Análise das atividades de produção escrita em livros didáticos de inglês do PNLD à luz do sistema de transitividade: que abordagem predomina?

Charles André da Silva,
Renato Caixeta da Silva

Resumo

Este artigo tem como objetivo apontar que abordagem de ensino de escrita predomina em livros didáticos de inglês do PNLD para o final do Ensino Fundamental. Parte-se de ideias sobre três principais abordagens de ensino de escrita – escrita como produto, como processo e como prática social – e dos pressupostos do Sistema de Transitividade da Gramática Sistêmico-Funcional para análise das escolhas linguísticas presentes nas propostas de atividades de produção escrita. Acredita-se que a análise dessas escolhas verbais nas instruções das atividades evidencia a abordagem de ensino de escrita adotada para engajar o aluno em atividades sociais de produção textual. Justifica-se que ter consciência dessa abordagem pode auxiliar o professor no aceite, na rejeição ou em adaptações da proposta. Analisam-se atividades de três obras de diferentes edições do PNLD, e os dados mostram o predomínio da abordagem de escrita como processo, e de ações materiais requeridas de alunos nas propostas analisadas. As implicações são: a evidência da pertinência do Sistema de Transitividade para a análise de atividades de livros didáticos, consequentemente a necessidade de divulgação da teoria de suporte na formação docente, a visão de escrever como ação criadora e transformadora, e a importância das ações de professores e alunos no fazer pedagógico.

Introdução

Na literatura sobre ensino de produção escrita (BROWN; LEE, 2015[1]; OLIVEIRA, 2015[2]; HYLAND, 2007[3]; PARKER, 1987[4]; MARTIN; ROSE, 2005[5]), há três abordagens: escrita como produto, escrita como processo e escrita numa perspectiva social (esta última considerando a noção de gêneros do discurso). Por causa das diferenças nas concepções de língua, texto e escrita das abordagens, as propostas de atividades de produção escrita são diferentes. Essas diferenças se manifestam linguisticamente nas escolhas léxico-gramaticais dos autores do livro didático (doravante LD). Para analisar essas escolhas, neste estudo usamos o escopo teórico do sistema de transitividade da Linguística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]; FUZER; CABRAL, 2014[7]) e, com isso, buscamos verificar qual abordagem de escrita predomina em 3 (três) livros didáticos selecionados pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), de 2013 a 2019, para o uso de professores e alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.

O sistema de transitividade está relacionado com a metafunção ideacional da linguagem (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]; FUZER; CABRAL, 2014[7]) e é a concretização do campo do discurso por meio de processos (verbos), sempre ligados a um ou mais participantes (grupos nominais) e, ocasionalmente, circunstâncias (grupos adverbiais e preposicionais). Segundo Halliday e Mathiessen (2014, p. 33[6]), campo é definido como a natureza da atividade social em que seres humanos estão envolvidos; ou ainda, o domínio da experiência a que está relacionada a atividade. Considerando que o campo expressa a natureza da atividade humana em que estão envolvidos os participantes em uma atividade social, nesse estudo propõe-se analisar atividades para se saber qual abordagem de ensino de produção escrita predomina nos livros didáticos analisados e, consequentemente, revelar quais experiências, externas e internas, são vivenciadas pelo aluno ou propostas para vivência ao se realizar a atividade de produção escrita sugerida no livro didático (LD) sob a orientação do professor.

Os verbos usados nos enunciados das propostas presentes nos livros e tomados para análise estão todos no modo imperativo, e representam ou constroem as experiências externas e internas a serem vivenciadas pelos alunos na execução da atividade de produção escrita. Mostramos dois exemplos de comandos de uma atividade de produção escrita a seguir: Think about some examples; Underline the items you think can be considered typical of Brazil (Pense em alguns exemplos; Sublinhe os itens que para você podem ser considerados típicos do Brasil - realces nossos). O aluno é o participante que concretiza, no mundo físico, as ações de sublinhar, e de pensar. Assim, acreditamos na hipótese de que, por meio da observação das escolhas dos verbos imperativos nas instruções das atividades, é possível saber qual abordagem de ensino de escrita o autor do LD propõe para engajar o aluno em experiências relacionadas a atividades sociais da escrita em inglês. Ter consciência da abordagem principal usada na proposta do autor ajuda o professor, em sala de aula, a aceitar, rejeitar ou adaptar a proposta de ensino de maneira consciente. O nosso artigo procura mostrar as escolhas e o que pode ser percebido pelo docente.

Nas próximas seções deste artigo, então, apresentamos as abordagens de escrita mencionadas, discorremos sobre o sistema de transitividade da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) de Halliday e Matthiessen (2014[6]), a qual serve como base para as análises, detalhamos a metodologia usada na coleta e organização dos dados, analisamos esses dados, apresentamos nossas interpretações sobre o fenômeno e, por fim, as considerações finais.

1. Abordagens de ensino de produção escrita

A primeira abordagem que consideramos é a escrita como produto. Essa denominação declara o foco da atividade de produção escrita: redigir de uma só vez um texto gramaticalmente correto, sem oportunidades para futuras correções. Nessa abordagem, a forma é mais importante que o conteúdo. O texto é visto como uma reprodução de um modelo ideal apresentado ao aluno, no qual ele se baseia observando a ortografia padrão e as estruturas sintáticas prescritas pela gramática tradicional. Nesse sentido, a escrita deve ser realizada sem erros gramaticais ou ortográficos, numa visão de uso da língua que se resume ao emprego correto das estruturas gramaticais de acordo com os padrões da norma culta. Nessa abordagem, o leitor do texto do aluno é somente o professor, o qual tem como função principal corrigir os erros ortográficos e gramaticais. É uma visão restrita de língua e de produção escrita, a qual seria a reprodução correta, em textos, de elementos lexicais, regras e estruturas sintáticas aprendidas (OLIVEIRA, 2015[2]).

