Nosso trabalho se insere na esteira de contribuições acerca do crescimento dos fluxos migratórios de estrangeiros no Brasil e seus processos de migração e de aprendizagem do Português Brasileiro como Língua Adicional. Famílias estrangeiras chegam ao Brasil e, além de se adaptarem ao novo contexto social, precisam se estabelecer em vários aspectos, sendo que um deles é a garantia de continuidade da educação de seus filhos. Devido à escassez de materiais didáticos voltados para a avaliação do desenvolvimento linguístico de crianças migrantes bilíngues, o presente trabalho tem como objetivo a apresentação e a descrição do processo de elaboração de um guia-avaliativo para este público. Tal motivação ocorreu após uma entrevista com mães de duas nacionalidades distintas sobre suas considerações em relação ao ingresso de seus filhos em escolas brasileiras. Visando atender o objetivo, baseamos as orientações do guia-avaliativo em materiais de avaliação para o contexto bilíngue. Como próximo passo, nos baseamos no guia elaborado por McLaughlin et al (1995) para construir uma versão, em português, das orientações acerca da avaliação de crianças bilíngues. Nesta adaptação, foi considerado o contexto social das instituições brasileiras para que o guia fosse apropriado a esta realidade. Como resultado, foi obtido um guia prático para a avaliação do desenvolvimento linguístico de crianças estrangeiras bilíngues no Brasil. O guia é composto por cinco etapas a serem seguidas pelos avaliadores das escolas e propõe, ao final, medidas estratégicas que auxiliem no desenvolvimento das línguas, tanto materna quanto adicional, dessas crianças.
This work is part of the research agenda on the growth of migratory flows of foreigners in Brazil and their migration and learning processes of Brazilian Portuguese as an Additional Language. Foreign families arrive in Brazil and, in addition to adapting to the new social context, they need to establish themselves in several aspects, one of which is to guarantee the continuity of their children's education. Due to the scarcity of teaching materials to evaluate the linguistic development of bilingual migrant children, the present work aims at presenting and describing the process of an evaluation guide developed for this target audience. The motivation occurred after an interview with three mothers of different countries about their considerations regarding their children's entry into the Brazilian's schools. In order to achieve the objective, we based our tutorial’s guidelines in evaluation materials in the bilingual context. Afterwards, we used the guide developed by McLaughlin
Atualmente, a população brasileira observa a presença de um grande fluxo migratório em todo o seu território. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
Para tanto, o presente trabalho possui como objetivo a apresentação e a descrição do processo de elaboração de um guia-avaliativo para crianças migrantes que ingressam no ensino público brasileiro. Chamamos a atenção para o fato de que, como será descrito posteriormente na seção de metodologia, a aplicação e a avaliação do guia elaborado não foram possíveis devido à pandemia da COVID-19. Nesse sentido, este trabalho tem como foco as etapas de elaboração do instrumento, não se caracterizando como uma análise de um instrumento avaliativo previamente organizado e aplicado.
Entre as motivações para a reflexão e elaboração de um guia-norteador, se encontram: 1) escassez de materiais que reflitam sobre o processo avaliativo para crianças bilíngues no Brasil; 2) o contato com mães de alunos estrangeiros, sendo essas também estrangeiras (provindas da Venezuela e Síria) e suas impressões e dúvidas sobre o funcionamento do ensino público no Brasil. Em relação ao segundo aspecto, uma inspeção mais próxima da realidade do ensino para crianças bilíngues foi feita após uma entrevista com três mães sobre suas experiências em relação à inclusão dos seus filhos no sistema educacional brasileiro. Entre os diversos relatos sobre seus filhos na escola, um caso específico nos chamou a atenção. Uma das mães, por recomendação da escola, foi orientada a levar seu filho a médicos e psicólogos para descobrir o motivo do comportamento inadequado da criança no ambiente escolar. O diagnóstico para tal comportamento foi o de que a criança não conseguia se expressar, tanto verbal quanto não verbalmente, sobre suas vontades em um ambiente no qual nenhum adulto conhecia sua língua materna. Esse relato nos motivou a criar esse guia voltado aos profissionais do setor educacional (professores e gestores das escolas que atuam diretamente com essa comunidade crianças migrantes), de modo a auxiliá-los com instrumentos avaliativos acessíveis. Os instrumentos têm como objetivo direcionar o olhar dos profissionais para o desenvolvimento linguístico desses alunos, os quais já iniciaram seu processo de educação formal em sua língua materna.
