Ensino de gramática: o tripé e seus ganhos

Gabriel Guimarães Peixoto

Resumo

A conferência da professora Silvia Rodrigues Vieira, intitulada Ensino de gramática em três eixos: uma questão de ciência, cidadania e respeito linguístico, realizada na ABRALIN Online, aborda como tema central os desafios e propostas do ensino de gramática no Brasil. Contextualizando, com uma breve história, os problemas desse tema, a professora consegue desmistificar algumas crenças dos próprios professores de português sobre o que seria ensinar gramática e como fazer isso, mostrando que esse ensino pode ser pautado em três eixos fundamentais, que respeitam os documentos oficiais, as mais recentes descobertas científicas e as experiências testemunhais dos próprios professores. Dessa forma, ela tranquiliza os colegas da área, evidencia que não é necessário que seja feita uma escolha de Sofia e que ensinar gramática não só é uma prática científica, mas apresenta resultados satisfatórios sobre uma forma de lidar com o tema.

Texto

A proposta desta resenha crítica é tecer algumas reflexões de forma sucinta sobre a conferência online da professora Silvia Vieira, intitulada Ensino de gramática em três eixos: uma questão de ciência, cidadania e respeito linguístico[1], apresentada no evento ABRALIN ao vivo (2020). Ao discutir sobre o ensino de gramática, Vieira (2020[1]) divide sua conferência em quatro partes, além do momento de resposta às dúvidas feitas por participantes online. Cada parte é centrada em um ponto. Elas são: I- introdução do tema; II- fase inicial e fase atual do ensino de gramática; III- ensino de gramática em três eixos (VIEIRA, 2014; 2017[2,3]); e IV- exemplos de pesquisas científicas na área e considerações finais. As referências para essa palestra, conforme diz a professora, foram baseadas em documentos oficiais, como PCN (1998[4]) e BNCC (2017[5]), obras de referências, livros didáticos, depoimentos de professores e lives da ABRALIN (2020). Por fim, a autora ainda alerta que não vai se deter a falar de todo o ensino de Língua Portuguesa nas escolas (isto é, não vai contemplar as quatro práticas como afirmam os já referidos documentos oficiais), não vai avaliar os materiais didáticos, nem linhas de pesquisa e documentos oficiais, e tampouco vai apresentar um aconselhamento de práticas pedagógicas.

Na primeira parte de sua apresentação, a professora tece suas considerações iniciais e introduz o assunto de sua conferência. Ela apresenta o problema do ensino de gramática, situa os ouvintes no seu panorama geral e mostra a importância do tema: ensinar gramática é uma questão científica, possui relevância social e é um tema interdisciplinar, que se relaciona com o respeito linguístico. Após essa apresentação, ela faz um recorte da sua fala, afirmando seus objetivos, mostrando até onde ela vai, e a limita, pondo fronteiras no seu alcance. Assim, Vieira (2020[1]) mostra como será a organização da sua conferência, e continua suas considerações iniciais já chegando a um panorama do ensino de gramática, que será a segunda parte de sua apresentação.

Na parte II, panorama do ensino de gramática após os PCNs, Vieira (2020[1]) evidencia a importância dos PCNs para a educação brasileira. Relatando o impacto desse documento para o ensino de gramática, ela aponta que sua influência nas escolas foi variada. Contudo, o principal marco do documento foi “a substituição, não a convivência dos saberes”. Isso se deve muito à concepção de educação e de linguagem adotada pelos próprios PCNs: concepção sociointeracionista. Na prática, afirma a autora, as leituras que foram feitas dele substituíram o ensino da gramática (no sentido metalinguístico) pelo ensino do texto, através do qual se falava de gramática. Assim, o texto é o foco, e a gramática é um instrumento.

