Nos últimos anos, o desenvolvimento da tecnologia da fala tornou o uso de sistemas automatizados de reconhecimento e de síntese de voz bastante frequente, com aplicações múltiplas. Diversos serviços baseados nesses sistemas automatizados fazem uso de agrupamentos numéricos para os mais variados fins, tais como ativação de cartões de crédito, informações bancárias, consultas a listas telefônicas, marcações de reservas, serviços de auxílio a deficientes visuais, entre outros.
Em muitos casos, entretanto, a performance desses sistemas é considerada insatisfatória, ora por não processarem corretamente a fala espontânea (no caso de sistemas de reconhecimento de fala), ora por não apresentarem, em sua produção, características de ritmo e entoação próximas às da fala natural (no caso dos sistemas de síntese de fala). Isso se deve em parte ao fato de serem tais sistemas muitas vezes baseados em dados artificiais e/ou impressionísticos, e não em dados de fala natural e espontânea.
Serviços que fazem uso de números conectados como dados de entrada dependem de um bom sistema de processamento de informações de unidades sonoras e textuais correspondentes a dígitos alfanuméricos. Um sistema eficiente deverá produzir fala sintética e agrupamentos numéricos correspondentes à enunciação espontânea característica do agrupamento alvo. Sabe-se, todavia, que em agrupamentos numéricos de estrutura fixa (como número telefônico, número de cartão de crédito, número de documento de identidade, etc.), a enunciação de um algarismo vai variar de acordo com a posição que ele ocupa na sequência do agrupamento. Essa variação, em geral, diz respeito aos parâmetros de duração, intensidade e frequência fundamental (Vagner e Sergio, 2005:2). Assim, os parâmetros prosódicos na elocução de um dígito, em uma sequência numérica, vão depender de uma série de fatores, entre os quais a posição que o dígito ocupa na sequência. De acordo com Vagner e Sergio (2005:2), para se obter uma enunciação sintetizada próxima à natural, condizente à pronúncia de um dado dígito em uma determinada sequência numérica, é necessário armazenar no sistema automatizado o maior número possível de informações acerca dos parâmetros prosódicos destes números, no maior número de possibilidades, correspondentes à sua ocorrência em posições sequenciais variadas.
Existe, desse modo, uma premente necessidade de descrever o mais exaustivamente possível as características prosódicas associadas a esses agrupamentos, de forma a contribuir para o aperfeiçoamento desses sistemas computacionais ora em uso. Para isso, é preciso realizar estudos descritivos robustos. Avanços nessa área foram obtidos devido à descrição de números naturais em diversas línguas, tais como o japonês (Amino e Osanai, 2011), o alemão (Baumann e Trouvain, 2001) e o francês (Bartkova e Jouvet, 1999).
Porquanto não exista ainda para o português brasileiro (doravante PB) estudo que descreva, de forma sistemática e abrangente, as características prosódicas da organização de números naturais em estruturas pré-estabelecidas, este estudo apresenta-se como uma contribuição. Como objetivo principal, descreveremos contornos entoacionais típicos de agrupamentos numéricos associados a números telefônicos enunciados no PB. Para este fim, números telefônicos de diferentes tamanhos serão analisados em duas etapas: primeiramente, serão segmentados em unidades entoacionais, o que permitirá definir as estratégias de agrupamento mais recorrentes. Em seguida, os contornos entoacionais típicos dessas unidades serão analisados e descritos.
O termo “prosódia” tem sido comumente utilizado com equivalente a “entoação” na literatura. Assim, há muita divergência entre os autores, principalmente no que se refere à distinção entre a definição dos dois termos.
A entoação, de acordo com Lidiane (2007:21 apud Kent e Read, 1992), é parte da prosódia. Ela se refere a um fenômeno mais estreito relacionado geralmente às variações melódicas, enquanto que a prosódia envolve outros parâmetros tais como tempo (pausa e prolongamento) e ritmo.
Hirst e Di Cristo (1998:4), tal como indicado na Figura 1, observam que, o termo prosódia, como o suprassegmental, se relaciona a um sentido amplo diferentemente da entoação que é restringida para o que as vezes é chamado supra lexical, pós-lexical, ou simplesmente características não lexical.
