O poder do empoderamento

Débora Dumke,
Eduarda Silveira,
Thayná Schiefferdecker

Resumo

A conferência com Joice Berth, cujo título é O que é empoderamento?, teve como objetivo pautar o que é empoderamento, tendo por base o livro escrito por Berth, de mesmo título da live, que faz parte da coleção Feminismos Plurais, de Djamila Ribeiro, todos os livros escritos por intelectuais negros/as. Além disso, a conferencista buscou explicar as quatro dimensões do empoderamento, que abarcam a dimensão cognitiva, econômica, política e psicológica, bem como evidenciar o esvaziamento do termo nos dias de hoje, sendo ele vendido como algo superficial. Berth retoma o conceito original de empoderamento, que consiste em algo profundo e complexo, citando intelectuais como Paulo Freire, Ângela Davis, entre outros.

Texto

Julia Lourenço Costa é a moderadora da live[1] e faz uma breve apresentação de Joice Berth, arquiteta e urbanista, formada pela faculdade 9 de Julho, pós-graduada em Direito Urbanístico pela PUC-MG. Berth é também ativista feminista negra e autora do livro Empoderamento.

De acordo com a escritora, racismo, machismo, lgbtfobia, entre outros preconceitos, são as bases para como a sociedade é estruturada. A conferencista enfatiza que tudo é racismo em uma sociedade racista, assim como tudo é machismo em uma sociedade machista. Berth reforça que o empoderamento conduz os grupos sociais a uma luta consciente e efetiva rumo a emancipação. A representatividade precisa alcançar as minorias, para que consiga atender a enorme diversidade existente em nossa sociedade. Conforme a conferencista, o empoderamento é um processo trabalhoso, não acontece da noite para o dia. Ele visa o grupo, o coletivo, mas é a partir da individualidade que vai fazer com que consiga chegar a uma condição mais autônoma. O empoderamento possui quatro dimensões, que Berth aponta durante a live. A primeira é a dimensão cognitiva, que busca levar para os grupos minoritários, e também para a comunidade negra, a conscientização a respeito do racismo que a afeta, entendendo suas causas, consequências e como este preconceito racial se desdobra na sociedade.

Berth diz que, sem o empoderamento, uma pessoa negra não conseguiria compreender todas as limitações que o racismo traz para sua vida, e que pessoas brancas tem o dever de abrir espaço para que o negro compartilhe suas experiências. Ela ressalta ainda que pessoas brancas não são discriminadas pela cor de sua pele e muito menos são desvalorizadas por isso.

A escritora lembra que por mais que haja críticas, o governo Lula abriu um leque de oportunidades para a negritude no Brasil, principalmente com as cotas raciais que se fortaleceram por meados de 2012. Berth comenta que algumas pessoas veem a mulher negra como trabalhadora doméstica, e que o poder aquisitivo dos negros é limitado justamente por serem oprimidos.

A segunda dimensão do empoderamento é a questão econômica, que preza por valorizar profissionais negros em todas as áreas. Remunerar funcionários negros faz parte do processo de empoderamento, assim como tentar combater a precarização do trabalho de minorias sociais como vem acontecendo. O racismo precariza e vulnerabiliza as questões econômicas das mulheres negras. Apesar de ser o conjunto social que menos avançou nos últimos tempos, uma série de políticas econômicas e sociais alavancaram o avanço das mulheres negras do Brasil.

Berth ressalta que só conseguimos mudar alguma coisa a partir da política, sendo essa a terceira dimensão do empoderamento, seja na realização de protestos ou manifestações, pois é somente dentro da política que conseguimos mudar algo. Realizar política é estar aberto para o diálogo, e ela é feita diariamente, está presente em um simples ato de ir ao supermercado e priorizar pela escolha de produtos que pensam nas pessoas negras, pois isso tende a mexer com outras marcas que ainda não se atentaram a pautas raciais.

Segundo a conferencista, o racismo mexe com a subjetividade das pessoas, sendo essa a quarta dimensão do empoderamento: dimensão psicológica. As pessoas brancas cresceram com a ideia internalizada de que são superiores a quem não tem o mesmo fenótipo. A escritora cita também a questão da meritocracia, tendo em vista que não somos valorizados no nosso trabalho, isso é apenas uma ilusão, pois este conceito não pode ser aplicado numa sociedade com tantas opressões e oportunidades desiguais.

Além disso, conforme Berth, o racismo é algo que se instala nas pessoas, e a superioridade de alguns se faz a partir da desvalorização de outros. Um exemplo comum é a questão dos padrões de beleza impostos às pessoas negras, que impactam na aceitação dos próprios cabelos, o que acaba provocando o sentimento de inferioridade a partir de uma perfeição que não existe, é necessário que se amem em primeiro lugar, fazer com que sintam carinho por si mesmas, sabendo que existem algumas imperfeições, mas que acima de tudo devem se amar.