Há várias atividades que são compatíveis com essa abordagem. Por exemplo, ao sugerir um tema para o aluno, o professor ou a professora pode estar objetivando o treino de uma estrutura sintática específica. Se o título da produção escrita for What was my vacation like? (Como foram minhas férias?), pode-se almejar a prática das estruturas verbais que focalizam o passado. Se o professor apresentar uma figura com uma casa a ser descrita, ele pode ter como objetivo primeiro o treino das expressões there is / there are (“haver”, em português) e vocabulário relacionado a preposições de lugar e mobília: There is a painting on the wall; there are many balls on the left corner of the room (“Há uma pintura na parede; há muitas bolas no canto esquerdo do quarto”) (RAIMES, 1983[8]).

Além dos aspectos já mencionados, são compatíveis com essa abordagem exercícios de escrita que solicitam ao aluno a correção de erros ortográficos relacionados a palavras que devem ser grafadas com maiúscula e não estão. Por meio dos exemplos citados, é visível que o foco dessa abordagem é na forma gramatical do texto, e não no sentido expresso no conteúdo do texto.

A abordagem como produto, focando na acuidade léxico-gramatical - sendo esse foco uma das críticas apontadas pelas outras abordagens – contribui com aspectos importantes do ensino de produção escrita, dependendo do propósito didático-pedagógico do docente. Caso o professor intenta a consolidação de certos aspectos gramaticais, essa abordagem, por valorizar a estrutura da língua, pode auxiliá-lo nesse objetivo. Além disso, o domínio de formas ortográficas e sintáticas é bastante valorizado na publicação de um texto. Por fim, a abordagem como produto traz importante contribuição para ensino sobre a paragrafação com a ideia de que cada parágrafo deve conter apenas uma ideia principal e ter um tópico frasal a ser desenvolvido pelas orações-suporte (OLIVEIRA, 2015[2]).

Contrapondo essa abordagem, há a escrita como processo, com o pressuposto de que não se escreve o texto de uma única vez. Na abordagem da escrita como processo, a escrita é entendida como uma sequência de fases. O foco está nas ações mentais individuais necessárias para a elaboração do texto escrito, como leituras, anotações, rascunhos e consciência dos erros estruturais após o feedback do professor e de outros alunos.

São privilegiadas etapas na construção do texto. Porém, nem o aluno e nem o professor devem se esquecer de que no final das etapas deverá aparecer um produto (BROWN; LEE, 2015[1]). Nessa perspectiva, espera-se que o professor não tenha somente a função de corrigir erros gramaticais e ortográficos, mas sim de ser um colaborador ativo, auxiliando o aluno na elaboração do texto à medida que as fases se desenvolvam.

Atividades de produção escrita que dão ênfase ao processo, geralmente, dividem o ato de escrever em pré-escrita (discussões e leituras prévias, pesquisas, brainstorming), escrita (1ª versão: escrita sem preocupação com as convenções gramaticais, foco no conteúdo; primeiro feedback do professor e outros alunos – 2ª versão: revisar o texto observando as orientações dadas pelo professor e sugestões de outros alunos, reorganizar, acrescentar ou retirar informações do texto – 3º versão: revisão textual observando as convenções da escrita padrão e da retórica; edição), pós-escrita (discussão em duplas ou em grupo sobre o texto e publicação do texto). Por último, há a avaliação do texto final – o produto. Essa avaliação pode ser uma auto avaliação, pode ser de outro aluno ou do professor (BROWN; LEE, 2015[1]). Tal abordagem concebe o texto como uma estrutura passível de várias intervenções até ser um produto final, mas mantém a visão de língua da abordagem anterior, ou seja, baseada em estruturas linguísticas desconsiderando o uso social.

Essa abordagem apresenta contribuições importantes para o ensino porque reconhece que a escrita não começa na folha em branco. Ela começa nas leituras, nas discussões em grupos, nas anotações sobre essas discussões e sobre as leituras prévias. A escrita também não termina quando o aluno escreve a primeira versão do texto. Para Parker (1987[4]), escrita (1ª versão) é feita apenas pelo estudante. Contudo, nas fases da pré-escrita e da revisão (2ª e 3ª versões na perspectiva de Brown e Lee (2015[1])) o aprendiz pode receber mais apoio.

A aprendizagem é favorecida pela consciência pedagógica da complexidade da escrita e de que o texto, para ser publicado, necessita de várias revisões, pois que ele pode melhorar ao longo das várias fases do processo de escrita. Essa consciência possibilita o acompanhamento do professor e de colegas de classe na construção textual. Essa troca é benéfica para os aprendizes. Entretanto, o tempo despendido nas fases da pré-escrita e revisões é um desafio a ser superado. O docente deve ter um planejamento didático-pedagógico que prevê o uso de várias aulas até o momento da entrega do texto final. Outra dificuldade é a administração de uma atividade que demanda tempo, e como muitas vezes há poucas aulas semanais e turmas numerosas (realidade das escolas brasileiras), é difícil, mas não impossível, querer de professores e alunos uma visão de ensino e avaliação com caráter mais processual, não apenas focalizando o produto.