Adaptado de Hirst e Di Cristo (1998:4)
Couper-Kuhlen (1986:71) também apresenta essa distinção afirmando que a entoação no sentido restrito da melodia do discurso é visto neste modelo como uma manifestação da interação de várias características prosódicas, em primeiro lugar o tom (direção do
O termo entoação, neste estudo, se refere ao uso restrito da palavra, como sendo a parte da prosódia que diz respeito à variação da frequência fundamental na fala (variação melódica) (Kent e Read, 1992).
Nos últimos anos, vários estudos têm se voltado para contribuir com o desenvolvimento de
Nessa veia, alguns laboratórios desenvolveram e aplicaram a extração automática da informação entonativa da fala pelo processo de estilização (Campione et al., 2000). A tarefa é desempenhada por ferramentas tal como o
O algoritmo
Vários modelos de anotação prosódica foram desenvolvidos e aplicados no estudo da entoação. O modelo aqui descrito é o
Para a descrição da entoação, é usada uma série limitada de símbolos tonais associados aos pontos-alvo estimados pela técnica
Os números telefônicos são geralmente agrupados, graficamente, em blocos de um, dois, três ou quatro dígitos. O enunciado do número 32214754 pode, por exemplo, ser representado como a seguir:
3221-4754 agrupamento de forma (NNNN-NNNN
3221-47-54 agrupamento de forma (NNNN-NN-NN) ou
3-221-47-54 agrupamento de forma (N-NNN-NN-NN)
No Brasil, os números de telefone são regulados pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), no Plano Nacional de Numeração. No plano atual, o número de assinante deverá ter o comprimento de oito dígitos, obedecendo ao formato [NNNN + NNNN]
É importante notar que existem no Brasil, além dos números telefônicos propriamente ditos, prefixos numéricos opcionais que são utilizados em ligações especiais, como é o caso do código DDD (discagem direta a distância), associado a cada estado brasileiro, e o prefixo numérico associado a diferentes operadoras telefônicas. O “DDD” é uma numeração de códigos de dois dígitos criada para fazer ligações interestaduais. O código da operadora é um conjunto de dois dígitos únicos para cada operadora. No presente estudo, esses prefixos não foram considerados.
Foi apenas nos últimos anos, com o advento da tecnologia de fala, que a prosódia de expressões recorrentes pré-definidas (tais como horários, informações de conta bancária, de cartões de crédito, de listas telefônicas etc...) começou a receber uma atenção adequada. Isso se deve principalmente à necessidade de um aperfeiçoamento dos sistemas computacionais, que precisam processar corretamente a fala, produzindo unidades sonoras com uma prosódia pr
De acordo com a literatura, os números de telefone apresentam uma prosódia particular, que pode ser descrita em termos de melodia e ritmo na fala (Baumann e Trouvain, 2001). A seguir, resultados de trabalhos feitos para as línguas japonesa, francesa e alemã serão apresentados sucintamente, com o objetivo de ilustrar como a prosódia de números telefônicos tem sido descrita em diferentes línguas.
Amino e Osanai (2011) realizaram um estudo sobre a estrutura prosódica na enunciação dos números de telefone japoneses por falantes nativos e não nativos do japonês. Os autores observaram que no japonês os números de telefone têm uma estrutura prosódica bipartida: na sua enunciação, o acento tonal ocorre a cada dois dígitos. Eles analisaram e compararam os contornos entoacionais na elocução dos números de telefone por japoneses nativos e aprendizes do japonês chineses e coreanos. Os resultados revelaram que só os falantes nativos reproduziram a estrutura entoacional de modelo bipartido e os falantes não nativos apresentaram uma estrutura prosódica diferente, a depender das suas línguas nativas. Na Figura 3, os resultados são exemplificados com as variações da F0 entre os falantes nativos e não nativos do japonês:
Fonte: Amino e Osanai (2011:4)
Martin (1997) observou que na enunciação dos números de telefone em francês, as variações do contorno melódico não têm obrigatoriamente relação semântica, mas são relacionadas às escolhas de segmentações, que podem ser individuais ou culturais. Assim, na França, o número de telefone “9262302”, por exemplo, pode ser segmentado em pelo menos três maneiras diferentes: (926)(23-02), (926-23)(02) e (926)(23(02).
