Resenha do livro Psicolinguística e Educação

Marcio Martins LEITÃO,
José FERRARI-NETO

Resumo

Esta resenha tem como objetivo fazer a descrição e a análise dos capítulos que compõem o livro Psicolinguística e Educação, mostrando o que foi focalizado em termos conceituais e teóricos em cada capítulo, além de destacar os pontos fortes que fazem do livro um material relevante para que se compreenda os estudos recentes no Brasil que investigam possibilidades de integração e diálogo entre as áreas da Psicolinguística e da Educação. 

Resenha

É de conhecimento de todos que, atualmente, a Educação no Brasil apresenta inúmeros problemas em todos os seus níveis. Particularmente, no nível do ensino básico (compreendendo educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), verificam- se índices alarmantes em certos indicadores, os quais apresentam escores, obtidos por meio de protocolos internacionais, como o Programme for International Student Assessment (PISA), bem abaixo do ideal. No caso específico do domínio de competências linguísticas, constatam-se índices altos de analfabetismo funcional, os quais caracterizam pessoas que apresentam incapacidade de ler e compreender textos e mensagens um pouco mais complexas que um simples bilhete.

Nesse contexto, é natural que áreas do conhecimento voltadas para a pesquisa sobre educação e linguagem, como a Pedagogia, a Psicologia, e mesmo algumas vertentes da Linguística, se voltassem para a análise e investigação das causas dessa terrível situação. Em maior ou menor grau, sempre houve o interesse delas em investigar e contribuir para a melhoria desse quadro. Uma significativa massa de dados foi obtida, gerando novos referenciais teóricos, procedimentos de diagnóstico e intervenções focais, sempre no intuito de colaborar para um melhor e mais amplo entendimento dos problemas educacionais brasileiros, em especial os que tangem às dificuldades no uso cotidiano da linguagem.

Recentemente, entretanto, parece ter surgido em áreas que tradicionalmente focalizam mais a pesquisa básica, não aplicada, um interesse convergente para as questões educacionais. A partir do que já foi sedimentado em termos de conhecimento nestas áreas, começou a haver, em áreas como a Sociolinguística, Linguística Funcional, Linguística Textual, e outras, um desejo de também dar as suas respectivas contribuições para a área da Educação. Esse também foi o caso da Psicolinguística, uma disciplina muitas vezes associada à investigação puramente empírica, mas na qual se observa um consistente crescimento da aplicação de seus ferramentais teóricos e metodológicos às questões pedagógicas e educacionais. Pelo menos desde os anos 2000 até os dias de hoje, houve a abertura de vários laboratórios e grupos de pesquisa que têm estudado tanto a Aquisição da Linguagem quanto o Processamento Linguístico e suas várias interfaces de forma a prover não apenas conhecimento voltado a esses campos em si mesmos, mas sim aplicado ao ensino e aprendizagem de língua materna.

Apesar de alguns pesquisadores dentro da Psicolinguística já se interessarem e efetivamente investigarem essa interface entre Psicolinguística e Educação desde muito tempo, como, por exemplo, as professoras Leonor Scliar-Cabral (UFSC) e Vera Wannmacher Pereira (PUCRS), recentemente, de uma forma mais generalizada, esse interesse tem se materializado em diversos projetos de pesquisa, desenvolvidos em vários laboratórios e grupos de pesquisas. Um marco desse generalizado interesse é o Grupo de Trabalho (GT) em Psicolinguística da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL) que, no XXXI Encontro da ANPOLL, realizado na cidade de Campinas/SP, no ano de 2016, elegeu como tema para o biênio 2017-2018 a interface entre Psicolinguística e Educação. Como resultado, vários dos trabalhos executados nesse período foram apresentados no XXXII Encontro do GT na ANPOLL de 2018, desta vez em Cuiabá/MT. Com os primeiros resultados, e a demonstração clara do potencial de contribuição que a Psicolinguística possui nessa interface, o tema foi mantido para o biênio 2019-2020.

O livro Psicolinguística e Educação, organizado pelo professor Marcus Maia (UFRJ) e publicado em 2018 pela Editora Mercado de Letras, é mais um reflexo dessa nova orientação da moderna pesquisa psicolinguística. A obra traz capítulos em que são relatados alguns resultados e suas respectivas análises relacionados a esses estudos iniciados no biênio de 2017-2018 pelo grupo de pesquisadores que compõem o GT de Psicolinguística da ANPOLL, além de contribuições de colaboradores nacionais e internacionais. Em oito capítulos, percorre um caminho que vai desde a aplicação de construtos teóricos e técnicas experimentais mais tradicionais na Psicolinguística, mas desta vez voltados ao ensino-aprendizagem, até as contribuições da Psicologia Cognitiva e da Neurociência da Linguagem no estudo das relações entre cérebro, linguagem e educação. Tomadas em conjunto, essas três grandes áreas se articulam para prover um quadro epistêmico sobre o qual um novo equacionamento das questões ligadas aos problemas educacionais brasileiros, em especial aos que se referem ao uso da língua materna em suas mais diversas modalidades e níveis. Dessa forma, o livro se consolida como material relevante para todos que tenham interesse nessa interface entre o estudo da cognição relacionada à linguagem humana executado pela Psicolinguística e áreas afins e a Educação, por isso, o público que pode se beneficiar da leitura é bem amplo, desde pesquisadores da área de Psicolinguística, Psicopedagogia, Fonoaudiologia, Neurociências, e outras áreas afins, até professores do ensino fundamental, médio e superior.

