Para uma crítica à noção de diferença: o caso da política linguística

Fabio Lopes da SILVA,
Cristine Gorski SEVERO

Resumo

O texto propõe uma crítica à noção de diferença – e de diversidade – em políticas linguísticas a partir de uma revisão das reflexões de Saussure sobre o conceito de língua. Trata-se de considerar (i) a inscrição da diferença como constitutiva do conceito saussuriano de língua; (ii) a (suposta) tensão entre homogeneidade e heterogeneidade inscrita nesse conceito; (iii) a impossibilidade de um objeto puro. A partir desses elementos, refletimos sobre a noção de diversidade que embala a sociolinguística e as políticas linguísticas, fazendo referência à genealogia desses campos disciplinares e ao modo como eles têm discursivizado as línguas a partir de um fascínio pela diversidade. Por fim, indagamos sobre as origens desse fascínio em diálogo tanto com o papel da diacronia na constituição do objeto saussuriano, como com alguns nomes próprios que nos colocam, genealogicamente, em contato com a questão judaica.

Introdução

Tal como é canonicamente interpretada, a obra de Saussure culmina com a proposição da língua como objeto homogêneo, unidade rigorosa, fechada sobre si mesma e, portanto, infensa a qualquer influxo que pudesse advir do exterior. Veio daí a glória alcançada pelo mestre genebrino: a langue, com sua elegância matemática, algébrica, impôs-se inicialmente sobre a pululação vertiginosa e aparente- mente incompreensível da parole. Veio daí também, um pouco mais tarde, o conjunto de críticas ao achado saussuriano: a propósito de superar a linguística estrutural, passou-se a dizer que a langue eclipsa a complexidade da linguagem, as variantes sociodemograficamente distribuídas, a teia de relações que consistentemente liga a multiplicação das formas linguísticas ao contexto.

Não afirmaremos aqui que toda essa discussão em torno dos supostos problemas e qualidades de Saussure está completamente equivocada. Pelo contrário: o que chamamos de interpretação canônica do Curso de Linguística Geral certamente se consolida com base em fórmulas que de fato estão reiteradamente presentes no texto saussuriano e se encadeiam de modo a até certo ponto justificar o que, a partir delas, se conclui. Mas cabe acrescentar que essa é só uma parte da história. Argumentaremos que, no corpo mesmo da construção da langue como sistema positivo – e, no limite, em contradição com essa construção –, Saussure desenvolve uma teoria da diferença, uma reflexão radical e incontornável sobre a heterogeneidade, a diversidade, a negatividade. Como procuraremos mostrar, o legado saussuriano, a rigor, é menos o objeto homogêneo, com todos os seus problemas, do que uma aguda e radical elaboração a respeito do exato oposto da homogeneidade: a diferença. Melhor ainda: de nossa perspectiva, o que ressalta da leitura do Curso de Linguística Geral são as indissociáveis relações entre homogeneidade e diferença – uma dialética que, a nosso ver, revela a inescapável subordinação desta àquela, o que implica reconhecer o caráter necessariamente periférico da heterogeneidade.

É a atualidade de Saussure o que, no fim das contas, está em jogo neste ensaio: a sua crítica à noção de diferença, a sua capacidade, talvez única, de indicar o limite desse conceito e, assim, colocar em questão – com décadas de antecedência – todo um campo discursivo hoje hipotecadoàs ideias dediversidade, heterogeneidadeesimilares. Analisaremos, em particular, o caso da política linguística.

Dificilmente se pode concebê-la sem um apelo apaixonado à noção de diferença. Ainda mais dificilmente se pode fazer a sua genealogia sem que se a tome, em alguma medida, como resultado da recusa do paradigma impostocom base noquetemoschamado deinterpretação canônica do Curso. Se assim é, vale acionar a nossa releitura de Saussure e medir as consequências desse gesto sobre o estado atual da política linguística, com o risco de, ao cabo desse exercício, emparedar a ideia aparentemente libertadora de diferença e exigir uma nova epistemologia para lidar com a acachapante complexidade linguística do mundo.

1. Saussure e a dialética entre diferença e identidade

De acordo com Edward Said (2011, p. 510[1]), “o imperialismo consolidou a mescla de culturas e identidades numa escala global”. Mercê das integrações econômicas, dos deslocamentos de exércitos e funcionários, dos incessantes fluxos migratórios e do desenvolvimento dos sistemas de transporte e telecomunicação, esse processo de hibridismo só fez agravar-se no mundo pós-colonial. Nosso tempo, mais do que qualquer outro, se assenta sobre uma rede extremamente complexa de relações humanas, um mapa quase inverossímil de “territórios sobrepostos”, um alarido vertiginoso de “histórias entrelaçadas”. Face à consciência crescente de que a heterogeneidade é a regra, a afirmação saussuriana de que a língua “é um sistema de valores puros” soa completamente anacrônica, extemporânea.

Mas será mesmo assim? O que exatamente significa essa pureza reivindicada por Saussure? Do que ela é feita? Vale, nesse sentido, deslocar o olhar das conclusões de Saussure para o modo como foram construídas.

Curiosamente, seovelholivrochegamesmoaestabeleceralíngua como sistema de valores puros (e, como veremos, não é tão seguro que o tenha feito), é por um caminho, por assim dizer, notadamente impuro. O percurso saussuriano, como tentaremos indicar a seguir, é errático, tortuoso e vacilante – um verdadeiro labirinto de ideias que, em muitos casos, certamente se contradizem umas às outras, exigindo do leitor uma postura radicalmente ativa, fadada a escolhas interpretativas e tomadas de decisão.

1.1 Uma primeira contradição

Quem duvida da afirmação de que o texto saussuriano se retesa entre múltiplas tensões que considere aquela que é uma de suas mais propostas mais conhecidas: o conceito de arbitrariedade do signo, que, de tão importante, merece no Curso o estatuto de princípio. Sua primeira aparição acontece em um capítulo intitulado ‘A natureza do signo linguístico’. Lá ele é definido muito simplesmente como imotivação do significante face ao significado. Em outras palavras, dizer que o signo é arbitrário equivaleria a reconhecer que nada há no significado que exija que ele seja representado por este ou aquele significante. Os significantes de uma língua são o que são, mas poderiam ser outros, e de fato são outros em outras línguas.

Assim enunciada, a proposição saussuriana permanece perigosamente próxima à maneira como a linguagem há muito tempo vinha sendo considerada na tradição ocidental. No frigir dos ovos, parece não haver diferença relevante entre a definição de arbitrariedade patrocinada por Saussure e o modo como, vinte e cinco séculos antes, Hermógenes, no Crátilo, concebeu a relação entre as palavras e aquilo que elas designam, uma posição que, em todo caso, veio a ser majoritariamente aceita por filósofos e linguistas muito antes de Saussure. Para quem é minimamente informado sobre a história dos estudos sobre a linguagem, não há como ler essa passagem do Curso sem uma ponta de decepção. Somos tentados a repetir Horácio no célebre diálogo que se segue ao primeiro encontro de Hamlet com o fantasma do pai morto:

HORÁCIO: Que foi que aconteceu, meu senhor? HAMLET: Coisas maravilhosas!

