Para Kato (2011, 2013) o brasileiro letrado se comporta como um bilíngue fazendo uso da gramática inovadora do PB falado com aspectos gramaticais de sincronias passadas, em um processo muito similar ao de “
According to Kato (2011, 2013) the literate Brazilian behaves like a bilingual making use of the innovative grammar of spoken Brazilian Portuguese (BP), with grammatical aspects of past centuries, in a process very similar to the code-switching presented by L2 bilinguals mixing his L1 and his L2. The present study tries to verify how Brazilians recover the lost third person clitics in their writing and tries to see to what extent this learning process is similar to that of a bilingual acquiring his L2.
Utilizei essa linha do poeta parnasiano Olavo Bilac em um artigo meu (KATO, 1999, p. 201), para dizer o seguinte:
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somente um poeta poderia fazer, na época, a apologia de uma língua “não-culta”, profetizando a lógica do português não padrão, a ser demonstrada, meio século mais tarde, pelos linguistas estruturalistas, principalmente pelos sociolinguistas de orientação laboviana, e, mais recentemente, pelos linguistas da linha gerativa.
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Considerando-se que o português europeu (PE) é até hoje considerado uma das línguas românicas mais conservadoras (cf. URIAGEREKA, 1995), com traços de línguas germânicas, e que as normas brasileiras da língua escrita mantém ainda muito das normas dessa variedade, pode-se calcular a enorme tarefa da escola de ensiná-las ao aluno brasileiro, cuja Língua-I
Neste trabalho, pretendo fazer primeiro uma incursão em pesquisas diacrônicas sobre o PB, tendo em vista a possibilidade de que as normas da escrita envolvam a recuperação de alguns aspectos da diacronia da língua. Em seguida veremos um experimento de recuperação dos clíticos via escolarização para verificar o que das perdas diacrônicas é mantido como propriedades convencionais da língua escrita brasileira. O trabalho conterá ainda uma discussão sobre a natureza da aquisição/aprendizagem da escrita.
Uma mudança que já foi descrita exaustivamente no português brasileiro (PB) é a mudança no paradigma dos clíticos e do seu comportamento sintagmático, e serão esses os tópicos de mudança que utilizaremos para ilustrar o problema de sua aquisição/ aprendizagem.
Em meus estudos recentes (KATO, 2011, 2013), venho mostrando ainda que o brasileiro letrado se comporta como um bilíngue fazendo uso da gramática falada atual/inovadora e da gramática da escrita de épocas anteriores, em um processo de
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(1) “Os adolescentes não entendem os adultos e acham que ninguém os entende. Nós envelhecentes, também não entendemos eles.
“Ninguém me entende” é uma frase típica de envelhecente.”
(Mario Prata,
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Note-se que a alternância não é apenas do clítico com o pronome, mas a sintaxe está também envolvida, pois o clítico
A primeira parte será devotada à mudança no sistema dos clíticos, e a segunda parte será dedicada à natureza da aquisição bilíngue. Nas conclusões faremos considerações sobre o tipo de aquisição/ aprendizagem que parece estar envolvido naquele.
Em estudos diacrônicos prévios, foram atestadas as seguintes mudanças relativas ao sistema de clíticos
(a) Os clíticos perderam o movimento longo:
(b) A cliticização mudou de direção: enquanto no Português Clássico a cliticização era para a esquerda, o PB no século XX passa a ser para a direita (cf. NUNES, 1993), enquanto o PE manteve o direcionamento do PCL.
(c) O PB perdeu os clíticos de 3a pessoa ao longo do século XIX, introduzindo, em seu lugar, as categorias vazias. Os clíticos no PE, por outro lado, mantiveram inalterado o seu paradigma (cf. CYRINO, 1993; KATO, 1994). Ilustramos aqui apenas com os clíticos relativos às pessoas do singular, mas o mesmo ocorre com o plural.
Século XVIII e PE atual | PB Século XX | ||||
Clitico Dativo | Clitico Acusativo | Clítico Reflexivo | Clitico Dativo | Clitico Acusativo | Clitico Reflexivo |
me | me | me | me | me | me |
te | te | te | te | te | te |
lhe | o | se | Ø | Ø | Ø |
Veja-se que, em lugar dos clíticos acusativos e dativos de terceira pessoa, o PB tem clíticos nulos
(4)
(a) O Pedro, ele
(b) O Pedro, eu
(5)
(a) Pra mim, o João
(b) Pro meu pai, eu
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(d) No PB, podemos propor que o clítico pode vir redobrado pelo pronome reto. O clítico e o pronome seriam conectados em uma relação de minioração no início da derivação. O clítico sobe e se afixa a T, deixando o pronome para trás.
