Funcionalismo norte-americano: história e perspectivas
Resumo
A conferência Mecanismos funcionais do uso da língua – 30 anos depois aborda os rumos da Linguística Funcional norte-americana cerca de três décadas após a publicação de um dos seus textos mais representativos, escrito por Sebastião Josué Votre, conferencista convidado, e Anthony Julius Naro. Inicialmente, são apresentados o contexto da Linguística brasileira na época em que tais estudos começaram e, também, os pressupostos teóricos funcionalistas basilares. Além disso, são apresentados os rumos que essa abordagem seguiu, sobretudo a partir das publicações do Grupo de Estudos Discurso & Gramática, fundado por Votre no início da década de 1990, sendo destacadas a adesão ao aporte construcionista e a retomada analítica de alguns fenômenos.
Texto
A conferência Mecanismos funcionais do uso da língua – 30 anos depois, proferida pelo linguista Sebastião Josué Votre[1] no Abralin ao Vivo, configura um momento de grande relevância para os estudos funcionalistas e, de forma ampla, para a Linguística brasileira, pois retoma a história e os pressupostos de uma das abordagens teóricas mais difundidas no país atualmente. Com mediação de Carla Valle, professora da Universidade Federal de Santa Catarina, a conferência trouxe diferentes momentos da história de Votre e, consequentemente, do Funcionalismo norte-americano no Brasil, indicando suas origens, seus fundamentos, suas nuances metodológicas e suas perspectivas atuais e futuras.
No início da conferência, Votre abordou a publicação do artigo Mecanismos Funcionais do Uso da Língua, que é considerado um marco nas publicações brasileiras sobre o tema, exercendo um papel de texto fundador nas investigações funcionalistas. Quando foi publicado, em parceria com Anthony Julius Naro, no ano de 1989, o artigo se inseria em um contexto teórico dominado pelo Gerativismo e pela Sociolinguística, o que, segundo o conferencista, gerou muitas reações negativas não só a essa publicação, mas a todas as discussões relacionadas à abordagem funcional.
Votre e Naro estavam diretamente envolvidos naquela época com os estudos da Teoria da Variação e Mudança e haviam feito parcerias com pesquisadores interacionais sobre o tema. Em sua fala, Votre ressalta que a Sociolinguística também sofria muitas críticas e, muitas vezes, era vista como “contar bois no pasto” e seus trabalhos eram apontados como detentores de fraca teorização. Com o surgimento e o avanço dos ideais funcionalistas, as críticas relacionadas a um possível fim dos estudos da sintaxe gerou, também, duros comentários à abordagem funcional.
Na verdade, na perspectiva funcionalista, a sintaxe é estudada de forma atrelada ao discurso, o que fica evidente a partir de alguns conceitos teóricos apresentados em diversos livros e reunidos, por exemplo, em Furtado da Cunha, Silva e Bispo (2016[2]) e Rosário e Oliveira (2016[3]). Questões funcionais basilares, como marcação, planos discursivos, iconicidade, informatividade, prototipicidade e projeção metafórica são focalizadas nessa visão.
Votre aponta que, diante da publicação de Mecanismos Funcionais do Uso da Língua, houve uma resposta de Milton do Nascimento sobre o tema e uma proposta de congregar as abordagens gerativa e funcional, o que não foi desenvolvido ao longo das décadas seguintes, nem pelo conferencista, nem por essas perspectivas teóricas. Votre apresenta, de forma clara e didática, ainda, suas reflexões atuais sobre o tema e também comenta um novo texto recebido de Nascimento no dia anterior, que suscita importantes discussões linguísticas.
Ao longo da conferência, também há uma grande preocupação em demonstrar como o Funcionalismo norte-americano se desenvolveu no país, com destaque para a produção do Grupo de Estudos Discurso & Gramática, criado por Votre no início da década de 1990 e presente em diferentes universidades brasileiras. Segundo o conferencista, mais de 100 teses e dissertações foram orientadas por Angélica Furtado, Mariangela Rios, Mário Martelotta e Maura Cezario ao longo dos anos e isso conferiu grande relevância para os estudos funcionalistas no país.