HAMLET: Meu bom senhor, queremos saber. HAMLET: Pra que, pra repetir?

HORÁCIO: Não eu, meu senhor, pelo céu. MARCELO: Nem eu, senhor.

HAMLET: Vão ouvir o que nenhum coração jamais imaginou. Mas, guardam segredo?

HORÁCIO & MARCELO: Sim, meu senhor, por tudo que é sagrado.

HAMLET: Não há em toda Dinamarca um só canalha que não seja... um patife consumado.

HORÁCIO: Meu senhor, não é preciso um fantasma sair da sepultura para nos dizer isso[2].

Saussure, por seu lado, está bem consciente de que, quanto à noção de arbitrariedade, não está dizendo nada de novo. Tanto que, imediatamente depois de apresentá-la, observa que ela “não é contestad[a] por ninguém” (SAUSSURE, 2004, p. 82[3]). Contudo, o próprio capítulo em que a fórmula é lançada traz uma série de elementos capazes de pôr-nos a desconfiar de sua pertinência. Pense-se, por exemplo, no fato de que ‘A natureza do signo linguístico’ se abre com uma crítica à visão de língua como nomenclatura, no seio da qual, entre outros argumentos, Saussure dispara contra a ideia de que existam significados “completamente feitos, pré-existentes às palavras” (SAUSSURE, 2004, p. 79[3]). Ora, não é exatamente a precedência dos significados o que a definição de arbitrariedade afirma? Em seu bojo, o mestre genebrino, como vimos, problematiza e qualifica a emergência do significante, mas nada diz acerca da constituição dos significados, fazendo supor que isso não é um problema, como se os significados estivessem desde sempre dados. Os exemplos invocados por Saussure para ilustrar o princípio de arbitrariedade não poderiam deixar mais evidente a ideia da pré-existência dos conceitos, que, a propósito, chegam a ser aqui confundidos com o referente: “o significado da palavra francesa boeuf (‘boi’) tem por significante b-ö-f de um lado da fronteira franco- germânica, e o-k-s (Ochs) do outro.” (SAUSSURE, 2004, p. 82[3]).

Com uma mão, portanto, Saussure investe contra a visão língua como nomenclatura e, em particular, contra a tese da precedência do significado face ao significante; com a outra, articula uma definição de arbitrariedade cujo limite é tomar a língua como um dispositivo que serviria – literalmente – para dar nome aos bois.

Na próxima seção, alegaremos que esse choque de ideias vai ganhar tonalidades ainda mais dramáticas em um capítulo posterior do Curso, intitulado ‘O valor linguístico’. Nele, embora Saussure (2004, p. 132[3]) garanta estar apenas tentando nos fazer “compreender melhor o que foi dito à p. 81 [isto é, em ‘A natureza do signo linguístico’] sobre o arbitrário do signo”, o que emerge é, antes, uma revisão radical do princípio.

1.2 A arbitrariedade redefinida

‘O valor linguístico’ é, para uma leitura estruturalista de Saussure, o clímax de sua elaboração teórica. O capítulo, afinal, apresenta, desenvolve e tenta justificar a tese de que a língua deva ser tomada como objeto puramente sincrônico, fechado sobre si mesmo – “um todo por si” (SAUSSURE, 2004, p. 17[3]).

“Para compreender por que a língua não é senão um sistema de valores puros”, anota Saussure (2004, p. 130[3]) em suas primeiras linhas, “basta considerar os dois elementos que entram em jogo em seu funcionamento: as ideias e os sons.” Segue-se, então, o exame desses ‘dois elementos’, uma operação que começa pela perscrutação do campo dos significados.

Saussure põe-nos imediatamente a especular sobre o que seria esse campo antes do surgimento da língua, “abstração feita de sua expressão por meio de palavras”. Resposta saussuriana: a instância onde os conceitos vão emergir é, na origem, “uma massa amorfa e indistinta”, “uma nebulosa onde nada está necessariamente delimitado”. Para não deixar dúvidas quanto ao sentido dessas metáforas, o mestre genebrino arremata o parágrafo com o toque de címbalo da seguinteconclusão: “Não existem ideias preestabelecidas, e nada é distinto antes do aparecimento da língua”. (SAUSSURE, 2004, p. 130[3]).

Vê-se, assim, que aquilo que faltava ao capítulo anteriormente analisado – a problematização da emergência do significado – é o primeiríssimo tema enfrentado em ‘O valor linguístico’. Mais importante ainda: de modo agora coerente com a sua crítica à visão de língua como nomenclatura – mas em contradição com a definição inicial de arbitrariedade –, o significado é concebido como uma figura inteiramente contemporânea ao trabalho da língua: nada nele está previamente delimitado.

Saussure passa, então, ao terreno dos significantes, e o que lá ele divisa antes do surgimento da língua é também uma massa amorfa, espécie de imagem especular do campo dos significados: “A substância fônica não é mais fixa nem mais rígida [do que aquela a partir da qual se formam os conceitos].” (SAUSSURE, 2004, p. 130[3]).

Esse paralelismo – essa especularidade entre as ordens do significante e do significado – continuará prevalecendo quando, em seguida, Saussure caracterizar os efeitos da língua sobre as duas massas: a amorfia original de ambas dá lugar a formas geradas por “uma série de subdivisões contíguas” que – dado fundamental – atravessam o plano dos significados e o dos significantes “simultaneamente”. (SAUSSURE, 2004, p. 130[3]).

Simultaneamente: não há, pois, precedência de um domínio sobre outronaordemdasignificação. E como A sópodemotivar B com a condição de A preceder B, cabe complementar a definição inicial de arbitrariedade: à proposição de que o significante é imotivado face ao significado deve-se acrescentar a de que o significado é imotivado em relação ao significante. Em tempo: que não se diga que esse adendo estava implícito na formulação anterior e não foi previamente enunciado por ser óbvio demais. A autoevidência da ideia de que o significado não é motivado pelo significante só se impõe no corpo de um pensamento que supõe a precedência do significado sobre o significante, o que, como estamos tentando indicar, é tudo que, a essa altura do Curso, está sendo abandonado. Em seu lugar, consolida-se uma perspectiva inteiramente inusitada: a de que os componentes do signo não respondem a uma hierarquia – a de que, no limite, deve-se deixar para trás a velha tese de que o significante está para o significado assim como o representante está para o representado: “O papel característico da língua frente ao pensamento não é criar um meio fônico material para expressão de ideias”. (SAUSSURE, 2004, p. 131[3]).