No que diz respeito às caraterísticas do guia-avaliativo, definimos este como um instrumento de avaliação diagnóstica (RETORTA; MAROCHI, 2018
Uma vez que o objetivo maior desta discussão é a apresentação e descrição do processo de elaboração de um guia-avaliativo, este artigo se organiza de modo distinto da maioria (os quais são geralmente compostos por uma robusta seção de fundamentação teórica, seguida de metodologia e resultados). Entendemos que os resultados do nosso estudo (a elaboração de um guia-avaliativo para crianças migrantes) também são compostos de fundamentação teórica. Assim, propomos que a seção de resultados, na qual apresentamos o guia-avaliativo em si, também traga as bases teóricas, uma vez que compreendemos o guia-avaliativo como uma ferramenta de exercício da práxis do professor em formação continuada. Para tanto, organizamos o trabalho de forma a apresentar, na seção de Fundo Teórico, as origens do Programa de Extensão de Português para Falantes de Outras Línguas (PFOL) e alguns conceitos importantes sobre avaliação e ensino bilíngue. Após, passamos a explanar sobre a metodologia e resultados (a descrição do guia em si). Por fim, elaboramos algumas considerações finais, seguidas das referências bibliográficas.
Esta seção está organizada de modo que, primeiro, descrevemos a origem e o trabalho do Programa de PFOL da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Curitiba (UTFPR-CT), dentro do qual se originou a proposta do guia-avaliativo. Posteriormente, discorremos sobre algumas teorias acerca do conceito de avaliação dentro do ensino bilíngue.
O PFOL da UTFPR-CT iniciou as suas atividades em 2001, em virtude da necessidade da própria instituição em receber estudantes intercambistas (CORDEIRO; BALDIN, 2017
Enfatizamos que o Programa de Extensão contempla os eixos estabelecidos por Nogueira (2001
Ressaltamos, conforme mencionamos anteriormente, a forte relação estabelecida entre o Programa de Extensão PFOL e três disciplinas regulares do Curso de Letras-Inglês da UTFPR: Ensino de PFOL 1 (código CL75E), Ensino de PFOL 2 (código CL76E) e Grupo de Pesquisa de PFOL (CL7AD). Em todas as disciplinas, temos, semestralmente, mais de 60 alunos da graduação de Letras-Inglês atuando diretamente no Programa de Extensão do PFOL. O trabalho desenvolvido nas três disciplinas implica o envolvimento dos acadêmicos em diversas ações, especialmente na produção de materiais didáticos para alunos estrangeiros. Para exemplificar tal dinâmica, chamamos especial atenção para 10 projetos de Recursos Educacionais Abertos (REAs), desenvolvidos na disciplina GPPFOL, em sua edição de 2019/2. Dentre esses, destacamos o que trazemos aqui hoje para discussão: a proposta de um guia-avaliativo para crianças estrangeiras bilíngues na pré-escola como um REA.
Apesar de a área de PFOL existir de modo mais consistente desde a década de 80 e o mercado editorial dispor de alguns livros didáticos de qualidade, há a carência de materiais didáticos acessíveis ao público atendido pela UTFPR (em sua maioria, migrantes em vulnerabilidade social, adultos e crianças) e que atendam às necessidades específicas do corpo discente acima mencionado (materiais que introduzem os migrantes ao português e suas aplicações no dia a dia: obter um emprego, realizar tarefas diárias do cotidiano, ser reinserido no ambiente escolar regular). Essa dificuldade – ou mesmo impossibilidade – de acesso aos livros didáticos e materiais avaliativos que olhem para um processo de educação bilíngue advém de uma motivação teórico-prática. Um ponto é a inexistência de materiais que contemplem o uso de textos e situações que tenham como orientação a vida no lugar onde se usa a língua-alvo, ou seja, os materiais disponíveis no mercado editorial (em mais alta circulação) não tendem a contemplar a relação entre ensino/aprendizagem em imersão, resultando em materiais demasiado simples e focados basicamente em aspectos estruturais da língua. Outro ponto que merece destaque é o preço dos livros, o que resulta em um valor altíssimo para grande parte dos estrangeiros atendidos. Dado os dois aspectos acima mencionados, temos nos dedicado, enquanto Grupo de Pesquisa, à produção de REAs para o contexto de PFOL, a exemplo do guia-avaliativo que trazemos aqui.