Embora as recomendações gerais do tratamento da gramática defendessem um caminho de ensino, a saber, USO > REFLEXÃO > USO, não houve um desenvolvimento de um quadro alternativo ao da abordagem tradicional – quando necessário que se a utilize, ainda mais no que se referia ao estudo da sentença. Sobre a variação linguística, esta foi abraçada e legitimada na escola. Isso sem deixar de lado o ensino da norma padrão. Dessa forma, o ensino de Língua Portuguesa foi perpassado pelo ensino da gramática através do texto, levando em conta a variação linguística e a norma padrão de referência.

Como resultados dessa fase, a autora aponta alguns problemas. Dentre eles, temos o da abordagem gramatical. Por exemplo, Vieira (2020[1]) o enumera: (a) as inconsistências conceituais e teóricas, como a polissemia de ‘gramática’, quais entendimentos de gramática tradicional, diferentes concepções de norma, além dos problemas na caracterização de alguns fenômenos gramaticais; (b) quais seriam as escolhas do professor: ou o texto ou a frase. Ou o gênero textual ou a gramática da sentença; (c) “crenças” categóricas e gerais dos próprios professores sobre ensinar gramática: “ensino de nomenclatura/taxonomia prejudica”, “deve-se ir do dado para a descrição”, dentre outras.

Após isso, vieram as propostas. Na terceira parte, Vieira (2020[1]) traz sua proposta de ensino de gramática em três eixos. Com uma metáfora do banquinho, ela propõe que sistematicidade, interatividade e heterogeneidade são partes fundamentais sobre as quais se apoia o ensino de gramática. Na metáfora, cada uma dessas partes são as “pernas” do banco, que não podem possuir tamanhos ou massa diferentes. Assim, esses três pilares têm a mesma importância para o ensino. A partir disso, surgem os eixos. Cada um deles, então, liga-se mais diretamente a uma dessas partes no ensino de gramática.

O Eixo I, Gramática e Atividade Reflexiva, refere-se a quais conceitos teórico-descritivos o aluno tem de dominar conscientemente para que determinado tema gramatical seja bem trabalhado. O eixo II, Gramática e Produção dos Sentidos, faz referência à relação de um tema gramatical e a produção de sentidos, seja no âmbito da leitura seja no da produção de enunciados, nos níveis local ou global. Por fim, o eixo III, Gramática e Normas/Variedades, refere-se a como um tema se relaciona ao domínio das normas frente à realidade da variação linguística. Com essa explanação, a conferencista defende que haja uma relação entre eles, visto que são transversais, com aportes múltiplos e variados. Então, propõe um ensino de gramática conciliador, com uma concepção de gramática que pode ser esquematizada em: Gramática interna do aluno (seus conhecimentos gramaticais), que leva à Gramática externa (reflexão linguística e descrições dos objetos teóricos sistematizados). Essa, por sua vez, está ligada a uma abordagem descritiva (objetos teóricos – contribuições de cada quadro teórico – e objetos de uso – resultados científicos que consideram os contínuos de variação sobre modalidade, variedade e registro) e a uma prescritiva.

Elevando o ensino de gramática a um objeto científico, Vieira (2020[1]) o vê como sendo fundamentado em práticas de ensino e de pesquisa, que envolve professores-pesquisadores. Assim, sobre o ensino, ela defende que se parta do uso. Ou seja, uma situação inicial que leva à reflexão, levando a uma sistematização, e, por fim, a uma situação final de uso. Como objeto de pesquisa, é importante que correntes teóricas diversas possam mensurar o “sucesso” do processo de ensino-aprendizagem, além da identificação de um problema de ensino, fundamentos e reavaliação do problema inicial, sendo possível a replicabilidade da pesquisa.

