-sintática. Nesse entremeio, a aparente estabilidade lógica é colocada em xeque pela equivocidade irremediável, constitutiva da materialidade discursiva. A discursivização do acontecimento do dia 10 de maio de 1981, na França, não escapa à determinação ideológica própria da forma como os sentidos são colocados em circulação.

O trabalho no campo da Análise de Discurso Materialista (AD) envolve uma tentativa de mobilizar possibilidades de significação ancoradas em uma forma de existência material e vinculadas a uma posição política, ideológica e de classe. Essa tentativa é analisada através de processos de descrição e de interpretação de elementos materiais, tais como a língua, para se fazer trabalhar os efeitos de sentido possíveis de serem estabelecidos, dependentes de uma causalidade sócio-histórico-ideológica. A analista de discurso precisa se manter atenta1 às diferentes possibilidades daquilo que é dito, relacionando o dito ao não-dito, a fim de chegar ao processo discursivo que permite que algo seja dito como é dito. Nesse jogo, instável e dependente de movimentos ideológicos, há uma atenção para aquilo que retorna (para aquilo que se repete), tanto intra quanto interdiscursivamente, e que pode provocar efeitos no processo de constituição, formulação e circulação dos discursos (ORLANDI, 2005[2]), instalados na tentativa de reprodução do modo de produção capitalista (em sua versão neoliberal).

No presente texto, também vamos trabalhar com uma repetição. Vamos sustentar a análise com base em um “mesmo” que se repete em dois momentos diferentes pelo mesmo sujeito-enunciador. Ao invés de uma diferença entre o domínio esportivo e político, vamos tratar sobre uma diferença entre os domínios da história e da saúde pública, conforme explicado a seguir.

Jair Messias Bolsonaro, ao ser questionado sobre o incêndio no Museu Nacional, ocorrido em setembro de 2018, refere a figura do messias que não faz milagre; da mesma forma, ao ser questionado sobre o número de mortos pelo novo coronavírus, em abril de 2020, respondeu que era messias, mas não fazia milagre. Duas tragédias incomensuráveis, que envolvem história, cultura, ciência e vida, são discursivizadas pelo mesmo sujeito-enunciador. Efeitos do processo de interpelação ideológica, as respostas materializadas linguisticamente para as duas tragédias é a “mesma”: apesar de ter o nome messias, não fazia milagre, e, além disso, questiona: “Quer que faça o quê?”. Temos, assim, as seguintes sequências, que constituem o corpus da presente discussão: Já tá feito, já pegou fogo. Quer que faça o quê? O meu nome é Messias, mas eu não tenho que fazer milagre (SD01 – referente ao incêndio no Museu Nacional) e Mas, e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre (SD02 – referente ao número de brasileiros mortos pela Covid-19).

Essas respostas nos interessam por se colocarem como algo da ordem do repetível, advindo do funcionamento interdiscursivo, que mobilizam saberes importantes para um novo modo de dizer do político e da política, possível de se tornar natural no modo de produção capitalista em sua versão neoliberal. Na verdade, é um novo modo de dizer do político, ou seja, uma textualidade diferente, calcada em sequências léxico-sintaticamente estruturadas, que materializam saberes já anteriormente colocados em circulação e disponíveis no interdiscurso. Esse novo modo de dizer apresenta indícios de uma ideologia da destruição - destruição da vida, da ciência, da história, da cultura… e da própria linguagem.

Com base nas considerações apresentadas, pretendemos mobilizar a Análise de Discurso para promover um batimento entre a descrição e a interpretação daquilo que se repete intradiscursivamente, buscando compreender o seu funcionamento interdiscursivo. O que se repete são os dois dizeres colocados em circulação por Jair Messias Bolsonaro em dois momentos diferentes, conforme será observado. O estudo se justifica pela necessidade de se questionar a forma como a política se coloca frente às implosões sociais e históricas que têm afetado a nossa formação social brasileira desde o processo de “impeachment” da Presidenta Dilma Rousseff2, atentando, especificamente, para as duas ocasiões que mobilizaram aquilo que foi dito (e como foi dito) pelo atual Presidente. Para a reflexão, vamos mobilizar conceitos da AD como pré-construído e enunciado dividido, sendo necessário resgatar alguns elementos oriundos da necropolítica para o debate.

Passamos, primeiramente, para uma seção sobre o processo de interpelação ideológica e a sua relação com a linguagem, abordando conceitos da Análise de Discurso que se farão importantes para o empreendimento teórico-analítico exposto na seção seguinte, na qual serão colocados em análise os dois enunciados ditos por Bolsonaro. Após esse gesto interpretativo, passamos às considerações finais do trabalho.

1. O processo de interpelação ideológica e a linguagem

Para produzirmos a reflexão em torno dos dizeres de Bolsonaro, vamos, primeiramente, trazer alguns elementos para o debate sobre a forma como o processo de interpelação ideológica se articula à linguagem, o que justifica a compreensão da Análise de Discurso como uma teoria semântica de base materialista. Ela concerne a um arcabouço teórico-analítico voltado para a compreensão do processo de produção, formulação e circulação dos sentidos; tal processo não é possível de ocorrer sem a inscrição do ser humano na linguagem. Os efeitos de sentido são estabelecidos em virtude da relativa autonomia da língua, o que implica o reconhecimento de que, por um lado, a língua não contém, de maneira independente, uma significação a si inerente, e de que, por outro, a significação é ideologicamente determinada, sócio-historicamente contextualizada e estabelecida por sujeitos dotados de inconsciente.

Com isso, nesta seção, vamos tentar trazer uma resposta à pergunta “Por que dizemos o que dizemos da forma como dizemos?”. Michel Pêcheux, no texto O discurso: estrutura ou acontecimento (PÊCHEUX, 2006[1983][1]), realiza uma análise sobre o ponto em que a língua pode materializar enunciados que se deslocam e derivam, sendo, portanto, o efeito de sentido atravessado por elementos não determinados pela própria estrutura da língua; contudo, é pela estrutura que conseguimos vislumbrar como o processo de interpelação ideológica produz efeitos, e é por isso que a AD se calca sobre o como se diz.

A produção do sentido depende do processo de interpelação ideológica, e a base para esse processo é, principalmente, a língua. Quando Pêcheux (2006[1983][1]) analisa o enunciado On a gagné [Ganhamos], ele evoca o entrecruzamento entre três caminhos: o do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação. O discurso se constitui como um efeito dessa visada materialista sobre o processo de produção de sentido, alicerçada em uma base material que tensiona uma memória e uma atualidade pela determinação da ideologia manifesta nos processos semânticos.