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(6)
(a) O Pedro, eu
(b) Pro meu pai, eu
(7)
(a) O Pedro, eu
(b) Pro meu pai, eu
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Poderíamos supor que o clítico nulo, uma forma inovadora, estaria ainda ausente na língua escrita, onde imperaria o clítico expresso. Mas não é o que acontece, pois observem-se os exemplos originais de Paulo Coelho em (8) e sua tradução na edição portuguesa em (9) (apud KATO & RAPOSO, 2001).
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Edição original brasileira
(8)
(a) Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matar
(b) ...que contam histórias incríveis sempre nas horas que a gente quer ouvir
(c) Estava excitado e ao mesmo tempo inseguro: talvez a menina já
(d) Achei
(e) Tirou seu dinheiro do bolso e mostrou Ø ao recém- chegado.
(Excertos da edição brasileira de Paulo Coelho (
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Edição portuguesa
(9)
(a) Se hoje eu me tornasse um monstro e resolvesse matá-
(b) ...que contam histórias incríveis sempre nas horas que a gente
(c) Estava excitado e ao mesmo tempo inseguro: talvez a menina já
(d) Achei-
(e) Tirou seu dinheiro do bolso e mostrou-
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Verifica-se, pelo exemplo acima, que a hipótese de que o escritor brasileiro simula a gramática do falante português contemporâneo não se sustenta, pois o PE de hoje tem sempre os clíticos expressos de terceira pessoa
Outro caso visto no paradigma acima é a perda do clítico
(10)
(a) Vendem-
(b) Vende-
(c) Vende casa (s).
(d) Vendo casa(s).
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A inutilidade do
(11) Vende frango-
.
Em outros contextos onde tínhamos o
(12)
(a) Não
(b) Não
(c)
(d) (Vo)cê não usa mais saia na universidade. *PE PB
(e) A gente não usa mais saia na universidade. *PE PB
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Uma outra construção que também parecia estar associada à perda do sujeito nulo era o que se convencionou chamar de “construção tópico-sujeito”, como os exemplos que aparecem abaixo em (b). A explicação de consenso era a de que, na falta da criação de um expletivo lexical como no francês e no espanhol dominicano, o PB preenchia o sujeito por alçamento. Para Kato & Duarte (2008), ao invés de satisfazer o EPP através de “
(13)
(a) Faltou sorte aos meus times.
(b) Meus times faltaram sorte. Tópico-sujeito
(14)
(a) Ainda falta duas voltas para eles.
(b) Eles ainda faltam duas voltas. Tópico-sujeito
.
A primeiralinguistaquechamou a atençãoparaessas construções foi a funcionalista Eunice Pontes. Para Pontes (1987), essas construções surgiram em função de uma mudança tipológica, de uma língua de
Kato & Ordoñez (no prelo) mostram, contudo, que as formas em (b) não vieram para substituir as formas em (a), que são téticas ou apresentativas, enquanto as formas em (b) são categóricas, ou predicacionais
(15)
(a) Aos meus times faltou-
(b) A eles faltou-
Evidência de que Kato & Ordoñez estão no caminho certo está na possibilidade de CLLD ainda existir para a primeira e segunda pessoa, já que o PB não perdeu os clíticos correspondentes. A previsão comprovada, portanto, é que para a primeira e segunda pessoas não seria possível haver a construção de tópico-sujeito.
(16)
(a) Para mim,
(b) *
Vimos nesta seção que não é apenas uma mudança no nível paradigmático – o sistema pronominal e flexional—que afetou o PB. Essa mudança tem efeitos de reanálise, em nível sintagmático, afetando a ordem de constituintes e levando até mesmo a mudanças tipológicas do PB. Na seção seguinte, veremos o que ocorre com a criança quando ela encontra no
O trabalho de Corrêa (1991), que procura verificar como o aprendiz adquire a competência ou a habilidade de usar clíticos, pode dar uma ideia de quão bem sucedida é essa aprendizagem.