Mas a expansão do conceito de arbitrariedade ainda não chegou ao fim. Tampouco se encerram aqui as implicações mais ambiciosas de sua reformulação. Outras surpresas – outras contradições – nos aguardam nas próximas seções.

1.3 Ainda um adendo à noção de arbitrariedade

Saussure reiteradamente se refere à centralidade do princípio de arbitrariedade do signo para a construção da teoria. “Suas consequências são inúmeras”, escreve. A bem da verdade, ele chega a dizer que “o princípio enunciado acima domina toda a linguística da língua.” (SAUSSURE, 2004, p. 82[3])

Como acertadamente aponta Culler (1979[4]), a expressão máxima da relevância do conceito de arbitrariedade para Saussure está condensada no seguinte aforismo: “Arbitrário e diferencial são duas qualidades correlativas” (SAUSSURE, 2004, p. 137[3]). Ora, o termo diferencial remete aí à consistência das unidades do sistema, que, como se sabe, só existem na medida em que não são as outras, quer dizer, na medida em que a sua diferença em relação às outras prevaleça, pouco importando o modo como essa diferença se concretize. Trocando em miúdos, Saussure está a afirmar uma relação lógica entre o princípio de arbitrariedade do signo e a natureza sistêmica da língua, como se aquele acarretasse – no sentido técnico do termo – esta. Pois bem: a proposição de que arbitrário e diferencial são qualidades correlativas só faz sentido se o princípio de arbitrariedade ganhar mais um adendo, que se extrai do seguinte excerto:

Não só os dois domínios ligados pelo fato linguístico são confusos e amorfos como a escolha que se decide por tal porção acústica para tal ideia é perfeitamente arbitrária. Se não fosse esse o caso a noção de valor perderia algo de seu caráter, pois conteria um elemento imposto de fora. Mas, de fato, os valores continuam a ser inteiramente relativos, e eis por que o vínculo entre a ideia e o som é perfeitamente arbitrário. (SAUSSURE, 2004, p. 132[3]).

Notem, para começar, a presença insistente dos advérbios terminados em –mente no trecho destacado. Saussure até então invocara a arbitrariedade sem qualificações. Agora, o adjetivo arbitrário vem modificadoportermoscomo radicalmente, inteiramente ou perfeitamente, como se o autor quisesse indicar que algo de novo estivesse sendo introduzido. Essa novidade, esclareço, é a afirmação de que os valores – isto é, os significantes e os significados – não contêm “elemento[s] imposto[s] de fora”. Entenda-se: dizer que o significante não é motivado pelo significado, e vice-versa, não exclui a possibilidade de eles serem motivados por qualquer outra força que, do exterior da língua, pudesse determiná-la. Ora, é precisamente essa suposta causa externa o que Saussure descarta definitivamente. E, com isso, aquele que é talvez o silogismo mais importante da obra saussuriana está armado: se não há nada que, precedendo e transcendendo a língua, antecipe de algum modo a sua forma, então tudo o que a constitui só pode ser efeito de um puro jogo interno de relações.

1.4  Verificação experimental

Com a precisão dos sonâmbulos, os linguistas, ao tentar ilustrar a racionalidade e a plausibilidade do objeto saussuriano a neófitos, recorrem ao exemplo do sistema de cores, ainda que ele se não se encontre no texto do Curso e, na realidade, seja muito mais afeito à linguística americana do início do século 20, de orientação antropológica e empirista, do que ao contexto europeu de estudos sobre a linguagem. O fato, em todo caso, é que pesquisas de campo revelaram que o espectro das cores não é dividido da mesma maneira pelas diferentes línguas. Assim, não se trata simplesmente de dizer que cada cultura disponibiliza um conjunto de nomes diferentes para as unidades cromáticas que reconhecemos; as próprias unidades cromáticas variam de um lugar para outro. Isso é verdade até mesmo para línguas da mesma família, como é o caso do italiano na comparação com o português: lá onde identificamos o azul, os habitantes da península itálica percebem duas cores diversas, azurra e blù.

Dados como esses indicariam que, no fim das contas, não há uma essência do amarelo, do verde ou de qualquer outra cor. Elas não passam de um intervalo no continuum das possibilidades cromáticas, de modo que tudo o que são consistiria em não ser as outras, como Saussure queria demonstrar.

Não obstante, o mesmo campo empírico que parece dar razão a Saussure poderia ser mobilizado – e o foi, seguidamente – para contestá-lo. Lyons(1979[5]), porexemplo, écategóricoemasseverarque “não seria razoável sustentar que não há objetos e traços perceptual- mente discretos no mundo extralinguístico e independente da língua; quetudoéamorfo, enquantoalínguanãolhederforma.”. Narealidade, continua ele, “somente um número limitado de palavras pode ser descrito em referência a áreas contíguas dentro de um contínuo físico.” (LYONS, 1979, p. 60[5]). Mesmo o exemplo das cores seria mais complicado do que à primeira vista se mostra, e a segmentação do espectro, longe de ser puramente arbitrária, dependeria, em alguma medida, de um cruzamento de fatores externos à língua:

as oposições de acordo com as quais a substância das cores é determinada em diferentes línguas pode depender primariamente da associação das unidades lexicais a traços culturalmente importantes de objetos do ambiente natural. [...] Convém notar que em conexão com isso os dicionários do inglês frequentemente definem os principais termos de cores em relação a traços típicos do ambiente (por exemplo: blue, ‘azul’ pode dizer-se que se refere à cor do céu claro, red, ‘vermelho’, à cor do sangue, e assim por diante). (LYONS, 1979, p. 457[5]).

Fim de caso. A não ser que toda a discussão travada por Saussure pertença a outro domínio que não o da linguística, com sua injunção à verificação experimental. Estamos prestes, suponho, a uma reviravolta inesperada no enredo do drama que vimos contando.

1.5 Saussure, a epistemologia e a ontologia

Como antecipamos no início deste ensaio, o debate inaugurado por Saussure ultrapassa as fronteiras da linguística. A nosso juízo, a questão fundamental que o texto levanta, ao contrário do que se costuma acreditar, não é ‘o que é a língua?’, mas uma outra, que diz respeito à epistemologia e, no limite, à ontologia: ‘o que é um objeto?’. O ponto de partida para que possamos asseverar isso está no fato de que o projeto do Curso, se há um, é apresentar um objeto puro – um sistema de valores puros, como escreve Saussure –, quer dizer, um objeto pleno, inteiramente presente a si, cujos contornos que o separam de seu exterior sejam nítidos e suficientemente rígidos para manter a sua identidade e a sua integridade. Mas o que o autor encontra – apesar de nem ele nem os linguistas que o retomaram ou criticaram terem percebido inteiramente isso – é coisa bem diferente do esperado.