O primeiro capítulo da obra já é bem ilustrativo nesse sentido. Com o sugestivo título Inter-relação entre o biológico e o cultural: Psicolinguística e Educação, e escrito por aquela que pode ser considerada, sob muitos aspectos, como a pioneira nessa nova orientação da Psicolinguística, Leonor Scliar-Cabral (UFSC), ele pode ser considerado um exemplo da forma como os estudos em processamento e aquisição de linguagem podem contribuir para a melhoria dos nossos índices educacionais. O ponto de partida é justamente um grave problema: a precariedade da alfabetização brasileira. Apresentando dados que ilustram o quão baixo é o rendimento de crianças em idade escolar em tarefas de leitura e escrita, Scliar-Cabral inicia por indagar as causas desse fracasso, inicialmente creditando-o a fatores socioeconômicos, de um lado, e a fatores patológicos, de outro. Sem negar o peso deles nos maus resultados da alfabetização, propõe uma terceira via, calcada nas mais recentes descobertas da neurociência da linguagem, as quais enfatizam o papel do sistema nervoso no processo de aquisição de língua escrita, e também nos achados da Psicolinguística acerca do processamento do sinal gráfico (letras e grafemas).

Para Scliar-Cabral, os fatores preponderantes para o sucesso do ensino de língua materna (em especial, o da alfabetização) são a formação do educador (descrito, para ela, em termos da fundamentação científica que ele deve possuir para o bom exercício da tarefa de educar/ensinar) e o método utilizado para a fixação de conteúdos. Apresenta, como exemplo, os resultados de uma bem sucedida experiência educativa, ocorrida em um município do interior do Nordeste (Lagarto/SE), na qual se obteve um salto significativo em avaliações de qualidade da alfabetização após a aplicação do Sistema Scliar de Alfabetização, método esse esmiuçado em seus fundamentos teóricos e metodológicos ao longo do capítulo. Dessa forma, Scliar-Cabral consegue, de uma só feita, mostrar a necessidade de se reformular as bases epistemológicas da educação, enfatizando seus aspectos biológicos, e conferir uma nova releitura para a clássica afirmação “quem realmente faz a diferença é o professor na sala de aula com os alunos”, desta vez assinalando a importância de o docente conhecer essas bases biológicas sobre as quais se assenta o processo.

Esses fundamentos biológicos apontam para a capacidade de o cérebro humano proceder ao estabelecimento da relação som-letra já em fase precoce de desenvolvimento cognitivo, na linha do que vem sendo explicitado por diversos neurocientistas, em especial, Dehaene (2012). Além disso, relacionam-se também ao que já vem sendo descrito e previsto por modelos mentais de processamento da leitura, como o de Garman (1990). O Sistema Scliar de Alfabetização pode ser considerado uma articulação entre essas propostas teóricas, assumindo tanto essa predisposição cerebral para a aquisição de língua escrita quanto um aparato cognitivo para o processamento do sinal gráfico, na leitura e na escrita. Ao descrever, em detalhes, o funcionamento de sua proposta, ao longo do capítulo, Scliar-Cabral novamente chama a atenção para o quanto a Psicolinguística e a Neurociência da Linguagem podem contribuir para uma melhor compreensão do modo como a criança adquire a linguagem escrita, explicitando conceitos como input/output e consciência fonológica/ fonêmica/grafêmica e demonstrando sua aplicação em situações reais de ensino/aprendizagem de língua materna.

Na mesma linha, o capítulo de autoria de Luiz Amaral (University of Massachusetts), intitulado Teoria da Testagem, Experimentos Psicolinguísticos e a Avaliação das Habilidades de Leitura e Escrita, segue em direção da articulação já esboçada por Scliar-Cabral. Difere desta, contudo, pelos elementos a serem articulados. Enquanto a eminente linguista combina contribuições teóricas e empíricas embasadas em recentes descobertas neurocognitivas e procedimentais no intuito de fundamentar um método de alfabetização mais eficiente (o qual exemplifica como tornar possível a articulação), o professor da UMass compõe sua proposta a partir da investigação sobre as possibilidades de aplicação do arsenal metodológico da Psicolinguística à resolução dos problemas de ensino/aprendizagem de língua materna. Não descurando, a exemplo de Scliar-Cabral, dos fatores socioeconômicos que afetam a educação brasileira, Amaral centra sua discussão na eficácia dos mecanismos avaliativos habitualmente utilizados nas escolas: são eles eficientes? A partir dessa pergunta, ele enceta uma crítica às formas tradicionais de avaliação usualmente aplicadas nas escolas, as quais, segundo ele, não atentam pra os princípios instituídos pela Teoria da Checagem. Essa teoria estabelece padrões de validade (validade de face, validade de conteúdo e validade de consequência) juntamente com critérios de avaliação (do instrumento e do construto), os quais, uma vez corretamente aplicados, garantem confiabilidade e validade às medidas de avaliação.