O avanço teórico gerou, por exemplo, um aumento na quantidade de publicações em livros e periódicos, de eventos e também fez com que os postulados de décadas atrás fossem expandidos e discutidos a partir da análise de diferentes fenômenos linguísticos. Votre destaca, por exemplo, que as discussões efetuadas sobre a ordem VS foram retomadas pelos professores Maria Maura Cezario, Priscilla Mouta Marques e Roberto de Freitas Jr. anos depois, possibilitando avanços importantes (cf. FREITAS JR; MARQUES, 2014[4]; MARQUES; CEZARIO, 2015[5]).
Votre destaca, ainda, que, recentemente, o Funcionalismo também tem sido articulado com a Linguística Cognitiva e, mais especificamente, com a Gramática de Construções sob uma perspectiva do uso (cf. BYBEE, 2010[6]; TRAUGOTT; TROUSDALE, 2013[7]). Ele destaca, contudo, que nem todos os funcionalistas trabalharão com Gramática de Construções e nem todos os construcionistas serão funcionalistas.
Essa discussão é de grande relevância, pois, mesmo diante de um cenário em que boa parte dos estudos ligados ao Funcionalismo norte-americano estão relacionados a questões construcionistas, há pesquisas que não adotam essa abordagem e que não devem ser desconsideradas no panorama funcionalista brasileiro. Tal elucidação também remete a uma confusão feita muitas vezes em trabalhos sobre interfaces linguísticas, em que, por vezes, é entendido que duas teorias representam as mesmas ideias, embora, na verdade, possam ser complementares.
Por fim, o conferencista respondeu a alguns questionamentos dos espectadores e ressaltou a importância da relação entre o Funcionalismo e o ensino de línguas, apontando para avanços em trabalhos desenvolvidos por Angélica Furtado na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Mariangela Rios de Oliveira na Universidade Federal Fluminense, ambas professoras do Grupo de Estudos Discurso & Gramática.
Sendo assim, é possível afirmar que a conferência de Votre foi um importante momento ao retomar questões basilares do Funcionalismo norte-americano e, ao mesmo tempo, revisitar discussões a partir de uma fala bastante didática e elucidativa. Dessa forma, a conferência foi uma oportunidade de (re)conhecer a história e a importância de uma das abordagens linguísticas mais consolidadas no Brasil a partir do olhar de um dos maiores responsáveis por sua implementação e difusão no país.
Referências
BYBEE, Joan. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
FREITAS JR, Roberto. MARQUES, Priscilla Mouta. A ordem XVS no inglês: descrições sincrônicas e comparações com seu uso no EL2. Re-vista SOLETRAS, v. 28, p. 146-163, 2014.
FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; SILVA, José Romerito; BISPO, Edvaldo Balduino. O pareamento forma-função nas construções: questões teóricas e operacionais. Revista Linguística, v. especial, p. 55-67, 2016.
MARQUES, Priscilla Mouta; CEZARIO, Maria Maura. Estudo diacrônico da ordenação do sujeito no português. In: FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica. (Org.). A gramática da oração. Natal: EDUFRN, 2015, p. 101-134.
MECANISMOS funcionais do uso da língua – 30 anos depois. Conferência apresentada por Sebastião Josué Votre [s.l., s.n], 2020. 1 vídeo (1h 22min 31s). Publicado pelo canal da Associação Brasileira de Linguística. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QlddPLP4AXw Acesso em: 10 jul 2020.
ROSARIO, Ivo da Costa; OLIVEIRA, Mariangela Rios. Funcionalismo e Abordagem Construcional da Gramática. ALFA: REVISTA DE LINGUÍSTICA (UNESP. ONLINE), v. 60, p. 233-259, 2016.
TRAUGOTT, Elizabeth; TROUSDALE, Graeme. Constructionalization and constructional changes. Oxford: Oxford University Press, 2013.