A apresentação do Prof. Bodo Winter tratou da iconicidade linguística. Primeiramente, ele mostrou que a iconicidade pode desempenhar diferentes funções na língua e que ela está presente em diferentes domínios linguísticos, entre eles o léxico. Como evidência disso, ele apresenta pesquisas que evidenciam a ocorrência de iconicidade no vocabulário relativo a tamanho, à forma e à aspereza do inglês. Ao final de sua apresentação e à luz dos trabalhos que a embasaram, o Prof. Bodo define a iconicidade como um processo seletivo (já que apenas alguns aspectos do significado podem ser representados depictivamente e não sua totalidade), que manifesta uma sensação de semelhança (portanto, interpretativo) e que depende do contexto em que ocorre para ser reconhecida. Ele ainda defende que a iconicidade seja considerada uma das características universais das línguas e não, como Saussure (1916) e Hockett (1960), a arbitrariedade, a qual considera epifenomenal
Dr. Bodo Winter’s presentation discussed linguistic iconicity. First, he showed that iconicity can perform different functions in language and that it is present in different linguistic domains among which is the lexicon. As evidence of that, he presents research that shows the occurrence of iconicity in English vocabulary related to size, shape and roughness. At the end of his presentation and in light of the works on which it was based, Dr. Winter defines iconicity as a selective process (since only some aspects of meaning, not its entirety, can be depictively represented), that manifests a sense of resemblance (thus, interpretive), and that depends on the context in which it occurs to be recognized as such. He also claims that iconicity be considered one of the design features of languages and not, like Saussure (1916) and Hockett (1960), arbitrariness, which he considers to be epiphenomenal
A palestra do Prof. Bodo Winter objetiva demonstrar que a iconicidade e não a arbitrariedade se constitui com um traço arquitetônico, logo, universal, das línguas naturais. Para isso, ele organiza sua exposição em basicamente três grandes partes. Na primeira, ele reporta uma vasta literatura que evidencia não apenas que a iconicidade desempenha diferentes funções na língua, mas também sua pervasividade em diferentes domínios dela, entre elas no léxico. A segunda parte é dedicada a explorar a presença da iconicidade no léxico do inglês, domínio, em geral, negligenciado pela pesquisa linguística. Na terceira e última parte, o Prof. Bodo retoma a questão da iconicidade como um traço arquitetônico e propõe uma definição que engloba os vários aspectos que ela envolve. Neste texto, objetivamos sumarizar os principais pontos discutidos ao longo da palestra e destacar sua sólida fundamentação teórica e empírica, evidenciada pela vasta literatura citada
A primeira parte se inicia com o Prof. Bodo lembrando que a visão de língua tem se expandido e que atualmente ela inclui os gestos que coocorrem com a fala. Com isso, a língua passou a ser vista como multimodal, ou seja, como um fenômeno que, no caso das línguas orais, não se restringe à modalidade oro-auditiva, mas abrange também a modalidade visual-gestual
O Prof. Bodo explica que por meio da
A cada estratégia vincula-se um tipo de signo, respectivamente, arbitrário, indexical e icônico. Signos arbitrários, como a palavra
Baseado em pesquisas em diferentes frentes, o Prof. Bodo demonstra que a iconicidade está longe de ser uma característica marginal das línguas e que desempenha nelas diferentes funções. A iconicidade parece, por exemplo, facilitar a aquisição da linguagem (IMAI
Somando-se às diferentes funções, o Prof. Bodo lista um considerável número de domínios da língua onde se pode observar a ocorrência de iconicidade, a saber, nas onomatopeias (PRATHA
Apesar de esses variados aspectos contarem com muitos estudos, alguns, inclusive, com uma vasta tradição, o Prof. Bodo menciona que são poucos os trabalhos que olham especificamente para a presença da iconicidade no léxico das línguas e, a propósito, introduz a pergunta que norteará a segunda parte de sua apresentação: “Há iconicidade no vocabulário geral do inglês?”. Ele inicia essa discussão distinguindo a sistematicidade, relacionada a pareamentos recorrentes de forma e sentido no léxico, da iconicidade, embora ressalte haver entre ambos pontos de intersecção. Para ilustrar essa diferença, ele cita dois fonestemas
Na sequência, casos semelhantes a este último são apresentados em outros domínios do léxico do inglês, a saber, ‘tamanho’, ‘forma’ e ‘aspereza’. No que diz respeito ao vocabulário relacionado a tamanho, o Prof. Bodo, primeiramente, cita um estudo realizado por Sapir (1929) no qual solicitou-se a nativos de inglês e de chinês que escolhessem entre as pseudopalavras ‘mil’ e ‘mal’ a mais apropriada para nomear uma mesa pequena e uma mesa grande. Com base na escolha majoritária da palavra ‘mil’ para designar a mesa pequena e da palavra ‘mal’ para a mesa grande, o estudo concluiu que essa escolha foi motivada pela associação entre a compressão do trato vocal durante a articulação de [i] e o conceito ‘pequeno’, de um lado, e de sua expansão durante a produção de [a] e o conceito ‘grande’, de outro. Esse estudo foi criticado por Bentley e Varon (1933) por ter se baseado em pseudopalavras e consequentemente, na visão dos autores, por não revelar nada sobre o inglês especificamente que, inclusive, apresenta os adjetivos
Já em relação ao vocabulário relacionado à forma, o Prof. Bodo, primeiramente, sumarizou estudos que testaram a associação entre a forma de objetos e a configuração dos articuladores da fala. Esses estudos utilizaram duas imagens, uma com contornos pontiagudos e outra com contornos arredondados, e solicitaram que os sujeitos selecionassem uma pseudopalavra para nomeá-las: kiki/takete ou bouba/maluma (Ramachandran; Hubbard, 2001; Styles; Gawne, 2017; Fort