O guia foi baseado no conceito de REA defendido por Leffa (2016
Além da noção de REA, nos pautamos nas necessidades específicas de ensino-aprendizagem de crianças bilíngues e, consequentemente, nas particularidades do processo avaliativo para esse público. Dentre as diversas definições do sujeito bilíngue, atribuímos a palavra bilíngue às crianças que na fase de aquisição linguística desenvolvem, consecutivamente, uma língua adicional ainda na infância, ou seja, estas desenvolvem a língua adicional mesmo que já tenham consolidado algumas estruturas linguísticas na sua língua materna. Assim, é importante estabelecer que essas crianças, ao serem expostas à língua adicional, não se resumem a uma tábula rasa e, sim, a um indivíduo dotado de conhecimento prévio, de diversas funções linguístico-cognitivas na sua língua materna. Portanto, a diferença na avaliação da criança bilíngue está em qualificar tais funções e como essas podem ser melhor exploradas no desenvolvimento linguístico do novo idioma, nesse caso, o Português Brasileiro.
A partir do entendimento de aprendiz bilíngue, apontamos que os processos avaliativos precisam levar em consideração um aspecto chave. Em geral, as crianças migrantes que chegam ao Brasil em idade escolar já passaram por algum sistema educacional em seu país de origem e os conhecimentos adquiridos previamente devem ser levados em consideração na reinserção dos alunos no sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, para além da avaliação de produto, a qual é tradicionalmente aplicada no contexto do ensino regular, há a necessidade de se olhar, prioritariamente, para o processo de desenvolvimento linguístico dos aprendizes, para uma avaliação de processo. Pensando em uma complementaridade dos processos de avaliação de produto e processo, Retorta e Marochi (2018
Com proposta similar, esta avaliação permite analisar dentre as competências linguísticas quais o aluno já consolidou, quais está desenvolvendo e quais necessitam desenvolvimento. Contudo, o guia se difere da maioria das avaliações diagnósticas uma vez que estas são aplicadas somente no início do ano letivo. Propomos um processo no qual, ao final da avaliação, sejam elaboradas propostas para suprir as demandas do aluno e, logo em seguida, se reinicie o processo avaliativo novamente. Além disso, de acordo com as autoras, estes testes podem ser elaborados pelo professor e podem ser aplicados para mais de uma turma ou, até mesmo, em uma escala maior. Os resultados, como já mencionado, contribuem para a análise de problemas de aprendizagem podendo indicar competências que não foram desenvolvidas adequadamente ao longo dos anos escolares, bem como apontam conteúdos que não foram assimilados pelo aluno (RETORTA; MAROCHI, 2018
Procurando não só analisar implicações teóricas, mas também de ordem prática, da inserção de crianças migrantes no sistema educacional brasileiro, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com mães, de diferentes nacionalidades (alunas dos cursos de PFOL da UTFPR). Tal entrevista nos alerta para a importância de realização de testes de entrada na escola que operem com diferentes faixas etárias, saberes e competências linguísticas desenvolvidas. Entre os relatos, uma das mães expôs que quando realizou a transferência de sua filha de oito anos de idade para o sistema educacional brasileiro, o critério de adequação da filha aos anos escolares previamente cursados foi estabelecido apenas de acordo com a sua faixa etária e não com o seu nível de conhecimento. A mãe descreveu que a filha frequentava escolas particulares no país de origem e, que quando iniciou seus estudos no Brasil, a filha se destacou como uma das melhores alunas da sala em uma escola pública brasileira, conquistando o primeiro lugar em um concurso de língua portuguesa disputada entre alunos de seu ano e do ano posterior ao dela. Desta forma, a mãe tentou realizar a transferência da filha para o ano escolar seguinte, contudo, a mesma não foi possível. Este relato demonstra a importância de avaliações diagnósticas como um dos instrumentos de adequação dos alunos estrangeiros quando inseridos no sistema educacional brasileiro.
Diante do cenário exposto até o momento, apontamos a importância de entender o desenvolvimento linguístico das crianças migrantes como um processo e a necessidade de serem criados elementos avaliativos adequados. McLaughlin
Contudo, apesar de existirem propostas como a de McLaughin
Russo, Mendes e Borri-Anadon (2020
Além do estudo supracitado, apontamos alguns dos resultados de um projeto de extensão criado entre a Universidade Tecnológica Federal do Paraná e membros da comunidade escolar do município de São José dos Pinhais. Embora não tenha sido publicada em forma de pesquisa, descrevemos a proposta elaborada pelos dois órgãos, desenvolvida em 2018-2019. O projeto de extensão se inseriu no contexto da sociedade atual, com um número expressivo de fluxos migratórios e possibilitou a potencialização de atitudes colaborativas, por meio de um pensamento coletivo para a superação dos interesses individuais em busca do bem-estar coletivo. Conforme mencionamos na introdução deste artigo, dados de pesquisas como as realizadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR, 2016
Ambas as contribuições, de Russo, Mendes e Borri-Anadon (2020
Esperamos que esta seção tenha dado a conhecer o processo de surgimento e elaboração dos REAs dentro do Grupo de Pesquisa em PFOL da UTFPR-CT e os importantes conceitos que constituem o nosso REA. Além disso, procuramos pontuar algumas das contribuições acerca da inserção de crianças migrantes no contexto educacional brasileiro, demonstrando a falta de pesquisas que se proponham a pensar em uma avaliação mais especializada e integradora para este público. Passamos, então, para a descrição de alguns dos procedimentos metodológicos utilizados na elaboração do guia-avaliativo.