Amaral discorre didaticamente sobre cada um desses pontos, exemplificando seu uso no cotidiano escolar. Em seguida, mostra como se poderia combinar os princípios da Teoria da Testagem com as metodologias investigativas que vêm sendo de há muito aplicadas à investigação do processamento linguístico e aquisição da linguagem. Suas preocupações são, por um lado, evitar que os paradigmas experimentais psicolinguísticos aplicados à educação “caiam em um vácuo”, nas palavras do próprio autor, ficando sem sentido para os educadores e, por outro, garantir que os seus resultados realmente gerem dados relevantes para o diagnóstico dos fatores a serem considerados para o incremento da qualidade da educação. Nesse intuito, Amaral apresenta os principais pontos a serem considerados na avaliação (de acordo com ele, chamados de construtos) e mostra como eles poderiam ser investigados por métodos da Psicolinguística, desta vez revestidos com os princípios da Teoria da Checagem e protegidos, assim, das ameaças de problemas de validade interna e externa e gerando dados fortemente indicativos do modo como está transcorrendo o processo de alfabetização e letramento, tomados pelo autor como cruciais para um ensino/aprendizagem de qualidade.

Em suma, o que Amaral aponta em seu capítulo é a necessidade de as intervenções, sejam de natureza puramente pedagógica, sejam de modo articulado com a Psicolinguística, se assentem sobre fundamentos mais sólidos. Com isso, ele estabelece, junto com o texto de Scliar-Cabral, dois robustos alicerces sobre os quais se pode moldar uma nova feição para a educação: uma base epistemológica, advinda da Neurociência da Linguagem e da Psicolinguística Teórica, voltada para a elaboração de modelos teóricos e métodos de ensino, e uma base metodológico-avaliativa, proveniente da Teoria da Testagem e da Psicolinguística Experimental, focada na obtenção de dados empíricos e na avaliação da dinâmica do processo.

Se Scliar-Cabral vai em direção das bases em que se aprende, ou, em outras palavras, define o por que se aprende, e Amaral na direção das maneiras pelas quais se pode avaliar, ou seja, as medidas do como se aprende, Eduardo Kenedy, em seu capítulo, procura estabelecer o objeto a ser aprendido, ou o que se aprende. No capítulo nomeado O Problema do Analfabetismo Funcional no Brasil sob uma Perspectiva Psicolinguística, ele apresenta uma pertinente análise daquilo que é usualmente ensinado como sendo língua materna no Brasil, em especial nas séries iniciais. Seu ponto central é a afirmação de que “o status cognitivo da diglossia entre o vernáculo trazido à escola pelos alunos de origem social popular e o sistema linguístico subjacente ao chamado português escrito em padrão culto e formal” (p. 82). Daí a suaformulaçãodahipótesedeque“a falta de pedagogias adequadas ao status de língua estrangeira da escrita culta (...) e o desconhecimento da situação diglóssica da maioria das salas de aula e de programas didáticos no Brasil podem fazer com que a chamada escrita culta permaneça um objeto estranho aos estudantes” (p. 84). Como se percebe, Kenedy aponta que um dos mais graves problemas do ensino de língua materna em nosso país é uma indefinição do que de fato tem de ser ensinado, e essa indefinição acaba por comprometer todos os esforços pedagógicos despendidos por escolas e professores.

Para sustentar essa hipótese, Kenedy lança mão de uma argumentação que se inicia pela apresentação de uma série de dados estatísticos, oriundos de variados exames nacionais e internacionais, nos quais se delineia um quadro (aterrador) da má qualidade da educação brasileira em geral. Além disso, dados de organizações governamentais e não-governamentais revelam que uma parte significativa desse fracasso reside na distribuição dos recursos públicos destinados à educação: ainda que o volume total de recursos seja expressivo, sua divisão per capita está muito distante da média mundial. Estatísticas, no entanto, não são usadas por Kenedy para reforçar o peso das variáveis socioeconômicas no fracasso da educação do Brasil, mas sim para criar o pano de fundo para a constatação de um problema crucial: a enorme extensão do analfabetismo funcional em nosso país. Com base em estudos internacionais, que definem níveis de proficiência no uso da modalidade escrita da língua, o autor nos apresenta um conceito e uma caracterização de analfabetismo funcional que se encaixa à perfeição no atual quadro educacional brasileiro. E, com isso, enceta uma investigação que visa tanto mensurar a real extensão desse problema entre a população brasileira quanto buscar as suas causas. Ora, sendo uma expressiva parcela da população nacional analfabeta funcional, e, portanto, alijada do uso pleno da língua escrita, e sendo o ensino focado em um padrão culto formal baseado nessa mesma língua escrita, não é de se espantar que, para a maioria de nossos alunos, o objeto de ensino nas aulas de português seja algo mais próximo de uma língua estrangeira de fato do que uma língua materna – é a situação de diglossia, para a qual Kenedy chama a atenção em sua caracterização da problemática educacional brasileira.

Em termos mais teóricos, Kenedy procede a uma descrição dessa situação em termos da Teoria das Gramáticas Múltiplas e do Bilinguismo Universal, Roeper (1999) e de Amaral & Roeper (2014), partindo então para a aplicação dos construtos dessas teorias na análise de textos produzidos por alunos que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e em entrevistas orais com alunos de localidades situadas no estado do Rio de Janeiro (RJ), cujos resultados foram analisados com base nesse referencial teórico. Os resultados dessas análises caminham na direção do previsto pelas teorias das Múltiplas Gramáticas e pela hipótese do Bilinguismo Universal, o que parece evidenciar a aplicabilidade dessa ferramenta teórica aos problemas educacionais do Brasil, em especial no que tange à alfabetização funcional e uso da modalidade culta da língua materna. Ademais, o texto de Kenedy incita professores, pesquisadores e educadores a refletir um pouco mais sobre o objeto de ensino, no caso, língua materna, entrando assim em franca convergência com as propostas de Scliar-Cabral e Amaral, as quais se baseiam em reflexões sobre o sujeito do ensino e a forma do ensino, respectivamente.