Para que se compreenda essa incongruência entre o que Saussure diz encontrar (ou o que se diz que ele encontra) e o que realmente encontra, basta retomar uma metáfora saussuriana que já exploramos: a das massas amorfas. Como é fácil verificar, as massas – que, como vimos, representariam os campos do significante e do significado – são marcadas pela indeterminação mas também são, desde o início, duas. Em outras palavras, o sistema saussuriano assenta-se sobre algo que lhe preexiste: a distinção ontológica entre as duas massas. As consequências desse dado são absolutamente estarrecedoras: o objeto saussuriano – por pressupor esse dualismo ontológico – não é de modo algum aquilo que se sustenta que ele é. Não é fechado sobre si mesmo, na medida em que algo lhe transcende. Não é cerradamente sincrônico, na medida em que algo que continua a constituir a sua estrutura lhe precede. Não é uma pura forma, na medida que em seu interior está inteiramente saturado pela presença nãoapenasdeuma, mas de duas substâncias. Não é tam pouco o espaço de uma relação paritária entre significante e significado, na medida emque, como Derrida tantas vezes demonstrou, as oposições binárias são sempre hierarquias (no caso em tela, contra todos os desmentidos perpetrados por Saussure, o que se repõe na distinção significante/ significado é a velha partilha entre forma e conteúdo, entre sensível e inteligível, entre o representante e o representado e, no limite, entre corpo e alma1). Em suma, todas as proverbiais dicotomias por que se pretenderia mapear a língua – sincronia/diacronia, forma/substância, dentro/fora etc. – mostram-se insuficientes para expressar o que ela é. O objeto-língua, se é esse que Saussure diz ter estabelecido, com as características que se atribuem a ele, jamais foi fundado. Um modo ainda mais cru e direto de dizer isso é: a linguística moderna nunca nasceu – ou ao menos não nasceu exatamente como os linguistas acreditam que isso tenha acontecido.

1.6 A sincronia como impossibilidade

Esclarecedor exemplo de que como a história posterior da linguística se equivocou a respeito de Saussure está na censura que a sociolinguística lhe dirige. Para William Labov e seus seguidores, a langue saussuriana, por homogênea, é uma abstração intolerável, devendo dar lugar a uma redefinição do objeto que incorpore a heterogeneidade como marca registrada.

Os labovianos simplesmente não percebem que Saussure é um pensador da diferença, e que, como tal, é, na verdade, muito mais consequente do que os sociolinguistas que pretendem superá-lo. Melhor ainda: o que a abordagem saussuriana põe em cena é um conjunto de observações extremamente agudas e pertinentes sobre as relações entre identidade e diferença, entre homogeneidade e heterogeneidade.

Na língua só existem diferenças”, escreve Saussure em certa passagem do Curso. A importância da afirmação é tamanha que ela surge no texto assim mesmo, em itálico. E como que para evitar incompreensões a respeito da radicalidade e da novidade da formulação, ele, ato contínuo, acrescenta que “uma diferença supõe em geral termos positivos entre os quais ela se estabelece; mas na língua há apenas diferenças, sem termos positivos” (SAUSSURE, 2004, p. 139[3]). Salvo engano, o que Saussure está a considerar é a recorrente subordinação do conceito de diferença ao conceito de identidade. Em outras palavras, a diferença que estamos dispostos a reconhecer é aquela que sobressai de um fundo de identidade – um fundo de identidade que ela, a diferença, necessariamente reitera e consolida.2 Saussure, por seu lado, pretenderia tratar de uma diferença pura, completamente desgarrada do conceito de identidade. A rigor, a sua ideia seria inverter a relação entre diferença e identidade, fazendo desta um efeito daquela:

Se a parteconceitual do valor é constituída unicamente por relações e diferenças com os outros termos da língua, pode-se dizer o mesmo de sua parte material. O que importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras, pois são elas que levam à significação. (SAUSSURE, 2004, p. 136-137[3])

Vê-se, assim, claramente, o que os labovianos puseram a perder: em primeiro lugar, faltou-lhes compreender que a noção de heterogeneidade que acionam é, como Saussure antecipa em seus comentários, uma reafirmação da homogeneidade – da identidade fundamental da língua (diante da qual toda diferença é periférica) –, isto é, daquilo mesmo que eles pretendiam denunciar como falha no objeto saussuriano. Faltou-lhes compreender, em segundo lugar, que é Saussure, e não Labov, quem tenta esticar a corda da heterogeneidade até o limite, em busca da diferença exasperada, irredutível. Faltou-lhes reconhecer, ademais, a relação necessária, corretamente identificada por Saussure, entre essa diferença pura e o objeto homogêneo, fechado sobre si mesmo, que ela habita (sim, pois em um sistema em que tudo é contemporâneo a si, nenhum elemento pode ter existência autônoma: toda identidade só pode se realizar em decorrência do conjunto de que faz parte). Mas o que, acima de tudo, faltou aos sociolinguistas entender foi que esse objeto puro – em que a homogeneidade pura faz sistema com a diferença pura – não apenas nunca se apresenta no Curso como é, no rigor da expressão, impossível. É isso mesmo o que estamos dizendo, é isso mesmo o que a seguir vamos tentar demonstrar: a langue saussuriana, como sistema de valores puros nunca foi fundada porque um tal objeto é literalmente inviável. O próprio Saussure, aliás, eventualmente o admite “Nunca nos compenetraremos bastante dessa verdade” (SAUSSURE, 2004, p.141[3]), anota ele em seu intento de caracterizar a língua como uma forma plena, um todo por si.

Por que a língua como sistema fechado, como campo de relações de puras diferenças, é impossível? Ora, é fácil definir um elemento em relação a outro quando sabemos o que este último é, quando sua existência transcende a relação. É esse o papel das constantes nas funções matemáticas, em torno das quais o jogo das variáveis funciona. É, de modo mais geral, o que Derrida chama de centro: isso que, sendo a própria condição da estrutura e estando no coração dela, paradoxalmente se subtrai a ela. “No centro”, diz ele, “é proibida a permuta ou a transformação dos elementos.” (DERRIDA, 1971, p. 230[6]). Por estar ao mesmo tempo dentro e fora da estrutura, “o centro não é o centro”, explica Derrida, em uma de suas muitas fórmulas lapidares. E uma estrutura desprovida de centro, arremata o filósofo franco-argelino, “é ainda hoje o impensável” (DERRIDA, 1971, p. 230[6]). Um campo definido por puras diferenças: se a língua assim fosse, estaríamos no ponto em que o objeto se torna abjeto – um jogo sem eira, nem beira, nem lei, onde nada pode operar como origem ou telos do sistema. Um jogo que, no duplo sentido da palavra, é incompreensível, quer dizer, ininteligível e incontenível. Ora, é precisamente essa abjeção – essa coisa disforme, inconforme – o único destino possível para um ente cuja característica fosse ser um “sistema de valores puros”, uma pura forma, em que todos os termos equivalessem uns aos outros em importância (na medida em que todos são radicalmente contemporâneos uns aos outros).