Na AD, sujeito e sentido se constituem mutuamente, visto que a interpelação resulta da inscrição do sujeito no simbólico e produz assujeitamento (MAGALHÃES; MARIANI, 2010[3]). Em função disso, resta incontornável tratar sobre a forma como se dá a interpelação, a qual permite a existência sócio-histórica do sujeito. Segundo Pêcheux (2014[1978], p. 07-08, grifos do autor[4]), a interpelação depende da relação entre sujeito e Sujeito:

O sujeito ideológico se desdobra em um sujeito singular, tomado na evidência empírica de sua identidade (“este sou eu!”) e de seu lugar (“é verdade, eu estou aqui, trabalhador, patrão, soldado!”) e num Sujeito universal, Grande Sujeito que, sob a forma de Deus, ou da Justiça, ou da Moral, ou do Saber etc., veicula a evidência de que “é assim”, sempre e em toda parte, e que é mesmo assim.

Contudo, esse desdobramento possui falhas; o assujeitamento-recrutamento não é um processo pleno. Assim, o que não se deve negligenciar é que, embora Pêcheux tenha dado ênfase à instância simbólica no processo de interpelação, ele admite que há real, o que possibilita a emergência das ditas formulações irremediavelmente equívocas, alheias ao funcionamento das discursividades imaginariamente estáveis, lógicas, controláveis. É a partir do acontecimento da eleição de François Mitterrand que o autor lança a sua questão teórica: “a do estatuto das discursividades que trabalham um acontecimento, entrecruzando proposições de aparência logicamente estável, suscetíveis de resposta unívoca (é sim ou não, é x ou y, etc) e formulações irremediavelmente equívocas” (PÊCHEUX, 2006[1983], p. 28[1]).

Estamos, portanto, no terreno das formulações irremediavelmente equívocas. Nesse terreno, a referência feita ao messias na fala do sujeito-enunciador deputado e do sujeito-enunciador Presidente possui uma dependência semântica das coordenadas sócio-histórico-ideológicas que se movimentam nas disputas pelos recrutamentos dos indivíduos em sujeitos. A forma como o sentido se estabelece a partir do item lexical messias parece ter relação com aquilo que Pêcheux e seu grupo denominaram como pré-construído, considerado um saber que todos sabem, algo tão natural quanto saber que Jesus morreu na cruz para nos salvar (PÊCHEUX, 2009[1975][5])3. Desse modo, o messias, assim como Jesus, pode ser considerado um objeto discursivo de talhe estável, como diz Pêcheux (2006[1983][1]).

O funcionamento do pré-construído é constitutivo da eficácia da ideologia, isto é, a ideologia é bem-sucedida ao manter palavras pegas em tramas de reformulações: de acordo com Zoppi-Fontana (1999, p. 21[6]), a forma como essas palavras são reproduzidas/repetidas/reformuladas concernem à “repetição sob o modo do reconhecimento dos enunciados (ou seja, o efeito de reconhecimento/identificação produzido pelo funcionamento do pré-construído sobre o sujeito de enunciação na sua atividade de formulação) e sob o modo do desconhecimento do interdiscurso”. Então, para o nosso empreendimento teórico-analítico, reconhecer-se como messias implica um reconhecimento dos efeitos de sentido historicamente atribuídos a tal palavra, dependente de redes de formulações que estabilizam tal efeito de sentido como naturalizado, evidente, como aquilo que todo mundo sabe.

Há, assim, um efeito de evidência sobre o que é um messias, o que autoriza Bolsonaro a empregar tal item lexical em seu dizer através de uma construção de um imaginário de si com base na forma como foi nomeado: “[O meu nome] é [Messias], mas eu não tenho que fazer milagre” (SD01) e “[Eu] sou [Messias], mas não faço milagre” (SD02) são períodos compostos por coordenação, sendo que as primeiras orações dos dois períodos são orações com predicado nominal com o verbo ser, o que indica que o sujeito introduzido em ambas as orações é dependente do seu predicativo, apresentado após o verbo. A representação imaginária do referente expresso pelo sujeito sintático, relacionada aos significantes colocados na formulação, depende do efeito da ligação entre sujeito e predicativo.

O sujeito sintático, nas duas orações, faz referência ao sujeito-enunciador Jair Messias Bolsonaro: [O meu nome] e [Eu]. O referente, então, só é possível de ser representado a partir de uma relação entre a língua e a sua exterioridade, e, com isso, [meu] e [eu] possuem um funcionamento dêitico, relacionado com as condições imediatas de produção e, também, com as condições amplas de produção do discurso, posto que só é possível reconhecer o sujeito-enunciador com base no resgate dos elementos materiais sócio-histórico-ideológicos que permitem esse processo. O pronome pessoal e o adjetivo possessivo fazem referência àquele que enuncia, de modo que [O meu nome] poderia, portanto, ser substituído por [Jair Messias Bolsonaro], ou, simplesmente, por [Messias], ao passo que [Eu] poderia ser substituído também pelo nome completo do sujeito-enunciador. Assim, construímos duas paráfrases possíveis realizadas com base nas duas sequências: O nome de Jair Messias Bolsonaro é Messias, mas ele não tem que fazer milagre e Jair Messias Bolsonaro é (M)messias, mas não faz milagre. Chegamos à afirmação do óbvio (messias é messias), o qual ganha uma engrenagem discursiva singular por meio do recurso ao nome próprio para promover um novo funcionamento significante para si, o qual desliza para a negação do pré-construído vinculado ao imaginário de messias advindo do domínio religioso.

Com as paráfrases, compreendemos a diferença de funcionamento entre os dois períodos. O sujeito sintático do segundo período pode ser interpretado como Messias e como messias. Em outras palavras, sintaticamente, enquanto a primeira oração da primeira sequência fala no nome próprio, ou seja, Jair Messias Bolsonaro tem o nome de Messias, a primeira oração da segunda sequência fala tanto do nome quanto de uma predicação de Bolsonaro: Jair Messias Bolsonaro é Messias ou Jair Messias Bolsonaro é messias. No entanto, a representação de si como uma figura religiosa, possível a partir do nome próprio, é presente tanto no primeiro enunciado quanto no segundo. No primeiro enunciado, diz que tem o nome de messias, mas que não tinha que fazer milagre (podendo ter outras características referidas à representação da figura religiosa); no segundo enunciado, diz que é messias, mas que não fazia milagre (mantendo a possibilidade de promover outros feitos característicos de um messias).