Cada segmentação incorrerá em contornos entoacionais específicos. A Figura 4 exemplifica as variações ascendentes (setas para cima) e descendentes (setas para baixo) do contorno entoacional dessas segmentações:
Fonte: Martin (1997)
Martin (1997) observou também que o contorno entoacional na enunciação dos números de telefone varia em relação à modalidade enunciativa. Assim, em uma enunciação interrogativa, a última segmentação termina com um contorno ascendente e os segmentos anteriores terminam com um contorno descendente. Numa enunciação afirmativa, a última segmentação termina com um contorno descendente e os segmentos anteriores terminam com um contorno ascendente, tal como exemplificado respectivamente nas Figuras 5 e 6:
Fonte: Martin (1997)
Fonte: Martin (1997)
Baumann e Trouvain (2001) realizaram um estudo sobre a estrutura prosódica dos números de telefone no alemão. Os autores fizeram uma análise de produção para investigar a estratégia de agrupamento e de enunciação dos números de telefone e em seguida, realizaram uma análise experimental de percepção para testar em serviços de informações telefônicas a estratégia de produção mais comumente observada.
Os autores afirmam que não há diferença entre os dígitos em termos de seus valores semânticos, mas sim há diferença no que diz respeito a seus valores prosódicos. Nas suas análises dos aspectos prosódicos, Baumann e Trouvain (2001) adotaram os pressupostos da Fonologia Auto-segamental Métrica (Ladd, 1996) baseados numa relação expressa como
O Quadro 2 e a Figura 7 exemplificam respectivamente o modelo de produção e de estrutura prosódica dos números de telefone no alemão, tal como descrito por Baumann e Trouvain (2001). As estruturas prosódicas padrões observadas nas análises de produção são ilustradas na Figura 7 e são descritas pelo modelo de notação entoacional
Fonte: Baumann e Trouvain (2001:2)
Fonte: Baumann e Trouvain (2001:2)
O
Os números foram escolhidos aleatoriamente, de forma a abranger (a) os números convencionais com oito dígitos, (b) os números de telefone celular com oito dígitos, (c) os números de serviços especiais com três dígitos e (d) os números de ligação gratuita com onze dígitos.
Procurou-se, na medida do possível, utilizar combinações de números variadas. No intuito de testar uma possível relação entre a apresentação gráfica dos números e a maneira como são enunciados, os números convencionais de oito dígitos foram apresentados de três maneiras diferentes, (i) divididos em dois grupos de quatro dígitos (NNNN NNNN), (ii) divididos em um grupo de quatro e dois grupos de dois dígitos (NNNN NN NN) e (iii) sem qualquer tipo de divisão (NNNNNNNN). Os catálogos telefônicos consultados trazem números com esses três tipos de disposição, embora a do tipo (i) seja a mais frequente.
Os participantes que produziram os dados utilizados neste estudo eram, à época da coleta, estudantes (uma metade do segundo grau e outra do terceiro grau) falantes nativos do PB, todos do estado de Pernambuco. Um total de oitenta e cinco pessoas (quarenta e oito mulheres e trinta e sete homens) participou da coleta de dados de forma voluntária.
Na coleta de dados, os números de telefone pré-selecionados foram apresentados um após outro, aleatoriamente, em
Na primeira etapa, o participante leu uma breve instrução para deixá- los cientes de que eles não estavam sendo testados no processo da coleta de dados, possibilitando assim que sua fala fosse o mais espontânea possível. Depois da leitura da instrução, um rápido ensaio, contendo um total de seis números telefônicos representativos (9619 94 53; 32514251; 104; 0800701 1566; 3228 6924; 8803 91 48) foi realizado.
Na segunda etapa, logo depois do ensaio, o
Também, para as análises desse estudo, não foram utilizados todos os dados produzidos pelos participantes. Quarenta e cinco (45) participantes erraram na leitura de um, dois, três, quatro ou sete números telefônicos. Consequentemente, um total de 72 enunciados de números telefônicos foi descartado da análise. No entanto, o número de dados omitidos (31 enunciados) e descartados (72 enunciados) é pouco significativo. Ao todo, foi analisado um total de 2.447 enunciados gravados.
Cada um dos números telefônicos produzidos pelos participantes foi individualmente transcrito e segmentado em palavras e em unidades entoacionais
Cada número telefônico foi processado semi-automaticamente por meio do
Como é possível observar na Figura 9, acima dos símbolos de anotação gerados pelo
O
Os exemplos a seguir mostram como contornos entoacionais podem ser facilmente identificados por alinhamento temporal realizado através do
Na Figura 10, podemos observar, visualmente, algumas semelhanças nos contornos entoacionais dos participantes ao enunciar o número telefônico “193”. Para capturar melhor essas semelhanças, realizamos uma análise com o
No Gráfico 1, é possível observar que o uso de pontos-alvo de F0 distribuídos equidistantemente possibilita uma melhor comparação, mediante uma visualização mais adequada, dos contornos entoacionais de um mesmo enunciado produzido por diferentes falantes, com durações diferentes. A partir dessa comparação, pode-se fazer considerações mais adequadas acerca da configuração de um contorno entoacional relacionado a uma mesma unidade linguística produzida por diferentes falantes.