Seguindo algumas das considerações elencadas na introdução deste trabalho, iniciamos a seção de metodologia enfatizando que a proposta discutida por este artigo foca na apresentação e descrição de possíveis etapas para elaboração de uma avaliação, de um guia-avaliativo, e não em uma avaliação que foi anteriormente organizada e aplicada.
O guia-avaliativo foi desenvolvido para a avaliação do amadurecimento linguístico de crianças de 4 a 6 anos de idade e esta avaliação foi construída pela forma como essas crianças utilizam a linguagem em diversas situações, considerando principalmente os fatores gramaticais, de pronúncia e de vocabulário. É válido destacar ainda que esta avaliação é focada no processo de desenvolvimento da língua materna e também da língua adicional, o que significa que este instrumento não considera apenas fatores quantitativos como a atribuição de notas aos alunos e sim aspectos majoritariamente qualitativos, levando em consideração o desenvolvimento linguístico enquanto processo e não apenas produto.
Destacamos ainda que nos referimos a esse material como guia-avaliativo
A proposta de avaliação aqui disposta é composta por cinco etapas, as quais advogamos serem necessárias para uma avaliação holística das habilidades linguísticas desenvolvidas pela criança, a saber:
A primeira etapa diz respeito a aspectos da organização de todo o processo avaliativo. Nela, a equipe pedagógica e o avaliador estruturam como a avaliação será feita.
Na segunda etapa, há a coleta de informações, assim, o avaliador irá observar a criança e tomar notas sobre como a mesma utiliza a linguagem durante um período de tempo.
Após o período de observações, seguimos com a terceira etapa, na qual todas as anotações serão anexadas ao portfólio da criança e este, por conter os dados da criança, será essencial para a criação do parecer necessário nas próximas etapas.
Na quarta etapa, a equipe pedagógica, o avaliador e os pais e/ou responsáveis se reúnem para compartilhar as informações obtidas até o momento.
Na quinta e última etapa, a equipe pedagógica e o avaliador elaboram uma estratégia educacional para fortalecer o desenvolvimento linguístico da criança.
Nenhuma das etapas possui um período de tempo determinado para a sua execução, porém, estima-se em torno de seis meses de coleta de informações no portfólio da criança para que, então, inicie-se a elaboração da primeira estratégia educacional. Essas estratégias visam a elaboração de um plano com atividades adequadas que auxiliem o desenvolvimento da criança. Ao finalizar cada uma das etapas, o avaliador deve recomeçar o processo de avaliação levando em consideração a estratégia adotada.
Conferimos a denominação de
Esse guia, embora tenha como público-alvo os professores (os quais chamamos de avaliadores), ainda abrange a participação e colaboração de pais e responsáveis durante o processo. Essa colaboração poderá ocorrer por meio de reuniões ou conversas informais e servirá aos avaliadores como uma ferramenta para compreender melhor o desenvolvimento dos alunos.
Conforme mencionamos anteriormente, a seção de resultados possui um formato bastante robusto, pois traz o guia-avaliativo como um REA a ser aplicado no contexto de ensino regular de crianças migrantes bilíngues no Brasil. Cada subseção descreve e aponta procedimentos avaliativos importantes para o avaliador. Chamamos a atenção para o fato de que, como o guia foi pensado em ser lido diretamente pelo avaliador (ou comissão avaliadora responsável pelo processo de ensino-aprendizagem da criança migrante na escola), passamos a usar uma voz discursiva mais próxima, chamando-o de “você”.
Começaremos pela primeira etapa, na qual ocorre o planejamento de todo o processo da avaliação. Aqui, você irá se reunir com a equipe pedagógica e, juntos, irão organizar de que maneira a avaliação acontecerá.
Ressaltamos que ao avaliar os alunos estrangeiros deve-se levar em consideração as experiências que esses têm em sua língua materna e adicional. O aluno estrangeiro possui um conhecimento prévio derivado da sua cultura e vivência linguística, mas tais aspectos muitas vezes são desconsiderados unicamente porque o aluno não possui o código linguístico da língua-alvo (neste caso, o PB). Contudo, não dispor do domínio da língua adicional não significa que o aluno estrangeiro não possa ser avaliado, mas sim que esta avaliação deve seguir um formato que priorize o desenvolvimento contínuo da língua adicional em relação a sua língua materna.