Escolhemos realizar as duas paráfrases utilizando o nome próprio de Bolsonaro. Na primeira sequência, com o adjetivo possessivo [meu] e, na segunda oração do período, com o pronome pessoal [eu], o sujeito-enunciador faz referência a si mesmo: O meu nome é Messias, mas eu não tenho que fazer milagre. Na segunda sequência, com o pronome pessoal [eu] na primeira oração e com a sua elipse na segunda oração, também faz referência a si: Eu sou Messias, mas Ø não faço milagre. Assim, nas duas orações, há a materialização de um processo significante ancorado, por um lado, naquilo que não se refere a nenhum indivíduo particular - o pronome pessoal eu e seu adjetivo possessivo correspondente meu - e, por outro lado, naquilo que é a expressão da singularidade do indivíduo, pois o nome próprio é insubstituível. Se o pronome não se refere especificamente a um indivíduo particular, o nome próprio funciona exatamente referindo a um indivíduo particular. Tomando emprestada de Benveniste (1991[7]) a teorização sobre o pronome pessoal como pessoa do discurso, sabemos que o eu só possui referência atual, sendo identificado dentro de uma instância de discurso. Assim, conforme os pressupostos da AD, o pronome passa a significar com base nas condições de produção imediatas. Já o nome próprio significa independente das condições de produção, pois só existe em referência a um “indivíduo particular”. Esse funcionamento é necessário para aliar o estabelecimento de uma representação imaginária do sujeito-falante com o pré-construído vinculado ao seu nome próprio, passando o sujeito a ser único, insubstituível, assim como seu nome. Apesar de o nome próprio não ser traduzido, por não portar significado (MARIANI, 2014[8]), com o enunciado colocado em marcha pelo sujeito-enunciador temos uma tentativa de significação de si através do nome próprio, e, por consequência, de significação do nome próprio a partir do efeito de pré-construído constituído pelo item lexical que compõe esse nome, cujo status na língua portuguesa é de substantivo simples, ao invés de ser substantivo próprio.

Messias, no discurso religioso cristão, representa o descendente humano do Rei Davi que viria para libertar o seu povo, sendo ele entendido como o próprio Jesus Cristo. Quando Bolsonaro, frente às duas tragédias que se apresentam, faz referência ao próprio nome, ele recorre a esse saber que todo mundo sabe sobre o que é um messias - assim como todo mundo sabe o que é um soldado, por exemplo, como diz Pêcheux (2009[1975][5]). No entanto, ao dizer que não faz milagre, reconhece em si a ausência de uma das características próprias de um messias, tornando-o um messias que não faz milagre e, ao mesmo tempo, aproximando-o de um imaginário de um cidadão comum. Por ser um cidadão comum, não pode fazer nada frente às tragédias que se colocam; por ser um cidadão comum, não tem poderes para evitar o inevitável; por ser um cidadão comum, não é deputado nem Presidente; assim, ele é um cidadão comum que se resguarda no discurso religioso para amparar suas declarações.

Retomando Pêcheux (2006[1983], p. 28[1]), é importante referir que os objetos discursivos de talhe estável mencionados pelo autor detêm “o aparente privilégio de serem, até certo ponto, largamente independentes dos enunciados que produzimos a seu respeito, vêm trocar seus trajetos com outros tipos de objetos, cujo modo de existência parece regido pela própria maneira com que falamos deles”. Conforme já mencionado, isso é importante porque possui relação com o exposto sobre o funcionamento do pré-construído, que estabiliza o efeito de sentido referente a messias em dois dizeres de Bolsonaro. A referência ao messias, resgatada do domínio religioso, traz um significante importante para a compreensão dos processos de significação das duas sequências. Aí podemos retomar o papel fundamental da linguagem no processo de interpelação ideológica.

Podemos, então, resgatar a afirmação de Pêcheux sobre o caráter dos processos ideológicos, entendido como um caráter duplo, pois é tanto regional quanto de classe. É esse duplo caráter que “permite compreender como as formações ideológicas se referem aos “objetos” (como a Liberdade, a Justiça, etc.), ao mesmo tempo idênticos e diferentes, isto é, cuja unidade está submetida a uma divisão” (PÊCHEUX, 2014[1978], p. 07, grifos do autor[4]).

Essa unidade dividida por um duplo caráter, calcado na divisão constitutiva da formação ideológica, é o que Pêcheux considera “o próprio da luta ideológica de classes”, ou seja, “se desenvolver num mundo que, de fato, não termina nunca de se dividir em dois” (PÊCHEUX, 2014[1978], p. 07, grifos do autor[4]). A regionalidade e o caráter de classe da formação ideológica permitem que a língua não seja homogênea, literal, autônoma. A base linguística é dividida por colocar concretude à luta de classes, uma luta travada no seio da formação social capitalista, ideologicamente engendrada. Dizer, portanto, que é “messias” significa localizar o referido significante em uma determinada posição nessa divisão, como um objeto dado à interpretação situada e, portanto, sócio-historicamente determinada, cujo efeito de sentido representa a identificação de classe em uma região da ideologia.

A posição com a qual o sujeito se identifica é efeito do processo de interpelação ideológica duplamente articulado. Uma dessas articulações diz respeito ao esquecimento n° 1: “com o apagamento da interpelação ideológica, apaga-se a maneira pela qual nossas palavras se inscrevem dentro de uma formação discursiva e não de outra” (LAGAZZI, 1988, p. 26[9]). Já a segunda articulação concerne ao esquecimento n° 2, a partir do qual “apaga-se, no interior da formação discursiva que nos domina, a maneira pela qual selecionamos certas palavras, certas expressões, e não outras” (LAGAZZI, 1988, p. 26, grifo da autora[9]).

