Neste texto, apresentamos uma resenha da conferência
In this text, we present a review of the lecture
Uma das capacidades inatas ao ser humano é a capacidade da evolução. O homem é, por natureza, criativo e inovador. Inovamos e evoluímos sempre. Esses avanços trazem ganhos para toda humanidade e para diversas áreas do conhecimento científico. Sendo ciência, a Linguística também evoluiu muito, desde os neogramáticos aos estudos experimentais de processamento linguístico, com a disposição de novas teorias e metodologias.
As conquistas e os avanços dos últimos anos na Fonologia, explanadas pela Professora Doutora Thaïs Cristófaro Silva (FALE-UFMG)
Thaïs Cristófaro Silva é professora voluntária do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade Federal de Minas Gerais. É uma exímia profissional e referência nos estudos de Fonética e Fonologia do Português Brasileiro (PB). Além disso, possui uma vasta publicação de artigos e livros, dentre os quais citamos:
Na contextualização de sua fala, Cristófaro-Silva salienta a importância dos avanços da Fonética e a incorporação de outros aspectos que, geralmente, ficavam à margem dos estudos dos sons, a exemplo da relação entre Linguagem e Cérebro, numa perspectiva cognitivista. Esta progressão científica contribuiu diretamente para as reflexões da Fonologia enquanto área de conhecimento.
A autora exemplifica estes ganhos com o livro
Cristófaro-Silva argumenta que a evolução da Fonética fez com que os foneticistas repensassem suas práticas, com a nova proposta de incorporar análise acústica e metodologias experimentais. Para autora, um desses avanços foi a criação do PRAAT,
Se, com base nas experiências da própria pesquisadora, só era possível rodar um espectrograma da fala da noite para o dia, hoje, dispomos de novas tecnologias e até mesmo de novas metodologias que automatizaram o processo. Houve outros avanços, além do PRAAT, nas análises como o uso de vídeo na captura da fala (FREITAG et al., 2020
Percebe-se, então, a evolução na Fonética em direção à Fonética Experimental. Para Cristófaro-Silva, esse direcionamento, por consequência, impactou na compreensão da Fonologia. À medida que são aplicadas novas metodologias também são feitas novas perguntas.
Outro avanço mencionado pela autora diz respeito à elaboração de um aparato simbólico capaz de representar e transcrever características da produção dos sons de línguas naturais, como é o caso do Alfabeto Fonético Internacional (International Phonetic Alphabet – IPA), elaborado pela Associação Internacional de Fonética, baseado no Alfabeto Latino. Apesar de sua importância, segundo Cristófaro-Silva, as representações do IPA são violáveis por, geralmente, serem confundidas com representações do sistema de escrita e representações fonológicas. Essa confusão é compreensível, uma vez as evidências mostram que as pessoas armazenam material linguístico com um código auditivo e motor-sensorial rico e detalhado que tende a ser único para cada falante (PAUL, 2011
Para apresentar as diferenças das representações em cada um dos sistemas, Cristófaro-Silva sistematizou o quadro abaixo:
FONOLOGIA (2020
FONÉTICA | FONOLOGIA | ESCRITA |
Nível dos fones | Nível dos fonemas | Nível das letras |
Nível concreto/físico | Nível abstrato | Nível ortográfico |
Processamento motor | Processamento cognitivo | Processo de Escrita |
Pronunciável | Não-pronunciável | Leitura |
Desempenho | Competência | Escrita |
Gradiente | Discreto | Convencional |
[....] colchetes | /.../ barras transversais | Letras |
Mas, apesar dessa consolidação e dos avanços simbólicos do IPA, as normas de transcrição não têm chegado efetivamente à sala aula por meio dos livros didáticos. Cristófaro-Silva discorre acerca de uma pesquisa realizada em 8 livros didáticos nos quais encontrou padrões distintos para as representações fonéticas e fonológicas, a saber: 1) dados apresentados SEM [colchetes] ou /barras transversais/; 2) dados somente com as /barras transversais/ indicadas; 3) representações fonéticas apresentadas entre /barras transversais/, no caso de dicionários; 4) lista-se as formas ortográficas e indica-se fonologicamente o(s) símbolo(s) correspondente(s); 5) combina-se ortografia e representação fonética.
Os níveis de descrição e representações já consolidados são importantes e não são usados nos livros didáticos. Isso acontece, de acordo com autora, porque existe uma simbiose entre a Fonética e a Fonologia, um problema não resolvido e que requer muita atenção pela confusão que pode ser gerada. Para tanto, Cristófaro-Silva sugere a leitura de
A autora continua sua fala explanando acerca da evolução teórica e de terminologias aplicadas à Fonologia. Temos, como exemplos: Representação Fonológica; Representação Fonêmica; Representação Subjacente, do Gerativismo; Representação Lexical; Representação Mental, dos Modelos de Uso (BYBEE, 2001
Essas mudanças teóricas e terminológicas são importantes para concebermos e percebermos o quanto a área evoluiu. Como exemplo, a autora recorre a uma comparação entre a proposta tradicional da Fonologia e o Modelo de Exemplares, apresentado no quadro 2.
Fonte: Oliveira-Guimarães (2004, p. 40
FONOLOGIA TRADICONAL | MODELO DE EXEMPLARES |
Representação mental minimalista | Representação mental detalhada |
Separação entre fonética e fonologia | Inter-relação entre fonética e fonologia |
Visão de fonologia como uma gramática formal, com a utilização de abstração | Efeitos de frequência armazenados na memória de longa duração |
Julgamento fonotático categórico | Efeitos de gradientes nos julgamentos fonotáticos |
Léxico separado de gramática fonológica | Palavras como lócus da categorização |
Em se tratando da Gramática e da Língua enquanto um sistema complexo, uma representação única, proposta pela Fonologia Tradicional, cria uma série de problemas para lidar com a dinamicidade que é inerente ao próprio sistema. Por isso, faz-se necessário pensar em formas alternativas, como a Fonologia Experimental ou Fonologia de Laboratório, uma abordagem proposta incialmente por Pierrehumbert, Beckman e Ladd (2000
Para evidenciar os avanços metodológicos, a autora traz à baila um panorama de fenômenos fonológicos do Português Brasileiro (PB) e cita o processo da nasalização, quando uma vogal é seguida de uma consoante nasal (CÂMARA JR., 2009[1970]
Por fim, a autora descreve as principais conquistas da Fonologia no Brasil e chama a atenção para a diversidade linguística existente no Brasil, com ênfase para as línguas minoritárias e descrição dos sistemas sonoros de línguas indígenas. Além disso, a conferencista destaca a qualificação profissional advinda da abertura de diversos programas de Pós-Graduação em Linguística, Laboratórios, Grupos de Pesquisas e eventos em Fonética e Fonologia em inúmeros estados brasileiros.
Apesar de todo esse avanço teórico e metodológico na Fonologia, precisamos continuar evoluindo e dar mais um passo. Dispomos de amadurecimento científico e tecnológico para pensarmos novas propostas metodológicas e novas perguntas às nossas pesquisas e descrições linguísticas. Um desses avanços, para Cristófaro-Silva, seria formalizar uma proposta de integração com as ciências cognitivas, como em outros países, o que pode aprofundar a nossa compreensão sobre a produção da linguagem humana. Avancemos, pois!