Um dos primeiros passos ao avaliar crianças é querer obter resultados condensados, ou seja, um produto que é resultado de diversas atividades reunidas. Como forma de alerta, para que se evite o acúmulo de atividades que buscam um produto relativamente homogêneo de todos os alunos da turma, este guia contém algumas recomendações de como e quando essa avaliação pode ser realizada. Por meio da Figura 1, selecionamos os principais pontos que devem ser definidos na primeira etapa do processo avaliativo.
Fonte: as autoras (2020).
Equipe pedagógica
Para o avaliador existem limitações quanto a alguns aspectos administrativos sobre os alunos e sobre a escola. Por isso, nesta avaliação se faz necessário a incorporação da equipe pedagógica no processo como um todo. A principal função da equipe pedagógica é não só a de organizar o processo avaliativo e auxiliá-lo como avaliador, bem como a de auxiliar os pais e/ou responsáveis em relação a possíveis dúvidas quanto ao processo. Então, ao final dessa primeira etapa, a equipe pedagógica deve ter o conhecimento de todas as etapas seguintes e também sobre como estas etapas serão aplicadas e/ou adequadas ao contexto da escola.
A equipe pedagógica é responsável por comunicar pais e/ou responsáveis sobre a avaliação e sanar eventuais dúvidas destes. Esta também definirá datas para as reuniões tanto com os avaliadores, quanto com os pais e/ou responsáveis, uma vez que essas reuniões são imprescindíveis nas etapas quatro e cinco. Definindo as datas dessas reuniões, a equipe pedagógica logo determinará o tempo de avaliação para cada etapa. Em relação a este último, recomendamos que sejam seis meses de observação (ou um tempo entre um ciclo de atividades e outro) e recolhimento do material para o portfólio antes da quarta etapa.
Em casos excepcionais de turmas com grande número de alunos estrangeiros para serem avaliados, a recomendação é que seja definido um formato de avaliação que atenda todas as crianças e não sobrecarregue o avaliador. Para esses casos, nossa sugestão é de que sejam selecionadas de duas a três crianças na semana para a observação, isso possibilitará a avaliação de todas essas crianças em diversos contextos ao longo do ano.
Avaliador
Uma vez que este guia possui uma orientação que procura ser holística, você deve sempre se comunicar com a equipe pedagógica sobre as direções tomadas para a avaliação. Em vista disso, os avaliadores precisam estar cientes de sua função, das etapas do processo e de como analisar cada aluno nos casos onde existe mais de um aluno a ser avaliado.
Nesta etapa, você irá se preparar para a etapa seguinte da avaliação, na qual são feitas algumas observações sobre como a criança utiliza a língua. Portanto, é necessário que sejam observados o uso da linguagem, não apenas da língua materna, mas também da língua adicional do aluno em diversos contextos. Esses contextos de observação dizem respeito a situações vivenciadas pelas crianças na escola, portanto você poderá analisar o uso da linguagem da criança para:
i. expressar sentimentos;
ii. expressar ideias;
iii. pedir ajuda;
iv. questionar;
v. descrever;
vi. resolver um problema;
vii. engajar-se em brincadeiras de faz de conta;
viii. e, do uso pessoal da língua.
É importante que você, como avaliador, tenha em mente essas situações de comunicação para percebê-las quando a criança propicia esses momentos de uso da linguagem. Para isso, logo abaixo, o avaliador pode utilizar o material de auxílio sobre as situações de observações que contém sugestões sobre quando estas podem ocorrer (ver Tabela 1).
Vale lembrar que essas situações na qual a criança usa a linguagem podem acontecer a qualquer momento, sendo assim, é preciso estar sempre atento.
Fonte: adaptado de McLaughlin
Essas são algumas das sugestões em que podem ser observadas o uso da linguagem. Para tanto, o avaliador, ao longo da primeira etapa, deve estar familiarizado com essas situações.
Pais e responsáveis
Ressaltamos que os pais e/ou responsáveis também devem estar cientes de como ocorre esta avaliação pois a família desempenha papel importante neste processo. Sempre é válido questionar familiares sobre características pessoais da criança avaliada (tímida, extrovertida, curiosa) e como ela se comunica em casa durante o começo ou ao final da aula. Essas pequenas considerações dos pais podem servir como base para mais a frente, a criação de uma estratégia educacional.
Como dito anteriormente, a segunda etapa do processo é a coleta de informações sobre o desenvolvimento linguístico dos alunos na prática. Ao final dessa primeira etapa, todos os envolvidos, equipe pedagógica, avaliador e pais e/ou responsáveis, devem concluí-la com todos os aspectos devidamente estabelecidos.