Desse modo, tudo o que dizemos não é efeito de algo aleatório e contingente, mas é produzido no âmbito de um jogo social, ideológico e histórico. O messias a que o sujeito-enunciador faz referência nas duas formulações passa a ser ressignificado a partir daquilo que se sabe sobre esse objeto discursivo: é o messias que não faz milagre (mas não deixa de ser messias, não deixa de ser divino). Ao adicionarmos a oração adjetiva restritiva como adjunto adnominal do nome messias negamos o pré-construído de que messias faz milagre. Há, portanto, a necessidade de se estabelecer essa diferença semântica através da base linguística, a qual coloca em circulação outros sentidos possíveis para o messias. O imaginário de messias, vinculado ao domínio religioso, é objeto de um deslize, de uma ressignificação, vinculada a um saber de outro domínio, ou seja, a um saber que não é do domínio religioso. Trata-se, segundo nossa interpretação, de uma ressignificação calcada em um imaginário de si, em um jogo político sobredeterminado pelo capital, pela urgência neoliberal, que tudo destrói. O milagre está vinculado, portanto, ao impossível da manutenção da vida, da memória, do patrimônio, vinculado às circunstâncias de emergência das duas formulações em análise. A impossibilidade do milagre autoriza a destruição. Colocar as mortes pela Covid-19 e o incêndio do Museu Nacional com referência ao discurso religioso cristão desloca do âmbito da política de Estado para o domínio religioso, retirando a necessidade de qualquer manifestação por parte do “messias” no sentido de preservação das vidas e dos patrimônios históricos da nossa sociedade.

O não comprometimento com a realização do milagre autoriza o vínculo com uma outra rede de saberes, entendidos como os saberes da destruição. O messias que não faz milagre coloca em circulação saberes da ordem da guerra. Trata-se de uma ideologia da destruição (que imaginariamente se calca a destruição da vida, do patrimônio, da linguagem, do simbólico), relacionada ao funcionamento do discurso neoliberal, e isso também fala da forma como a necropolítica afeta o processo de formulação e de circulação de sentidos.

Conforme Mbembe (2017, p. 05[10]), “(...) a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. Poderíamos fazer um deslocamento para situar a nossa discussão com relação àquilo colocado pelo autor. Além de decidir quem podem viver e quem deve morrer, esse processo engloba o que deve viver e morrer em uma formação social, atentando, especialmente, para as instituições, ou, em outras palavras, os aparelhos de Estado, lugares e meios da reprodução da ideologia. O domínio dos saberes hegemônicos sobre os aparelhos de Estado garante o fortalecimento de alguns aparelhos e o enfraquecimento de outros, o que também faz parte do modus operandi neoliberal. Nesse sentido, afirmar que vidas e que o museu, enquanto instituição que, simbolicamente, também representa a vida e a memória, seriam somente objeto de milagre, reforça a compreensão de um funcionamento necropolítico de Estado, calcado na ideologia da destruição.

A teorização de Mbembe (2018[11]) concerne ao estado de exceção, no qual se define quem vive e quem é passível de eliminação. O Estado de base necropolítica destrói a democracia juntamente com a tentativa de destruição da linguagem4. Trata-se, portanto, na nossa compreensão, de um funcionamento ideológico de destruição, de materialização de uma política de guerra, de um Estado que somente um milagre (o impossível) salvaria. Esse funcionamento necropolítico produz efeitos, portanto, no processo de interpelação/identificação dos indivíduos em sujeitos.

Antes de fechar a presente seção, vamos nos demorar um pouco nas observações de Teixeira (1997[12]) sobre quatro pontos referentes à interpelação ideológica althusseriana pela interpretação de Michel Pêcheux, em uma tentativa de resumir alguns pontos principais sobre o processo de interpelação ideológica. São eles: (i) a interpelação é o papel do discurso nesse processo, pois a interpelação se dá pelas formações discursivas, as quais correspondem, linguisticamente, a formações ideológicas; (ii) o Sujeito (absoluto e universal) poderia ser referido ao Outro lacaniano, o que permite reconhecer a relação material entre o recalque inconsciente e o assujeitamento ideológico, posto que o inconsciente é o discurso do Outro; (iii) o pré-construído é “a modalidade discursiva da discrepância pela qual o indivíduo é interpelado em sujeito, ao mesmo tempo em que é sempre-já sujeito (ibid., p. 156)” (TEIXEIRA, 1997, p. 67[12]), sendo que essa discrepância diz respeito ao fora situado antes e de forma independente e o sujeito identificável; e (iv) a teorização sobre os esquecimentos, ou seja, do “acobertamento da causa do sujeito no próprio interior de seu efeito” (TEIXEIRA, 1997, p. 67[12]), alarga a noção de interpelação ideológica. Tais pontos são importantes para produzir um efeito de contemplação sobre os principais elementos que constituem o objeto do debate da presente seção: a relação entre o processo de interpelação ideológica e a linguagem.

Desse modo, com base no que foi discutido na presente seção, conseguimos visualizar o vínculo do processo de interpelação ideológica com a linguagem. O dizer de Bolsonaro, portanto, só é possível de ser formulado pela determinação de formações discursivas que possibilitam o desdobramento da forma-sujeito no sujeito-enunciador, caracterizando o processo de identificação. Vamos aprofundar essa relação entre linguagem e discurso no momento seguinte, quando realizaremos outro gesto de análise calcado no batimento entre descrição e interpretação do corpus.

2. Descrição e interpretação do corpus

Na noite de 2 de setembro de 2018, teve início um incêndio em larga escala no Museu Nacional, situado na Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro. O Museu acolhia cerca de 20 milhões de itens que foram coletados ao longo de mais de 200 anos. Os itens contavam a história da ciência, contavam a história natural do Brasil. Com a ocorrência do incêndio, calcula-se que mais de 90% do patrimônio ali depositado foi destruído pelas chamas. O inquérito da Polícia Federal indica que o fogo foi iniciado por um aparelho de ar-condicionado localizado em um auditório, não existindo conduta omissa5 (G1 RIO, 2020[13]).

Dois dias após a tragédia, no dia 4 de setembro, o então candidato à Presidência da República, o deputado Jair Messias Bolsonaro, foi interpelado por jornalistas sobre o incêndio ao sair de uma comissão da Câmara dos Deputados. Sua resposta à demanda dos jornalistas foi amplamente divulgada: Já tá feito, já pegou fogo, quer que faça o quê? O meu nome é messias, né, mas eu não tenho que fazer milagre.