Em seu trabalho, Corrêa usa, como estratégia motivadora, encenações em que abundam eventos transitivos, eliciando de seus sujeitos narrativas orais e escritas. Os sujeitos vão da 6ª série até o nível universitário. Sua questão básica foi saber o que seus sujeitos usam na posição de objeto direto correferente a um elemento dado no discurso: pronomes tônicos, clíticos, categoria vazia ou NP/DP- anafórico.
Os resultados obtidos na fala e na escrita foram os seguintes – adaptados de Corrêa (1991) apud Nunes (1993):
Tipo de objeto | Série | Total % | ||||
1ª/2ª | 3ª/4ª | 5ª/6ª | 7ª/8ª | universitário | ||
Objeto nulo | 72,4 | 77,7 | 71,2 | 71,1 | 67,8 | 72,0 |
Pronome Tônico | 24,1 | 8,6 | 19,1 | 20,1 | 7,1 | 18,2 |
NP- anafórico | 3,4 | 13,6 | 7,4 | 7,6 | 14,2 | 8,3 |
Clíticos | - | - | 2,1 | 0,9 | 10,7 | 1,3 |
Tipo de objeto | Série | Total % | ||||
1ª/2ª | 3ª/4ª | 5ª/6ª | 7ª/8ª | universitário | ||
Objeto nulo | 57,5 | 65,6 | 52,3 | 53,5 | 9,5 | 51,4 |
Pronome Tônico | 7,5 | 6,2 | 15,3 | 10,7 | - | 9,8 |
NP-anafórico | 35,0 | 18,7 | 13,8 | 5,3 | 4,7 | 15,4 |
Clíticos | - | 9.3 | 18.4 | 30.3 | 85,7 | 23.3 |
Corrêa (1991) e Nunes (1993) fazem uma excelente avaliação desses resultados, mostrando que o aparecimento dos clíticos na escrita é anterior ao aparecimento na fala dos mesmos sujeitos
O que surpreende, contudo, é que, embora, na escrita, o escolarizado recupere o clítico de terceira pessoa em 85,7 %, comparável, e até superior quantitativamente, ao PCL, na fala a recuperação é mínima, da ordem de 10,7%. O efeito da escolarização na fala aparece muito mais na forma de esquiva ao pronome tônico, o qual de 25% baixa para 7,1%.
Poderíamos dizer que pelo menos na escrita o falante recupera quantitativamente o clítico fóssil. O resíduo de objeto nulo na escrita parece corresponder ao primeiro uso do clítico nulo que se perdeu, segundo Cyrino (1993): o de antecedente proposicional.
(17) pediu a elas para se sentar.(...). Não sei dizer ao certo o motivo. Só sei que elas deixaram
As primeiras ocorrências do clítico de terceira pessoa são em posição de ênclise ao infinitivo, tanto na fala quanto na escrita, e é esse o contexto em que é consistentemente usado na narrativa oral, mesmo por universitários:
Oral:
(18)
(a) O guarda foi buscá-
(b) Ela olhava pra carteira, tentava agarrá-
(c) Ela conseguiu pegá-
Escrita:
(19)
(a) Até que conseguiu pegá-
(b) Muitas vezes ela tentou furtá-
(c) O garçom, ao servi-
(d) E qual não foi sua surpresa ao vê-
.
O curioso é que justamente no contexto de infinitivos é que outras línguas românicas mantiveram a ênclise, característica mais geral em suas fases mais antigas. A ênclise em contexto que não é a do infinitivo ocorre muito pouco na narrativa oral:
(20)
(a) Aproximou-
(b) Trouxeram a moça para dentro da lanchonete e revistaram-
.
Na escrita, no entanto, ela emerge aos poucos já na quinta série da escolarização:
(21)
(a) Levou-
(b) ...agarrou-
(c) A garçonete serviu-
(d) ...e prendeu-
(e) ...e agarraram-
(f) ...colocou
(g) ...escondendo-
.
Embora o PB tenha próclise generalizada com a primeira e segunda pessoa, não distinguindo contextos com ou sem atratores, os aprendizes usam, no início (cf. exemplos acima) mais a ênclise do que a próclise com o clítico de terceira pessoa. Exceto dois exemplos iniciais de 3a série, só se encontra próclise depois da 8a série.