Como se pode observar na Tabela 1, a preferência do agrupamento dos números de oito dígitos em sua maioria é no tipo 2-2-2-2, isto é, em quatro agrupamentos binários (85% dos casos). Em segundo lugar na preferência dos falantes, em apenas 11% dos casos, é o agrupamento do tipo “1-3-2-2” (N NNN NN NN).
Na Tabela 2, é possível observar que a disposição gráfica dos números de oito dígitos não parece exercer influência na maneira como eles são agrupados pelos participantes. As ocorrências do agrupamento “2-2-2-2” (NN NN NN NN) foram de 85% para os casos de disposição gráfica NNNN NNNN, 80% para NNNNNNNN e 81% dos casos para a disposição gráfica NNNN NN NN:
Como se pode observar na Tabela 3, a preferência do agrupamento dos números de três dígitos em sua totalidade é no tipo “3” (NNN), isto é, um agrupamento ternário.
Por fim, a Tabela 4 apresenta os números de onze dígitos, indicando que o agrupamento é majoritariamente feito em “4-3-2-2” (NNNN NNN NN NN), isto é, um conjunto de um agrupamento quaternário, seguido de um agrupamento ternário e dois agrupamentos binários (98% dos casos):
A seguir, serão descritos os padrões de organização dos números telefônicos em unidades decimais, considerando-se apenas o padrão de agrupamento mais frequente em cada tipo de número telefônico. A Tabela 5 abaixo traz os padrões que foram encontrados para o agrupamento mais frequente em números de oito dígitos:
|
|
||||
Distribuição sonora | UU-UU-UU-UU | D-D-D-D | UU-UU-D-UU | UU-UU-D-D | Outros |
Total | 689 | 135 | 135 | 130 | 346 |
% | 48% | 9% | 9% | 9% | 24% |
Como se pode observar na Tabela 5, a preferência de organização dos números telefônicos de oito dígitos de agrupamento “2-2-2-2” (NN NN NN NN), em sua maioria, é pelo padrão “UU-UU-UU-UU” que é uma organização numérica em unidades (48% dos casos). Outros (24% dos casos) são tipos de distribuições sonoras correspondentes a no máximo 4%.
A preferência de organização dos números telefônicos de três dígitos de agrupamento “3” (NNN), como se pode observar na Tabela 6 abaixo, é, por sua vez, pelo padrão “C”, que é uma organização numérica em centena (66% dos casos):
Por fim, a Tabela 7 aponta a preferência de organização dos números telefônicos de onze dígitos de agrupamento 4-3-2-2” (NNNN NNN NN NN):
Neste caso, a preferência recai sobre o padrão “UC-UUU-UU-UU”, que é um agrupamento quaternário de distribuição em unidade e centena, seguido de um agrupamento ternário de distribuição sonora em unidade e de dois agrupamentos binários de distribuição sonora em unidade (19% dos casos). É importante observar aqui que a preferência neste caso é apenas marginal. Este padrão de realização pouco consistente no caso de números telefônicos de onze dígitos pode estar relacionado ao fato de serem números muito pouco usuais, se comparados aos números de oito dígitos e aos de três dígitos.