A unidade até aqui conferida pelos capítulos precedentes ganha significativo reforço com o texto de Marcus Maia. Sob o título Computação Estrutural e de Conjunto na Leitura de Períodos: Um Estudo de Rastreamento Ocular, o autor procede a uma espécie de “resumo” das possibilidades de aplicação das propostas dos autores anteriores. Isso porque seu texto investiga um tópico bastante comum no ensino tradicional de língua portuguesa, a saber, o estudo do período composto, mas conferindo a ele uma nova roupagem ao abordá-lo sob a perspectiva do modo como os alunos o processam durante a leitura, estabelecendo a partir daí uma tipologia de perfis leitores. Nesse sentido, o texto pende em direção às sugestões de Eduardo Kenedy, na medida em que revisa um ponto da doutrina gramatical habitualmente ensinada na escola (revisa o objeto do ensino, portanto) e, ao definir os perfis leitores, permite uma melhor caracterização do conhecimento linguístico de cada falante, em termos de uma possível co-ocorrência de múltiplas gramáticas, conforme o proposto por Kenedy. Por outro lado, Maia propõe que essa investigação se dê por meio dos instrumentos já consagrados na pesquisa psicolinguística – em sua pesquisa, ele se vale da técnica do rastreamento ocular (eye-tracker) e, ao longo do capitulo, discorre sobre os aspectos históricos e conceituais desse paradigma experimental – e assim assemelha-se ao que é sugerido por Luiz Amaral a respeito do uso das técnicas psicolinguísticas na avaliação das competências linguísticas. Por fim, ao propor que as descrições dos fatos linguístico-gramaticais abordados nas escolas e as caracterizações das estruturas da gramática da língua que servem de base ao ensino sejam feitas a partir de dados empíricos concernentes ao funcionamento mental da linguagem, Maia logra aproximar-se daquilo que foi proposto por Scliar-Cabral acerca das novas bases (mentais, biológicas) sobre as quais se deve assentar a educação.

Após descrever seu experimento de forma detalhada, Maia apresenta os resultados e os discute em termos da necessidade de se enfatizar o processo de fixação de conhecimentos sobre a língua materna em particular, e sobre a linguagem em geral, mais do que simplesmente se concentrar nas descrições dos produtos desse processo, como habitualmente se tem feito. Tal ênfase tradicional está na base do fracasso do ensino, segundo Maia, pois desprovida de fundamento empírico e desligada da realidade linguística, tanto no nível descritivo quanto no nível cognitivo. Por outro lado, sua caracterização dos perfis leitores (leitores estruturantes e leitores lineares), estabelecida a partir dos dados colhidos em estudantes de nível superior e de nível fundamental, ilustra o fosso existente entre essessegmentosdaeducaçãobrasileira, porém, apontaparaumponto de partida a partir do qual se pode pensar em novas intervenções que diminuam esse fosso, ao mesmo tempo em que incrementam a qualidade do ensino de um modo geral.

A linguagem é uma estrutura que se manifesta em várias modalidades, e o ensino não pode descuidar desse fato. Nem mesmo um enfoque de pesquisa baseado em contribuições da Psicolinguística pode deixar isso de lado, devendo se voltar para a investigação sobre o processamento de outras modalidades textuais – é o que se encontra no capítulo seguinte da obra. No capítulo intitulado Compreensão multimodal e rastreamento ocular na leitura de gráficos, escrito por Érica dos Santos Rodrigues, Luane da Costa Pinto Lins Fragoso e Antonio João Carvalho Ribeiro, encontramosadescriçãonão só sobre o estudo de como se dá a integração entre o nível linguístico e o nível estrutural dos gráficos com base em experimentos psicolinguísticos, mas também uma síntese do surgimento do uso de gráficos, e dos estudos relacionados à compreensão das características visuais e cognitivas dos gráficos como elementos que devem apoiar a comunicação do conteúdo a ser expresso, além de, ao final, destacar a relevância do estudo dessas características multimodais da leitura de gráficos para a educação, já que estamos imersos em nosso cotidiano ao contato com gráficos e outros elementos visuais juntamente com os elementos linguísticos, assim ter a compreensão de como todos esses elementos são lidos e processados em termos cognitivos, permite termos uma maior precisão de quais características tem um impacto relevante em nossa leitura de mundo, assim como nos traz possibilidades de reflexão sobre que tipo de intervenção pedagógica pode ser mais produtiva na escola.

O capítulo começa com uma reflexão interessante em que se mostra que todo texto escrito em alguma medida é multimodal, ou seja, é processado levando-se em consideração mais do que os elementos e as características linguísticas apenas, há sempre elementos de outra ordem, sejam tipográficas ou de formatação do texto até outros elementos visuais como tabelas, ilustrações e gráficos. Como a integração dessas informações de instâncias e domínios distintos ocorre, segundo os autores, é o ponto focalizado pelo capítulo, particularmente no caso da leitura de gráficos.