Berth faz referência a novela O Clone, apresentada pela emissora Rede Globo no ano de 2001. O elenco gira em torno do drama, tendo como autora Glória Perez e diretor Jayme Monjardim, que trazem a imagem da empregada negra, como alguém que não tem família, que sua vida consiste em servir a família dos patrões. Ao final desta menção, realiza um comentário de que ainda existe esse pensamento de que pessoas negras não importam, que são vistas somente como empregadas, isto é, sempre sendo mandadas pelas pessoas brancas.

Com base nos questionamentos feitos, Berth cita que o empoderamento não está diretamente relacionado com o poder, o que acontece é que pessoas querem o poder, mas não estão dispostas a discutir o que significa e como se realiza na sociedade. Cita que Paulo Freire foi e continua sendo uma grande referência para as mulheres negras, por conta de seu pensamento quanto à emancipação de sujeitos, e das relações de sub opressão que ocorrem na sociedade.

A escritora enfatiza que o empoderamento não deve ser visto como algo individual, mas como algo coletivo, ele é uma simbiose, entre coletividade e individualidade. Berth ressalta que as mulheres não são empoderadas enquanto existe alto índice de feminicídio, enquanto a questão do aborto ainda não está resolvida, enquanto mulheres negras estão morrendo e enquanto as mulheres forem a maioria na violência doméstica. Ainda, a escritora explica que ninguém empodera ninguém, nós mesmas que nos empoderamos.

Segundo a ativista, a solidão da mulher negra é algo real na vida de mulheres negras, pois os homens negros não querem se envolver com mulheres negras, por talvez terem em sua subjetividade resquícios do racismo e trazerem essa bagagem de inferioridade, o que acontece é que muitas vezes eles só as procuram para relações sexuais ou para serem amantes, mas não para construírem uma família.

Ao final da live, após a apresentação de Berth, abriu-se um momento para perguntas do público. Uma das perguntas feitas para a escritora foi se a arte poderia ser uma forma de empoderar indivíduos, ao que ela responde que sim, pois a arte educa e se configura enquanto algo político, e nesse aspecto a escritora traz uma questão relevante a respeito da representatividade na televisão e a importância de pessoas negras se enxergarem em determinados espaços.

Um ponto interessante que Berth aborda durante a conferência tem relação com o acesso à universidade, bem como isso ainda é algo difícil para pessoas negras, mesmo que existam políticas públicas que disponibilizam cotas raciais à população racializada. Com isso, Berth cita um movimento de jovens antiacadêmicos, que, segundo ela, tem essa postura com relação à universidade, pois não se enxergam nesses espaços por terem poucas pessoas negras ocupando esses locais, entre outros aspectos, e sendo assim acham que não pertencem a esse lugar.

A escritora cita o documentário 13ª Emenda, com direção de Ava DuVernay, disponível na Netflix, em que “estudiosos, ativistas e políticos analisam a correlação entre a criminalização da população negra dos EUA e o boom do sistema prisional do país” de acordo com o resumo da própria plataforma de streaming. Ao citar esse documentário, Berth enfatiza que o racismo é um problema de todos nós, principalmente das pessoas brancas que se beneficiam dele, pois é dever delas corrigir os erros cometidos no passado pelos seus antepassados, que ainda hoje se refletem em nossas vidas e destinos.

Com isso, Berth finaliza falando um pouco sobre o feminismo negro, que conforme o Portal Geledés (2016[2]), consiste em “um movimento social e um segmento protagonizado por mulheres negras, com o objetivo de promover e trazer visibilidade às suas pautas e reivindicar seus direitos”. A escritora ressalta as conquistas e obstáculos enfrentados pelo movimento, tanto por parte de feministas brancas que ainda não reconhecem seu racismo, bem como por parte de homens negros que ainda não desconstruíram seu machismo.

Por fim, Berth finaliza parafraseando Freud ao dizer que precisamos investigar nossos medos, nossos incômodos, e também cita o livro de Djamila Ribeiro[3] Quem tem medo do feminismo negro?, em que reforça que quando uma mulher negra se movimenta, toda a sociedade se movimenta junto com ela, pois o racismo e o machismo infelizmente se configuram enquanto bases da nossa sociedade.

Referências

ARRAES, Jarid. Feminismo negro: sobre minorias dentro da minoria. Portal Geledés. 27 de fevereiro de 2014. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/feminismo-negro-sobre-minorias-dentro-da-minoria-por-jarid-arraes/>. Acesso em: 30 jun. 2020.

O que é empoderamento? Conferência apresentada por Joice Berth [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (1h 36min 05s). Publicado pelo canal da Asso-ciação Brasileira de Linguística. Disponível em: <https://youtu.be/K_KV8QgixqQ>. Acesso em: 27 jun. 2020.

RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro?. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.