O enunciado convoca as analistas de discurso a realizarem um gesto de interpretação, a realizarem uma mobilização simbólica frente a uma declaração isenta de luto. A manifestação do então candidato Bolsonaro rompe com a cadeia significante, instala uma brusca perda simbólica diferente da perda simbólica provocada pelo fogo – mas tão destruidora quanto o fogo. Suas palavras comovem não somente pela insensibilidade e pelo excesso de pragmatismo, mas, também, por se colocar no dito como alguém que seria um messias, uma figura religiosa capaz de feitos não humanos, mas que, por ser humano, não faz milagre. Ao dizer que é messias, também diz que não o é. E, com essa declaração, estanca-se o fluxo simbólico e rompe-se com as metáforas necessárias para trabalhar o luto. Esse processo fala de uma posição discursiva específica, que será objeto do nosso olhar neste texto.

Assim, lançamos um questionamento frente àquilo que se materializa linguisticamente e mobiliza saberes anteriores, saberes do interdiscurso, que não se coadunam com a preservação da memória que o Museu abrigava. Aquilo que o museu busca simbolizar, como memória e patrimônio da humanidade, parece não ser significado a partir do enunciado colocado em circulação. O questionamento é: como o que é dito produz sentido?

Após o acontecimento aqui narrado, diferentes membros da comunidade política, acadêmica e científica se mostraram solidários à tragédia, manifestaram indignação, tristeza, revolta frente ao inominável da perda irreparável, insubstituível, imetaforizável. Parece que há um rompimento no fluxo significante, uma brusca perda simbólica. O fogo lança a impossibilidade de simbolização frente à perda, pois fala do impossível de ser dito. No entanto, uma determinada posição política, ideológica e de classe garante a estabilidade, a aceitação da perda como algo natural. Segundo nossa interpretação, o sujeito-enunciador Bolsonaro fala dessa posição, na qual a destruição faz parte de um certo modo de fazer política.

O enunciado trazido à tona entra em cadeia parafrástica quando mobilizado frente a outra declaração feita pelo mesmo sujeito-enunciador. A segunda declaração emerge diante de outra tragédia: a pandemia causada pelo novo coronavírus, a qual, desde o final do mês de fevereiro de 2020, tem causado milhares de mortes no país6. No dia 28 de abril de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro (não mais deputado federal), conversou com jornalistas sobre a situação de pandemia, e, ao ser questionado sobre o fato de o país ter ultrapassado a China no número de mortos, a resposta do Presidente foi a seguinte: Mas, e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou messias, mas não faço milagre. Mais uma vez, Bolsonaro traz à tona alguns elementos que se repetem: (1) O questionamento sobre o que ele pode fazer, como se a reação à pandemia exigisse uma ação, tal como um soldado respondendo a uma ordem do general; (2) Ele é messias ou tem o nome de Messias; e (3) Não tem que fazer/faz milagre. A “mesma” resposta emerge frente a duas situações de desamparo, de perda, de crise política, social econômica, científica. De crise humanitária.

Com base nos elementos citados, os dois enunciados foram escolhidos como as sequências discursivas que compõem nosso corpus de análise. Alguns elementos analíticos já foram apresentados na seção anterior. Vamos, aqui, dar continuidade à relação entre descrição e interpretação, atentando para a organização desses dizeres e os efeitos que se produzem. Para a numeração das sequências, obedecemos à ordem de formulação cronológica, conforme exposto em (01).

(01) Sequências discursivas selecionadas para análise.

SD01: “Já tá feito, já pegou fogo. Quer que faça o quê? O meu nome é Messias, né, mas eu não tenho que fazer milagre”7. (04/09/2018)

SD02: “Mas, e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”8. (28/04/2020)

As duas formulações apresentam uma similaridade distribucional, conforme tentaremos expor com o quadro elaborado em (02), no qual dividimos os enunciados em quatro posições (P01, P02, P03 e P04) presentes nos períodos que compõem as duas sequências, organizadas linearmente conforme o que foi dito pelo sujeito-enunciador. Essas quatro posições, aqui, têm um papel importante na organização e apresentação do corpus da pesquisa, fazendo referência às quatro divisões operadas nos períodos que compõem as duas sequências discursivas9.

P01 P02 P03 P04
SD01 Já tá feito, já pegou fogo. Quer que faça o quê? O meu nome é Messias, mas eu não tenho que fazer milagre.
SD02 Mas, e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.
Table 1. QUADRO 1 – Formulações organizadas em posições. FONTE: Elaborado pela autora.

Com base nisso, vamos promover um gesto de interpretação que alia o funcionamento horizontal, relacionando os diferentes períodos que compõem as duas sequências completas, e outro funcionamento vertical, comparando as quatro posições entre as duas sequências. Importante mencionar, neste momento, que, tomando como base a análise empreendida por Pêcheux (2006[1983][1]) sobre o enunciado On a gagné, no qual o autor analisa a passagem do enunciado do domínio do esporte para o domínio da política, identificamos, na reflexão proposta, dois enunciados similares quanto à estrutura léxico-sintática e ao funcionamento discursivo, colocados em circulação pelo mesmo sujeito-enunciador, que são ditos em dois domínios diferentes: em 2018, a formulação aparece vinculada ao domínio da história, da memória e do patrimônio brasileiro, ao passo que, em 2020, a formulação surge no domínio da saúde pública. No entanto, nos dois domínios, o intradiscurso materializa saberes em torno de destruições: o incêndio no Museu Nacional e as mortes ocasionadas pela Covid-19. Assim, o acontecimento de 2020 retoma o acontecimento de 2018 através da materialidade da língua, repetindo-se tanto intra quanto interdiscursivamente; isso é possível pelos efeitos do processo de interpelação/identificação que determina o sujeito. Há, na forma como o sujeito se relaciona com a ideologia, algo que pode e deve ser dito na significação da morte, do incêndio, daquilo que é eliminado. Vamos tentar compreender os processos que levam a essa condição particular de enunciar, os quais parecem apontar, conforme já foi adiantado, para o funcionamento de uma ideologia da destruição, de descarte daquilo que não é considerado necessário a partir de uma posição política, ideológica e de classe.

Conforme exposto no quadro, as duas formulações, ditas em dois momentos diferentes, possuem uma estrutura que se repete. Essa estrutura é organizada em quatro posições textual-discursivas, segundo nossa interpretação, o que significa dizer que a distribuição dos elementos acima elencados não possui isenção semântica, ou seja, a ordem dos períodos possui efeitos no estabelecimento de efeitos de sentidos.