(22)
(a) ...elas nem
(b) ...ele
(c) ...pois as meninas
(d) ...pois os guardas
(e) Os guardas
(f) ...ou porque já
.
Mas nesse caminho da recuperação do clítico, encontramos fenômenos ausentes na história do PB, os quais Corrêa apontou como casos de hipercorreção:
(23)
(a) Elas
(b) ...para
(c) Revistaram-
(d) ...que
(e) ...a moça que descreveu-
.
Os exemplos (a) e (b) mostram que o clítico
O trabalho de Corrêa (1991), que procura verificar como o aprendiz adquire, ou melhor, aprende a usar clíticos, pode dar uma ideia de quão bem sucedida é essa aprendizagem. O que é importante nessa comparação é pensar que a criança – que enfrenta a tarefa de ler e escrever textos que obedecem a prescrições que pouca coisa tem a ver com a fala que lhe serviu de input na aquisição – precisa refazer o percurso das perdas com a ajuda da escola.
A Língua-I, em Chomsky (1981, 1986), se define por propriedades de dois tipos: (i) aquelas que são invariantes e definem as línguas naturais, mas não as distinguem entre si – os Princípios – e (ii) as que dão conta da variação linguística – os Parâmetros – que podem vir definidos pelo valor (+) ou (–), dependendo do input a que a criança é exposta.
Para Chomsky, quando todos os valores dos Parâmetros estão selecionados como (+) ou (–), temos uma gramática nuclear, virtual, uma idealização. Além disso, uma gramática nuclear pode subjazer a muitas Línguas-I, já queoconhecimentolinguístico nãoéexatamente igual para todos os indivíduos de uma mesma comunidade
.
For such reasons as these, it is reasonable to assume that UG determines a set of core grammars and that what is actually represented in the mind of an individual even under the idealization to a homogeneous speech community would be a core grammar with a periphery of marked elements and constructions (CHOMKSY, 1981, p. 8, grifo meu).
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Em nosso trabalho, o conceito de periferia será explorado para dar conta da aprendizagem de uma segunda “gramática”, a partir do
Dada a distância entre a gramática da fala e as normas da escrita, aprender a escrever para a criança brasileira é como aprender uma segunda língua. Além disso, as semelhanças entre “aprendizagem” da escrita e “aquisição de L2” não se limitam ao caso da criança brasileira. As seguintes similaridades entre os dois tipos de aprendizagem podem ser observadas:
(i) as duas aprendizagens são socialmente motivadas e não biologicamente determinadas
(ii) nos dois casos, o início da aprendizagem começa, em geral, depois da idade crítica para a aquisição da primeira língua
(iii) o processo, nos dois casos é, essencialmente consciente;
(iv) acredita-se, nos dois casos, que o sucesso depende de dados
(v) em geral, o processo nos dois processos é vagaroso e não instantâneo;
(vi) nos dois casos, há mais diferenças individuais.
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Para entendermos a aprendizagem da escrita, podemos indagar, então, se teorias sobre a aquisição de L2 podem nos ajudar. A literatura sobre a aquisição da gramática de L2 apresenta duas hipóteses
Sobre o desenvolvimento do conhecimento da escrita, podemos também levantar duas hipóteses: com relação ao (i) nenhum acesso à GU, como na visão de Lenneberg (1967), adquirir a fala é como desenvolver a capacidade de andar, um fenômeno biológico e aprender a escrever é um fenômeno cultural; (ii) acesso indireto à GU, através da gramática da fala.