Na última abordagem, o ensino muda de foco. Não é mais baseado em modelos de escrita pré-estabelecidos em que a ênfase principal está nas estruturas gramáticas e na ortografia ditadas pelas normas, e nem pelos processos cognitivos que orientam a produção escrita. O foco nessa abordagem é no uso social da língua, uso este entendido como prática social, isto é, entendendo que a língua é usada para expressar as necessidades comunicativas dos falantes, as quais são práticas constituintes da vida em sociedade. Nesse sentido, essa abordagem objetiva capacitar os alunos com as habilidades específicas relacionadas à retórica e aos padrões linguísticos do texto que o aluno precisa produzir de acordo com um propósito sócio-comunicativo.

Por exemplo, a organização retórica e linguística de um bilhete de geladeira não são as mesmas que de um convite de casamento. Nos dois exemplos, os contextos de produção (quem escreve, para quem se escreve, o que é escrito e onde se publica) são diferentes. Portanto, o texto é visto como a materialização de uma prática social e a escrita deve conter os elementos linguísticos e retóricos pertinentes ao texto materializado para uma finalidade social específica (HYLAND, 2007[3]). Os alunos reconhecem as diferenças porque estão familiarizados com essa prática. Gêneros mais complexos, como relatórios, atas, artigos científicos são de difícil compreensão e produção porque muitos alunos do 9º ano não estão familiarizados com as práticas sociais que exigem a leitura e produção desses gêneros (HYLAND, 2007[3]). Isso significa que os textos são materializações de gêneros, e alguns deles pertencem a contextos específicos e a atividades humanas que exigem conhecimentos específicos. Assim, seria o papel da escola preparar os alunos para os diversos usos da língua promovendo domínio desta para desempenho satisfatório nos variados contextos (HYLAND, 2007[3]).

Atividades de escrita baseadas nessa abordagem, como por exemplo, a produção de um bilhete, um cartaz ou resenha, consideram o contexto de circulação social do gênero, e reconhecem a necessidade de explicitar, por meio de exemplos, os padrões retóricos e linguísticos do gênero que será estudado; avaliam a relevância de determinado gênero para o grupo de estudantes; dão suporte ao processo de escrita, desde a desconstrução conjunta de um texto exemplar do que será produzido, até a fase de uma escrita independente por parte do aluno. Entende-se ser importante e necessária uma avaliação diagnóstica contínua assegurando tarefas de avaliação quando o aluno estiver preparado, ou seja, depois de ele ter participado ativamente de todas as fases, desde a compreensão do contexto de circulação até uma produção textual independente. Também, a avaliação está embasada em critérios específicos que consideram as propriedades inerentes àquele gênero estudado e produzido (Hyland, 2007[3]).

Nessa abordagem, o professor tem um papel central, já que ele é responsável por ensinar o uso, a retórica e os padrões linguísticos de textos exemplares de um gênero. Além disso, o professor pode partir da premissa de que o aluno não está, sempre, familiarizado com a leitura e produção do gênero em questão (HYLAND, 2007[3]). Porém, em casos envolvendo gêneros mais simples, como bilhetes de geladeira e convites para festas, os alunos sabem reconhecê-los, mas precisam de instruções explícitas para produzi-los.

A abordagem social traz vários benefícios para o ensino de produção escrita dentre elas o desenvolvimento de letramento – participar mais conscientemente de práticas de uso da língua. Porém, essa abordagem exige um domínio do professor das características retóricas e léxico-gramaticais do gênero que ele pretende ensinar. Cada gênero envolve análise detalhada de um modelo como exemplo, reconstrução conjunta com o aluno até a sua escrita independente (MARTIN; ROSE, 2005[5]). Essa abordagem, nesses moldes, engloba as abordagens de ensino de escrita como processo e como produto, mas o foco é sempre no objetivo sócio-comunicativo do texto. Por ter esse grau de complexidade, demanda um planejamento extenso e uso de várias aulas.

Depois de apresentar as características principais das abordagens de produção escrita encontradas na literatura (OLIVEIRA, 2015[2]; BRONW; LEE, 2015[1]; HYLAND, 2007[3]), apresentaremos o Sistema de Transitividade da Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) que é a concretização léxico-gramatical dos significados ideacionais do campo (ou conteúdo) do discurso (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]).

2. Alguns Conceitos da Gramática Sistêmico-Funcional

Primeiramente, é importante entender que a visão de linguagem da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) e da gramática proposta por Halliday (Gramática Sistêmico-Funcional – GSF) com base nessa teoria é uma visão sociossemiótica. Segundo tal teoria, não há como separar língua de seu uso social, e a linguagem verbal é um dos sistemas semióticos que usamos para produzir significados. Nas culturas humanas, há outros sistemas semióticos, como por exemplo, cores, imagens, gestos, sons, e organização espacial.

Nessa teoria, em se tratando da língua, sistema significa conjunto de opções de elementos a serem escolhidos, e constituem o eixo paradigmático da língua. Com as escolhas realizadas nesse eixo, realizamos a junção dos elementos de maneira a respeitar o que vai ou pode ir junto com o que. Essa junção é a realização linguística no eixo sintagmático. Quando usamos a língua(gem), usamo-la para criarmos significados e, para isso, fazemos as escolhas nos sistemas para construirmos orações e textos possíveis. Essas escolhas, por sua vez, são definidas pela nossa inserção no contexto social (HALLIDAY; HASSAN, 1989[9]; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]).

Além disso, a GSF é de base semântica, diferente de abordagens tradicionais que se baseiam nas estruturas sintáticas. A GSF reconhece a importância do léxico e da morfossintaxe, constituintes da léxico-gramática, pois nesse estrato da língua as escolhas são feitas de modo a se materializarem os significados visando a produção de textos orais e ou escritos.

