O sistema da linguagem na mente e no cérebro humano

Paloma Batista Cardoso

Resumo

Neste texto, resenhamos a conferência ministrada por Evelina Fedorenko, intitulada "The language system in the human mind and brain", que ocorreu em 6 de maio de 2020, como parte das atividades do evento Abralin ao vivo – linguists online. Em sua fala, a referida pesquisadora discorre sobre o processamento da linguagem, considerando seus aspectos fisiológicos e cognitivos. Fedorenko defende a existência da language network, que engloba a superfície do córtex frontal, temporal e parietal, tendo como função o processamento da linguagem.  Essa região do cérebro responde, com maior ou menor grau de intensidade; a estímulos semânticos e sintáticos, a fim de compor sentidos que sejam aceitáveis para os falantes.

Texto

Neste texto, resenhamos a conferência ministrada por Evelina Fedorenko, professora associada do Instituto de tecnologia da Universidade de Massachusetts – MIT; em 06 de maio de 2020, intitulada “The language system in the human mind and brain”[1].

A linguagem pode ser entendida como um meio para a telepatia ou, em outras palavras, como uma janela para a mente. É a partir dessa asserção que Fedorenko desenvolve sua fala.

A linguagem possui duas dimensões: produção e processamento. Por meio da primeira, codificamos pensamentos e expressamos nossos posicionamentos no mundo. Para que façamos isso, é necessário que conheçamos os fonemas da língua e como eles podem ser organizados para formar palavras, frases e sentenças aceitáveis. A segunda permite que nosso ouvinte, por meio do input sonoro, compreenda o que dizemos e tenha um vislumbre do que pensamos.

Do ponto de vista cognitivo, produção e processamento são executados pelo que Fedorenko chama de language network, que engloba a superfície do córtex frontal, temporal e parietal; responsáveis pelo processamento semântico, sintático e, de acordo com a literatura, pela resolução de exercícios aritméticos, percepção musical e cognição social.

A superfície do córtex frontal, temporal e parietal formam uma rede integrada, que funciona em múltiplos níveis da cognição e permite a expressão e compreensão de pensamentos altamente complexos. Diante da complexidade dos processos envolvidos na produção e processamento linguístico Fedorenko, nesta conferência, enfatiza o processamento. Estudos sobre esta dimensão da linguagem têm sido realizados em diferentes abordagens, com ressonância magnética, registros intracranianos, análise genética e modelagem computacional. As evidências obtidas sugerem que a linguagem ativa múltiplas áreas do cérebro que respondem fortemente a estímulos linguísticos.

Apesar das evidências da atividade cerebral relativas ao processamento, pouco se sabe sobre como compreendemos a linguagem: se pelo sentido de cada palavra ou pela sentença como um todo. Outro fator relativo ao processamento é como, por meio dele, construímos sentidos inclusive por meio de elementos que não fazem parte da língua, como entonação e expressões faciais, associados a processos cognitivos em outros níveis e que refletem a dimensão social da linguagem.

Após delinear as dimensões da language network, do ponto de vista fisiológico, Fedorenko apresenta três perguntas de pesquisa sobre as quais discorre durante toda a conferência:

Figure 1. Figura 1 Esquema de pesquisa sobre percepção

Para responder a primeira pergunta, a pesquisadora apresenta dados de mapeamento da atividade cerebral obtidos por meio de ressonâncias magnéticas, durante a execução de atividades aritméticas. Os resultados apontam que as áreas ativadas durante a execução dessas atividades não são as mesmas ativadas pelo input de estímulos linguísticos, o que sugere que as regiões do cérebro que dão suporte à linguagem são altamente específicas. Apesar da especificidade cognitiva da linguagem, Fedorenko chama atenção para o fato de que ela não é inata. Quando aprendemos uma língua, aprendemos significados de palavras e de construções. Essa relação entre forma e significado é armazenada ao longo das nossas experiências e utilizada como resposta do cérebro a um input linguístico.

Em relação ao processamento semântico e sintático, Fedorenko destaca que quando processamos sentenças, computamos o significado individual de cada palavra e sua categoria para compreendermos o sentido que elas formam quando unidas. Nossos conhecimentos gramaticais não operam sobre categorias gerais, tais como nomes e verbos, mas como cada item seleciona argumentos e estrutura sentenças. Um exemplo é o verbo confortar. Enquanto falantes, sabemos que confortar exige agente e paciente para formar uma sentença aceitável, como “confortei minha amiga”.

Registros intracranianos apontam que o processamento sintático não ocorre somente na área de Broca: o córtex posterior central também é ativado quando o indivíduo processa sentenças. Essas mesmas regiões também são ativadas durante o processamento de palavras, o que sugere que as áreas do cérebro que dão suporte ao processamento sintático e semântico são as mesmas.

Todavia, ainda que as mesmas áreas sejam ativadas durante o processamento de sentenças e palavras, o grau de atividade delas não é o mesmo. Mapeamentos de atividade cerebral indicam que sentenças desencadeiam respostas mais fortes do que listas de palavras. Fedorenko hipotetiza que isso ocorre porque ao serem expostos ao primeiro tipo de input, os indivíduos procuram estabelecer sentidos por meio da composição semântica, que tem se mostrado a função primária da language network.

A composição semântica sofre influência do efeito de construção. Enquanto falantes, intuímos em quais contextos duas palavras podem ou não ser utilizadas. Nesse sentido, no exemplo “xxxxxxxx comer xxxx maçã”, é bastante provável que tentaremos organizar os espaços de modo a formar uma sentença plausível. A partir dessa afirmação, Fedorenko apresenta um teste no qual doze sentenças sofreram sete tipos de manipulação. Na última, elas estavam destruídas ao ponto de estarem mais próximas de serem listas de palavras desconectadas.

Os resultados apontaram que mesmo quando as manipulações causavam erros de sintaxe, quando o arranjo das sentenças permitia um significado plausível, os indivíduos apresentavam respostas cognitivas mais fortes, o que sugere que a função primária da rede de trabalho da linguagem é a composição semântica.

Os dados e argumentos apresentados por Fedorenko deixam claro o quanto a linguagem humana é complexa. Para a produção, é necessário que o falante mobilize uma série de conhecimentos linguísticos; para o processamento, ele deve captar os sentidos de palavras e sentenças. Como isso acontece, continua sendo um mistério.

Todavia, as evidências sugerem que produção e processamento linguístico são executados em uma área ampla do cérebro e atua em diferentes níveis, sendo também influenciados por fatores sociais. Por isso, elementos como entonação e expressões faciais contribuam com a composição semântica. O funcionamento da language network indica que as atividades cerebrais interagem entre si e, por isso, apontam para como organizamos nossos pensamentos.

Referências

The language system in the human mind and brain. Conference presented by Evelina Fedorenko, Evelina. [S.l., s.n], 2020. 1 video (1h 18min 11s). Published by the Associação Brasileira de Linguística channel. Available on: https://www.youtube.com/watch?v=hqrsHmhcrSQ. Accessed in: 7 may. 2020.