Após as definições estabelecidas na etapa anterior, iniciamos agora a segunda etapa, a qual consiste na coleta de informações sobre o desenvolvimento linguístico da criança avaliada.
Aqui, realizamos a coleta de informações linguísticas do aluno e, para isso, você deve realizar as observações baseando-se nas situações de comunicação apresentadas na Tabela 1. Uma vez que você perceba alguma situação comunicativa sendo anunciada pelo aluno avaliado é preciso anotá-la explicitando como esta situação comunicativa ocorreu. As situações apresentadas neste guia são algumas opções, porém ao longo da rotina de sala de aula podem surgir outras que não foram previstas neste guia.
Como forma de não confundir ou esquecer essas anotações, sugerimos que essas sejam feitas a partir de notas no celular ou, até mesmo, de
Em um segundo momento, você irá transferir essas anotações referentes ao aluno para um modelo formal, o qual será usado como material para as próximas etapas. Na Figura 3, expomos um exemplo do modelo formal das anotações:
Fonte: adaptado de McLaughlin
Neste modelo, se faz necessário que seja identificado o modo como a criança realiza a comunicação e, para isso, seguem algumas exemplificações: verbaliza na língua materna, verbaliza em português, gesticula, assente com a cabeça, utiliza linguagem corporal (como expressões faciais), entre outros. A seguir, você irá preencher o contexto no qual o aluno realizou a comunicação. Este se encontra relacionado com as situações que o aluno está envolvido quando utiliza a língua, como por exemplo, brincando com os colegas, fazendo uma atividade, pedindo ajuda, entre outros. Por fim, é feita a escrita de suas considerações sobre a observação em si.
Pensando em contribuir com a avaliação, disponibilizamos um modelo de coleta dessas informações ao final do guia (ver Apêndice A), que deve ser preenchido com as anotações em relação tanto a língua materna da criança, quanto do português. Você pode repassar suas anotações para o modelo formal ao final da aula, da semana ou, ao final da etapa, como preferir.
Adiantamos que as anotações no modelo formal são imprescindíveis na avaliação pois é um material que será usado nas outras etapas. Este modelo será apresentado à equipe pedagógica e aos pais e/ou responsáveis como uma comprovação de que a segunda etapa da avaliação foi realizada. Ao final deste guia, também veremos que este material poderá ser usado por outros profissionais e avaliadores para averiguar o desenvolvimento do aluno e dar continuidade ao processo avaliativo.
Não, veremos adiante que anexado às observações é facultada a opção de serem acrescentados desenhos, atividades e até mesmo vídeos que a criança produziu durante o período de observações. Qualquer material que demonstre o desenvolvimento linguístico do aluno é válido.
Um dos problemas dessa etapa, apontado por McLaughlin
Sim, a equipe pedagógica e pais e/ou responsáveis são incumbidos na tarefa de auxiliar você da melhor maneira possível. À equipe pedagógica cabe prover os materiais necessários para a avaliação, como itens de papelaria, livros de história infantil, entre outros. Por outro lado, os pais e/ou responsáveis podem fornecer retornos e explicações sobre o desenvolvimento linguístico de seus filhos em casa, durante a entrada e saída da escola.
A conclusão desta etapa é dada somente após o tempo pré-determinado para a coleta de informações. Na próxima etapa, iremos reunir e analisar todos estes dados coletados.
Após a coleta de informações, ou seja, da escrita das observações em um modelo formal, agora criamos um portfólio individual de cada aluno reunindo todos os seus materiais produzidos durante o período de coleta de informações.
Fonte: as autoras (2020)
Esses materiais abrangem as anotações das situações de comunicação (observações) e, também, os materiais que o próprio aluno produziu em sala, como: desenhos dos quais ele descreveu em sala, vídeos sobre alguma apresentação musical, e até mesmo, os relatos que os pais e/ou responsáveis forneceram na etapa anterior. Esses materiais devem ser anexados a uma pasta do aluno.
Com todos os dados, anotações e materiais reunidos no portfólio, você irá analisá-lo e escrever um
Após a análise, você irá escrever um parecer que apresenta todo o processo de desenvolvimento desse aluno durante o período avaliativo. Aqui, note um pequeno exemplo que analisa e resume alguns dos aspectos linguísticos apresentados pela criança:
Fonte: adaptado de McLaughlin
No presente guia, existe um modelo para que você produza este pequeno parecer e o anexe ao portfólio (ver Apêndice C). A seguir, na penúltima etapa, é o momento em que todos os dados do aluno são apresentados à equipe pedagógica e aos pais e/ou responsáveis.