Na primeira posição, temos, de um lado, Já tá feito, já pegou fogo (SD01) e Mas, e daí? Lamento (SD02). Os dois períodos da P01 possuem duas orações. Na SD01, observamos duas orações que, conforme classificação da tradição gramatical, se encadeiam sem a presença de uma conjunção. Essa construção sintática é chamada de oração coordenada assindética. Na construção observada, parece que as duas orações funcionam parafrasticamente: já tá feito e já pegou fogo, e buscam estabelecer a mesma relação de sentido. Alguns elementos nessa construção chamam a nossa atenção.

Podemos nos perguntar: o que já tá feito? O que já pegou fogo? Há a elipse do sujeito nas duas orações articuladas assindeticamente. O sujeito sintático elipsado parece não ser o mesmo. Se tentarmos inserir um elemento na posição do sujeito sintático na primeira oração, podemos ter O incêndio já tá feito, A destruição já tá feita, O problema já tá feito; no entanto, ao tentarmos resgatar um possível sujeito para a segunda oração, chegamos à impossibilidade de usarmos os sintagmas nominais expostos nos três exemplos acima. Já pegou fogo não poderia ser O incêndio já pegou fogo ou A destruição já pegou fogo; entendemos que, na segunda oração, o elemento que poderia estar ali presente é O Museu. Assim, temos o sujeito sintático elipsado O Museu Nacional já pegou fogo. E aí vemos uma relação entre Incêndio e Museu nas duas orações que compõem o dito por Bolsonaro.

O apagamento do sujeito sintático das duas orações parece ter um duplo funcionamento discursivo. Por um lado, o sujeito interpretante pode construir imaginariamente esse referente introduzido via elipse, sem que o sujeito-enunciador se comprometa com os efeitos de sentido que são estabelecidos pelo lugar do interpretante, como se tudo fosse evidente; por outro lado, a não materialização do referente no enunciado pode ser uma tentativa de evitar que se coloque os significantes incêndio e Museu no nível intradiscursivo, eliminando sua circulação. A eliminação da circulação de referentes no nível intradiscursivo pode apontar para uma eliminação no nível interdiscursivo, coadunando-se com um funcionamento simbólico de uma política de eliminação, de destruição. O “outro”, a ameaça simbólica, começa a ser eliminada pela linguagem, possível imaginariamente a partir da identificação/interpelação de quem enuncia.

As duas orações presentes na P01 da SD01 empregam dois verbos no pretérito perfeito do indicativo, o que remete, segundo a tradição gramatical, a uma ação que aconteceu no passado e foi encerrada no passado. Já tá feito, já pegou fogo, então, remete a algo que já aconteceu e já foi encerrado, não produzindo efeitos importantes para o presente, tampouco para o futuro. É importante lembrar da definição trazida por Benveniste (1989[14]) sobre a temporalidade na língua: as formas temporais se determinam em relação ao centro da enunciação, sendo que o centro da enunciação é EGO. O esquecimento n° 2, que permite que o sujeito-enunciador organize, intradiscursivamente, aquilo que pode e deve dizer, dando-lhe o efeito de origem dos sentidos, é o mecanismo que possibilita a manifestação da temporalidade em relação com o reconhecimento do sujeito como eu, como aquele que enuncia, em um funcionamento consciente-pré-consciente.

Conforme exposto nas duas orações coordenadas, o sujeito-enunciador emprega dois verbos no pretérito perfeito, tomando como referência o momento “presente”, ou seja, o momento de produção dos enunciados. A dupla referência a esse passado que não persiste, já encerrado, é importante de ser problematizada, pois está vinculada à negligência, ao descarte, daquilo que já aconteceu e, ao mesmo tempo, à necessidade de se pensar no futuro. Há aqui, mais uma vez, o funcionamento daquilo que estamos chamando de ideologia da destruição, pois não há interesse na preservação da memória, na homenagem e na celebração daquilo que se encerrou no passado; há, na verdade, uma posição que atualiza a necessidade de compreender o fato como algo “natural”, “que acontece”, e precisa ser resolvido e descartado. Nesse processo discursivo, o que importa é a destruição, pois o que é destruído e o valor simbólico, histórico e social daquilo que é destruído fica no passado e não importa.

No que concerne à P01 da SD02, podemos fazer algumas considerações que vão ao encontro do funcionamento discursivo da SD01. A segunda sequência é introduzida por Mas, e daí? Lamento, a qual inicia com uma conjunção adversativa, e instala uma relação de oposição. Aquilo a que o sujeito-enunciador está se opondo não é materializado intradiscursivamente. Considerando que o enunciado se formula como uma resposta ao questionamento feito pelos repórteres sobre o número de mortos pela Covid-19 no Brasil, poderíamos pensar que há a elipse de uma oração coordenada sindética, que poderia ser formulada como: O Brasil ultrapassou o número de mortos da China, mas, e daí? Lamento. A introdução da conjunção adversativa vem acompanhada de um questionamento, que também poderia ser objeto de paráfrase: O Brasil ultrapassou o número de mortos da China, mas... não tenho nada a dizer sobre isso; mas isso não faz diferença nenhuma; mas isso não significa nada; mas não posso fazer nada para resolver isso. A indagação e daí?, tão característica das formulações do Presidente, parecem manifestar uma despreocupação, uma ausência de luto pelas vítimas, de consideração por aqueles que morrem pela doença. Esse “dar de ombros” verbal formula o desdém, a falta de importância sobre o que se está falando.

Segundo já foi dito anteriormente, estamos entendendo esse funcionamento como parte de uma ideologia da destruição, e esse processo ideológico, o qual coloca, aos sujeitos, a evidência dos sentidos, é determinado pela operação de uma formação discursiva (FD). Parece que uma das formas materiais que caracterizam o que a FD formula é a elipse. Não é possível, a partir do pequeno corpus que constitui a presente pesquisa, afirmar de forma mais assertiva que a elipse é uma estrutura intradiscursiva presente naquilo que é formulado a partir dessa formação discursiva, mas consideramos importante trazer tal reflexão para se pensar em outras análises possíveis de serem realizadas pelo viés discursivo.