Um dilema, portanto, afeta de ponta a ponta o pensamento saussuriano: ou bem ele cede espaço na estrutura a um elemento estranho à sua natureza, ou bem o seu objeto se perde, irreversivelmente. Assim é que, salvando a langue na undécima hora (ainda que ao preço de uma contradição), surge em meio à sincronia – ou melhor: no seu centro – algo da ordem da diacronia. No coração da pura forma que a língua deveria ser (“uma álgebra em que só existem termos complexos”, dirá em algum lugar Saussure), inscreve-se algo da ordem da substância. No fulcro da lebre que se vende como uma “totalidade solidária” (SAUSSURE, 2004, p. 132[3]), respira um gato cuja existência paira acima dos termos que se definem no jogo da estrutura.

Cabe reiterar, para que não restem dúvidas: esse caráter contraditório do sistema-língua – o fato de que ele não corresponde ao objeto anunciado e comporta um dado incompatível com a natureza de todas as demais unidades do conjunto – não é uma contingência, muito menos um erro de Saussure no sentido banal do termo. É aquilo mesmo que permite que o objeto se sustente e possa ser compreendido.

Não é pouco o que nos ensina a malograda tentativa saussuriana de estabelecer o objeto prometido: de seu exercício deriva a conclusão de que isso que chamamos o presente – a sincronia – é irrealizável em sua pureza. Não existe nem é concebível um presente inteiramente presente a si. Para jogar um pouco com as palavras, vale dizer que, no presente, está sempre presente alguma coisa que justamente não pertence ao presente: um quisto tão indesejável quanto ineliminável – a própria expressão do Freud chamou de Unheimilich, isso que une indissoluvelmente o familiar ao estranho.

A rigor, não é só a língua como extensão imanente e sincrônica que se mostra inviável. O alcance do gesto saussuriano – e do fracasso que lhe corresponde – é muito mais amplo e abrangente. No limite, seus efeitos atingem a totalidade dos objetos, a própria objetalidade do objetos. Explicamos.

Um objeto, presumivelmente, é aquilo que tem contornos: o que se define como interioridade frente a um espaço que lhe é exterior. Assim é que o próprio da constituição dos objetos – de todos os objetos – é a exclusão de determinados elementos, a reafirmação de certas dicotomias e a opção radical e intransigente por um de seus termos. Em particular, não há nenhum objeto que não prometa ao menos uma distinção radical: a que separa o dentro e o fora. Mas é justamente essa distinção que se vê desconstruída no malogro de Saussure: seu esforço de estabelecer um sistema de valores puros é, no fundo, um esforço de constituir um objeto exemplar, quer dizer, um objeto que se aparte definitivamente de seu exterior. Vimos, contudo, que o único objeto que ele chega a apresentar é tal que se encontra contaminado – e bem em seu âmago – pela exterioridade

Insistamos, em todo caso, no ponto que nos interessa discutir neste ensaio: a conclusão – radicalmente saussuriana – de que, mesmo que não nos apercebamos disso e, pelo contrário, apostemos nossas fichas no caráter libertário da ideia diferença, a heterogeneidade necessariamente se subordina à homogeneidade e é sempre já uma reiteração de uma identidade anterior e, portanto, uma negação, em alguma medida, da potência transformadora da diferença. Vejamos como essa discussão incide sobre a política linguística.

2. Das políticas linguísticas e a invenção da heterogeneidade

Assumimos que a heterogeneidade – entendida, por vezes, como pluralidade ou diversidade linguística – é uma construção discursiva que tem sido constitutiva da emergência das políticas linguísticas como campo disciplinar. A fascinação pela diversidade tem orientado uma busca incessante por métodos e abordagens com vistas a assegurar os ditos direitos e justiça linguísticos. Distinguimos, a título de contextualização, pelo menos dois sentidos atribuíveis à política linguística: como disciplina e como ação política. Tal distinção não implica, necessariamente, uma bipolarização, estando ambas, de alguma maneira, interligadas.

Trata-se, antes, de dar a ver o processo de emergência do campo disciplinar – do qual muitos linguistas têm se ocupado – como correlato à emergência, circulação e promoção de uma dada ideia de heterogeneidade. Sabemos, desde Foucault (1971[7]), que os saberes não são neutros, mas se configuram a partir de elementos políticos que regem o modo de produção, circulação e recepção dos enunciados. Ademais, a disciplina se enquadra em um horizonte discursivo possível e plausível, em diálogo com uma dada tradição ou orientação discursiva. Não por acaso, sobre as reflexões em torno da língua, Foucault nos relata (1970, p. 33[7]):

Há mais ainda: para pertencer a uma disciplina, uma proposição deve poder inscrever-se num certo tipo de horizonte teórico: basta lembrar que a procura da língua primitiva, que foi um tema plenamente aceite até ao século XVIII, era suficiente, na segunda metade do século XIX, para fazer sucumbir qualquer discurso, não digo no erro, mas na quimera e no devaneio, na pura e simples monstruosidade linguística.

Nos apoiamos nessa citação para relembrar que a emergência da sociolinguística e da política linguística, no contexto americano dos anos 1960, se inscreve, também, em uma ordem discursiva que lhe é anterior e, ao mesmo tempo, constitutiva. Labov, Fishman e tantos outros nomes dessa geração dialogaram com Saussure, seja para refutar a suposta ideia de uma langue homogênea, seja para propor e elogiar uma heterogeneidade inerente da parole. Veremos a seguir.

2.1 Da política linguística como campo disciplinar

Apresentamos, inicialmente, um breve histórico de emergência da política linguística – enquanto disciplina – em paralelo ao surgimento da sociolinguística americana. Sabemos, contudo, que a política linguística se configurou como um campo teoricamente disperso, a exemplo das orientações teóricas russas e francesas, afetadas pela abordagem filosófica do Círculo de Bakhtin e pela análise do discurso, respectivamente.

Para um olhar retrospectivo, tomamos como exemplo a publicação do clássico Advances in Language Planning, organizado por Joshua Fishman, Charles Ferguson e Jyotirindra Das Gupta (1974), cujo enfoque principal seria o planejamento linguístico em Estados africanos recentemente independentes. Tratou-se de uma visão instrumental e pragmática de política linguística, centrada, principalmente, na resolução de “problemas linguísticos” em contextos pós-coloniais. Evidentemente, tal postura técnica e salvacionista tem sido amplamente problematizada contemporaneamente, embora ela ainda ressoe em muitas propostas da sociolinguística e das políticas linguísticas. Sabemos o quanto o “problema linguístico” muitas vezes opera como uma invenção dos linguistas que, muitas vezes, se colocam como aqueles que detêm a “solução”. Assumimos que essa postura salvacionista tem sido inerente ao modo como a heterogeneidade linguística foi inventada – ou historicamente discursivizada – em sua relação com a língua.