Depois da apresentação e dessa reflexão inicial, temos a seção intitulada “O gênero gráfico: um pouco de história”. Os autores narrambrevementeahistóriado surgimentoedo uso do gráfico como um construto cultural feito para dar clareza e agilidade na exposição de dados quantitativos, facilitando a compreensão de descrições estatísticas de forma visualmente objetiva. O nome a ser mencionado na invenção dos primeiros gráficos é o de William Playfair (1759 – 1823) que deu origem a três tipos de gráficos até hoje utilizados: gráfico de linha, gráfico de barras e gráfico de pizza. O objetivo era o de auxiliar o entendimento de características numéricas que geram alta demanda em termos de processamento, demanda essa que pode ser reduzida com a representação explicitada na forma de gráficos, aumentando a possibilidade de se comunicar as características representadas de forma mais direta. Na próxima seção do capítulo V, intitulada “Componentes estruturais, tipos de gráficos e princípios de estruturação”, os autores resenham uma descrição de como utilizar os gráficos de forma efetiva, feita por Stephen M. Kosslyn no livro Graph Design for the eye and mind de 2006. Entre as características constitutivas básicas dos gráficos estão o seu esqueleto, o conteúdo e os rótulos. O esqueleto determina que tipo de gráfico temos, geralmente representado em L pelos eixos x e y, o conteúdo é a informação propriamente que será representada ou em forma de linhas, barras, etc. e os rótulos explicitam que tipo de informação é explicitada nos eixos, além de legendas e títulos que também cumprem esse papel. Aprendemos nessa seção que quanto mais prontamente as relações explicitadas pelo gráfico são apreendidas pelo leitor, mas o gráfico cumpre seu objetivo comunicativo. Além disso, Kosslyn (2006) enumera 8 princípios de construção de gráficos, levando em consideração as características do aparelho visual e o funcionamento cerebral, sempre com o foco na conexão com o público-alvo dos gráficos, esses princípios são sintetizados pelos autores de forma muito clara. As duas próximas seções, intituladas “A compreensão de gráficos” e“Integração entregráficos etextos” resenham estudos que se debruçam sobre como as informações representadas nos gráficos são extraídas e integradas em termos de processos cognitivos. Entre os autores citados, Pinker (1990) é o mais explorado, com base na descrição que ele faz de um esquema de como ocorre a compreensão de gráficos. Quanto à integração entre a informação visual extralinguística e a informação estritamente textual, os autores resenham estudos de Acartürk e colegas que focalizam o caráter multimodal do processamento na leitura e compreensão de gráficos, desdobrando os estudos de Kosslyn (2006) e Pinker (1990), Acartürk propõe a descrição de ligações referenciais entre entidades linguísticasevisuaispresentesnos gráficos, ou seja, estudaasligações de correspondência entre os elementos gráficos e linguísticos.

Na próxima seção, intitulada “Resultados experimentais relativos à leitura de gráficos e compreensão multimodal”, os autores apresentam alguns estudos que utilizaram a técnica de rastreamento ocular na investigação sobre compreensão multimodal de gráficos, com base na integração entre processamento linguístico e visual. Inicialmente apresentam a técnica de rastreamento ocular, amplamente utilizada na área de Psicolinguística, e então descrevem alguns estudos, entre eles, o mais detalhadamente descrito é o estudo de doutorado de Fragoso (2015), que é uma das autoras do capítulo. A tese tem como objetivo central investigar como ocorre o “mapeamento do conteúdo de sentenças nos gráficos correspondentes, ou seja, o modo como se dá a articulação entre os elementos linguísticos e visuais presentes numa constelação gráfico- texto” (p.159).

Para cumprir esse objetivo foi utilizada a técnica de rastreamento e foram est abelecidas condições experimentais em que constelações gráfico-texto foram manipuladas em relação a representação de um gráfico de linha e da legenda e título que o acompanham, ora essas informações são compatíveis, ora essas informações são incompatíveis, dessa forma se conseguiu observar a demanda e a trajetória envolvidas na leitura do gráfico, mostrando que o custo de integração entre as informações gráficas e linguísticas é determinado pela compatibilidade (ou não) entre elas.

Por fim, antes das referências bibliográficas, o capítulo traz a seção intitulada “Gráficos e Educação”, em os autores mostram que antes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) os temas relacionados à Estatística e Probabilidade eram muito escassos nos livros didáticos de Matemática, o que muda bastante depois dos PCNs, pois há a ênfase na necessidade de uma prática pedagógica que atenda as motivações e os anseios dos alunos como cidadãos críticos. Nesse contexto, a aprendizagem referente à leitura de gráficos faz parte do Letramento Estatístico que deve ser adquirido pelos alunos para que os ajude a lidar com esse tipo de informação que está presente em profusão no cotidiano.

O capítulo traz assim a síntese de estudos que abrem um campo de pesquisa para a Psicolinguística muito pouco explorado, mostrando que o Processamento Linguístico pode ser estudado de forma integrada a outros domínios cognitivos, permitindo o entendimento dos processos mentais referentes a estímulos e representações multimodais. Dessa forma, consequentemente, permite-se a atuação em termos de ensino/aprendizagem de forma mais precisa, fazendo com que os alunos percebam a relevância desse tipo de informação para a leitura do mundo de hoje em que estão imersos a semioses de todos os tipos, como por exemplo: hipertextos, memes, gráficos, tabelas, ilustrações, animações, geralmente integradas a estímulos estritamente linguísticos. A compreensão desses processos deve ser entendida como uma forma de viabilizar a leitura crítica do mundo que nos cerca e, por isso, tem de estar presente na Educação.