Também é importante lembrar que, segundo Orlandi (2008, p. 48[15]), a paráfrase se coloca como de extrema importância metodológica no desenvolvimento das análises: “por ela poder observar a relação entre diferentes, tanto no interior das mesmas formações discursivas, como entre distintas formações discursivas, pois são todas elas relações de paráfrases”. As elipses deixam para os efeitos imaginários que atuam no processo de interpretação o preenchimento daquilo que está elidido. Assim, ao mobilizarmos diferentes paráfrases no nosso gesto de análise, conseguimos avançar na compreensão do objeto de linguagem que colocamos em foco, observando aquilo que pode ser dito por uma rede de saberes que constitui o interdiscurso, regulada por uma forma-sujeito que, conforme a nossa interpretação, está determinada pelo discurso neoliberal necropolítico (que se baseia em um funcionamento ideológico/prático da destruição). Aqui, podemos fazer referência ao dito por Pêcheux quando da análise do enunciado On a gagné: “A alegria da vitória se anuncia sem complemento” (PÊCHEUX, 2006[1983], p. 26[1]).

Quanto à P02, temos, nas duas sequências, a retomada do mesmo questionamento: Quer que (eu) faça o quê? Podemos, ainda, trazer uma reflexão de Orlandi (2008, p. 51-52[15]) sobre a repetição. A autora diz que

O assujeitamento supõe a repetição. Há o repetível dos enunciados, mas também há enunciados que são feitos para serem repetidos (“O Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral”, “Nessa terra, em se plantando, tudo dá”); ou melhor, há enunciados que pertencem a essa zona de repetibilidade e que aí se representam na produção dos discursos.

Há algo que autoriza a repetição da estrutura do enunciado colocada em circulação por Bolsonaro, e entendemos que essa autorização tem relação com o imaginário de si, com aquilo que Pêcheux (2019[1969], p. 40[16]) trabalha como Ia(a), ou seja, o imaginário que o sujeito-enunciador tem dele mesmo (“imagem do lugar de A para o sujeito colocado em A”). O questionamento Quer que (eu) faça o quê? só é possível de ser dito por essa configuração imaginária que se articula à identificação com a formação discursiva que o subjetiva. Estar assujeitado a uma formação discursiva supõe, como diz Orlandi (2008[15]), a repetição de formulações que podem (e devem) ser ditas. Interessa compreender que as formulações possíveis de serem ditas a partir da posição com a qual Bolsonaro se identifica colocam em circulação saberes disjuntivos (é isso ou aquilo), censores, autoritários, de pobreza simbólica e de desprezo pelo patrimônio histórico e pela vida.

O questionamento colocado na P02 das duas sequências em análise não espera uma resposta. É uma pergunta que coloca o sujeito-enunciador em uma posição de autoridade frente àquele que o interpela, objetivando a censura àquilo que se pergunta: tanto sobre o fogo no Museu quanto sobre o número de mortos pela Covid-19 no Brasil, que havia ultrapassado o número de mortos da China, país onde a pandemia teve início. Essa pergunta materializa o desdém, o desinteresse pelo passado, por aquilo que já é tido como acabado e encerrado. Os recortes presentes na PS02, apesar de se constituírem como perguntas, são, na verdade, uma interrupção no diálogo, uma tentativa de quebra da reversibilidade, podendo ser parafraseados como Cale-se!, pois não há nada a ser feito e não há motivo para perguntas. A retrucada em forma de “pergunta” é mais uma tentativa de destruição do simbólico, das trocas linguísticas, da política própria do processo de circulação dos sentidos, caracterizando a forma como opera a ideologia da destruição. É, na verdade, uma afirmação de que nada foi feito, de que nada pode ser feito e de que nada será feito.

Nossa atenção se volta, agora, às posições P03 e P04, as quais constituem dois períodos compostos por coordenação sindética. Na SD01, temos O meu nome é Messias, mas eu não tenho que fazer milagre, e, na SD02, Eu sou Messias, mas não faço milagre. A estrutura coordenada, nas duas sequências, é constituída por uma conjunção coordenativa adversativa que, ao mesmo tempo em que “liga” as duas orações, estabelece uma relação de sentido entre elas. Assim, a adversativa, nas definições da tradição gramatical, estabelece uma relação de oposição entre as duas orações coordenadas. Na teorização da Análise de Discurso, a adversativa proporciona a irrupção de saberes não previstos na formação discursiva de identificação daquele que enuncia, trazendo, para o fio do discurso, o discurso-outro, próprio do funcionamento do enunciado dividido (COURTINE, 2009[17]).

Enquanto, por um lado, na P03, Bolsonaro tem nome de Messias ou é Messias, por outro lado, não possui uma das características que compõem o imaginário de Messias, introduzida na P04 das duas sequências. Na P03, resgata o imaginário de messias como aquele que faz milagre; no entanto, esse imaginário é negado na P04, quando diz que não tem que fazer milagre. Há, com isso, a negação do pré-construído referente ao imaginário de messias, conforme já foi trabalhado na seção anterior, e, ao mesmo tempo em que faz referência a uma figura religiosa para responder aos questionamentos dos jornalistas, baseando-se no discurso religioso e atribuindo a si o imaginário de messias, refuta uma das características principais que definem o messias. Ele se alia ao discurso religioso, mas, ao reconhecer-se como um mero cidadão, desobriga-se da responsabilidade de atuar frente às duas tragédias ocorridas em solo nacional. Ele é o messias que não faz milagre: é da ordem do divino, mas não tem os “poderes” que cabem a essa figura divina, o que o exime de uma responsabilidade frente à nação que lidera. A imobilidade de Bolsonaro frente aos fatos está ancorada na passividade religiosa.

Podemos falar mais um pouco sobre o significante “messias”, o qual é transformado em nome próprio. Os efeitos de sentido estabelecidos, via pré-construído, a partir do significante “messias” passam a significar imaginariamente aquele que recebe esse nome. A função morfológica é alterada, de substantivo simples para substantivo próprio, mas o nome é o mesmo, e, ao invés de operar como um elemento lexical “qualquer” da língua, passa a fazer referência a um ser único, mas que é significado pelo substantivo simples, pela referência que tem em relação com o discurso religioso.

Com isso, chegamos à teorização proposta por Mariani (2014, p. 140[8]) sobre o nome próprio. A autora diz que “o nome próprio é um tipo de nome específico e pode ter valor significante no inconsciente, ou seja, pode ser tomado como significante”. É considerado um significante insubstituível, ou seja, “um nome próprio singular e específico em sua diferença única e primordial em cada sujeito” (MARIANI, 2014, p. 140[8]). Se o nome próprio é um significante que pode ser usado para singularizar o sujeito, esse mesmo nome próprio não tem como significar totalmente o sujeito, pois a língua, que o nomeia, é opaca e incompleta, dando espaço para o discurso-outro, para a irrupção do equívoco.