Ainda sobre uma breve genealogia da política linguística como campo disciplinar, mencionamos a revisão da área feita por Ricento e Johnson (2013[8]), um texto que, embora não esgote a questão, apresenta uma linhagem interessante para pensarmos o percurso de construção da heterogeneidade. Os autores propõem uma cronologia do campo dividida em quatro orientações, apresentadas a seguir de maneira esquemática:

1) Fase clássica (anos 1960), cujos objetivos foram a busca por unificação, modernização, eficiência e democratização. Para tanto, operou-se com conceitos como região, nação, religião e grupo político. Os pressupostos ideológicos subjacentes seriam as ideias de objetividade, cientificismo e pragmatismo (“produto”). Para tanto, fez-se uso do paradigma do problema-solução, fortemente pautado em modelos quantitativos.

2) Fase intermediária (anos 1970 e 1980), cujo foco foi aproposição de um deslocamento da orientação fortemente governamental para outra centrada em contextos múltiplos, a exemplo das pesquisas envolvendo educação formal e planejamento de aquisição. Foi um período marcado pelos paradigmas de língua-recurso e língua- direito, com vistas a uma discussão menos instrumental e mais sócio- política e ideológica.

3) Fase crítica (anos 1990), cujo enfoque foi a crítica das abordagens tradicionais, em reconhecimento ao papel das políticas na criação e manutenção da desigualdade social. Tratou-se de preocupações em torno de políticas mais democráticas, comprometidas com a redução da desigualdade linguística e da promoção de línguas minoritárias. Alguns pensadores que teriam afetado essas reflexões foram Habermas, Bourdieu, Foucault e Fairclough.

4) Fase etnográfica (Séc. XXI), cujo interesse teórico e prático/ empírico tem sido a denúncia das relações de poder que marginalizam as línguas minoritárias, a partir de uma perspectiva “local”, a exemplo de propostas e estudos de multilinguismo e educação multilíngue. Foca-se, por exemplo, o papel da “agentividade” na construção de políticas locais pelos diferentes sujeitos.

Por fim, seguindo uma visão cronológica, os autores (2013, p. 16[8]) profetizam o seguinte para o futuro da disciplina: “Pode ser que a próxima fase de investigação em PPL não se caracterize por uma teoria ou método particular, mas pela interdisciplinaridade e transdisciplinaridade que aproximam as teorias e métodos variados para atender às necessidades do contexto em que os dados são recolhidos.” Essa breve menção à genealogia de Ricento e Johnson (2013[8]) nos ajuda a compreender – a despeito da linearidade presente na cronologia e dos silenciamentos em relação a outras orientações – como a política linguística como campo disciplinar tem sido desenhado e discursivizado no cenário internacional, seguindo uma retórica comprometida com a diversidade, seja ela das nações em desenvolvimento, das desigualdades linguístico-jurídicas, das minorias e injustiças linguísticas e das perspectivas locais. Trataremos dessa retórica adiante.

2.2 Da crítica à sociolinguística à exterioridade da língua

Em um texto emblemático de Joshua Fishman (1991[9]), ambiciosamente intitulado Putting the ´socio´ back into the sociolinguistic enterprise, o autor – considerado um dos “fundadores” da sociologia da linguagem, área correlata à emergência da sociolinguística e da política linguística nos anos 1960 – levanta algumas hipóteses sobre o motivo de uma suposta cisão entre a sociologia e a sociolinguística. Retomamos aqui suas hipóteses, pois elas nos ajudarão a entender a crítica feita por Fishman à fragilidade do ‘social’ na sociolinguística laboviana: (i) O “baixo status” acadêmico da sociologia (EUA), que estaria valorativamente acima apenas da pedagogia; (ii) a pouca atenção da sociologia para as noções de língua em relação aos processos sociais; (iii) a emergência da sociolinguística a partir dos interesses da linguística antropológica (SAPIR e WHORF), que não dialogavam com a sociologia; (iv) a cisão disciplinar entre sociologia e antropologia; (v) a sociologia vista como não rigorosa, especulativa e apenas intuitiva, o que poderia afetar o caráter “disciplinar” da emergente sociolinguística.

Além desses elementos, Fishman acusa os sociolinguistas de não se dedicarem ao estudo e às leituras sociológicas, inventando a própriasociologia, semfundamentocrítico. Essa ignorância, segundo o autor, teria levado a sociolinguística a um lugar provinciano de poucos diálogos interdisciplinares, com exceção do diálogo com uma dada vertente da antropologia, de herança sapiriana. Tal cegueira, segundo Fishman (1991, p. 132[9]), teria se tornado parte de uma cultura sociolinguística, passada de geração em geração3:

Pontos cegos sociológicos como esses tornaram- se parte da cultura da sociolingüística e, assim, continuam sendo transmitidos a uma terceira geração pela segunda geração que os adquiriu do pai fundador do campo, há cerca de vinte anos.

Com Fishman percebemos uma cisão epistemológica e política que foi constitutiva da emergência da sociolinguística, da política linguística e da sociologia da linguagem, nos anos 1960. Essa cisão se remete a uma diferenciação entre sociologia e antropologia, sendo que esta – de tradição sapiriana – teria se constituído como a base da dimensão “social” da sociolinguística americana. Trata-se de uma orientação etnolinguística, pautada em uma articulação prévia entre língua e uma dada exterioridade, intitulada “cultura”.

Vejamos o conceito de língua para Sapir, cuja definição ressoa em abordagens sociolinguísticas e de políticas linguísticas contemporâneas. Seguem alguns excertos que nos permitirão compreender a construção do sentido de língua para Sapir (1921[10])4.

A língua é um método puramente humano e não instintivo de comunicar ideias, emoções e desejos por meio de um sistema de símbolos produzidos voluntariamente (SAPIR, 1921, p. 3[10]).

A palavra “casa” não é um fato linguístico, se por ela se entende apenas o efeito acústico produzido no ouvido por suas consoantes e vogais constituintes, pronunciadas em uma determinada ordem […] (SAPIR, p. 8[10]).

Os elementos da língua, os símbolos que registram a experiência, devem estar associados a grupos inteiros, ou classes delimitadas, da experiência, e não às próprias experiências [...] Para serem comunicados, eles precisam ser referidos a uma classe que é tacitamente aceita pela comunidade na forma de identidade (SAPIR, p. 8-9[10]).

Em outras palavras, o elemento de fala “casa” é o símbolo, em primeiro lugar, não de uma percepção única, nem mesmo da noção de um objeto em particular, mas de um “conceito”, em outras palavras, de uma cápsula de pensamento que abrange milhares de experiências distintas e que está pronta para receber outras mais (SAPIR, p. 10[10]).

A língua tem uma dada configuração. As pessoas que falam pertencem a uma raça (ou a várias raças), ou seja, a um grupo que é diferenciado de outros grupos por características físicas. A língua não existe separada da cultura, isto é, do conjunto socialmente herdado de práticas e crenças que determinam a textura de nossas vidas. Os antropólogos costumam estudar o homem sob as três rubricas de raça, idioma e cultura (SAPIR, p. 100[10])

Retomando as citações, temos os seguintes elementos: a língua é um método de comunicação de um sistema de símbolos; tais símbolos não se reduzem a uma relação (interna) entre significante e significado, mas se vinculam à exterioridade, entendida em relação a grupos, classes ou experiências coletivas; o fato linguístico seria o símbolo de um conceito, entendido como o pensamento coletivo, que abarcaria um conjunto de experiências singulares; por fim, a língua tem um contexto e falantes que pertencem a uma raça e cultura. Caberia à antropologia, segundo Sapir, o estudo do sujeito sob o escopo da raça, língua e cultura.

Sapir estabelece uma série de sobreposições de elementos na sua concepção de língua, buscando atrelar a língua a uma dada exterioridade. Essa exterioridade é submetida a um dado tipo de agrupamento – raça, cultura – em que relações de identidade operam na construção de um sentido de comunidade. Essa relação da língua com sua exterioridade – a pretexto de uma busca pela heterogeneidade linguística – tem sido constitutiva do conceito de língua na sociolinguística e política linguística, de uma maneira geral. Veremos.

Labov foi tributário das ideias de Meillet, aluno de Saussure, que propunha uma articulação da língua com a sua exterioridade nos seguintes termos: “We must determine which social structure corresponds to a given linguistic structure, and how, in a general manner, changes in social structure are translated into changes in linguistic structure” (apud LABOV, 2006 (1966), p. 12[11]). Assume- se que a relação da língua com a sua exterioridade é condição para se abordar a relação com a heterogeneidade e, por tabela, com a diferença. Assim, por um lado, critica-se a langue saussuriana, por sua suposta homogeneidade e abstração, em prol da parole, por sua suposta heterogeneidade e variabilidade; por outro lado, faz-se, metodologicamente, com que a parole laboviana assuma o lugar da langue saussuriana, tornando-se um sistema heterogêneo correlacionado, exteriormente, à estrutura social. Esse argumento, contudo, nos parece complicado, pois inscreve a diferença na relação da língua com sua exterioridade cujo funcionamento operaria segundo um sistema de identificações e agrupamentos prévios, enquadrados na forma de classe, raça, cultura, entre outros.

Assumimos, no embalo do posicionamento de Fishman, que a sociolinguística e a política linguística têm inventado sua própria sociologia sem indagar, efetivamente, sobre a radicalidade do conceito (saussuriano) de língua. A retórica da diversidade linguística – atrelada de maneira precária a uma suposta diversidade cultural ou social – tem produzido muito mais homogeneizações do que o contrário. Trata-se, de alguma maneira, do inverso da política, compreendida como o campo da relação com a alteridade. Um exemplo é o discurso de direitos linguísticos, atrelado ao imaginário universalista ocidental da declaração dos direitos humanose cuja fragilidade tem sido pouco problematizada no âmbito das políticas linguísticas. Afinal, sabemos que “quatro quintos da população mundial vivem em condições incompatíveis com a retórica da declaração; ano a ano acrescentem-se a esse número quase 100 milhões de pessoas, cujas perspectivas são ainda piores que a de seus pais” (ENZENSBERGER, 1995, p. 51[12]). Abordaremos o aspecto político das políticas linguísticas a seguir.

2.3 Da política linguística e sua política

Abordamos nesta seção a maneira como alguns discursos contemporâneos filiados ao campo disciplinar das políticas linguísticas têm tematizado a relação da língua com a diferença, a partir de uma dada noção de exterioridade. Retomando a cronologia proposta por Johnson e Ricento (2013[8]), juntamente com publicações recentes sobre políticas linguísticas (TOLLEFSON; PÉREZ- MILANS, 2018[13]), identificamos que a preocupação com a diversidade ou heterogeneidade é constante. Os temas comuns têm sido: línguas em contextos pós-coloniais, políticas de revitalização e proteção de línguas minoritárias, políticas de valorização de línguas de imigração e indígenas, reflexão sobre ensino bilíngue envolvendo línguas minoritárias, línguas de sinais, entre outros. A preocupação varia, de forma geral, em torno de uma mesma orientação, em que justiça social, globalização, capitalismo, direitos linguísticos, cidadania, mídia de massa, pós-nacionalismo, comoditização da língua, segurança e inclusão ocupam lugar centralnodebateatual. Tais temas nos revelam a importância de uma reflexão sobre o próprio conceito de língua como condição para uma abordagem em que a relação com a diferença possa de fato produzir a política como condição de habitação no mundo e convívio plural, singular e contingente.

Levando em consideração a importância conferida às pesquisas de orientação etnográfica (Johnson e Ricento, 2013[8]; Tollefson e Pérez-Milans, 2018[13]) , veremos – em sintonia com a emergência da sociolinguística em diálogo com a antropologia – a maneira como língua e sua exterioridade é abordada. O interesse por uma abordagem etnográfica, no início do século XXI, foi embalada pela necessidade de “transcender estudos que se concentram apenas nas dimensões global, nacional e institucional da formulação de políticas e nos processos políticos e ideológicos que orientam as políticas de educação linguística” (MARTIN-JONES; COSTA CABRAL, 2018, p. 8[14])5. Um dos temas caros à pesquisa de orientação etnográfica tem sido o papel dos sujeitos – agentes – na construção e promoção de políticas linguísticas locais, como nas escolas. Tais políticas são vistas como camadas que se sobrepõem, envolvendo uma série de participantes, instituições, discursos (ideologias), práticas e processos (criação, interpretação e apropriação). Os resultados dessas pesquisas, segundo Johnson e Ricento (2013, p. 15[8])6,

fornecem uma orientação teórica e conceitual que combina o macro e o micro, que oferece um equilíbrio entre o poder político e a agência interpretativa e que está comprometida com questões de justiça social, particularmente relacionadas aos direitos dos falantes de línguas indígenas e minoritárias

Destacamos a relação entre elementos (supostamente) binários ou binarizados: macro e micro, e poder institucional e agentividade interpretativa. Essa relação entre estrutura e agentividade ressoa os dilemas envolvidos nopróprioconceito de língua – seja com Saussure, seja pós-Saussure ou seja contra-Saussure. Um dos princípios ontológicos de uma etnografia sociolinguística crítica considera que “A interação entre agência, estrutura, restrição e mudança abre uma janela para se analisar o funcionamento das relações de poder” (MARTIN-JONES; COSTA CABRAL, 2018, p. 11[14]).

Novamente, somos levados ao coração da Linguística moderna e, por tabela, aos debates que inscreveram uma contradição na própria sociolinguística e política linguística naquilo que diz respeito à relação da língua consigo mesma, com sua exterioridade e com a diferença. Mesmo as pesquisas “críticas” em políticas linguísticas – orientadas por abordagens pós-estruturalistas ou (neo-)marxistas

– que têm tematizado as condições de produção e de circulação dessas políticas, atentando para as redes de poder subjacentes a elas, pouco têm a dizer sobre o conceito de língua e a maneira como esse conceito inscreve, em seu cerne, uma relação de identidade que torna inviável a emergência dos efeitos (contingentes, inesperados ou por vezes incompreensíveis) da relação com a diferença, mesmo que essa relação opere apenas como potência.

Poucas vezes os trabalhos de políticas linguísticas produzem um efeito reverso, de estranhamento de si diante do Outro, mesmo quando intitulados de “reflexivos”7. Raramente os métodos, metodologias, teorias e fixação salvacionista pela diversidade abrem espaço para uma reflexão de orientação ontológica sobre a própria política linguística – enquanto campo de saber e ação no mundo. Uma moralidade salvacionista está presente na retórica dos direitos universais e direitos linguísticos, atuando como um obstáculo (ou desculpa) para a própria reflexão. Não por acaso, essa “moralidade é o último refúgio do eurocentrismo [...] Caridade não passaria apenas de um paliativo, uma manobra para livrar-se da má consciência” (ENZENSBERGER, 1995, p. 53-54[12]).

Se o fascínio pela diferença que embala as políticas linguísticas só pode ser apreendido a partir de um “nós”, resta saber a que esse “nós” remete. Ao submetermos a política linguística a indagações políticas, sabemos que ela corre algum risco, seja qual for, diante do Outro. Essa indagação política, logicamente, nos afeta, o/as linguistas.

Precisamos indagar sobre os processos históricos pelos quais pessoas como nós puderam se engajar em estudos antropológicos de pessoas como eles [...] Precisamos perguntar a que essa “vontade de saber” sobre o Outro está conectada no mundo (ABU- LUGHOD, 1991, p. 473[15])

Falaremos dessa indagação na próxima seção.

3. Das identidades, linhagens e encontros: e a inexistência de objetos puros

Considerando a diacronia como a substância que mancha qualquer possibilidade de um objeto saussuriano puro, nos valemos, agora, de umaoutradiacronia– umaquetratadaemergênciadasociolinguística e da política linguística no contexto americano – para localizar a natureza da mancha que funda esses campos de saber. Tentaremos, com isso, justificar o contexto americano como condição daquela emergência e, junto com isso, a sua potência política.

Faremos referências a alguns nomes próprios e linhagens acadêmicas e genealógicas. Iniciamos com Joshua Fishman (1926-2015), considerado um dos fundadores da sociologia da linguagem e da política linguística, paralelamente ao surgimento da sociolinguística americana. Fishman, em uma autobiografia, fala de si, de seus interesses e de sua “vontade de saber”. Apresentamos alguns excertos8,9:

Tive a incrível sorte de ser exposto simultaneamente ao pensamento ocidental moderno, bem como ao pensamento judeu moderno e clássico, a valores seculares e religiosos, a crenças e ideais e a abordagens teóricas e aplicadas, ao conforto de uma língua de comunicação mais ampla (Inglês) e de uma língua de intimidade étnica (iídiche), ao mundo infinito da ciência, à terra eterna de meus ancestrais e ao novo mundo da democracia, da oportunidade e do pluralismo para onde meus pais vieram como imigrantes adolescentes […] Considero que as tensões e a criatividade resultantes desses variados estímulos constituem uma herança única: uma herança judaico- americana a ser valorizada, cultivada, enriquecida e transmitida (FISHMAN, http://www.joshuaafishman. com/)

Sinto fortemente que há mais ‘lá fora’ (até mais do que a sociologia da linguagem) do que a ciência pode compreender, e tenho uma necessidade pessoal por poetas, artistas, místicos e filósofos para uma compreensão mais profunda de tudo o que me intriga. Portanto, confio nesses e, também, em intuições, mesmo sendo um pouco cético em relação a todos, esperando que admitam para si mesmos as suas próprias limitações e que se tornem mais razoáveis quanto ao papel da razoabilidade (FISHMAN, 1991a, p. 123[16])

Acrescentamos nessa linhagem um outro nome, também de origem judaica: Max Weinreich (1894-1969), linguista, especialista em Yiddish, tradutor, historiador, estudioso do folclore, de psicologia social e fundador do Instituto Científico Yiddish (YIVO), no qual ele se tornou um militante e defensor da causa judia: “He used his will power to realize a vision of scholarship in the service of the Jewish people” (DAWIDOWICZ, 1969, p. 62[17]). Max Weinreich foi conhecedor da psicanálise e articulou essa abordagem a suas reflexões sobre a cultura e identidade judaica, tendo traduzido os escritos de Freud para Yiddish. Mudou-se de vez para os Estados Unidos em 1940, junto com sua família. Destaque-se o comprometimento político de Max Weinreich com a questão judaica, especialmente no contexto do Nazismo: Weinreich foi autor do livro Hitler’s Professors (1946[18]), no qual ele denuncia através de uma série de evidências e fatos o papel dos intelectuais alemães no apoio à causa nazista.

Seu filho, Uriel Weinreich (1926-1967), se tornou sociolinguista e foi orientador da tese de um outro judeu, William Labov, bem como seu parceiro de trabalho, a exemplo da produção conjunta do livro Empirical Foundations for a Theory of Language Change (publicado em 1968), que se tornouuma obra fundante da sociolinguística laboviana. Em um artigo publicado no Journal of Jewish Language (2017, p. 253- 255[19]), Labov reconhece a importância de seu mentor, em homenagem aos 50 anos após seu falecimento: “Este artigo é um relato de um estudioso e um ser humano extraordinário que criou a abordagem para o estudo das mudanças e variações linguísticas dominante no mundo de hoje […] Ele tinha, nos termos de Roman Jakobson, uma ‘nobre ternura’ pelas ideias dos outros”10. Ainda no embalo da linhagem de intelectuais judeus que ajudaram a configurar um campo de estudos da linguagem – fortemente ocupada com questões de diversidade, alteridade, línguas minoritárias, justiça e manutenção da língua – mencionamos a relação de Fishman com Max Weinreich e a YIVO. Fishman foi aluno de Max W. em 1948, quando recebeu um prêmio da YIVO por um trabalho sobre o bilinguismo.

Não se trata aqui de um biografismo gratuito. Trata-se de, através das contingências e coincidências, ilustrar a maneira como uma dada vontade de saber sobre o Outro esteve relacionada, na emergência da sociolinguística e da política linguística, a uma busca por sobrevivência, uma luta contra o ódio, uma necessidade de língua – voz –, de política e de reflexão sobre a diferença. De alguma maneira, essa foi exterioridade que se inscreveu na genealogia que apresentamos aqui. Sobre porque, definitivamente, não há objetos puros.

Referências

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