Para entender a importância da palavra “escolha” nessa teoria é necessário compreender outros dois conceitos: contexto de cultura e contexto de situação. O contexto de cultura é onde os significados de uma cultura podem ser criados e interpretados usando todos e quaisquer sistemas semióticos, dentre eles a língua. Esse contexto está ligado às atividades humanas desenvolvidas pelo ser humano em sociedade. Por outro lado, o contexto de situação é menos abrangente. É o contexto imediato da produção textual (HALLIDAY; HASSAN, 1989[9]; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]).

O contexto de situação é descrito como o ambiente social em que os significados são produzidos e negociados, ou seja, o contexto social imediato em que se dá o uso da língua (HALLIDAY; HASAN, 1989[9]). Ele é caracterizado por três variáveis: campo, relações e modo. “Campo” refere-se ao conteúdo da situação de uso da linguagem, como por exemplo, uma aula de produção escrita em inglês de determinado ano do Ensino Fundamental. O termo “relações” refere-se a como se relacionam as pessoas envolvidas numa situação de comunicação, como estão posicionadas em termos de hierarquia e papéis sociais, e como isso interfere no uso da linguagem. No caso da aula, por exemplo, há o professor ou a professora e seus alunos, adolescentes ou pré-adolescentes, numa situação hierárquica, com papéis sociais bem definidos. O termo “modo”, por sua vez, está relacionado a como a linguagem é usada, que papel ela exerce na interação, e ainda se relaciona com o canal de comunicação. No caso da aula, pode-se pensar na língua oral e escrita usada para estabelecer conexão entre as pessoas e o que se estuda, bem como o uso de recursos imagéticos e gestuais em determinados momentos, uso de uma língua ou outra (inglês ou português). Halliday ainda mostra que essas variáveis se relacionam às metafunções da linguagem (HALLIDAY; HASAN, 1989[9]), estando o campo voltado à metafunção ideacional, as relações ligadas à metafunção interpessoal, e o modo relacionado à metafunção textual. Assim, o contexto interfere nos significados criados, os quais são concretizados em escolhas realizadas nos sistemas da léxico-gramática, estrato da língua em que estão os recursos de significação como opção aos usuários, dependendo de seus interesses e necessidades.

As metafunções, então, são os diferentes usos da linguagem. De acordo com Halliday e Hasan (1989[9]), usamos a linguagem para construir e expressar nossas experiências internas e externas no mundo em que vivemos (metafunção ideacional), também para interagir e influenciar outras pessoas (a metafunção interpessoal), e para construir e organizar mensagens num todo coerente e consistente (metafunção textual).

Neste artigo, nosso foco está no campo do discurso. Portanto, analisaremos enunciados de atividades de produção escrita em inglês propostas para o Ensino Fundamental brasileiro em livros didáticos, observando as experiências externas e internas esperadas de serem executadas pelo aluno, sujeito agente do aprender. O sistema que realiza essas experiências na léxico-gramática é o sistema de transitividade (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]; FUZER; CABRAL, 2014[7]), o qual será detalhado a seguir.

3. O Sistema de Transitividade

O sistema de transitividade realiza, no estrato léxico-gramatical, os significados ideacionais concebidos na semântica do discurso. Esse sistema se refere ao que o leitor ou o ouvinte visualizam ou ouvem quando expressamos a realidade percebida, tanto do mundo interior (sentimentos, emoções, pensamentos e vontades), quanto do mundo exterior (ações concretas que fazemos para transformar ou criar coisas). Sendo assim, por meio desse sistema, podemos analisar as experiências construídas pelos sujeitos do discurso, que podem estar conscientes ou não do uso dos elementos linguísticos presentes (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014[6]; FUZER; CABRAL, 2014[7]).

Os elementos desse sistema são: participantes, processos e circunstâncias. Os participantes são realizados pelos grupos nominais, os processos, pelos grupos verbais e as circunstâncias, pelos grupos adverbiais e preposicionais (FUZER; CABRAL, 2014[7]). Desses elementos, os processos são os mais importantes, e determinam as categorias do sistema de transitividade. A figura 1 representa os 6 (seis) tipos de processos descritos na gramática funcional de Halliday.

Figure 1. Processos do Sistema de Transitividade Fonte: Halliday e Matthiessen (2014, p. 216[6])

A figura mostra como os processos (verbos) são classificados na GSF. Os processos materiais representam a experiência relacionada ao fazer e ao acontecer, denotando ações de criação ou de transformação. Já os mentais estão relacionados às experiências internas de nossa consciência, nossa percepção da realidade, ações cognitivas, de afeto e desejo. Os processos relacionais representam as relações de identificação ou caracterização entre participantes, e com eles estabelecemos as relações de posse, de circunstância ou intensiva (descrição). Os processos verbais encerram as atividades linguísticas dos participantes. Já os comportamentais expressam os comportamentos tipicamente humanos, de caráter fisiológico ou psicológico. Por fim, os processos existenciais representam algo que existe ou acontece (FUZER; CABRAL, 2014[?]).

Analisando as orações sob a ótica da transitividade, observam-se diferentes participantes para cada tipo de processo oracional. É o que mostramos no quadro 1.

A casa Meta foi construída processo material por mim. ator
O homem Experienciador pensa fenônemo muito. circunstância
A casa Possuído é processo relacional possessivo - identificação dele. possuidor
A prova de ontem Portador estava processo relacional atributivo muito difícil. atributo
O homem Dizente disse processo verbal que vai ficar tudo bem. verbiagem
O menino Comportante chorou. processo comportamental
Há processo existencial muitas nuvens existente no céu. circunstância
Table 1. QUADRO 1 - Orações usando algumas nomenclaturas do Sistema de Transitividade Fonte: Elaborado pelos autores

O quadro acima é uma síntese dos processos e tipos de participantes referentes a tais processos. Já as circunstâncias podem referir-se à extensão de tempo e de espaço (por muito tempo, não muito longe daqui), à localização de tempo e espaço (agora, ontem, aqui, ali), ao modo (devagar, com rapidez, com flores na mão), à causa (porque era necessário), à contingência indicando concessão ou condição (se você pular, embora possa ser), à companhia (comigo ou com você), ao papel (como um livro de cabeceira), ao assunto (sobre o que ele disse), a um ponto de vista (segundo Jeremias) (FUZER; CABRAL, 2014[7]).