No capítulo intitulado Memória de trabalho e dificuldades de aprendizagem da leitura no 2o ano do ensino fundamental: os resultados de uma intervenção, que tem como autores a Mailce Borges Mota, Lidiomar José Mascarello e Augusto Buchweitz, temos o relato de uma experiência de intervenção com base em estudo psicolinguístico nos anos iniciais do Ensino Fundamental em que a habilidade leitora se concretiza em termos de decodificação. Além disso, há a descrição da relação, já estabelecida, com a capacidade da memória de trabalho. O capítulo começa, na introdução, convidando o leitor a considerar um caso de uma menina chamada Julia que cursa o terceiro ano do ensino fundamental e que acaba de ganhar um tablet dos pais, sinalizando um percurso de vitórias alcançadas com a ajuda da professora e da escola por ser uma aluna que tinha dificuldades com a leitura, esquecendo nomes com facilidade, trocando letras, e dificuldade de compreensão de instruções, etc. Os autores relatam esse caso como sendo representativo do que acontece com muitos alunos em milhares de salas de aula pelo Brasil a fora e que, muitas vezes, não tem esse apoio adequado. São então reiterados os dados oficiais que mostram com clareza os índices relacionados à Educação no Brasil, particularmente, do ensino fundamental, mostrando, entre outros números, que o Brasil tem a terceira maior taxa de abandono escolar em um conjunto de 100 países pesquisados. Essa situação tem causas variadas e decorrentes de fatores também diversos, entre eles, as dificuldades de aprendizagem que são o foco do capítulo, especificamente, em relação ao papel da memória de trabalho como indicador dessas dificuldades e da possível otimização da capacidade mnemônica via intervenção pedagógica.

Na seção seguinte, os autores traçam uma síntese do que é o sistema de memória de trabalho tendo como referência os trabalhos de Baddeley. Descrevem o sistema como sendo multicomponencial composto de três subsistemas inicialmente: um executivo central, uma alça fonológica e uma alça visuoespacial, mencionam ainda que, em uma versão mais recente, de Baddeley (2000), é incluído um quarto componente que é o bufier episódico.

No modelo descrito, o componente executivo central é o responsável pela coordenação e administração das operações dos outros subsistemas via regulação da atenção, nele não há armazenamento de informação. Já o componente alça visuoespacial é responsável por guardar temporariamente as informações visuais e espaciais, ele permite, por exemplo, que nos movimentemos e nos localizemos no espaço. O componente alça fonológica éespecializado em informação proveniente da linguagem verbal, por isso seu papel fundamental na aquisição da linguagem, na aprendizagem de vocabulário e na leitura, o que consequentemente explica a relação estreita entre problemas na aprendizagem da leitura e déficits na alça fonológica.

Na outra seção, os autores explicitam mais detalhadamente a relação, evidenciada em muitos trabalhos, que mostra que a baixa capacidade de memória de trabalho tem relação com dificuldades de aprendizagem da leitura. Estão comprometidos, por exemplo, o “processamento de estruturas sintáticas complexas” e o processamento anafórico, em que a memória de trabalho tem papel na ativação, retenção e recuperação de informação referencial durante a leitura.

Na seção seguinte, há o relato de “uma intervenção pedagógica voltada para a capacidade de memória de trabalho” em 165 alunos em idades entre 7 e 9 anos que frequentavam o 2o ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do Estado de Santa Catarina. O estudo, que faz parte da tese de doutorado de um dos autores do capítulo (Mascarello, 2016), ocorreu em três etapas, na primeira etapa foi avaliada a memória de trabalho por meio de testes contidos na Escala Wechsler de Inteligência para Crianças – WISC-IV, na segunda etapa foi avaliado o desempenho em leitura por meio do Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras – TCLPP (SEABRA e CAPOVILLA, 2010) e, por fim, os autores descrevem a terceira etapa em que houve a intervenção pedagógica na qual participaram 31 alunos com baixo desempenho tanto nos testes de capacidade de memória de trabalho, quanto nos testes de leitura, além de outro grupo controle com alunos que foram bem nos testes.

Foram utilizados, na intervenção, 17 jogos e atividades que necessitavam de armazenamento e processamento simultâneo de informações, além de demandarem a atuação dos três componentes do modelo de memória proposto por Beddeley e Hitch (1974). A intervenção durou 10 semanas, sendo 1 hora pode dia, 5 dias da semana. Um destaque importante que é feito pelos autores, diz respeito ao baixo custo e a simplicidade dos materiais utilizados na intervenção, o que facilita todo o processo da intervenção e permite que ele possa ser replicado em outros contextos e escolas.