Na última parte, ela apresenta alguns trabalhos e resultados de pesquisa – vindos, muitas vezes, do PROFLETRAS – que utilizem os três eixos ou apenas dois deles. Ela termina sua fala com as considerações finais, em que sintetiza vários pontos de sua apresentação, e, logo após, abre-se às perguntas. Nelas, ela responde sobre a importância de um trabalho de formação continuada dos professores-pesquisadores, além de defender a importância de uma formulação de norma(s) de referência, através de um contínuo fala/escrita, com seus respectivos gêneros. Finaliza, então, dizendo que os três eixos possuem a mesma importância para o ensino de gramática, mas, a depender da atividade, dos objetivos, da diagnose, um ou outro eixo podem ter pesos diferentes.

Nesta conferência, a professora Silvia Vieira trata de forma contundente o ensino de gramática dentro da realidade brasileira pós-PCN, mostrando ganhos e perdas, dando sugestões e apresentando propostas. A fala, de forma geral, desmistifica o que é ensinar gramática e que os professores não devem temê-lo.

De forma conciliadora, ela mostra que o ensino de gramatica não precisa depender exclusivamente do texto, como muitos defendem atualmente, mas que é possível – e desejável – que se atrele o ensino gramatical, que pode, inclusive, não abandonar totalmente a gramática tradicional, ao ensino do texto – ou da sentença – à variação linguística, importante para reduzir o preconceito linguístico. Por meio de uma práxis, o ensino da gramática, que pode ser utilizado durante todo ensino básico de Língua Portuguesa, perpassa por dados concretos de uso, dentro das diversas situações sociais e de letramento, de fala e escrita, que geram uma reflexão acerca deles e do funcionamento do sistema linguístico, uma sistematização do tema/fenômeno gramatical, e que retornam a um dado real de interação. Não há, portanto, uma espécie de Escolha de Sofia, um maniqueísmo: ou um ou outro. O que existe é uma forma de congregar não só as competências de que falam os já referidos documentos oficiais, mas também os eixos do ensino gramatical, ou seja, trabalhar de forma indutiva os dados com as regras normativas vigentes e a análise textual. Até mesmo, dependendo da situação e do objetivo, abrir mão de um texto – no sentido popular do termo – e usar a sentença como elemento maior. Esse último caso fica explícito quando se trabalha, por exemplo, com processos de formação de palavras. Não seria necessário, a priori, de um longo texto para se chegar a uma reflexão e sistematização do fenômeno linguístico.

Ensinar gramática, portanto, não precisa ser engessado ou excludente. Quando ele é um objeto de pesquisa científica, com metodologia e resultados, deve-se abrir mão de preconceitos e de crenças pré-formadas ou sem amparo científico. Ele deve ser respaldado alinhando as determinações oficiais com a experiência de professores-pesquisadores. Dessa forma, ensina-se gramática para que haja racionalidade científica, acesso consciente dos cidadãos às práticas significativas de letramento, de leitura e de produção, além da promoção de mais variantes linguísticas, de forma que o aluno as identifique e as produza caso necessário.

Referências

BRASIL, MEC, Base Nacional Comum Curricular – BNCC, versão aprovada pelo CNE, novembro de 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wpcontent/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf. Acesso em 20 jul 2020.

BRASIL, MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries). Brasília: MEC/SEF, 1998.

ENSINO de gramática em três eixos: uma questão de ciência, cidadania e respeito linguístico. Conferência apresentada por Silvia Ro-drigues Vieira [s.l., s.n.], 2020. 1 vídeo (2h 02m 45s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?reload=9&reload=9&reload=9&reload=9&v=ypVJ2tVT3Yw&list=WL&index=6&t=0s. Acesso em: 20 jul 2020.

VIEIRA, S. R. Orientações oficiais para o ensino de gramática: uma proposta em três frentes de trabalho. Trabalho apresentado no V Encon-tro Nacional das Licenciaturas (ENALIC), UFRN, Natal, 2014.

VIEIRA, S. R. Três eixos para o ensino de gramática: uma proposta experimental. In: NORONHA, C. A.; SÁ JR., L. A. de. (Orgs.). Escola, en-sino e linguagem [recurso eletrônico]. Natal-RN, EDUFRN, 2017. p. 78-104.