4. Metodologia do estudo e resultados

Para evidenciar a abordagem de ensino de produção escrita predominante nos livros didáticos de inglês selecionados pelo PNLD para o uso de professores e alunos do 9º ano, foram escolhidos três livros de coleções, autores e editoras diferentes. Cada livro pertence a uma edição do PNLD especificamente, e estava disponível para análise na escola em que trabalha um dos autores. O primeiro livro é do triênio de 2014, 2015, 2016 (Livro A); o segundo foi aprovado para os anos 2017, 2018, 2019 (Livro B) e o último é um exemplar de divulgação para os anos 2020, 2021, 2022 (Livro C).

A organização dos dados ocorreu em etapas. Primeiramente, houve a compilação de todas as orações de cada fase da escrita (pré-escrita, escrita e pós-escrita) das seções de produção escrita dos livros. Todas as orações que iniciavam com o verbo no modo imperativo, foram compiladas de acordo com o exemplo dado no quadro a seguir.

Figure 2. QUADRO 2 - Exemplo de compilações de orações dos livros didáticos Fonte: Elaborado pelos autores

Em segundo lugar, foi contabilizada a ocorrência dos processos em cada fase da escrita proposta nos livros didáticos. Por exemplo: houve 3 (três) ocorrências do verbo make, 2 (dois) de include e 5 (cinco) de read. Como a contabilização considerou a classificação dos verbos de acordo com o sistema de transitividade, o resultado do exemplo seria: 2 (dois) processos materiais e 1 (um) mental. A tabela a seguir mostra a quantidade de processos, em cada fase da escrita, apresentada nas propostas de produção escrita dos livros didáticos.

2014, 2015, 2016 LivroA 2017, 2018, 2018 LivroB 2020, 2021, 2022 LivroC TOTAL TIPO DE PROCESSO / FASE DA PRODUÇÃO ESCRITA
Proc. Material TOTAL /LIVRO Pré - 7 Pré - 6 Pré - 8 21
Escrita - 20 Escrita - 27 Escrita - 39 86
Pós - 5 Pós - 4 Pós - 11 20
32 37 58
Proc. Mental TOTAL /LIVRO Pré - 10 Pré - 4 Pré - 5 19
Escrita - 14 Escrita - 9 Escrita - 7 30
Pós - 5 Pós - 0 Pós - 2 7
29 13 14
Proc. Verbal TOTAL /LIVRO Pré - 8 Pré -1 Pré - 1 10
Escrita - 6 Escrita- 5 Escrita - 4 15
Pós - 4 Pós - 2 Pós - 6 12
18 8 11
Table 2. TABELA 1 - Ocorrência dos processos nas propostas de produção escrita dos livros didáticos Fonte: Elaborado pelos autores

Com base nessa tabela, vemos um constante domínio de processos materiais nas atividades de produção escrita nas três obras em questão, seguidos de processos mentais e processos verbais. Percebemos a prevalência de processos materiais, também, por fase da produção escrita em todos os três títulos. Em maior quantidade, os processos são mais evidenciados nas atividades de escrita em si. Isso mostra que escrever é visto como algo a ser criado pelo aluno, algo concreto a ser realizado com a língua sendo estudada / aprendida. O detalhamento a seguir mostrará isso mais claramente.

Antes de analisarmos as orações sob a ótica da transitividade, listamos as propostas de produção escrita de cada livro para mostrar ao leitor o universo pesquisado.

Figure 3. QUADRO 3 – Propostas de produção escrita dos livros didáticos Fonte: Elaborado pelos autores

Quando são reunidos os dados dos três livros didáticos, temos centenas de processos e participantes. Portanto, seria inviável analisar todas as orações em um artigo acadêmico. Para tornar essa análise possível, escolhemos uma proposta de cada livro para apontarmos qual abordagem de produção escrita emerge. A escolha foi feita com base no seguinte critério: usamos uma unidade típica que exemplifica o que acontece em geral em cada obra didática analisada. Isso significa que as unidades que usamos para mostrar os dados representam o que normalmente acontece no material, observado em análise após contabilização dos dados. Do livro A, apresentamos a análise da proposta da unidade 1 (Outline for presentation), do livro B, a proposta da unidade 7 (Opinion poll), e do C, a proposta da unidade 4 (Campaign poster), de acordo com o quadro 2.

Ao apresentarmos a análise das atividades de produção escrita a seguir, descrevemos e avaliamos os dados das unidades que representam cada livro didático em separado pela maneira como as atividades de produção escrita ocorrem, isto é, atividades relacionadas à pré-escrita, à escrita propriamente dita e à pós-escrita. Nem sempre essa divisão é explicitada na obra em análise, mas percebemos nitidamente as fases na leitura atenta das atividades durante a pesquisa.

A. Processos da pré-escrita presentes nas atividades de produção escrita dos livros didáticos analisados.

Figure 4.

Para termos parâmetro de análise, listamos os processos que aparecem na fase da pré-escrita de acordo com cada abordagem. Essa lista é baseada na leitura de vários autores (BROWN; LEE, 2015[1]; OLIVEIRA, 2015[2]; HYLAND, 2007[3]; PARKER, 1987[4]). Nossa intenção não é fazer uma lista completa, mas apenas lembrar que, teoricamente, cada abordagem prescreve ações e atitudes ora do aluno ora do professor para as atividades de produção escrita.

Figure 5. QUADRO 4 - Processos da fase de pré-escrita em diferentes abordagens Fonte: Brown e Lee (2015[1]); Oliveira (2015[2]); Hyland (2007[3]); Parker (1987[4])

Depois dessa lista para guiar as análises, as orações foram classificadas, a partir do processo ali presente, como P (produto), Pr (Processo), G (Gênero) e X quando o processo não se remeter a essa fase da escrita ou não for explicitamente prevista por nenhuma abordagem.

A análise demonstra a predominância de processos materiais na fase da pré-escrita, sendo a abordagem predominante a escrita como processo. Porém, a oração Complete the gaps below to identify the elements of writing context (Complete as lacunas abaixo para identificar os elementos do contexto de escrita) é compatível com a abordagem de gêneros porque incentiva o aluno a pensar no contexto de produção textual – quem escreve, para quem se escreve, em qual formato aquela mensagem será transmitida, o objetivo do texto, se a escrita tem um caráter formal ou informal, e onde o texto pode ser publicado. Essa oração material é analisada como sendo alinhada à abordagem voltada para a noção de gênero porque explicitamente cita a expressão writing context, mas a abordagem processual também considera alguns elementos do contexto sem sistematizá-los como a perspectiva de gênero (PARKER, 1987[4]).

A oração material criativa Create an opinion poll (Crie uma pesquisa de opinião), teoricamente, não era esperada por nós na fase de pré-escrita porque ela remete à ação de escrever, e não à preparação para a escrita. Tanto na abordagem processual como na perspectiva de gêneros, esse comando está alocado em uma etapa diferente do que é preconizado pelas orientações teóricas. Essa ação criativa (create) é o ato de escrever em si que deverá ser realizado pelo aluno. Em relação à abordagem como produto, como a escrita é feita em um único momento, não há um pensamento teórico que defina a escrita em antes e depois.

B. Processos da escrita recorrentes nas atividades de produção escrita dos livros didáticos analisados.

Nas obras didáticas analisadas, foram encontradas as seguintes orações e processos nas atividades referentes à escrita em si. Elencamos tais orações para melhor compreensão da análise apresentada adiante.

Figure 6.

Da mesma maneira que procedemos na análise das atividades de pré-escrita, para a atividade de escrita listamos processos e os consideramos de acordo com a bibliografia consultada sobre ensino de escrita. É importante frisar, novamente, que essa lista não almeja detalhar todas as orientações preconizadas pelos autores.

Figure 7. QUADRO 5 - Parâmetro de processos para analisar a fase da escrita Fonte: Brown e Lee (2015[1]); Oliveira (2015[2]); Hyland (2007[3]); Parker (1987[4])

Apesar de uma abordagem ou tradição de ensino de escrita não anular todas as contribuições de outra, com o passar do tempo, as novas reflexões e práticas buscam complementar e ou elucidar conceitos que não foram bem sistematizados na abordagem anterior, e acrescentam ferramentas de ensino de acordo com as novas demandas de escrita daquela época. Nesse sentido, a maneira de se propor o processo de ensino de escrita não é idêntica. Portanto, o quadro acima serve para orientar as nossas análises e mostrar que o foco nas orientações de ensino difere de acordo com a abordagem.

Dissemos, na seção 2 desse artigo, que a abordagem social de escrita (que considera a noção de gêneros textuais) não descarta questões defendidas e enfatizadas nas outras duas abordagens. Isso quer dizer que ao se produzir um texto exemplar de um gênero, não se desconsidera a importância da acurácia lexical e gramatical, nem os benefícios de tratamento da escrita como processo em que decisões e escolhas acontecem. Observa-se, entretanto, que o foco a se ater é diferente, ou seja, no objetivo comunicativo inerente ao texto a ser produzido. Assim, entendemos que a cada teoria ou proposta nova os novos conceitos surgem de modo a se complementar ou elucidar algo não tratado pela visão surgida anteriormente. Entendemos ser a escrita algo complexo e tratá-la ou ensiná-la não se resume a uma única visão teórica e nem o ensino deve-se pautar a uma abordagem apenas. Aspectos cognitivos, afetivos, sociais, filosóficos diversos estão relacionados ao ensino de língua estrangeira, consequentemente ao ensino de um aspecto em específico dessa língua.

Retomamos a categorização, como P (produto), Pr (Processo), G (Gênero) e X quando o processo não se remeter a nenhuma fase da escrita prevista por nenhuma abordagem. Na análise dos processos dessa fase, a letra X também significa orações que, teoricamente, pertencem a outras fases do processo de escrita e não deveriam estar listados nessa fase.

A análise das orações deixa evidente a predominância dos processos materiais. Essa predominância demonstra a natureza física e concreta da escrita. Ela é uma atividade criativa (take a few notes) e transformativa (combine the sentences). Como o participante agente/ator é o aluno, para que ele produza o texto, ele deve realizar várias ações concretas. Portanto, a escrita exige atividades no mundo físico, criando ou transformando algo ali. Além disso, o processo mental mais recorrente é do tipo cognitivo. Por exemplo, Plan your presentation; Think about your poll question; Consider with your classmate different possibilities of putting together the visual and written components (Planeje sua apresentação; Pense sobre as perguntas da pesquisa; Considere as diferentes possibilidades de seus colegas colocarem juntos os componentes escritos e visuais). Isso revela a natureza cognitiva da escrita. Para que haja a produção escrita, é necessário que o aluno se envolva em processos materiais e se engaje cognitivamente com a proposta de produção sugerida no livro didático. Se não houver esse engajamento, não há produção textual.

Também, nessa análise, a quantidade de processos que, teoricamente, deveriam estar na seção pré-escrita é recorrente. Por exemplo, Plan your presentation, Think about your poll question, Brainstorm ideas and opinions, Take few notes. Todos são processos que retomam atitudes e ações referentes à fase da pré-escrita, e com isso pode-se dizer, a partir dos exemplos, que as orientações dos livros didáticos dividem as atividades sem necessariamente haver uma atenção à(s) teoria(s). Não há uma fidelidade às fases propostas pelos teóricos (BROWN; LEE, 2015, por exemplo). Além disso, há uma mescla entre os preceitos teóricos das abordagens de gênero, sobretudo as visões de escrita processual e escrita como produto. Orações do tipo Pick a suitable template; Use colors to grab attention e Choose graphics and appropriate typography (Escolha um formato adequado; Use cores para chamar atenção; e Escolha elementos gráficos e tipográficos apropriados) são orações materiais que remetem à abordagem social porque se preocupam com os padrões do gênero cartaz, com sua estrutura genérica. Por outro lado, a oração Write a draft (Escreva uma versão) remete também à visão de escrita como processo.

Além dessas duas abordagens, a ideia de uma abordagem da escrita como produto aparece em duas orações: Construct a first paragraph to unlock the writing process; Develop the ideas about your theme (Construa um primeiro parágrafo para desatravar o processo de escrita; Desenvolva as ideias sobre o tema. O primeiro processo se refere à elaboração de um parágrafo. Para fazer um parágrafo é necessário criar um tópico frasal, ou seja, delimitar o tema da escrita. A segunda oração refere-se ao desenvolvimento desse parágrafo por meio de orações que desenvolvem o tópico frasal. Portanto, apesar de ter uma predominância da abordagem processual, as outras abordagens estão presentes nas propostas de produção escrita.

Na própria literatura da área, as abordagens de ensino de escrita se sobrepõem. Por exemplo, Oliveira (2015[2]), atribui os conceitos de tópico-frasal, ideia controle e orações-suporte à contribuição dada pela proposta de escrita como produto. Porém, Parker (1987[4]), com os termos thesis statement, limited topic e supporting details (declaração de tese, tópico limitado e ideias de suporte), atribui a mesma ideia de delimitar um assunto principal para a escrita e desenvolvê-la por meio de orações-suporte à fase da pré-escrita da abordagem processual. A técnica de análise de modelos de texto da escrita como produto (OLIVEIRA, 2015[2]) é feita também na abordagem de gêneros, porém, com outros objetivos de ensino. Nesse sentido, todas as contribuições teóricas colaboram para o ensino de escrita, como dissemos. Pode-se dizer, com isso, que não seria surpreendente, ou poderia ser considerado aceitável, que nos livros didáticos as atividades mesclassem ações que poderiam ser mais típicas de uma abordagem embora a proposta da obra didática, em geral, seja outra.

Outro dado importante é a quantidade de instruções que, a princípio, poderiam não fazer parte dessa fase – a escrita em si. Por exemplo, as orações materiais Do your research, e Brainstorm ideas and opinions (Faça sua pesquisa; Discuta ideias e opiniões) são características da pré-escrita; Submit your draft to your teacher’s appreciation e Make the necessary corrections (Submeta sua versão à apreciação do professor; Faça as correções necessárias) são características da fase de edição e revisão textual. Consideramos essas fases como pertencentes a praticamente todo o processo de escrita, em que várias versões do texto são apresentadas (BROWN; LEE, 2015[1]). Isso coaduna com as ideias de Parker (1987[4]), para quem a revisão é um processo contínuo. Nesse sentido, edição implica em revisão ainda no momento da escrita, como se percebe com ações expressas em Discuss the text with your classmate and the teacher, Exchange your text with your classmate, Consider the teacher’s and classmate’s feedback (Discuta o texto com seus colegas e o professor; Troque seu texto com seu colega; Considere o retorno do professor e do colega). Porém, percebemos, pelo que os dados revelam, que nem sempre as ações pensadas e propostas pelos autores seguem os modelos teóricos, o que pode ser entendido como uma não clareza da proposta de ensino, mesclando ações pertinentes com não pertinentes aos diferentes momentos do processo de escrever.

C. Processos da fase pós-escrita recorrentes nas atividades de produção escrita dos livros didáticos analisados.

Nas unidades dos livros em análise, foram encontradas as seguintes orações nas atividades propostas para a fase de pós-escrita.

Figure 8.

Novamente, seguindo o mesmo padrão, apresentamos os processos para analisar a fase da pós-escrita, com base nos autores consultados.

Figure 9. QUADRO 6 - Parâmetros de processos para analisar a fase da pós-escrita Fonte: Brown e Lee (2015[1]); Oliveira (2015[2]); Hyland (2007[3]); Parker (1987[4])

Mais uma vez recorremos à nomenclatura P (produto), Pr (Processo), G (Gênero) e X quando o processo não se remeter a nenhuma abordagem. Na análise dos processos dessa fase, a letra X também significa orações que, teoricamente, pertencem a outras fases do processo de escrita e não deveriam estar listados nessa fase. Novamente, a análise comprova a natureza material da atividade de produção escrita. Também, nesta fase, há processos que deveriam aparecer em fases anteriores, como Make any changes that will improve your outline e Invite people to answer your poll (Faça mudanças que melhorarão seu esquema; Convide pessoas a responder sua pesquisa). Esses processos são mais compatíveis com a fase da escrita dentro da abordagem processual. Outros processos, como Share the results e Pin your work on the classroom bulletin board (Compartilhe os resultados; Coloque seu trabalho no mural da escola), são compatíveis com a fase da pós-escrita da abordagem processual, a fase de publicação da versão final sem mais alterações. Concluindo, nos livros analisados, essa fase é considerada em 100% (cem por cento) demonstrando domínio da abordagem processual.