A penúltima etapa é o momento em que você se reúne com a equipe pedagógica e com os pais e/ou responsáveis para transmitir tudo o que ocorreu durante o processo avaliativo até o momento.
Fonte: as autoras (2020).
À equipe pedagógica, pois esta possui acesso aos dados pessoais dos responsáveis pelos alunos. É importante ressaltar que a equipe pedagógica participa do encontro, uma vez que é o momento em que todos os integrantes ficam cientes de tudo o que já foi desenvolvido na avaliação.
Primeiramente, sugerimos que o espaço seja acolhedor, para que os convidados se sintam confortáveis em compartilhar suas opiniões. Para que isso ocorra, existem alguns procedimentos, como: a disposição de cadeiras em círculo como se fosse uma roda de conversa; fazer uma breve apresentação sobre você e as demais pessoas no encontro; pedir para que os pais e/ou responsáveis também se apresentem. Salientamos que ao relatar os dados dos alunos, as informações sejam apresentadas com o uso de figuras, como por exemplo, a utilização de informações não verbais a partir de
A seguir, descreva como sucedeu a coleta de informações, mostre o portfólio e sua análise quanto às necessidades do aluno e, por fim, o parecer.
O parecer é um documento que permanece na escola para uso pedagógico da equipe e para o histórico da criança. Portanto, é necessário que uma versão seja disponibilizada para os pais e/ou responsáveis de forma mais visual, visando também facilitar seu entendimento por meio de imagens e figuras.
Aproveite o momento e converse durante a apresentação sobre o que o aluno faz em casa, contrastando com o que o aluno faz na escola e tire quaisquer dúvidas que os pais e/ou responsáveis tenham sobre as etapas anteriores e as próximas.
A realização desta etapa é de extrema importância pois, a experiência escolar e familiar relatadas nesse encontro darão origem a elaboração de uma estratégia educacional, a qual será descrita a seguir na última etapa.
Na última etapa são considerados todos os dados colhidos anteriormente para que seja desenvolvida uma estratégia educacional com o intuito de atender as demandas do aluno. Para alcançar este objetivo, você utilizará as informações do parecer elaborado anteriormente e irá propor alternativas para o desenvolvimento da criança avaliada.
Fonte: as autoras (2020).
A proposta principal da estratégia educacional é a de proporcionar ao aluno atividades que estimulem o desenvolvimento de suas habilidades linguísticas. As estratégias mais comuns ao público infantil bilíngue são a adoção de cartões de vocabulário (
Com base na análise do aluno, é fácil identificar seus pontos fortes e fracos em relação à língua, portanto, por meio das observações, é viável a criação de um plano para que os pontos fracos sejam desenvolvidos e os fortes sejam potencializados. Aqui, você deve considerar também os relatos dos pais e/ou responsáveis que foram apresentados durante o encontro, lembrando que o plano também pode considerar atividades que podem ser desenvolvidas fora do ambiente escolar contanto que os pais e/ou responsáveis estejam cientes, dispostos a participar e a promover tais atividades.
Em seguida, o plano será escrito e anexado junto do parecer ao portfólio do aluno. Na Figura 8, você encontra um exemplo de estratégia educacional, o qual se encontra mais detalhado no Apêndice C.
Fonte: adaptado de McLaughlin
Esta estratégia elaborada deve ser implementada na rotina escolar do aluno, visando otimizar tais pontos. É importante lembrar que estas serão aplicadas logo após serem desenvolvidas, por isso, mesmo que esta seja a última etapa do guia-avaliativo, não significa necessariamente sua finalização, como explicaremos a seguir.
A avaliação não se encerra ao final da última etapa, pois ela se dá de forma contínua, cíclica. Ao final da quinta etapa, retorna-se à primeira e recomeça-se a mesma avaliação, com o adicional de uma estratégia pedagógica.
Ao recomeçar a avaliação, o avaliador considera todos os aspectos já avaliados, analisados e a estratégia utilizada. O avaliador reinicia o processo levando em consideração a proposta de estratégia educacional definida, para que possa averiguar o quanto o aluno aprimorou sua língua adicional desde a implementação. Desta forma, a avaliação irá suceder de forma contínua.
Neste caso, é importante que os dois avaliadores se reúnam para discutir os aspectos prévios da avaliação do aluno. O avaliador sucessor deverá saber quais foram as estratégias propostas para dar continuidade a avaliação, bem como, quais eram as dificuldades do aluno anteriormente para, somente assim, poder avaliar no futuro o desenvolvimento (ou não) linguístico do aluno.