Meisel (1991)
Kato (1996) advoga em favor da mesma linha para a “aprendizagem” da escrita; menciona evidências comportamentais – erros de esquiva e hipercorreções – e apresenta evidências linguísticas, a saber, o caso acima descrito, da “aprendizagem” dos clíticos, mas o da “não aprendizagem” do movimento dos clíticos. Sua conclusão é a de que a morfossintaxe aprendida na escola tem
Mais recentemente, Hershensohn (2000) defende a tese do acesso à GU na aquisição de L2 ao argumentar que (i) os aprendizes adquirem categorias funcionais que não existem na sua L1; (ii) não existe nenhuma gramática intermediária que seja totalmente estranha aos princípios da GU; (iii) os aprendizes exibem conhecimentos que extrapolam o
Herschensohn reconhece que as propriedades paramétricas relacionadas a um mesmo parâmetro não aparecem de forma simultânea na aquisição de L2. Há casos de falantes de espanhol e de francês que aprendem inglês como L2 e que, corretamente, rejeitam sujeitos nulos, mas violam o filtro “
Pensando em uma forma de defender o acesso à GU na escrita, podemos dizer, usando argumentos similares aos de Hershensohn, que a escrita (i) é restrita pelos mesmos Princípios da GU; (ii) faz uso das mesmas categorias e funções (podem ser descritas pela mesma metalinguagem); e (iii) as opções gramaticas nelas presentes são previstas pelos Parâmetros da GU. Podemos dizer, ainda, que a visão “macroparamétrica “– de conjunto de propriedades de um mesmo Parâmetro – vem sendo questionada, sendo a tendência hoje por uma visão “microparamétrica” (Cf. KAYNE, 1996), assentada em subparametrizações ou de tipos parciais dentro de um mesmo parâmetro. Vimos, por exemplo, que o PB deixou de ser um tipo clássico de língua de sujeito nulo, mas em uma perspectiva que admite subparametrizações, as línguas de SN não são uniformes, havendo subtipos bem definidos (Cf. CYRINO, DUARTE & KATO, 2000), em uma relação de subconjuntos, ou ainda a proposta de que existem línguas de sujeito nulo parciais, na visão de Holmberg (2005), caso do Finlandês. Também as nossas crianças aprendendo os clíticos poderiam estar selecionando um subtipo de língua de clítico, sem o movimento longo destes.
Concluindo, podemos admitir que a mudança no conceito de parâmetro nos leva também a mudar a nossa hipótese em relação ao acesso à GU. A ausência de uma das subpropriedades de um parâmetro pode significar que o aprendiz está operando em um subparâmetro. Quanto às diferenças comportamentais, elas podem ser devidas não ao desenvolvimento da competência, mas ao da proficiência, já que aquela nem sempre se manifesta em termos de comportamento.
Além disso, diferenciar a aquisição de L1 e de L2 em função de dados positivos para aquela e positivos e negativos para esta também é um critério problemático. A aquisição de L2 pode se dar por imersão, isto é, por exposição apenas a dados positivos, ou através de instrução, isto é, através de dados ordenados e negativos. A aquisição de L2, por imersão ambiental, e da escrita, via imersão em leitura, certamente apresentarão mais semelhanças.
Admitindoqueasegundagramática, sejaada L2 oudaescrita, érestrita pelos Princípios e Parâmetros da GU, através do conhecimento da L1, ou da gramática da fala em L1, resta-nos compreender como esta serve de base para esse novo conhecimento. Vou utilizar dois autores que apresentam teorias compatíveis para esse entendimento: Roeper (2000) e Silva-Corvalán (1986).
Roeper (2000) propõe a teoria do bilinguismo universal, segundo a qual todo falante é potencialmente bilíngue, isto é, tem condições de ter os parâmetros selecionados nos dois valores, resultando em G1 = Pax e G2 = Pax (1). O bilíngue
Essa ideia não é nova entre os psicolinguistas trabalhando com aquisição de L1, mas para estes, se a língua meta não se conforma com esse valor inicial, o parâmetro é refixado. Para Roeper, a MDG, mesmo depois de descartada, permanece latente no conhecimento doindivíduo, podendo ser ativada numa situação de aquisição de uma
O interesse pela proposta de Roeper é que ela pode ser interpretada não só como uma hipótese de acesso total, como também de acesso indireto à GU, através da periferia marcada. Ao contrário do bilíngue
A proposta de Silva-Corvalán (1986) para a aquisição de L2 é uma proposta interessante para a hipótese do acesso indireto, especialmente para a aquisição de línguas que apresentam semelhanças com a L1, como é o caso da aquisição da escrita. Silva- Corvalán, que estudou o bilinguismo dos hispânicos na Califórnia, observou que o fenômeno do complementador nulo no inglês é um traço da gramática nuclear (
O que ela propõe é que a aquisição de L2 se dá quando uma propriedade gramatical periférica da L1 é aprendida como tendo o estatuto de uma propriedade nuclear na gramática da L2. Podemos pensar, da mesma forma, que a G2 do letrado, antes caracterizada por propriedades periféricas, passa a ter o estatuto de propriedades nucleares.