Os resultados e a análise comparativa entre os pré-testes e os pós- testes, em linhas gerais, mostraram que a intervenção teve um efeito positivo significativo em termos estatísticos em relação à melhora da capacidade da memória de trabalho e, mais importante, com impacto também positivo no desempenho de leitura de palavras. Dessa forma, o estudo reforça outros recentes trabalhos que propõem que pelo menos uma parte das dificuldades de leitura que os alunos apresentam podem ser relacionadas a baixa capacidade de memória de trabalho e que o treinamento via intervenção tem a possibilidade de surtir efeito relevante na melhora da capacidade de memória de trabalho e na habilidade leitora das crianças.

Na última seção, de considerações finais, os autores retomam o caso da menina Julia, salientando que a melhora do caso dela também partiu da capacidade da professora de identificar as dificuldades e conseguir, com apoio da escola, intervir a tempo de permitir a remediação e de promover o progresso de sua habilidade leitora. Assim, fica claro, que esse tipo de estudo psicolinguístico e a informação que ele fornece deve chegar nas escolas e nos professores do Ensino Fundamental de forma generalizada, para que outros casos como o da menina Júlia, e dos alunos que participaram desse estudo relatado no capítulo VI, possam se multiplicar por todos os cantos do Brasil.

Esse estudo é mais um exemplo de que, além de contribuir no mapeamento de fenômenos relacionados à cognição humana e aos problemas no aprendizado da leitura, a Psicolinguística tem um enorme potencial de ajudar também, efetivamente, na solução de alguns desses problemas. Com essa intenção os autores finalizam o capítulo com as seguintes palavras:

“É nossa obrigação, como membros da comunidade científica e educacional, colaborar para que nenhuma criança desista de aprender e abandone a escola, por qualquer razão, muito menos por dificuldades de aprendizagem que podem ser evitadas”.

No capítulo intitulado Neurociências, Psicolinguística e aprendizagem de línguas adicionais: um diálogo necessário no contexto da Educação do século 21, que tem como autoras as professoras Ingrid Finger, Luciana Brentano e Ana Beatriz Arêas da Luz Fontes, focaliza-se como tema central a contribuição que as Neurociências e a Psicolinguística tem provido em relação aos benefícios do aprendizado de línguas adicionais, não só em relação a ganhos práticos e cotidianos de se conhecer mais de uma língua nas sociedades cada vez mais multilíngues, mas também nos ganhos em termos de aprendizagem em geral, via a melhora do desempenho nas funções executivas e comunicativas, que se refletem em ganhos na aprendizagem em vários campos de conhecimento, inclusive na aprendizagem e no processamento da própria língua materna.

As autoras começam o capítulo mostrando o quanto a sociedade mundial vem se tornando cada vez mais multilíngue, exemplificam com a Europa, em que a metade da população consegue se comunicar em mais de uma língua e, aproximadamente, um quarto da população domina três línguas. Descrevem também a situação dos EUA que, mesmo sendo por muito tempo um país considerado monolíngue, com a grande quantidade de imigração e com o crescimento do uso do espanhol, há cada vez mais a necessidade de se conhecer e se comunicar por meio de línguas adicionais para que haja possibilidade do estabelecimento de relações comunicativas globais e relações econômicas também globalizadas. Já no Brasil, apesar da enorme diversidade linguística, com, aproximadamente, 274 línguas indígenas, 56 línguas de imigração, além do português e de libras – língua de sinais, que são oficiais no país, ainda se percebe o Brasil como um grande país monolíngue, muito por conta de preconceitos arraigados na sociedade e da falta de informação científica.

Ainda na parte introdutória, mostra-se que, para além do equívoco de se conceber que um bilíngue para ser bilíngue precisa ter o mesmo nível de desempenho de um falante nativo em todas as habilidades linguísticas, hoje como conceituação sedimentada, baseadas em Grosjean e Li (2013), sabe-se que um bilíngue é qualquer indivíduo que usa uma língua adicional em alguma das habilidades, como, por exemplo, a leitura e a produção oral, em contextos cotidianos por necessidades e propósitos específicos. Nesse contexto, reitera-se o foco do capítulo que busca mostrar que a aprendizagem de línguas adicionais pode impactar positivamente em termos cognitivos mais gerais.

Na próxima seção, as autoras descrevem em mais detalhes a contribuição das Neurociências a partir do conhecimento atual das propriedades e características do cérebro. Sabe-se, por exemplo, que a neuroplasticidade, capacidade do cérebro de se moldar às experiências de vida, permite a aprendizagem em qualquer idade, o que vai depender de uma série de fatores, entre eles, o quanto de estimulação será provida para cada área de aprendizagem.

Com base nesse conhecimento sobre o cérebro, as autoras se dizem surpreendidas, como, por décadas, a discussão e a reflexão sobre Educação negligenciou o conhecimento advindo das Neurociências? Entretanto, mais recentemente, parece haver uma percepção de que essa interface pode trazer uma melhoria relevante no processo educacional. As autoras descrevem algumas das funções executivas relevantes na aprendizagem em geral e, particularmente, na aprendizagem das línguas, mostram que há fatores que podem influenciar o desenvolvimento das funções executivas, e que a aprendizagem de uma língua adicional é um desses fatores que têm sido investigados em várias pesquisas que evidenciam que as crianças que utilizam regularmente duas ou mais línguas podem ter esse desenvolvimento acelerado, impactando diretamente na aprendizagem.