Finalmente, a respeito do vocabulário relativo à aspereza, o Prof. Bodo mostrou a recorrência do rótico [r] e ilustrou isso através das palavras
Após demonstrar convincentemente a presença de iconicidade no léxico do inglês, o Prof. Bodo passa à terceira e última parte de sua apresentação, na qual, primeiramente, contrapõe a visão saussureana, de acordo com a qual o signo linguístico é por natureza arbitrário, com a de linguistas como Bolinger e Sears (1981), para quem “basicamente tudo na língua tem uma origem não arbitrária”. A partir disso, ele passa então a construir uma definição para a iconicidade que defende ser um dos traços arquitetônicos das línguas naturais. Para isso, primeiramente cita os trabalhos de Hassemer e Winter (2016, 2018), que mostram que configurações de mão usadas em gestos podem ser especificadas para tamanho e não para forma ou o contrário. Com base nisso, ele sustenta que a iconicidade é sempre seletiva, logo, nunca representa depictivamente todos os aspectos da entidade referida. Segundo o Prof. Bodo, a manifestação da seletividade é bastante clara em onomatopeias, uma vez que não conseguimos imitar, por exemplo, o cantar dos pássaros de maneira 100% fiel. Ele chama a atenção ainda para o fato de que essa imitação passa por dois filtros: o da percepção auditiva humana e do da fonologia da língua do imitador. Segundo o Prof. Bodo, atribui-se ao segundo filtro a variação interlinguística em onomatopeias referentes à vocalização de um mesmo animal. Ele acredita, no entanto, que o papel desse filtro foi supervalorizado. Primeiramente porque um falante de inglês, por exemplo, poderia pronunciar onomatopeias de diferentes línguas. Em segundo lugar porque, como revelou o já referido estudo de Winter e Perlman (aceito), numa mesma língua podem-se encontrar diferentes onomatopeias para representar a vocalização correspondente a um mesmo animal. O Prof. Bodo atribui a existência de variação inter e intralinguística ao componente interpretativo da iconicidade. Em outras palavras, ele defende que as diferentes interpretações (ou seleções de aspectos perceptivamente salientes) gera variação, que nunca é arbitrária e da qual se selecionará a forma convencional.
Com base nisso, Prof. Bodo define a iconicidade como sendo um processo em que “aspectos da forma (linguística) exibem uma sensação de semelhança a aspectos do significado contextualmente instanciada”. Em outras palavras, a iconicidade, além de seletiva, uma vez que apenas alguns aspectos do significado (e não sua totalidade) são representados, envolve uma sensação (interpretação) de semelhança (WILCOX, 2004; OCCHINO
Conforme salienta o Prof. Bodo, a ubiquidade da iconicidade nas línguas, de uma forma geral, e no léxico, especificamente, contrasta com a visão consagrada encapsulada por Saussure (1916) em seu Princípio 1, de acordo com o qual o signo linguístico é arbitrário por natureza. O Prof. Bodo ainda chama a atenção para o fato que, a despeito da importância dada por Saussure à arbitrariedade, em sua obra não há uma definição clara do que ela é, mas apenas do que ela não é! Para o Prof. Bodo, a arbitrariedade do signo linguístico é epifenomenal, ou seja, emergente da análise das línguas de uma perspectiva comparativa. A seu ver, nesses casos, para que a iconicidade possa ser observada é preciso analisar a língua internamente
O Prof. Bodo destaca que a arbitrariedade é epifenomenal também em virtude de poder resultar da ocorrência de processos linguísticos que, apesar de terem motivações próprias, ou seja, de não serem eles mesmos arbitrários, contribuem com a sua erosão. Entre esses processos ele cita aqueles que levam à redução (morfo)fonológica (PERLMAN
A nosso ver, a palestra do Prof. Bodo Winter representa uma valiosa contribuição para a linguística. Entre as muitas razões, destacamos a demonstração, com base em uma revisão de literatura de grande fôlego, da pervasividade da iconicidade nas línguas, inclusive no léxico, domínio em que ainda se sente forte influência da visão saussureana. Além disso, ao demonstrar que há muito mais iconicidade nas línguas faladas do que normalmente se assume, o professor contribui com uma mudança de visão sobre as línguas sinalizadas, que já tiveram seu estatuto de língua natural negado por serem relativamente mais icônicas e que ainda são vistas por muitos como
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Agradecemos ao Prof. Bodo Winter por muito gentilmente disponibilizar as referências completas dos trabalhos citados ao longo de sua apresentação.
Mais para o final da palestra, a multimodalidade das línguas será retomada, quando o Prof. Bodo cita os trabalhos de Hassemer e Winter (2016, 2018) sobre a iconicidade em configurações de mão de gestos que co-ocorrem com a fala.
Segundo o Prof. Bodo, são palavras empregadas para depicção sensorial. Como exemplo, ele cita o ideofone do japonês
Grupos de fonemas específicos de uma língua que se parecem com morfemas, mas não apresentam composicionalidade (JOHANSSON
De fato, comparando-se a palavra do inglês
Vale registrar que em trabalho posterior, Hockett, ao reconhecer que as línguas de sinais são línguas naturais, relativiza a aparente arbitrariedade das línguas faladas (HOCKETT, 1978). Segundo ele, as línguas faladas são comparativamente às línguas sinalizadas menos icônicas por conta de sua modalidade de manifestação. Diferentemente das línguas de sinais, que, por serem tridimensionais como a própria vida, podem lançar mão de figuras feitas no ar, pantomimas e apontamentos, as línguas faladas, em sua visão, precisam comprimir essa tridimensionalidade em uma única dimensão e, em razão disso, suprimir a maior parte da iconicidade (p. 275).