5. Considerações Finais

O objetivo proposto para a investigação relatada aqui previa evidenciar a abordagem de ensino de produção escrita em inglês predominante em livros didáticos brasileiros deste componente curricular destinados ao Ensino Fundamental e, consequentemente, revelar as experiências externas e internas ao sujeito aprendiz propostas para serem vivenciadas por ele ao se engajar nas atividades de produção escrita sugeridas. Para isso, recorremos a três diferentes propostas de ensino de habilidade de produção escrita em línguas estrangeiras, e ao sistema de transitividade da GSF para a análise de atividades contidas em três livros didáticos aprovados e distribuídos pelo PNLD, destinados ao 9º ano do Ensino Fundamental, produzidos em épocas diferentes para serem usados nos triênios subsequentes.

Com relação à abordagem predominante, os dados revelam ser esta a escrita como processo. Ela se encontra presente por meio da divisão em fases da escrita. Porém, as outras abordagens aparecem, em menor número, dependendo do propósito do texto a ser produzido. Portanto, o ensino de produção escrita proposto nas obras analisadas transcende uma única e definitiva proposta teórica considerada correta ou mais adequada. Ao professor cabe, sempre, considerar e usar os recursos metodológicos e teóricos dessas abordagens para ensinar a escrita em inglês a seus alunos de acordo com seus objetivos pedagógicos. Acreditamos que trazemos uma contribuição importante ao professor de inglês brasileiro ao analisarmos as propostas apresentadas nos livros didáticos mais a fundo, e ao evidenciarmos os processos presentes nos dizeres das atividades.

Como foi evidenciado pela consideração dos processos utilizados no modo imperativo, nas atividades de produção escrita sugeridas nas obras didáticas há uma predominância de ações materiais, seguidas por processos mentais. O aluno dever criar, produzir, escrever, revisar, anotar, rascunhar, listar, selecionar e escolher informações para produzir o seu texto. Isso mostra que escrever é algo pertencente ao fazer, ao agir no mundo concreto do uso da língua estrangeira, estando ações cognitivas nem sempre em primeiro plano, mas não menos importantes para a execução das ações materiais que parecem configurar o ato de escrever. Aquilo que se propõe ao aluno por meio de verbos no imperativo mostra que ele é, ao escrever, um usuário agente da língua estrangeira estudada. Caberá, então, a nós, professores e pesquisadores, termos consciência desse papel agentivo do aluno nas propostas de produção escrita em inglês ou em outra língua.

Com esse estudo não pretendemos esgotar o assunto nem tampouco almejamos uma generalização. Não acreditamos ser possível dizer que a produção didática brasileira traça e trata a produção escrita em inglês da maneira como vimos nas obras didáticas analisadas neste estudo. Porém, acreditamos que este estudo traz algumas implicações:

- o sistema de transitividade da GSF pode ser um aliado na análise de propostas didáticas, evidenciando o uso de termos que mostram mais claramente a proposta apresentada nas obras didáticas;

- com isso, a maior divulgação dessa teoria linguística em cursos de formação docente pode ser benéfica, visto que professores podem ter clareza para uma análise linguístico-discursiva das atividades de livros didáticos em momentos de avaliação e de uso desse material didático;

- a mesma divulgação da teoria podede ser benéfica para os agentes produtores das atividades e dos livros didáticos, tornando-os conscientes das propostas que elaboram;

- entendimento, a partir da análise discursiva baseada no sistema de transitividade, de que escrever em língua estrangeira é uma ação material e mental, em que há criação e transformação, pois um texto novo escrito é a criação de uma mensagem, a transformação de ideias em algo concreto e palpável, mas isso também requer engajamento cognitivo;

- mais que uma preocupação com abordagens, já que elas podem se mesclar e se fazer presentes em conjunto em diferentes propostas, as ações do fazer docente e discente precisam ser vistas como o verdadeiro foco das atividades de ensinar e de aprender.

Referências

BROWN, H. D; LEE, H. Teaching writing. In: Teaching by principles. 4. ed. New York: Pearson, 2015.

FUZER, C.; CABRAL, S. R. S. Introdução à Gramática Sistêmico-Funcio¬nal em Língua Portuguesa. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2014.

HALLIDAY, M. A. K; MATTHIESSEN, C. M. I. M. An introduction to func¬tional grammar. 3. ed. London: Arnold, 2004.

HALLIDAY, M.A. K; HASAN, R. Language, context and text: aspects of language in social semiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1989.

HYLAND, K. Genre-based pedagogies: language, literacy and L2 writing instruction. Journal of Second Language Writing, v. 16, n. 3, 2007, p. 148-164.

MARTIN, J. R; ROSE, D. Designing Literacy Pedagogy: Scaffolding democracy in classroom. London: Continuum, 2005.

OLIVEIRA, L. A. A aula de inglês: do planejamento à avaliação. São Paulo: Parábola Editorial, p. 149-190, 2015.

PARKER, J. F. Writing: process to product. USA: Addison-Wesley Publishing Company, Inc, 1987.

RAIMES, A. Techniques in teaching writing. New York: Oxford University Press, 1983.