Temos, portanto, duas hipóteses a considerar para a aquisição de uma “segunda gramática”: (i) o falante letrado tem duas gramáticas nucleares, como um bilíngue
Contudo, essa G2, na minha concepção, não tem a mesma natureza da G1, sendo constituída de propriedades parciais de uma gramática constituída pela fixação de parâmetros. Assim, ao invés de ser constituída pelo parâmetro do SN, em sua variante prototípica, com as suas subpropriedades, a G2 seleciona apenas a omissão do sujeito logofórico, de uma forma não necessariamente idêntica aos portugueses ou ao falante do século XIX
Em suma, apesar de ter mostrado as semelhanças entre a aquisição de L2 e a aprendizagem da escrita, a natureza das regularidades e arbitrariedades observadas nesta última, muito diferentes do que se vê em um bilíngue
A morfologia estilística, pesadamente presente em línguas como o japonês, está presente no PB, mas, em nossa língua, ainda é confundida com a morfologia gramatical. Assim como a mulher japonesa precisa usar uma elaborada morfologia estilística para soar feminina, e o homem também a usa para tornar seu discurso formal, a criança brasileira precisa ser exposta a um
(24)
“Eu não lia direito, mas arfando penosamente, conseguia mastigar os conceitos sisudos: “A preguiça é a chave da pobreza.”
– Quem não ouve conselhos raras vezes acerta – Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém”.
Esse Terteão para mim era um homem, e não pude saber que fazia ele na página final da carta.
As outras folhas se desprendiam, restavam-me as linhas em negrito, resumo da ciência anunciada por meu pai.
– Mocinha, quem é o Terteão?
(Leitura, p.108-9)
Língua-I = língua interna, individual e intencional (CHOMSKY, 1986) – cf. §2.
Usa-se a tradução “alternância de código” para “
Por enquanto, estamos usando “aquisição” e “aprendizagem” como sinônimos.
Cf. Pagotto (1993) e Cyrino (1993, 1997) sobre a diacronia dos clíticos.
Para Kato (1994), os pronomes
O PE tem o que se chama “objeto nulo”, mas esta entidade é uma variável sujeita, portanto, a efeito de intervenção. Já no PB, o clítico nulo tem estatuto de concordância (Cf. KATO, 1994; NUNES, 2015), ou seria resultado de elipse de VP (CYRINO & MATOS, 2002).
Nunes (1991) mostra que a perda do passivo
do reflexivo não é tão generalizada, mas conforme verbo e função podemos ouvir o nulo em várias regiões:
(i) Eu % (me) banhei.
(ii) Eu (me) machuquei.
Para Kato & Tarallo (1986), a perda é mais generalizada, dando origem ao tipo (10c).
O sinal % que precede exemplos sinaliza baixa percentagem.
O nome nu é um traço do PB que contribui para a falta de concordância.
Cf. Kuroda (1972) para a distinção entre “tético” e “categórico” e também Kato & Martins (2016) sobre essa distinção no português.
Cf. também Kato, Cyrino & Corrêa (2009).
Não estamos nos referindo aqui à
As seções seguintes se baseiam em Kato (1995) e (1996).
Lenneberg (1967) argumenta que há muitos indivíduos iletrados ou monolíngues no mundo, mas que todos os homens têm a capacidade de falar desde que haja
Acredita-se que a idade crítica para a aquisição da língua seja por volta dos seis anos, mas Kato (2003) discorda desse ponto de vista.
Uma terceira hipótese, a do acesso total, que não vê diferença entre L1 e L2, pode ser considerada para o bilinguismo precoce, quase simultâneo, que não seria o caso da aquisição da escrita. Veremos também essa hipótese quando discutirmos as ideias de Roeper (2000) mais adiante.
Em trabalho posterior, todavia, Meisel (2000) passa a advogar em favor da tese do acesso indireto.
Mas note-se que sua proposta da MDG exclui a aquisição de uma segunda gramática, em uma situação em que a L1 se conforma com a MDG, e a segunda gramática é a menos econômica.
O exemplo de Roeper para o falante de língua inglesa é o sujeito nulo em diários, e o objeto nulo em receitas de cozinha (cf HAEGEMAN, 1991)
Cf. o estudo de Barbosa, Duarte & Kato (2001).