Na enunciação dos números telefônicos de três dígitos de distribuição C, a anotação entoacional mais recorrente gerada pelo script
Na enunciação dos números telefônicos de oito dígitos de distribuição UU-UU-UU-UU, a anotação entoacional mais recorrente gerada para a primeira unidade entoacional UU(1)
Para a segunda unidade entoacional UU(2) foi a combinação D U, com 33% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 10:
Para a terceira unidade entoacional UU(3) foi a combinação U D, com 35% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 11:
Por fim, para a quarta unidade entoacional UU(4) foi a combinação U B, com 36% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 12:
Na enunciação dos números telefônicos de onze dígitos de distribuição UC-UUU-UU-UU, a anotação entoacional mais recorrente gerada para a primeira unidade entoacional UC foi a combinação de acentos tonais M U D U, com 48% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 13:
Para a segunda unidade entoacional UUU foi a combinação M D, com 37% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 14:
Para a terceira unidade entoacional UU(1) foi a combinação U D, com 50% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 15:
Para a quarta unidade entoacional UU(2) foi a combinação U B, com 44% de ocorrência tal como ilustrado na Tabela 16:
Analisamos a variação de valores de F0 selecionados pelo
Acerca dos números telefônicos de oito dígitos, o Gráfico 2 contém os contornos individuais e modelizados das unidades entoacionais UU(1), UU(2), UU(3) e UU(4), respetivamente ilustrados nos gráficos (a), (b), (c) e (d), tal como falado por diferente participantes:
O Gráfico 3 traz informações acerca dos contornos das unidades entoacionais UC, UUU, UU(1) e UU(2), respetivamente observados nos gráficos (a), (b), (c) e (d), bem como dos padrões modalizados de cada uma delas para números de onze dígitos:
Por fim, o Gráfico 4 ilustra os contornos entoacionais individuais da unidade entoacional C, típica de números telefônicos de três dígitos, bem como o seu padrão modelizado:
O objetivo principal da análise aqui proposta foi descrever os padrões entoacionais relacionados à enunciação de números telefônicos do português falado no Brasil.
Consideramos primeiramente a estratégia de agrupamento e de organização em unidades decimais desses números. Nos resultados apresentados na subseção 3.1., foi possível observar que os números telefônicos são agrupados e organizados diferentemente. No caso dos números telefônicos de três dígitos, a estratégia recorrente de agrupamento e de organização é do tipo “C”, isto é, tais números são comumente agrupados em uma única unidade entoacional e enunciados como uma unidade centesimal. Assim, por exemplo, o número telefônico “190” é enunciado preferencialmente “cento e noventa”. No caso dos números telefônicos de oito dígitos, a estratégia recorrente de agrupamento é do tipo “UU-UU-UU-UU”, isto é, esses números são frequentemente agrupados em quatro unidades entoacionais, enunciadas em valores unitários. Assim, por exemplo, o número telefônico “34452348” é enunciado preferencialmente “três quatro”-“quatro cinco”-“dois três”- “quatro oito”. Por fim, no caso dos números telefônicos de onze dígitos, a estratégia recorrente de agrupamento é do tipo “UC-UUU-UU-UU”, isto é: quatro unidades entoacionais, sendo a primeira delas enunciada como uma unidade seguida de uma centena, e as demais em unidades. Assim, por exemplo, o número telefônico “08002812112” é enunciado preferencialmente “zero oitocentos”- “dois oito um”- “dois um”- “um dois”. Estes resultados corroboram resultados de estudos semelhantes feitos para outras línguas, no sentido que números telefônicos são em geral organizados em unidades entoacionais relativamente pequenas e são enunciados em unidades decimais de unidades, dezenas e, no máximo, centenas (Amino e Osanai, 2011; Baumann e Trouvain, 2001; Martin, 1997).
Em seguida, procuramos descrever os padrões entoacionais de cada unidade entoacional associada aos três tipos de números telefônicos aqui investigados: números de três, de oito e de onze dígitos. Assim, verificamos que os números de três dígitos, enunciados em apenas uma unidade entoacional, são caracterizados pela combinação de acentos tonais M U D, isto é: um tom médio, seguido de um tom com subida suave, seguido de um tom com descida suave. Este padrão pode ser visualizado no Gráfico 5, feito a partir de valores médios normalizados, com o auxílio do
Os números de oito dígitos, por sua vez, agrupados em quatro unidades entoacionais de dois dígitos, enunciados em unidades, caracterizam-se por padrões entoacionais particulares. A primeira unidade entoacional deste tipo de número telefônico, UU(1), tal como a unidade entoacional de números de três dígitos, é iniciada em um tom médio, seguido de um tom com subida suave, seguido de um tom com descida suave: MUD; a segundo unidade entoacional, UU(2), inicia-se com o mesmo tom com que a unidade entoacional anterior é concluído: descida suave, que é seguido por um tom com subida suave: DU; a terceira unidade entoacional, UU(3), inicia-se com um tom de subida suave, seguido de um tom com descida suave: UD; por fim, a quarta unidade entoacional, UU(4), é caracterizada por um tom médio seguido de um tom final mais baixo: MB. A configuração do conjunto dessas unidades entoacionais está representada no Gráfico 6:
No caso dos números de onze dígitos, a preferência foi um conjunto de quatro unidades entoacionais. A primeira delas, UC, caracteriza-se por um movimento bastante complexo, se comparado com as unidades entoacionais já analisadas: inicia-se com um tom médio, seguido de um tom com subida suave, seguido de um tom com descida suave, finalizando com um tom com subida suave: M U D U; a segunda unidade entoacional, um conjunto de três números enunciados em unidades, UUU, caracteriza-se pela combinação de um tom médio seguido de um tom com subida suave: M D; a penúltima unidade entoacional do agrupamento numérico, UU(1), tem a mesma configuração da curva entoacional da penúltima unidade entoacional dos números de oito dígitos: inicia-se com um tom de subida suave, seguido de um tom com descida suave: U D. Por fim, a quarta e última unidade entoacional, UU(2), inicia-se com um tom de subida suave e conclui com um tom baixo: U B. A configuração do conjunto dessas unidades entoacionais está representada no Gráfico 7:
É importante observar que, assim como acontece com agrupamentos de unidades entoacionais no discurso (Couper-Kuhlen, 1986), a enunciação de números telefônicos segue um padrão: unidades entoacionais intermediárias concluem em um tom não-terminal. Apenas a última unidade entoacional (nos casos dos números de oito e onze dígitos) é finalizada com um tom terminal (B).
Os resultados deste trabalho permitiram identificar e descrever contornos entoacionais típicos de números telefônicos comuns no português brasileiro. Foi demonstrado aqui que a entoação apenas parece ser suficiente para caracterizar prosodicamente três tipos de números telefônicos no PB.
Futuramente, seria interessante dar continuidade ao presente estudo e investigar outros parâmetros prosódicos, tais como a duração e intensidade na caracterização dos números telefônicos no PB. Achamos também importante ampliar o
O presente trabalho pode ser considerado uma contribuição para o estudo de enunciação de dígitos numéricos em geral, tópico ainda muito pouco estudado em várias línguas do mundo, e, em particular, para o aprimoramento de sistemas automatizados de reconhecimento e de síntese de fala de números conectados, algo que depende grandemente de informações que este estudo procurou, ainda que parcialmente, sistematizar.
AMINO, Kanae; OSANAI, Takashi.
BARTKOVA, katarina; JOUVET, Denis.
BAUMANN, Stefan; TROUVAIN, Jürgen.
BOERSMA, Paul; WEENINK, David.
CAMPIONE, Estelle ; HIRST, Daniel ; VERONIS, Jean.
CELESTE, Lc.
CHAFE, W.
COUPER-KUHLEN, Elizabeth.
CRYSTAL, David.
HAKULINEN, Jaakko; TURUNEN, Markku; RAIHA, K-J.
HIRST, Daniel.
HIRST, Daniel; DI CRISTO, Albert.
HIRST, Daniel; ESPESSER, Robert.
HIRST, Daniel.
KENT, Raymond; READ, Charles.
LADD, Robert.
LIDIANE, Michelle Coelho de Souza.
LOUW, Ja.; BARNARD, Etienne.
MARTIN, Philippe.
NESPOR, Marina; VOGEL, Irene.
OLASZI, P.
VAGNER, Latsch; SERGIO Netto.
VÉRONIS, Jean; HIRST, Daniel; ESPESSER, Robert; IDE, Nancy.
XU, Yi.
_____
Recebido em 27/03/2015 e Aceito em 10/06/2015.
Um
A letra “N” aqui representa um dígito.
Os hifens são opcionais. Podem ser substituídos por espaços em branco.
Segundo uma recomendação nova, que só se aplica até o momento a telefones móveis, em algumas regiões do Brasil os números de telefones deverão ter o comprimento de 9 (nove) dígitos, obedecendo ao formato [9NNNN + NNNN].
Sistema fonológico de transcrição da entonação do alemão.
Segmento funcional básico do discurso, definido principalmente em termos de contornos entonacionais coesivos, delimitados por elementos prosódicos diversos, isolados ou em conjunto, tais como pausas, mudanças na F0, na duração, na intensidade e na qualidade de voz (CHAFE, 1994).
Aqui os números entre parênteses serão utilizados para discriminar as unidades entonacionais que possuem características distribucionais e organizacionais idênticas.
O mesmo fenômeno foi observado em outras línguas, como, por exemplo, o húngaro (Olaszi, 2000).