Buscando informações sobre a biografia daquele que enuncia os enunciados em análise, conseguimos resgatar alguns fatos importantes de serem colocados em pauta. O sujeito-enunciador nasceu em 21/03/1955, no interior do estado de São Paulo10. O primeiro nome foi escolhido pelo pai em homenagem ao jogador de futebol Jair Rosa Pinto, acrescentado ao nome Messias, escolhido pela mãe, em função de o nascimento da criança ter sido atribuído a um milagre divino em função de complicações da gravidez. O nome próprio, como vimos, é algo da singularidade, da designação única, e, ao mesmo tempo em que evoca uma completude, desliza para o incompleto da língua. Assim, o registro do nome inaugura o discurso sobre o sujeito. Aqui vale citar Soler (1969, apud MARIANI, 2014, p. 133[8]): “em nossa sociedade ocidental, cabe ao pai nomear o filho, entendendo-se o nomear, aqui, enquanto uma operação simbólica, que é extrair do Outro um significante para inseri-lo em um registro jurídico; e uma função simbólica, que é o acontecimento da nomeação em si, uma contingência”. Com o nome próprio, o sujeito-de-direito ganha existência na formação social regulada juridicamente, ao mesmo tempo em que passa a existir em uma dimensão simbólica, metafórica, incompleta.

A impossibilidade de realização de milagre, na P04; o autorreconhecimento como messias e o resguardo no divino, na P03; o questionamento autoritário e instaurador da irreversibilidade, na P02; e o desdém expresso na P01: a articulação entre os elementos dessas posições provocam a emergência disso que estamos chamando de ideologia da destruição, que funciona através de uma formação discursiva neoliberal (necropolítica). Ainda, o fato de termos duas sequências referentes a cada uma dessas posições, ditas em condições sócio-históricas de produção diferentes, mas ambas remetendo a situações de tragédia, também apontam para a identificação do sujeito com essa formação discursiva neoliberal, que permite que sejam colocados em circulação saberes da ordem da destruição, da guerra, do desamparo ao outro, do aniquilamento daquilo que não presta mais.

Do deputado federal (O meu nome é Messias) ao Presidente (Eu sou Messias), percebemos um deslizamento na formulação, a qual, do novo lugar discursivo (GRIGOLETTO, 2007[18]), permite a transferência do reconhecimento do nome próprio para o reconhecimento de si, marcado por esse significante. Assim, os dois enunciados falam da identificação do sujeito-enunciador com uma posição-sujeito da formação discursiva neoliberal. Conforme Pêcheux (2014[1978], p. 08[4]), a modalidade da identificação concerne ao desdobramento coincidente entre sujeito/Sujeito:

o sujeito coincide com o Sujeito, o indivíduo interpelado em sujeito se assujeita livremente ao Sujeito e “caminha sozinho”, conforme a expressão de Althusser, reconhecendo o estado de coisas existente “das Bestehende), com a convicção de que “é bem verdade que ele é assim e não de outro jeito”). Quando da eclosão da primeira Guerra Mundial, por exemplo, a grande maioria dos sujeitos franceses “caminhou sozinha”. A França está ameaçada/ somos todos franceses/ é a guerra! - uma cadeia de evidências da ordem do fato realizado, cunhadas e articuladas em diversas constatações e injunções carregadas de evidências pré-construídas inculcadas (“ Um soldado francês não recua.”, “De pé, os mortos!” etc).

É assim que compreendemos os efeitos de sentido produzidos a partir daquilo que é dito por Bolsonaro, interpretando que a posição a partir da qual o sujeito-enunciador fala se identifica com saberes que legitimam e naturalizam a destruição: a destruição do país e da civilização, a destruição da vida humana, a destruição da linguagem. Isso se enquadra, portanto, na reprodução de saberes de uma formação discursiva neoliberal, a partir da qual é possível representar os bens materiais e imateriais da nação como destruíveis e elimináveis.

3. Considerações finais

A reflexão aqui apresentada teve o objetivo de compreender os efeitos de sentido possíveis de serem estabelecidos a partir de dois enunciados colocados em circulação por Jair Messias Bolsonaro em dois momentos diferentes, em resposta a questionamentos feitos por jornalistas. No primeiro momento, após o incêndio no Museu Nacional, Bolsonaro responde: Já tá feito, já pegou fogo. Quer que faça o quê? O meu nome é Messias, mas eu não tenho que fazer milagre; no segundo momento, após a constatação de um maior número de mortos de brasileiros em comparação com os dados da China referentes à Covid-19, Bolsonaro diz: Mas, e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre.

Em dois momentos diferentes, em resposta a questionamentos feitos sobre duas tragédias ocorridas no país, o sujeito-enunciador em questão responde com a mesma estrutura textual-discursiva, apontando, conforme nossa interpretação, para a reprodução de saberes de uma mesma formação discursiva. Mesmo com a alteração no lugar a partir do qual enuncia – de deputado federal para Presidente da República -, Bolsonaro apresenta a mesma resposta para fatos semelhantes, o que ocasiona a inquietação para mobilizar uma análise sobre esses dizeres.

Com a análise, percebemos a reprodução de um pré-construído referente ao nome próprio Messias, o qual busca colocar em circulação a representação hegemônica sobre messias, como ser divino capaz de fazer milagres. Com isso, aproveitando-se do nome próprio, Bolsonaro enuncia como alguém vinculado ao discurso religioso; no entanto, por ser um cidadão comum, não podia fazer nada com relação às duas tragédias, por não poder fazer milagre.

Essa repetição que se instala em resposta às duas tragédias não é interpretada como da ordem da contingência. A repetição manifesta um novo modo de dizer, próprio de uma discursividade vinculada à ideologia da destruição, a qual materializa uma tentativa de destruição que não afeta somente a estrutura linguística propriamente dita, pelo excesso de elipses, pelo questionamento autoritário, pelo desdém colocado em palavra. Ela também atinge o simbólico, o processo de produção de sentidos, irrompendo como uma impossibilidade de dizer, de significar, como uma censura ao luto, à memória, ao respeito e à manutenção da vida.

A reflexão aqui proposta se situa em uma formação social em desamparo. Uma formação social que vê museus queimarem, florestas queimarem, vidas perderem o oxigênio que as sustenta. Se não há fumaça sem fogo, precisamos observar os fogos que estão se colocando cada vez mais como óbvios para que a prática da destruição não se torne hegemônica, natural, inquestionável.

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