No fechamento da obra, tem-se o capítulo Cérebro e Leitura: Educação, Neurociência e o Novo Aluno na Era do Conhecimento, de autoria de Aniela Improta França, Aléria Lage, Juliana Novo Gomes, Marije Soto e Aline Gesualdi-Manhães, e voltado para as bases cerebrais do processamento da leitura, com o toque alvissareiro de focar em um novo tipo de sujeito do aprendizado: o aluno nativo digital. Compreender que os alunos de hoje estão imersos em um ambiente altamente tecnológico, dizem as autoras, é um aspecto fundamental a para o entendimento da dinâmica de aquisição proficiente da leitura e do papel do sistema nervoso central no processo, por um lado, e para a caracterização das causas do fracasso brasileiro nesse quesito. Citando uma série de trabalhos internacionais realizados desde a década de 1960, e apresentando os seus respectivos resultados na perspectiva da nova realidade educacional mundial e brasileira, as autoras concluem que “com as novas demandas cognitivas, as novas gerações podem exibir mudanças exponenciais em uma gama de mecanismos cerebrais (...). Portanto, o ambiente escolar tem que ser dinamizado com vivências educacionais ricas, em que os alunos sejam os agentes de seus próprios processos de aprendizagem”. O capítulo pode ser entendido como a extensão dessa conclusão aos processos de desenvolvimento das competências leitoras, em especial no que concerne às suas bases cerebrais, e como a Psicolinguística pode contribuir para que essa conclusão seja concretizada na escola brasileira.

Analisando a importância da leitura na era do conhecimento, seu processo de aquisição e sua caracterização em termos da neurociência da leitura, em seções distintas e detalhadas ao longo do texto, as autoras buscam cumprir o intento anteriormente assinalado, passando pela defesa do método fônico de alfabetização (em consonância com as achados da moderna neurociência da leitura) e demonstrando como a pesquisa básica nessa área do conhecimento pode ser aplicada à Educação, dentro do que vem sendo concebido como pesquisa translacional. Para tanto, apresentam a descrição de um experimento com a técnica de EEG (eletroencefalografia), voltado para a extração de potenciais evocados a eventos (ERP´s) durante uma atividade de leitura. Baseando-se em alguns componentes já caracterizados na literatura (como N400), as autoras buscaram verificar se um grupo de alunos do Ensino Fundamental realmente liam palavras mostradas em um monitor ou se tentavam adivinhá-las. A congruência semântica entre as palavras nas sentenças expostas foi controlada, assim com certos aspectos ortográficos. Os resultados evidenciaram padrões de atividade elétrica distintos entre os participantes, com os que tiveram bom desempenho apresentando o N400, ao passo que os de desempenho ruim não demonstraram esse componente. Isso mostra, afirmam as autoras, que a congruência semântica e anomalias ortográficas são percebidas pelos leitores proficientes em nível cerebral, indicando assim que a análise dos padrões de comportamento cerebral podem ser pistas confiáveis na caracterização dos processos de leitura e diagnóstico de possíveis problemas a serem atacados pela escola ao longo do período de desenvolvimento da leitura. O texto, então, pode ser analisado como sendo um significativo exemplo das potencialidades que o estudo do cérebro abre no entendimento do processamento linguístico subjacente à leitura.

Esperamos que toda a informação resenhada, sintetizando os capítulos do livro “Psicolinguística e Educação”, possa fornecer a motivação necessária para a leitura do livro, pois acreditamos que ele vem realmente trazer possibilidades de trabalho dentro da pesquisa Psicolinguística em diálogo com pesquisadores de outras áreas e, principalmente, com os professores do chão da escola que podem também contribuir de forma fundamental para que a interface com a Educação seja produtiva e rica em aprendizado para todos os participantes.

Não podíamos terminar sem destacar a orelha do livro que foi escrita pelo professor Roberto Lent, coordenador da Rede de Ciência para Educação1, que reitera a importância do livro como um passo para conseguirmos, depois de sabermos com precisão quais são os problemas, podermos com igual vigor ataca-los com a ajuda da Ciência e de toda a sociedade envolvida nesse percurso via a construção de uma ponte com a Educação. Além da orelha, o prefácio do livro escrito pelo professor José Morais, que é um dos grandes nomes na pesquisa sobre leitura no mundo, traz já de início a reflexão sobre os problemas educacionais enfrentados pelo Brasil e o quanto a compreensão dos mecanismos cognitivos envolvidos na leitura podem contribuir para esse enfrentamento.

Finalizamos com as palavras do organizador de “Psicolinguística e Educação”, professor Marcus Maia, que estão contidas ao final da apresentação do livro e que exibem algumas das motivações principais dos que o construíram:

“Espera-se que as análises e propostas aqui entretidas sejam inspiradoras e multiplicadoras de ações pedagógicas e políticas públicas inovadoras, que garantam o desenvolvimento cognitivo e afetivo pleno e digno dos alunos nas escolas brasileiras, transformando radicalmente o quadro de indigência e violência em que vivemos. É possível”. (p. 23)

Referências

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BADDELEY, A. “The episodic buffer: A new component of working memory?” Trends in Cognitive Science. 4(11), 2000. pp. 417-423.

BADDELEY, A.; HITCH, G. J. “Working memory”, in: BOWER, G. A. (ed.) The Psychology of Learning and Motivation. Nova York: Academic Press, 1974. pp. 47-89.

DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Consultoria , tradução e supervisão de L. Scliar-Cabral. Porto Alegre: Penso. 2012.

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