Com a equipe pedagógica. O portfólio é um documento essencial nessa avaliação pois contém os dados, o parecer e a estratégia educacional. Consideramos o portfólio como uma biblioteca de informações sobre o aluno e um documento com o qual os avaliadores podem e devem sempre consultar. Portanto, ao longo das avaliações, o portfólio não é descartado. Pelo contrário, ele é visto com um produto a ser continuado.
Uma das diferenças é que esta avaliação é dada por um processo que visa resultados qualitativos, enquanto que a maioria das avaliações direcionadas a esse público pretende atribuir apenas notas quantitativas aos seus alunos. A segunda diferença é a de que esta avaliação é contínua, podendo ocorrer durante os três anos definidos ao público-alvo (dos 4 aos 6 anos de idade). Isso significa que durante este período podem ocorrer mudanças exteriores ao aluno, como a mudança de turma e de avaliador. Este aspecto da continuidade da avaliação é exclusivo deste processo alternativo, o que dificilmente pode ocorrer durante uma avaliação que segue o processo padrão, como por exemplo, durante uma prova avaliativa.
Aprender a ensinar é um processo de socialização, isto é, um processo pelo qual as pessoas adquirem seletivamente valores, atitudes, interesses, destrezas e conhecimentos – a cultura comum aos grupos aos quais pertencem ou aos grupos que pretendem pertencer. Esse processo ocorre em vários níveis e é fruto de diversas influências, persistindo ao longo da vida.
O processo para se tornar professor deve ser construído durante a longa trajetória da história profissional de cada um. É um processo lento, contínuo, permanente e deve ter como critério principal o compromisso individual e institucional para esse fim. A definição de desenvolvimento profissional deve ultrapassar a concepção de domínio de técnicas e conhecimentos necessários para a atividade de ensino, conforme os estudos de Russo, Mendes e Borri-Anadon (2020
Sem dúvida, a aprendizagem para a docência é um processo complexo. Ela depende da compreensão e articulação entre vários conhecimentos, destacando o específico (área de conhecimento de formação e atuação) e o pedagógico (como relacionar-se, como ensinar, como enfrentar a diversidade e as situações complexas, entre outros fatores). Ressaltamos que, a partir da formação inicial para a docência, o professor permanece se desenvolvendo e aprendendo sua prática profissional no contexto institucional e essa aprendizagem requer entendimento do seu desdobramento. Nesse sentido, entendemos a proposta de elaboração do guia-avaliativo como um convite para que o professor seja pesquisador da sua própria prática e para que o guia, enquanto instrumento educativo, possa fortalecer e indicar um caminho possível e coerente para o desenvolvimento das aulas de português.
Lembramos que se trata de uma proposta de um guia-avaliativo para crianças migrantes que ingressam no ensino educacional brasileiro ainda não testada. Sendo assim, devem ser consideradas pela equipe pedagógica, durante o planejamento, todas as situações referentes à estrutura da escola, à capacitação de professores, de alunos a serem avaliados e pais e/ou responsáveis. As etapas, apesar de apresentarem uma sequência, são passíveis de alterações de acordo com o contexto escolar.
A partir de uma primeira aplicação deste guia, o mesmo indicaria modificações e adaptações aos diferentes contextos e isso contribuiria para o aperfeiçoamento da avaliação. Sendo assim, temos como proposta de aprofundamento para futuras pesquisas a aplicação do guia em diferentes turmas e escolas brasileiras. Contávamos com a aplicação do guia no primeiro semestre do ano de 2020, todavia, devido às alterações sofridas no calendário escolar e adoção de um formato de ensino remoto, organizado pela Secretaria de Educação em diversas cidades brasileiras, os planos foram adiados para um momento posterior a esse cenário.
Esperamos que a proposta do guia-avaliativo aqui apresentado e descrito possa operar como uma ferramenta teórico-prática para a avaliação de crianças migrantes, em idade escolar no Brasil, e que possa auxiliar professores e gestores escolares.
De acordo com Gabriel e Albuquerque (2020, no prelo): “os últimos dados fornecidos pelo CONARE (2018) mostram que no ano de 2018 o Brasil recebeu, aproximadamente, 80 mil solicitações de refúgio, sendo 61.681 apenas de comunidades venezuelanas. Após os solicitantes da Venezuela, se encontram os haitianos, com 7 mil solicitações”.
Utilizamos o termo Português para Falantes de Outras Línguas como intercambiável a outros termos, como Português como Língua Adicional por entendermos que a criança bilíngue possui mais de uma língua disponível em seu sistema linguístico para se comunicar e que esta pode ser ativada conforme as funções comunicativas e contextos de uso apresentados. Não se trata de uma língua estrangeira à criança, que não a pertence.
Os apêndices podem ser consultados através do seguinte endereço: