Neste texto, que se fundamenta nos pressupostos da Geolinguística contemporânea e da Sociolinguística Variacionista, tem-se como principal propósito, a partir da análise das variantes lexicais de
Esta região integra, conforme a divisão dialetal que NASCENTES (1953) fez no Brasil, parte do território incaracterístico e, também por esse motivo, ausente na rede de pontos do Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil).
Neste contexto, como propósito amplo, apresenta-se como resultados a descrição e análise de um recorte do falar das comunidades linguísticas que integram esta região em estudo, de acordo com fatores diatópicos observados e aspectos de natureza sociocultural. A reflexão analítica feita permitiu que se apreendessem marcas regionais que constituíram e ainda constituem o português brasileiro (PB) falado neste espaço geográfico. Essas marcas podem se resumidas na junção de todas as variedades trazidas pelos migrantes de seus Estados de origem.
Ressalta-se que, para se chegar aos resultados alcançados e apresentados nesta pesquisa, foram utilizados referenciais teóricos que se fundamentaram na teoria da variação de LABOV (2008), na concepção de norma de COSERIU (1979) e nas noções de estatística lexical de MULLER (1968), devidamente adaptadas à especificidade deste estudo. A partir destes referenciais teórico-metodológicos e tendo como guia o método de investigação científica adotado pelo Projeto Atlas Linguístico do Brasil (Projeto ALiB), lançamos olhar às variantes lexicais em uso pelos sujeitos moradores destas cidades em análise, com destaque ao tema
Conforme já salientado, apresentar e analisar as variantes lexicais do tema
Conforme SOUZA (2004), entre os anos setenta e oitenta do século XX, estimuladas pelos “programas especiais” de incentivos fiscais concedidos pelo governo federal, foram registradas 33 (trinta e três) empresas privadas que implantaram 88 (oitenta e oito) Projetos de Colonização. Destas, destaca-se a Colonizadora Sinop (Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná Ltda.), que inicia suas atividades no norte de Mato Grosso em 1971, ano em que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) aprova o projeto de aquisição das terras da Gleba Celeste
O primeiro grupo de trabalho da Colonizadora foi comandado por Ulrich Grabert e pelo agrimensor Carlos Benito Spadoni, que iniciaram as atividades de demarcação da Gleba. De acordo com PANOSSO NETTO (2000), o primeiro lote de terras adquirido foi denominado Núcleo Colonial Celeste 1 e dividido em três partes: a) a primeira, com 63.741,30 ha., recebeu o nome de Vera; b) a segunda, com 64.407,67 ha., foi chamada de Santa Carmem; c) a terceira, com 59.519,00 ha., denominada de Sinop. Em meados da década de setenta a Colonizadora Sinop comprou mais 80.000 ha. e criou o Núcleo Colonial Celeste 2, implantando a quarta parte do projeto, nomeada de Cláudia.
Para OLIVEIRA (1982), a divisão territorial da Gleba Celeste seguiu o plano de urbanismo rural projetado pelo INCRA e transformado em documento governamental em 1973. Por este modelo Sinop foi classificada como “Rurópolis”, Vera, Santa Carmem e Cláudia como “Agrópolis”, e os centros convergentes rurais como “Agrovilas”.
Atualmente, Vera conta com uma população de 10.235 habitantes que atua em atividades relacionadas à economia madeireira ou à reestruturada agricultura, principalmente na produção de grãos, como a soja, o arroz e o milho. Já Santa Carmem conta com uma população de 4.021 habitantes, que atua em atividades tais como indústria madeireira, agricultura, agropecuária e prestação de serviços. A cidade de Sinop, é a quarta maior de Mato Grosso em número de habitantes, e conta hoje, em apenas 39 (trinta e nove) anos de fundação, com uma população de 111.643 habitantes, tendo uma economia diversificada, sendo, contudo, conhecida como polo educacional. E Cláudia possui uma população de 10.635 habitantes
Este estudo, por sua vez, filia-se ao Projeto de Pesquisa
Contudo, não é possível desvincular o processo de ocupação do norte mato-grossense, que tem seu início oficializado na década de setenta do século XX, do contexto de colonização do país. Desse modo, é preciso considerar as incursões a esse espaço geográfico desde o início das explorações bandeirantes e monçoeiras, já no século XVII, e mesmo muito antes disso, se considerarmos os caminhos percorridos pelos povos indígenas, fundamentalmente dos kayabi, expulsos da região em nome da ‘civilização’ e do progresso, e que imprimiram muitas marcas na toponímia, principalmente dos rios da região, como também da fauna e da flora:
O espírito empreendedor tropeiro também não pode ser desconsiderado, visto que, ao se estabelecer a rota dos tropeiros – de Viamão/RS a São Paulo/SP e às Minas Gerais/MG – desenvolve-se o fortalecimento do comércio e estimula-se a interiorização do Brasil, promovidos por viajantes encarregados de fazer o transporte de alimentos e materiais de necessidades básicas. Posteriormente, novas rotas passaram a ser investigadas pelos exploradores tropeiros durante o processo de criação das Capitanias de Mato Grosso e Goiás
Com relação às mobilizações teórico-metodológicas da pesquisa, reuniu-se um
No entanto, tendo em mãos transcrições de relatos de experiência pessoal de vinte migrantes dos pontos de inquérito pesquisados, e por reconhecer que o repertório verbal da comunidade linguística em que se realizou a pesquisa apresenta peculiaridades e particularidades de acordo com a realidade dos falantes, ousamos criar um questionário semântico- lexical específico, com 210 questões, mantendo, todavia, dezesseis questões originais do QSL do ALiB.
Cabe salientar, ainda, que os pioneiros entrevistados são oriundos de diferentes Estados brasileiros: São Paulo, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Sergipe, Bahia, Espírito Santo e Paraíba, descendentes de italianos, alemães, japoneses, suecos, ingleses, portugueses, ucranianos, poloneses, espanhóis, indígenas e africanos.
O método utilizado para a realização das entrevistas foi o proposto por LABOV (2008), que preconiza a necessidade de construir situações de entrevista em que a
Compreendemos, desse modo, que toda a abundância de eventos e fatos disponibilizados pela história não pode ser desconsiderada quando se pensa no processo de ‘ramificação’ que levou à costura do modo de falar local. Assim, reitera-se a importância da escolha do tema
Apresentamos, na subsequência, apenas as variantes lexicais do tema
No contexto de utilização responsiva, nos quatro pontos de inquérito selecionados, é possível observar a confluência social, cultural, econômica e histórica que leva ao encontro da norma semântico-lexical da língua portuguesa falada nesta região em estudo, ou seja, a “regularidade e sistematicidade por trás do aparente caos da comunicação no dia-a-dia”. (SALOMÃO, 2011, p.190).
Essa reflexão pauta-se, inicialmente, no molde estatístico idealizado por MULLER (1968), o qual tem, como propósito, mensurar e analisar estruturas linguísticas. Destacamos, também, os conceitos fundamentais que abarcam esse fenômeno da linguagem, que são os relacionados à distinção tripartida apresentada por COSERIU (1979) entre
Para esse autor, há, pois, um conjunto de normas sociais na fala coletiva de uma comunidade que deve ser considerado em um estudo geolinguístico, bem como é necessário observar que uma língua histórica apresenta sempre variedades internas, que se alinhavam, essencialmente, a partir das diferenças geográficas (diatópicas), entre os estratos socioculturais de uma comunidade linguística (diastráticos) ou ainda entre os distintos tipos de modalidade expressiva (diafásicos).
BARBOSA (1989, p. 573-4) ainda afirma que a norma tem também um aspecto quantitativo, além do qualitativo, pois “[...] uma norma de grupos de indivíduos, por exemplo, se define, de um ponto de vista, como conjunto de modelos de realizações concretas, e de outro, como o conjunto dos fatos de alta freqüência e distribuição regular nos discursos dos sujeitos falantes”.
Dessa forma, para a verificação da norma, assim como da distribuição (regularidade e sistematicidade) das variantes léxicas do tema
Na tabela, como também se verifica no cartograma, acima, pode-se observar que o item lexical
Acentua-se, também, o alto número de não-respostas, ou seja, nove entrevistados não souberam atribuir nenhuma resposta ao conceito da questão, destes entrevistados, oito são da cidade de Sinop, sendo dois homens e duas mulheres com mais de 50 anos, assim como dois rapazes e duas moças, de 18 a 40 anos, e tão somente um é de Santa Carmem, mais especificamente um homem acima de 50 anos.
Ainda com relação às respostas dadas, verifica-se um número maior de menções feitas por sujeitos masculinos, assim como há maior quantificação numérica evidenciada por sujeitos jovens, de 18 a 40 anos, fato este, portanto, que pode ser indício de continuísmo de uso deste item lexical na comunidade linguística pesquisada, ainda que se exacerbe um alto número de não-respostas no corpo responsivo.
O item lexical
A inscrição de
Dicionário Entrada | Vocabulario Portuguez & Latino - D. R. Bluteau (1712) | Diccionario da Lingua Brasileira – Luiz M. da S. O. P. Pinto (1832) | Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1986) | Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa – (Aulete Digital) |
MISTURA | Miſtura de couſas, que fazem huma maça, & hum ſô corpo. (p. 515) | Acção de misturar. O resultado, da união de varias cousas. (p.722). | 1-Ato ou efeito de misturar(se). 2- Conjunto, composto ou produto resultante de coisas misturadas. 4- Cruzamento de raças; miscigenação. (p.1143) | 1- Ação ou resultado de misturar(-se). 2- Composto de coisas misturadas; AMÁLGAMA; MESCLA; MISTO. 5- Cruzamento de raças; MISCIGENAÇÃO. 8- SP Pop. Iguaria, ger. à base de carne, peixe, frango etc., que compõe uma refeição. |
Conforme os significados que se podem apreender do item lexical
Dessa forma, ainda que se possa observar nos quatro dicionários supracitados significações que revelem proximidade a
Esta constatação de uso regional, mais especificamente no sudeste do Brasil, é revelada, também, no seguinte fragmento sobre curiosidades do feijão acessível no
No entanto, é importante enfatizar que localizamos também o registro do item lexical
Meu marido vai pra rua [cidade] todo dia tentar arrumar trabalho, para não roubar o que é dos outros. O dinheirinho que ganho [proveniente do Bolsa Família] dá só para o sustento, pois agora tenho que comprar água para mim e para meus animais. Tenho comido todo dia, mas passo necessidade, não vou mentir.
Salientamos, então, que, como testificado nos dados acima, a inscrição de
(1) Aí, quando que a gente plantô os pé de abobrinha, que deu umas abobrinha, a turma invadia, comeu,
Da mesma maneira, é possível apreender este contexto de uso inicial em algumas justificativas trazidas juntamente à atribuição responsiva dada à pergunta supracitada por sujeitos pioneiros entrevistados, como se pode observar nos seguintes fragmentos:
(2) Aqui eles têm o costume de falá
(3)
(4)
(5) Falta a mistura,
(7)
Segundo estes excertos, portanto, constata-se que a noção conceitual de
De acordo com as reflexões analíticas apontadas nesta pesquisa sobre o tema
possível afirmar que haveria uma alteração semântica deste item lexical pesquisado em curso na região norte de Mato Grosso, contudo, se nos ativermos à entrada exposta no AULETE DIGITAL e ao se verificar, conforme vimos, as justificativas e relatos expressos pelos sujeitos à utilização de
Neste contexto, destaca-se, ainda, segundo BOTELHO (2008, p.62- 64-65), que:
A cozinha do Centro-Oeste, por sua vez, revela as influências dos fluxos populacionais que se encontraram nessa região, quase sempre originários de outras partes do país e que se mesclaram com os elementos regionais. [...] A diversidade das cozinhas regionais e no interior das macrorregiões é fruto da combinação, ao longo da história, de elementos geográficos, sociais e culturais. São expressões elaboradas da identidade dos brasileiros que vivem nas distintas partes do País. Mais além da culinária regional, expressão da diversidade, a cozinha brasileira é um fator de unidade nacional, por meio da identificação do binômio feijão com arroz como prato típico de subsistência cotidiana do brasileiro, ou seja, como elemento de identidade nacional [...] acompanhado pela farinha de mandioca, salada e carne (de gado, porco, ave ou peixe).
Por conseguinte, é a partir da mescla de fluxos populacionais de distintas regiões brasileiras que se constituiu e ainda se constitui a identidade da cozinha nos quatro pontos de inquérito em estudo. Assim, além do item lexical
Com suas andanças, os tropeiros foram levando sabores, trocando produtos e fazendo a mistura que hoje praticamos em nossa cozinha. Muitos pratos, como o virado-de-feijão – ou
É, portanto, o fluxo migratório diverso que possibilitou e ainda possibilita o encontro de diferentes culturas e de diferenciadas propagações linguísticas sinonímicas ou com semelhantes relações conceituais, como as elencadas nos dados responsivos dos sujeitos entrevistados, as quais configuram o cenário sócio-histórico e semântico- lexical da língua local em construção.
Vale salientar ainda que, para que se alcançassem os resultados apresentados acima, partiu-se dos falantes e da fala, na sua face viva e móvel, atravessada pelas dimensões geográficas e pelos parâmetros sociais, para descrever os fenômenos linguísticos que circulam no norte mato-grossense, visto que, conforme BUSSE (2010), o estudo da fala e as análises sobre a variação têm como índice condutor a história e a cultura do povo, e, tomadas enquanto representação do comportamento dos falantes, mostram, por sua vez, como os fenômenos são moldados à luz das complexas relações sociais. Dessa forma, pôde-se perceber que a língua em seus traços mais particulares reflete as condições pelas quais os grupos vêm se constituindo.
Todas essas reflexões tecidas vêm, também, ao encontro das ponderações de Isquerdo (2006, p.18), quando diz que:
Na verdade, essa norma foi se desenhando de forma distinta nas diferentes regiões brasileiras, motivada por condicionantes extralingüísticos, como os fatores físico-geográficos que as individualizam, os contatos étnicos que ali se processaram, as atividades econômicas predominantes, enfim, pela história social das várias áreas culturais que foram se formando, nos mais diferentes rincões do Brasil, ao longo da sua história.
Após todos esses apontamentos feitos, e sem deixar de realçar as possibilidades outras de leituras, compreendemos que atingimos o objetivo de mostrar um pequeno recorte de como o falar no nível semântico-lexical da região norte mato-grossense foi constituído, e ainda se constitui.
AULETE DIGITAL.
BAHIA NOTÍCIAS. Notícias.
BARBOSA, M. A.
BLUTEAU, R.
BOTELHO, A.
BUSSE, S.
CARDOSO, S. A. M.
CEREALISTA NARDO LTDA.
COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB.
COSERIU, E.
FERREIRA, A. B.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S.; FRANCO, F. M. de M.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Resultados do Censo.
ISQUERDO, A. N.
LABOV, W.
MIRANDA, L.; AMORIN, L.
MULLER, C.
MÜLLER, G.; CARDOSO, Fernando H.
NASCENTES, A.
PANOSSO NETTO, A.
PHILIPPSEN, N. I.
PINTO, L. M. da S.
PROJETO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL.
RURAL, J.
SALOMÃO, A. C. B.
SOUZA, E. A. de.
Recebido em: 20/07/2015 e aceito em: 11/12/2015.
Grande extensão de terras na pré-amazônia mato-grossense, pertencente ao município de Chapada dos Guimarães (à época maior município em extensão do Estado) e que deu início à colonização do “Núcleo Colonial Celeste”. Este núcleo, mais tarde denominado “Gleba Celeste”, através de novas aquisições chegou a 645.000 hectares. (SOUZA, 2004).
Os dados referentes às informações populacionais das quatro cidades foram apreendidos do censo de 2010, publicado no Diário Oficial da União do dia 04/11/2010.
O PIN, criado pelo Decreto-Lei nº. 1.106, de junho de 1970, tinha como finalidade específica financiar o plano de obras de infraestrutura das regiões compreendidas nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
Fundadas por um Alvará datado de 09/05/1748 e emitido por Dom João V.
Tese de doutorado, que serve de fonte para este artigo, disponibilizada integralmente em:
CEREALISTA NARDO LTDA.
BAHIA NOTÍCIAS. Notícias.
C17 M é pioneiro de Cláudia, natural de Videira, no Estado de Santa Catarina, e residente antes da migração em Chopinzinho no Estado do Paraná.
Pioneira de Sinop, natural de Giruá, no Estado do Rio Grande do Sul, e residente antes da migração em Guarani das Missões, neste mesmo Estado. Ressaltamos que esta pioneira não soube arrogar resposta à questão 158, mas apresentou esta justificativa quando perguntada se já havia ouvido falar do item lexical
Migrante de Sinop, nascida em Santa Catarina e morava antes de migrar em Indaial, cidade localizada também neste Estado. Igualmente não soube atribuir resposta ao conceito da questão em estudo, mas afirmou ter ouvido falar de
Pioneira de Vera, natural do Estado da Bahia e residente antes da migração em Vatuba, município de Maringá, no Estado do Paraná.
Migrante de Vera, nascida no Estado de São Paulo e advinda antes da migração da cidade de Mariluz, no Estado do Paraná. A resposta dada inicialmente por esta respondente foi
Pioneira de Sinop, nascida em Promissão, no Estado de São Paulo, e morava antes de migrar em Santo André, neste mesmo Estado.